Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
756/14.3TBPTM.L1-6
Relator: MANUEL RODRIGUES
Descritores: VALORES MOBILIÁRIOS
OFERTA PÚBLICA DE AQUISIÇÃO
OPA
INDEMNIZAÇÃO
PRAZO
CADUCIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Os prazos fixados no artigo 153.º do Código dos Valores Mobiliários são de caducidade.
II - O prazo de seis meses ali previsto só começa a contar após a data do conhecimento pelo lesado da deficiência da informação; e o prazo mais alargado, de dois anos, começa a contar da data da divulgação do documento informativo ou previsional ou, em relação ao prospecto de oferta pública, a partir da data da divulgação do resultado da oferta.
III - Seja qual for o momento em que o lesado tenha tido conhecimento da deficiência da informação, o prazo de dois anos previsto no artigo 153.º do CVM, começa a contar com a divulgação da informação desconforme, actuando como prazo limite, caducando o direito à indemnização “em qualquer caso”, dois anos após a sua divulgação.
IV - Se, como acontece no caso dos autos, a contagem do prazo de seis meses se iniciar e atingir o seu termo antes de decorrido o prazo mais longo de dois anos [que se iniciou com a divulgação do prospecto da oferta pública], o prazo mais curto será o primeiro a terminar, fazendo caducar o direito a indemnização previsto no art.º 153.º do CVM.
Decisão Texto Parcial:Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
           
I - Relatório
1. O… e  J.., com os sinais dos autos, intentaram no Tribunal Judicial da Comarca de Portimão, a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra T…, S.A.R.L., melhor identificada a fls. 4 dos autos, pedindo seja a Ré condenada a:
a) a reconhecer que agiu ilícita e culposamente ao divulgar a informação relativa à política de dividendos a operar no futuro, em sede do Prospecto da OPA. ocorrida em 15/08/2012 sobre a sociedade Brisa Auto - Estradas de Portugal, S.A., com a intenção de prejudicar os seus accionistas, entre os quais os ora AA. e, por conseguinte, que seja esta conduta declarada causa directa e necessária dos danos sofridos por estes,
b) a indemnizar o 1.º A. a título de danos patrimoniais, da quantia de 6.347,31€ (seis mil trezentos e quarenta e sete euros e trinta e um cêntimos), correspondendo esta indemnização necessariamente ao montante da quantia que foi paga a titulo de dividendos, no valor de 0,69€ (sessenta e nove cêntimos) por cada acção, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 483.º, 485.º/1/2, 562.º, 563.º e ainda 566.º/1 todos do Código Civil, e também,
c) a indemnizar o 2.º A. a título de danos patrimoniais, da quantia que se vier a apurar em sede de execução de sentença, logo que o mesmo conheça do número exacto de acções vendidas, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 358.º e seguintes do CPC.
d) e ainda, nos juros que se vierem a vencer, sobre as quantias acima mencionadas até efectivo e integral pagamento.
Para o efeito e resumidamente alegaram:
Os Autores que foram legítimos titulares e portadores, até pelo menos 9 de Maio de 2013, de acções da Brisa Auto - Estradas de Portugal, S.A.;
Os Autores venderam as suas acções de forma não voluntária sujeitos à pressão resultante da deliberação autorizativa da CMVM - Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, na qual se sanciona a perda de qualidade de sociedade aberta da Brisa Auto - Estradas de Portugal, S.A., por causa das desvantagens óbvias decorrentes da alteração do estatuto do seu investimento, nomeadamente a consequente falta de liquidez, de informação, entre outras a que acresce a informação constante do 1.º parágrafo a fls. 22 do Prospecto de Oferta da OPA da Brisa Auto - Estradas de Portugal, S.A. da responsabilidade da Ré e relativa à política de dividendos a aplicar no futuro pela mesma, donde resultava claramente a não distribuição a breve prazo, de quaisquer dividendos futuros;
Posteriormente, veio a Ré a aprovar em 26 de Agosto de 2013 uma proposta de distribuição de dividendos de que os Autores não beneficiaram por haverem vendido as suas acções, o que lhes causou prejuízos cujo ressarcimento reclamam nesta acção.
2. Contestou a Ré, excepcionando a incompetência territorial do tribunal de Portimão para a tramitação e julgamento da causa, por ser competente para o efeito o tribunal da comarca de Lisboa.
Alegou, ainda, a caducidade do direito dos Autores, por haver decorrido o prazo previsto no art.º 153º do CVM à data da propositura da acção.
No mais, impugnou os factos alegados pelos Autores, concluindo que a sua actuação na elaboração do prospecto e como accionista da Brisa foi lícita e não deu causa a quaisquer danos na esfera jurídica dos Autores.
3. Respondendo às excepções, os Autores vieram alegar não ter caducado o seu direito uma vez que só tomaram conhecimento da proposta de distribuição do dividendo extraordinário em 10-09-2013 e quanto à questão da incompetência do tribunal em razão do território pugnam pela competência do tribunal de Portimão.
4. O Tribunal de Portimão veio a julgar procedente a invocada excepção determinando a remessa à Instância Local Cível de Lisboa, que, por sua vez, se declarou incompetente em razão do valor e competente a Instância Central Cível de Lisboa.
5. Distribuído o processo pelos Juízos Centrais Cíveis de Lisboa, teve lugar a audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, que relegou para a sentença o conhecimento da invocada excepção de caducidade do direito de acção dos Autores, seleccionada a matéria de facto considerada assente, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova [cf. acta de 12.Dez.2016.
6. Realizada a audiência de julgamento final, que teve duas sessões e respeitou as formalidades legas, veio a ser proferida sentença datada de 28-07-207 que julgou a acção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolveu a Ré do pedido.
 →7. Inconformados com o assim decidido, apelaram os Autores para esta Relação, rematando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente Recurso interposto da douta sentença que julgou totalmente improcedente todos os pedidos deduzidos pelos AA..
2. A sentença ora posta em crise enferma, salvo o devido respeito, de dois vícios essenciais, a saber; (i) matéria de facto incorretamente julgada e (ii) erro da aplicação do direito.
3. No que concerne ao erro da matéria de facto incorretamente julgada, o Tribunal “a quo”, não interpretou correctamente o início da contagem do prazo para efeitos de caducidade da acção.
4. No entendimento dos Apelantes, o prazo de caducidade, inicia-se com o efectivo e integral pagamento do dividendo, uma vez que, até lá, ter-se-á de entender que são meras intenções de pagamento.
5. Pergunta-se, e se não pagassem, começaria o prazo a contar desde aí?
6. É óbvio que não, pelo que, só a partir do pagamento do dividendo é que poderá iniciar-se a contagem do prazo de caducidade, uma vez que a intenção de pagamento, conforme se demonstrou poderia não ocorrer por acção judicial e/ou não acatada pela Administração da Empresa (i.e. quando interpelada nos termos do artigo 24º, nº 2 do CVM).
7. Relativamente à informação disponibilizada no Prospecto, factor essencial e obrigatório que deveria ter sido acautelado pela Ré, esta não foi de todo clara, evidente, objectiva, real, completa e lícita, de acordo com o disposto no artigo 135º do CVM.
8. A Ré violou assim o dever de informação a que estava obrigada.
9. Publicação essa que se veio a revelar danosa para os AA. ora Apelantes.
10. A questão essencial e fulcral do presente Recurso, prende-se com a interpretação das condições e informações prestadas no Prospecto que levaram a que os Apelantes alienassem as suas posições na Brisa.
11. As informações constantes do Prospecto, causaram enormes prejuízos aos Apelantes, uma vez que a informação constante do mesmo, não foi clara e evidente conforme deveria ser.
12. Os Apelantes, com base na informação do Prospecto que não previa a curto prazo a distribuição de dividendos, forçou os Apelantes a venderem as suas acções.
13. O Prospecto teve apenas como uma única intenção, de levar os accionistas minoritários a venderem as suas posições, como foi o caso dos Apelantes e de outros, fazendo com que a Ré conseguisse obter um maior número de acções e consequentemente, vir a ser paga por dividendos, enriquecendo assim à custa dos accionistas minoritários.
14. Esta conduta dolosa por parte da Ré, deverá ser julgada provada e procedente e assim, serem os Apelantes indemnizados no montante peticionado.
Termos em que, deverá a douta sentença recorrida, ser revogada e, em sua substituição ser proferida outra que decida pela procedência integral dos pedidos deduzidos pelos Apelantes, assim se fazendo a costumada justiça!».
8. A Ré e Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais pugna pela rejeição da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por incumprimento dos ónus de especificação impostos pelos artigos 639.º e 640.º do CPC e pela improcedência da apelação.
9. Por despacho do presente relator, de 30-10-2019, (…), foi julgada deserta a instância de recurso relativamente ao Autor e Recorrente O….
10. Colhidos que se mostram os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
II – Objecto e âmbito do recurso
De acordo com o disposto nos artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, contanto que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Assim, face ao teor das conclusões formuladas no confronto com a sentença recorrida, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
1.ª - Da [rejeição] da impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
2.ª - Da caducidade do direito à indemnização por informação deficiente
Em caso de improcedência da segunda questão:
3.ª - Saber se a sentença recorrida ostenta erro de julgamento que imponha a sua revogação e consequente substituição por outra que julgue a acção totalmente procedente relativamente ao Autor e Recorrente Joaquim …[único contra quem prossegue a instância de recurso].   
*
III Fundamentação:
A) Motivação de Facto (….)
A.1) Factos provados:
A) Teor do Prospecto junto (….): “A tabela seguinte mostra os preços alvo (fair value) dos analistas financeiros para a Brisa … emitidas apos 29 de novembro de 2011 (data em que a notação de risco da Brisa foi reduzida pela Moody’s para Ba1 o que despoletou o acionamento de uma cláusula de lock up que impossibilita a Brisa – Concessões Rodoviárias, S.A. de efectuar quaisquer distribuições que tem, atá à data, suportado a distribuição de dividendos por parte da Sociedade Visada e que são essenciais para a manutenção de um dividendo sustentado ao longo do tempo) mas antes da data do Anúncio Preliminar”;
- a fls. 22, 1.º parágrafo: “A disponibilidade da Sociedade Visada (Brisa) para prosseguir tal política de distribuição de dividendos poderá vir a ser afectada pela existência dos actuais termos e condições do financiamento da Brisa -Concessões Rodoviárias, S.A. (BCR) nomeadamente o lock-up a que os dividendos desta sociedade se encontram sujeitos, anunciado ao mercado a 29 de Novembro de 2011 e que perdurará enquanto não existirem duas notações de risco de crédito ao nível de investment grade. A manutenção destas limitações à distribuição de dividendos por parte da Brisa-Concessões Rodoviárias, S.A. por um período significativo de tempo irá provavelmente prejudicar a capacidade da Sociedade Visada de manter um dividendo sustentável ao longo do tempo.”;
- nas páginas 21 e 22: “sujeito às condições aplicáveis e de acordo com critérios de prudência, pretende-se que a Sociedade Visada (a Brisa) retome a distribuição de dividendos na medida do possível, ainda que sem ter como baliza uma percentagem fixa dos seus lucros ou um montante visado relativamente a, ou ao longo de um certo período, ao invés do que foi anunciado no Dia do Investidor da Brisa de 22 de Novembro de 2010 para os anos 2010-2015”.
[…]
Não obstante, é intenção da Oferente tentar mitigar o impacto das referidas limitações à distribuição de dividendos ao nível da Brisa-Concessões Rodoviárias, S.A., nomeadamente considerando alternativas disponíveis para o efeito que poderão incluir desinvestimentos de participações sociais detidas pela Sociedade Visada”].
B) Teor dos documentos juntos a fls. 107 a 157.
C) A Ré é uma sociedade de direito luxemburguês, sendo detida directamente em 55% pela sociedade de direito luxemburguês J.., S.À.R.L., subsidiária integral da sociedade de direito português J.. SGPS, SA (JdM), e em 45% pela sociedade de direito luxemburguês A…S.À.R.L. 
D) A 29 de Março de 2012, a T.. anunciou preliminarmente o lançamento de uma OPA geral e obrigatória sobre a totalidade das acções ordinárias da Brisa, nos termos do n.º 1 do artigo 187.º do CVM, em consequência de um acordo para o efeito celebrado entre a T.., a J…e a A...
(….)
G) Em 16 de Julho de 2012, a T… publicou o Prospeto de OPA e ofereceu o preço de € 2,76 por acção da Brisa, tendo a oferta decorrido entre 17 de Julho e 8 de Agosto desse ano.
H) Os resultados da OPA foram apurados na Sessão Especial de Mercado Regulamentado pela Bolsa e divulgados em 9 de Agosto de 2012.
(……)
B)  Do mérito do recurso:
B.1) Primeira questão:
O Recorrente afirma, na conclusão 2.ª que a sentença em crise está viciada por matéria de facto incorrectamente julgada e na conclusão 3.ª, à laia de esclarecimento, refere que “No que concerne ao erro da matéria de facto incorrectamente julgada, o Tribunal “a quo” não interpretou correctamente o início da contagem do prazo para efeitos de caducidade da acção. Nas conclusões 4.ª, 5.ª e 6.ª, o Recorrente discorre sobre a referida questão [de direito] do início da contagem do prazo de caducidade.
Nas suas contra-alegações, a Ré e Recorrida defende a rejeição da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por não respeitar os ónus impostos pelos artigos 639.º e 640.º do CPC.
Sobre os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o mesmo é dizer sobre os requisitos de admissibilidade do recurso quanto à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto pelo tribunal “ad quem”, dispõe o art.º 640º do Código de Processo Civil:
«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
2. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição soa excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.»
No que respeita à observância dos requisitos constantes do artigo 640º do CPC, após posições divergentes na nossa jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» (Ac. STJ de 01.10.2015, P. 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ana Luísa Geraldes; Ac. STJ de 14.01.2016, P. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, P. nº 299/05, Tomé Gomes; Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção, Pinto de Almeida; Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. nº 233/09, Lopes do Rego; Acórdão de 31.5.2016, Garcia Calejo, 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, Ana Luísa Geraldes, 449/410; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.1.2015, Clara Sottomayor, 1060/07.)
Assim, “O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do art.º 640º do Novo CPC”.
A saber:
- A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;
- A especificação dos meios probatórios que no entender do recorrente imponham uma solução diversa;
- E a decisão alternativa que é pretendida. (Ac. STJ. de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, proc. n.º 861/13.3TTVIS.C1.S)
Ora, no que concerne às decisões alternativas que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto que enuncia, a Recorrente nada diz nas conclusões do recurso, não especifica, concretamente, qual a decisão que deveria ter sido proferida face à análise dos meios probatórios que indica.
No que respeita ao ónus imposto pela alíneas a) e c) do n.º 1 doa artigo 640.º do CPC, eles não foram observados pelo Recorrente pois não só não indicou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, como não indicou, sequer no corpo das alegações, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto genericamente impugnadas.
O Recorrente não indicou, nem no corpo das alegações, nem nas conclusões, em obediência ao disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 640.º do C.P.C. “A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. Não basta a indicação de que o Tribunal não deveria ter considerado provado ou não provado determinados pontos, ou a sua extensão ou a redacção que foi dada.
É necessário que, de forma clara, o recorrente indique que decisão em alternativa entende dever ser proferida sobre estes pontos, para que o tribunal de recurso se possa pronunciar sobre o efectivo objecto do recurso.
Não cumprindo as alegações e conclusões da Recorrente estes ónus, não é esta omissão passível de despacho de aperfeiçoamento.
Conforme refere Abrantes Geraldes [[1]], “A comparação que necessariamente tem que ser feita com o disposto no art.º 639º e, além disso, a observação dos antecedentes legislativos levam-me a concluir que não existe, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento. Resultado que é comprovado pelo teor do art.º 652º, n.º1, al. a), na medida em que limita os poderes do relator ao despacho de aperfeiçoamento “das conclusões das alegações, nos termos do n.º 3 do art.º 639.”  
Pretendeu-se com este regime legal, ao possibilitar a ampliação dos poderes da Relação relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a imposição de regras muito precisas, sem a observância das quais o recurso deve ser liminarmente rejeitado.”.
Tal como vêm formuladas as conclusões e as alegações do recurso dica sem se saber qual a pretensão da Recorrente dirigida a esta Relação: se pretende que a factualidade dada como provada seja considerada como não provada, na totalidade ou em parte; ou se pretende que seja proferida uma qualquer outra decisão sobre as questões de facto decididas.
Como resulta do disposto nos artigos 640.º e 652.º, n.º 1, alínea a), do CPC, o recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto deve não só identificar os pontos de facto que considera incorrectamente como também especificar concreta e individualizadamente o sentido da resposta diversa que, em seu entender, a prova produzida permite relativamente a cada um dos factos impugnados.
As exigências impostas pelo artigo 640.º CPC ao recorrente que impugne a matéria de facto são decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, visando-se com elas assegurar a seriedade do próprio recurso.
Mas elas não são alheias também ao princípio do contraditório, pois destinam-se a possibilitar que a parte contrária possa identificar, de forma precisa, os fundamentos do recurso, podendo assim discretear sobre eles, rebatendo-os especificadamente.
A impugnação da matéria de facto não gera a realização dum novo julgamento integral em segunda instância, constituindo antes um meio de sindicar a decisão da primeira instância quanto à decisão da matéria de facto [[2]] - não envolve a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida, incidindo sobre pontos determinados da matéria, que ao recorrente compete identificar, aduzindo em complemento os concretos meios probatórios que, em seu entender, justificam uma diversa decisão.
A primeira exigência consiste na identificação precisa dos pontos da matéria de facto impugnados e na indicação do sentido ou sentidos das respostas a dar, em substituição das respostas dadas pela decisão recorrida.
Não bastará, para o cumprimento desta exigência, que o recorrente se limite a manifestar a sua discordância quanto ao decidido pelo tribunal recorrido, impondo-se ainda que se pronuncie expressamente sobre o sentido em que deverá ser julgado tal facto (provado ou não provado, o concreto sentido de resposta restritiva ou explicativa).
Na verdade, só dessa forma se conseguirá o recorrente especificar os concretos pontos de facto incorrectamente julgados.
Assim, em ordem ao cumprimento dos ónus estabelecidos no artigo 640, do C.P.C., deve o recorrente indicar, circunstanciadamente, os concretos pontos de prova relevantes em relação a cada um dos factos impugnados – tal indicação tem de ser feita individualmente para cada um dos pontos da matéria de facto impugnada [[3]].
Nos casos em que a impugnação se baseia em depoimentos prestados em audiência, exige-se que o recorrente mencione as concretas passagens do depoimento testemunhal em questão que considera relevantes para a análise, indicando o início e termo da gravação que contém essas concretas passagens dos depoimentos.
Deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão dissemelhante da que foi proferida sobre a matéria de facto.
O não cumprimento de tais ónus é cominado com a rejeição do recurso, sendo certo que esta apenas poderá abarcar o segmento relativo à impugnação da matéria de facto e, dentro deste segmento, apenas pode abranger os pontos relativamente aos quais tenham sido desrespeitadas as referidas regras [[4]].
Na verdade, com a reforma introduzida ao Código de Processo Civil pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15 de Fevereiro e 329-A/95, de 12 de Dezembro, o tribunal de segunda instância passou a fazer um novo julgamento da matéria impugnada, assegurando um efectivo duplo grau de jurisdição, sendo isto que resulta do estatuído no art.º 662º, n.º 1 do CPC, quando nele se expressa que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento supervenientes impuserem decisão diversa.
O duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto pressupõe novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada e “somente será alcançado se a Relação, perante o exame e análise crítica das provas produzidas, a respeito dos pontos de facto impugnados, puder formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das prova, sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova, princípio este que tido por absoluto transformaria este duplo grau de jurisdição em matéria de facto, numa garantia praticamente inútil” [[5]].
Tendo o recurso por objecto a impugnação da matéria de facto, a Relação deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efectiva reapreciação da prova produzida, devendo nessa tarefa considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, apreciando livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, excepto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art.º 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil).
Contudo, o legislador, ao impor ao recorrente o cumprimento das referidas regras, visou afastar soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente [[6]].
Não se consagra a possibilidade de repetição do julgamento e de reapreciação de todos os pontos de facto, mas, apenas e só, a reapreciação pelo tribunal superior e, consequente, formação da sua própria convicção (à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido) quanto a concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido.
A possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver a reapreciação global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância das citadas regras.
O Tribunal da Relação, sendo de 2ª instância, continua a ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto [[7]], estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação.
Em suma, é entendimento doutrinal e jurisprudencial uniforme que, nas conclusões das alegações, que têm como finalidade delimitar o objecto do recurso (cfr. n.º 4, do art.º 635º, do CPC) e fixar as questões a conhecer pelo tribunal ad quem, o recorrente tem de delimitar o objecto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, sob pena de rejeição do recurso, como a lei adjectiva comina no nº1, do art.º 640º.
O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a distinguir, quanto aos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, entre:
- Ónus primário ou fundamental, que se reportam ao mérito da pretensão;
- Ónus secundários, que respeitam a requisitos formais.
Relativamente aos requisitos primários, onde inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados e falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, requisitos estes sobre que versa o n.º 1 do art.º 640º, do CPC, a jurisprudência tem considerado que aquele critério é de aplicar de forma rigorosa, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de algum desses ónus por parte do recorrente se impõe rejeitar o recurso[[8]].
No caso, impõe-se a rejeição total do recurso na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto por: (i) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art.º 640º, n.º 1, al. a); (ii) e falta de posição expressa sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação, que no caso é genérica (art.º 640.º, n.º 1, alínea c).
E assim sendo, incumprindo o Recorrente os ónus impostos pelo art.º 640º, nº 1, alíneas a) e c), do Cód. Processo Civil, está o tribunal impedido de sindicar o julgamento da matéria de facto, não podendo, por decorrência, esta Relação apreciar o recurso, na vertente da impugnação da matéria de facto, nos termos do artigo 662, nº 1, do C.P.C.
Como quer que seja, sempre se dirá que nenhuma alteração se poderá introduzir nos factos considerados provados e não provados, por inexistirem nos autos outros elementos probatórios que consistentemente ponham em crise a decisão sobre a matéria de facto impugnada.
Por conseguinte, decide-se rejeitar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
*
B.2) Segunda questão
O que se retira das conclusões 4.ª a 6.ª do recurso é que o Recorrente discorda, outrossim, do decidido na sentença relativamente ao cômputo do início do prazo de caducidade do direito de indemnização por informação deficiente, por entender que o mesmo ocorre com o efectivo e integral pagamento do dividendo e não com o conhecimento, pelo Autor, da alegada deficiência no conteúdo do Prospecto da OPA que se teve por reportado ao momento [4.Set.2013] em que propôs uma acção contra a aqui Ré a CMVM na qual invocou a proposta de distribuição de dividendos aos accionistas da “Brisa Auto-Estradas de Portugal, S.A.”, aprovada pela aqui Ré, em 26 de Agosto de 2013.
A verificar-se tal situação estaríamos perante um erro de julgamento na aplicação do direito e não face a um erro de julgamento da matéria de facto.
Vejamos então.
Como refere o Professor CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA[[9]], o “Código dos Valores Mobiliários [CVM] adoptou para a responsabilidade pela deficiência da informação um regime quase completo e tendencialmente uniforme para as relações jurídicas pré contratuais, contratuais e extracontratuais. O regime modelar da responsabilidade civil pela informação no Código dos Valores Mobiliários é o que se aplica directamente ao prospecto de oferta pública, para o qual remete genericamente, com as devidas adaptações, o regime aplicável à responsabilidade civil pelo prospecto de admissão em mercados regulamentados e, por via deste, o regime aplicável a outra informação publicada pelos emitentes para conhecimento nesses mercados1”.
O regime de prazos para o exercício de direitos de indemnização por informação deficiente constam do artigo 153.º do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, na redacção dada pelo Dec.-Lei n.º 18/2013, de 6 de Fevereiro[[10]], aplicável à responsabilidade pelo prospecto de oferta pública, e da alínea b) do artigo 243º, aplicável à responsabilidade pelo prospecto de admissão à negociação em mercado regulamentado e também, por remissão do artigo 251.º, à responsabilidade civil por outra informação periódica[11] ou eventual[12] publicada pelos emitentes.
A informação considera-se deficiente se não respeitar os requisitos de qualidade da informação enunciados pelo artigo 7º do CVM, ou seja, completude, veracidade, actualidade, clareza, objectividade e licitude. Embora, em normas de imputação, seja referida expressamente apenas no artigo 243º (aplicável ao prospecto de admissão), é também abrangida pelos deveres a que se referem os artigos 153º e 251º do CVM.
Aliás, em relação aos prospectos de oferta pública, os artigos 135º, n.º 2, alínea b), e 137º, n.º 1, remetem para o Regulamento (CE) 809/2004, da Comissão, de 29 de Abril (com a última alteração pelo Regulamento Delegado 2016/301 da Comissão, de 30 de Novembro de 2015), cujo anexo I exige, nos n.ºs 4, 12 e 13, que os prospectos integrem dados previsionais relativos a factores de risco, tendências de mercado e estimativas de lucros. Conforme, também, o artigo 138º, nº 1, alíneas g) e h), do CVM, aplicável ao prospecto de oferta pública de aquisição.
O direito à indemnização por informação deficiente traduz-se no direito do lesado ao ressarcimento dos prejuízos que tenha sofrido por causa da deficiência da informação. Decorre do artigo 153.º do CVM, que tem por epígrafe «Cessação do direito à indemnização», que o exercício desse direito é temporalmente limitado por dois prazos diferentes, que se contam a partir de factos diferentes: um prazo mais curto de seis meses, após a data do conhecimento pelo lesado da deficiência da informação; e um prazo mais alargado, de dois anos, a contar da divulgação do documento informativo ou previsional ou, em relação ao prospecto de oferta pública, a partir da data da divulgação do resultado da oferta.
A coincidência temporal do início dos prazos só se verificará se o lesado tomar conhecimento da informação logo na data da sua publicação ou do resultado da oferta.
A lei não clarifica se o conhecimento há-de ser efectivo ou pode ser presumido, ao contrário do que estava previsto no artigo 164º do Código do Mercado de Valores Mobiliários, de 1991, que equiparava à data da tomada de conhecimento a data em que o lesado se deveria ter apercebido do vício da informação, “usando de uma diligência normal”.
Para o Professor CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA[13], “Tal equivalência não é expressa nos preceitos atuais, mas o resultado prático poderá não ser muito diferente, em situações concretas, por aplicação do instituto do abuso de direito reportado à boa-fé. Se não houver coincidência temporal da publicação com o conhecimento da deficiência da informação, o prazo mais curto começa a correr depois do prazo mais longo. Como não é possível prever em abstrato a relação cronológica entre os termos finais dos dois prazos, que se contam de modo independente, a lei optou por dar prevalência ao que ocorrer primeiro. Tal resulta do uso da expressão “em qualquer caso”, que, no contexto, significa que o direito à indemnização cessa logo que decorra o prazo mais longo de dois anos, mesmo que, nessa data, ainda se não tenha completado o prazo mais curto de seis meses, que se tenha iniciado mais tarde. Se a contagem dos dois prazos se iniciar em simultâneo, o prazo de seis meses será naturalmente o primeiro a terminar, não podendo o direito ser exercido depois deste prazo.” De outro lado, se, como acontece no caso em apreço, a contagem do prazo de seis meses se iniciar e atingir o seu termo antes de decorrido o prazo mais longo de dois anos [que se iniciou com a divulgação/conhecimento do prospecto da oferta pública], o prazo mais curto será o primeiro a terminar, fazendo cessar o direito a indemnização previsto no art.º 153.º do CVM.
No entanto, se a contagem dos referidos prazos não suscita dúvidas, já o mesmo não sucede quanto à natureza do instituto ou dos institutos em que se integram (prescrição ou caducidade?), face à utilização, pelo legislador, no referido normativo, das expressões “O direito de indemnização … deve ser exercido” e “cessa”.
A conclusão a que se chegar acerca desta problemática pode influenciar, em concreto, a contagem dos prazos e a relação entre eles, pois se de prazos de caducidade se tratar poderá conhecer-se oficiosamente da cessação temporal do direito e, ao invés do que sucede com a prescrição, não é admissível, por regra, a suspensão ou a interrupção da contagem dos prazos – cfr. artigos 328.º e 323.º do Código Civil.
No passado foi muito controversa a distinção entre prescrição e caducidade, figuras afins para a qual já foram propostos vários critérios; fonte, regime e fundamento dos institutos, natureza dos direitos por eles afectados e interpretação da norma legal em que se fundam [sobre esta problemática, J. DIAS MARQUES, Prescrição extintiva, Coimbra, 1953, p. 58 e ss.; VAZ SERRA, Prescrição e caducidade, B.M.J., n.º 107, 1961, p. 163 e ss.].
Não releva para aqui inventariar e escrutinar as diversas teses defendidas pela doutrina, mas referir somente que o critério formal que inspirou o Projecto do Código Civil Português, que depois passou para o actual artigo 298.º, n.º 2, do Código Civil, no que respeita à inserção de uma regra legal interpretativa das normas legais que fixam um certo prazo para o exercício de direitos, tem sido aceite sem discussão pela doutrina[14] e pela jurisprudência[15].
Assim, o regime da prescrição só se presume quando a lei mão fixa prazos para o exercício de direitos.
O critério de distinção adoptado pelo artigo 298.º, n.º 2, do Código Civil tem plena aplicação ao Código dos Valores Mobiliários cujos artigos 153.º, 243.º e 251.º (este por remissão) estabelecem limites temporais para o exercício do direito à indemnização por informação ou previsão deficientes, fixando dois prazos certos quanto à sua duração: um prazo de seis meses após o conhecimento pelo pretenso lesado da deficiência da informação e um prazo de dois anos a contar da divulgação do resultado da oferta global ou da informação ou da previsão deficientes constantes do prospecto publicado.
O artigo 164.º do Código do Mercado dos Valores Mobiliários, revogado pela actual CVM, que era aplicável directamente à responsabilidade civil pelo conteúdo do prospecto nas ofertas públicas de subscrição [e, por força de remissões genéricas para este regime, se aplicava também à responsabilidade pelo conteúdo do prospecto nas ofertas públicas de venda (artigo 605º, nº 3), à responsabilidade pelos documentos da oferta de aquisição (artigo 578º, nº 2) e pela correspondente publicidade (artigo 580º, nº 3)], dispunha:
Prescrição
O direito à indemnização previsto nos artigos anteriores deve ser exercido no prazo de seis meses após a data em que o investidor tome conhecimento da insuficiência ou falta de veracidade, objetividade ou atualidade da informação, ou em que, usando de uma diligência normal, deveria ter-se apercebido dela, e prescreve, em qualquer caso, decorridos que sejam 18 meses sobre a data do encerramento da oferta pública de subscrição.” Por remissões dos artigos 333º, n.º 4, e 340º, estes prazos aplicavam-se também à responsabilidade pelo prospecto de admissão à cotação e por outra informação publicada pelos emitentes. As coincidências materiais e de redacção com os preceitos vigentes são óbvias.
Comparativamente com o actual regime, resultante do art.º 153.º do CVM, o regime anterior apresenta duas diferenças substanciais: os preceitos revogados qualificavam expressamente o prazo de 18 meses como sendo de prescrição; este prazo era mais curto do que o actual (18 meses em vez de dois anos).
Constata-se, assim, que o Código dos Valores Mobiliários vigente alterou parcialmente o direito anterior, porquanto, além do mais, eliminou as referências à prescrição, que constavam dos preceitos correspondentes aos actuais. Sendo a lei actual omissa quanto à qualificação daqueles prazos certos, há-de concluir-se prima facie, por aplicação directa do artigo 298º, nº 2, do Código Civil, que qualquer dos limites temporais ao exercício daquele direito à indemnização segue o regime da caducidade.
Neste sentido, pronunciou-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16 de Junho de 2015, processo n.º 127/10.0TBPD.L1-7 (relatora Maria do Rosário Morgado), com referência aos artigos 243º, alínea b), e 251º do Código de Valores Mobiliários], com o seguinte sumário:
“[…]
4. Atendendo às especificidades do mercado de valores mobiliários, no âmbito da responsabilidade civil por violação de deveres de informação, o legislador consagrou um regime especial, autónomo e auto-suficiente, afastando claramente a integração (v.g. da tutela indemnizatória) no sistema de responsabilidade civil do Código Civil.
As normas reguladoras da cessação do direito indemnizatório, inseridas no corpo de regras relativas à responsabilidade por informação desconforme/deficiente, são normas especiais ficando, portanto, afastada a aplicação do art. 489º, nº1, do CC, enquanto norma geral da responsabilidade civil.

Os prazos fixados no art.º 243º, al. b), do CVM são de caducidade;
O prazo de 6 meses ali previsto só começa a contar após o conhecimento do lesado;

Seja qual for o momento em que o lesado tenha tido conhecimento da deficiência da informação, o prazo de dois anos previsto no artigo 243º, al. b), começa a contar com a divulgação da informação desconforme, atuando como prazo limite, cessando o direito “em qualquer caso”, dois anos após a sua divulgação.”
No mesmo sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Abril de 2016, proferido no mesmo processo n.º 127/10.0TBPDL.L1.S1, que negou a revista, confirmando a decisão da Relação, com o seguinte sumário:
“I - […]
II - A violação dos deveres de informação do emitente de títulos mobiliários, seja relativamente aos prospectos ou às informações periódicas ou eventuais, tanto inclui a informação desconforme divulgada como a omitida, sob pena de ficar esvaziado o objecto e escopo legal do art.º 7.º do Código de Valores Mobiliários.
III - Não constituindo o art.º 7.º uma norma de imputação de responsabilidade civil, terá que se buscar, em primeira linha, no Código de Valores Mobiliários, essa norma de imputação, chegando-se (assim) ao art.º 251.º (com a correspondente remissão para o art.º 243.º), pois constitui a única norma atributiva de responsabilidade civil, constante no Código de Valores Mobiliários.
IV - Deveriam, pois, aplicar-se à situação os prazos de caducidade definidos no art.º 243.º, al. b) (ex vi do art.º 251.º do Código de Valores Mobiliários).
V - O art.º 243.º do Código de Valores Mobiliários não é inconstitucional.”
Seguindo os referidos limites temporais fixados nos artigos 153.º, 243.º e 251.º [este por remissão] do CVM o regime da caducidade, poderá, portanto, ser oficioso o conhecimento da cessação temporal do direito [até porque a disponibilidade do direito, a que se refere o art.º 330.º, n.º 2, do Cód. Civil, é dificilmente compatível com o interesse geral que a cessação também visa proteger] e é inadmissível a suspensão ou a interrupção da contagem dos prazos.
Para esta conclusão de que os referidos prazos seguem o regime da caducidade, concorre, ainda, a consideração de que no âmbito específico dos mercadores de valores mobiliários, como salienta o Professor CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA no artigo “CADUCIDADE DO DIREITO A INDEMNIZAÇÃO…” citado, III-3, “Os prazos curtos de exercício dos eventuais direitos de indemnização contra os emitentes de valores mobiliários admitidos à negociação em bolsas e noutros mercados regulamentados justificam-se pois como meio preventivo da insegurança e da incerteza jurídicas dos emitentes[[16]], que resultaria de prazos mais longos, e como um instrumento, entre outros, destinado a fomentar o capital de risco, promover a entrada de empresas na bolsa e tornar a emissão pública economicamente mais atractiva[[17]]
Tecidas estas breves considerações sobre a natureza dos prazos de exercício do direito de indemnização por informação deficiente [ou omissa], ainda que a questão não se afigure controvertida nos autos, pois o Autor e Recorrente, tanto quanto se retira das alegações e conclusões recursórias, parece aceitar que são prazos de caducidade e apenas questiona o início do cômputo desses prazos [de caducidade] fixados no artigo 153.º do CPC.
Argumenta o Recorrente que o facto constitutivo e definitivo do direito a indemnização por si reclamado ocorreu na data do efectivo pagamento do dividendo que, no caso concreto, só ocorreu em 13 de Setembro de 2013 e que enquanto não se concretizasse o pagamento efectivo do dividendo, qualquer contagem de prazo de caducidade, em data anterior, era impossível de ser efectuada, uma vez que até essa data apenas se encontrava perante um mero propósito ou anúncio de intenções, susceptível de ser alterado sem quaisquer consequências decorrentes desse alienação.
Salvo o devido respeito, este argumento não tem qualquer sustentação na lei e apresenta-se falacioso pois a partir da aprovação, pela Ré e Recorrida, em 26 de Agosto de 2013, da Proposta de distribuição de dividendos aos accionistas da “Brisa Auto-Estradas de Portugal” esse pagamento era certo e devido aos referidos accionistas.
Como bem refere a Ré e Recorrida, citando o ensinamento de COUTINHO ABREU[18] com a adopção da deliberação de distribuição de dividendos, os sócios, enquanto terceiros, passam a deter um direito de crédito “inatacável por acto societário”, que deve ser observado no prazo de trinta dias [cfr. artigos 217.º, n.º 2 e 294.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais “CSC”], sob pena de os sócios poderem agir judicialmente contra a sociedade devedora.
E, por regra, o mero deferimento do prazo de pagamento dos dividendos carece do consentimento dos sócios, nos termos do art.º 294.º, n.º 2, do CSC.
No mesmo sentido, se pronuncia PAULO OLAVO CUNHA[19], também citado bem a propósito pela Ré e Recorrida, segundo o qual “Depois de formarem uma deliberação, mas antes que seja executada, os sócios podem evitar os efeitos a que a mesma tende, impedindo a sua produção.
Com essa finalidade, devem tomar uma deliberação que desfaça os efeitos daquela que querem destruir, como se, na realidade, não tivesse sido formada.
Tudo isto para se concluir, como se conclui, que o cômputo do início do prazo a partir do qual o Autor podia exercer judicialmente o seu direito à indemnização por informação deficiente ocorreu com o conhecimento do conteúdo da Proposta de distribuição de dividendos e não como o efectivo pagamento, como pretende o Autor e Recorrente.   
Regista-se, de outra banda, que o argumento esgrimido pelo Autor e Recorrente em sede recursória é distinto do aduzido anteriormente, nos articulados, e que foi ponderado na decisão em crise, radicava no conhecimento, em 10.Set.2913, da Proposta de dividendos pela leitura da notícia publicada no Jornal de Negócios do dia 3 desse mês.
Como já se referiu supra, o artigo 153.º do CVM limita temporalmente o exercício do direito de indemnização por informação deficiente ou obscura a dois prazos diferentes, que se contam a partir de vicissitudes diferentes: (i) um prazo mais curto de seis meses, após a data do conhecimento pelo lesado da deficiência da informação; (ii) e um prazo mais alargado, de dois anos, a contar da divulgação do documento informativo ou previsional ou, em relação ao prospecto de oferta pública, a partir da data da divulgação do resultado da oferta.
No caso vertente, como bem refere a Exma. Senhora Juíza a quo, os factos provados sob as alíneas JJJ), LLL) e MMM) contradizem a versão apresentada pelo Autor e Recorrente, na medida em que permitem concluir que este teve conhecimento da alegada deficiência do Prospecto, em data anterior a 4 de Setembro de 2013, pois nesta data intentou, no Tribunal de Comércio de Lisboa, acção declarativa de condenação contra a aqui Ré e Recorrida e a CMVM, na qual alega o facto de, em 24 de Julho de 2013, ter sido feita uma proposta de distribuição de dividendos aos accionistas da “Brisa Auto-Estradas de Portugal”, bem como a aprovação dessa proposta, pela Ré, em 26 de Agosto de 2013.
Assente que antes de 4 de Setembro de 2013, o Autor e Recorrente tinha conhecimento da aprovação da proposta de distribuição de dividendo extraordinário pelos accionistas da “Brisa Auto-Estradas de Portugal” e do valor do mesmo [€0,69 por acção], impõe-se concluir que teve conhecimento, anteriormente àquela data, da alegada desconformidade da informação prestada no Prospecto da OPA, porquanto, o Autor assenta a deficiência do conteúdo do Prospecto no facto de a Ré e Recorrida ter pago um dividendo extraordinário quando a cláusula de lock up ainda se encontrava activa e em momento não muito distante da publicação do Prospecto da OPA e da perda da qualidade de sociedade aberta o que, na sua óptica, “faz com que se perceba que aquando da publicação do Prospecto, já era vontade da Ré distribuir o dividendo, pelo que a informação publicitada carece de veracidade, não era completa, nem muito menos lícita” [cfr. artigo 78.º da petição inicial].
Ora, conforme se conclui na sentença recorrida, tendo a presente acção sido intentada no dia 5 de Março de 2014, o prazo de seis meses fixado no art.º 153.º do CVM já se mostrava esgotado, tendo caducado o direito do Autor.
A caducidade é uma excepção peremptória, de conhecimento oficioso, que importa a absolvição da Ré do pedido [artigos 576, n.ºs 1 e 3, e 333.º, n.º 1, do Cód. Civil].
Em razão da procedência da invocada excepção de caducidade e da consequente absolvição do pedido da Ré do pedido, resulta prejudicado o conhecimento de mérito da causa [terceira questão], em conformidade com o disposto no art.º 608.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC.
IV - Decisão
Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, nos seguintes termos:
a) Rejeitando a impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
b) Julgando procedente, por provada, a excepção de caducidade do direito à indemnização por informação deficiente reclamado pelo Autor Joaquim José Marques Cardoso, absolvendo, em consequência, a Ré Tagus Holdings, S.A.R.L. do pedido, nessa parte mantendo inteiramente a decisão recorrida.
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Custas pelo Autor e Recorrente – artigo 527.º do CPC.
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Registe e notifique
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Lisboa, 23 de Janeiro de 2020
Manuel Rodrigues
Ana Paula A. A. Carvalho
Gabriela de Fátima Marques
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[1]Cf. Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª ed., pág. 157
[2] Cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol., 2ª edição pp. 263 e 264, e os Ac. da Relação do Porto de 5/05/2003 e de 7/12/2006, ambos no sítio www.dgsi.pt.
[3] Cfr. o Acórdão do S.T.J. de 7/07/2009, in www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, p. 147.
[5] Cfr. Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt..
[6] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, 2017,pag. 153
[7] Ibidem, pág. 153.
[8] Cfr. Acs. do STJ de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGM.P2.S1 e Proc.º 3176/11.8TBBCL.G1.S1, in www.dgsi.pt.
[9] Cfr. o n.º 4 do artigo do referido Professor “Normas de imputação e normas de proteção no regime da responsabilidade civil extracontratual pela informação nos mercados de valores mobiliários”, in: Direito das sociedades em revista.
[10] Este diploma transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2010/73/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Novembro de 2010, que altera a Directiva n.º 2003/71/CE, relativa ao prospecto a publicar em caso de oferta pública de valores mobiliários ou da sua admissão à negociação, e a Directiva n.º 2004/109/CE, relativa à harmonização dos requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado.
[11] Informação anual, semestral e trimestral, em conformidade com os artigos 245.º a 247.º e 248.º-C do CVM.
[12] Informação privilegiada (art.º 248.º do CVM) e outra informação relativa à alteração dos estatutos e a várias outras vicissitudes da vida da entidade emitente (art.º 249.º do CVM).
[13] Cfr. o artigo “CADUCIDADE DO DIREITO A INDEMNIZAÇÃO POR INFORMAÇÃO DEFICIENTE NO ÂMBITO DOS MERCADOS DE VALORES MOBILIÁRIOS”, que contou com a colaboração da doutora RITA CANAS DA SILVA, acessível em-
http://www.cmvm.pt/pt/EstatisticasEstudosEPublicacoes/CadernosDoMercadoDeValoresMobiliarios/Documents/Cad54Artigo1.pdf
[14] Cfr., por exemplo, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. I, p. 272; ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, Direito das Obrigações, p. 1123; MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 7.ª ed. Coimbra, 2010, p. 112, citados por CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, artigo citado, Capítulo IV – n.º 3
[15] Por exemplo, acórdãos do STJ de 10.02.2004 (relator Silva Salazar), com referência ao artigo 287º do Código Civil, de 21.04.2005 (relator Neves Ribeiro), com referência ao artigo 33 º, nº 4, do Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho, sobre o contrato de agência, de 21.05.2008 (relator Mário Pereira), com referência ao artigo 435º do Código do Trabalho de 2003, acórdão da Relação do Porto, de 11.05.2010, (relator Canelas Brás), com referência ao artigo 1410º, nº 1,do Código Civil, mencionados no citado artigo de CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA.
[16] AMADEU FERREIRA, Direito dos Valores Mobiliários, Lisboa, 1997, p. 408, referindo também a tutela do mercado como um dos fundamentos para o curto prazo de prescrição fixado pelo artigo 164º do Código do Mercado dos Valores Mobiliários; PAULO CÂMARA, Manual de direito dos valores mobiliários, 2ª ed., Coimbra, 2011, p. 727; CASTILHO DOS SANTOS, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, p. 258 (com referência aos intermediários financeiros)
[17] KÜMPEL, Bank- und Kapitalmarktrecht, 3ª ed., Köln, 2004, p. 1502.
[18] Cfr. Curso de Direito Comercial, vol. II, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, p. 414 e ss.
[19] Cfr. Impugnação de Deliberações Sociais, Almedina, Coimbra, 2005. 228, nota 246.
Decisão Texto Integral: