Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
257/13.7TTVFX-A.L1-4
Relator: DURO MATEUS CARDOSO
Descritores: ISENÇÃO DE CUSTAS
ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
RENDIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/08/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I- Os rendimentos a ter em conta para efeitos do disposto no art. 4º-1-h) do Regulamento das Custas Processuais são mais abrangentes do que o contido no conceito de retribuição, incluindo todo o tipo de quantias percebidas pelo trabalhador por causa do trabalho prestado ou com relação com o mesmo, incluindo as ajudas de custo II- Estando em causa uma acção de impugnação judicial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, tem de se atender ao rendimento ilíquido à data do despedimento. III- Não sendo a questão, em concreto, da existência, ou não, de isenção de custas, óbvia ou manifesta, é razoável e equilibrado que se aplique analogicamente o disposto no art. 467º-6 do CPC (anterior ao CPC/2013) já que tem por subjacente uma mesma preocupação de acesso Justiça quando ainda não está definido se a parte está obrigada, ou não, a proceder ao pagamento de taxa de justiça devida pela apresentação de articulados.

(Elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I- AA, intentou no Tribunal do Trabalho de Vila Franca de Xira a presente acção declarativa, com processo especial, de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, CONTRA,

            BB, LDA.

II- A empregadora (ré) foi citada e realizou-se Audiência de Partes em que teve lugar infrutífera tentativa de conciliação.

III- A ré requereu a declaração da licitude do despedimento e motivou o mesmo.

IV- O trabalhador (autor), patrocinado pelo Ministério Público, pediu a concessão do benefício de isenção de custas por estar desempregado desde a data do despedimento e não ter qualquer outra fonte de rendimentos. Mais contestou, alegando a ilicitude do despedimento e reclamando créditos salariais e indemnização de antiguidade em substituição da reintegração caso a mesma seja de excluir.

V- RESPONDEU a ré contrariando os valores dos créditos reclamados pelo autor e mantendo a posição já tomada incialmente.

VI- A fols. 445 a 447, a Mmª Juíza a quo proferiu o seguinte despacho:

“ Fls. 99-100/149-153/158-175/444:

I.

Na presente acção declarativa, instaurada sob a forma de processo especial, por «AA» contra «BB, LDA.», alega o primeiro, em sede de contestação/reconvenção, que está isento de custas por estar patrocinado pelo Ministério Público e se encontrar desempregado desde o dia 22/02/2013.

Vejamos se assim é:

II.

Nos termos do disposto no artigo 4º, n.º 1, alínea h), do Regulamento das Custas Processuais, alterado pela Lei n.º 7/2012 de 13/02: «1. Estão isentos de custas: (…)

h) Os trabalhadores ou familiares, em matéria de direito do trabalho, quando sejam representados pelo Ministério Público ou pelos serviços jurídicos do sindicato, quando sejam gratuitos para o trabalhador, desde que o respectivo rendimento ilíquido à data da proposição da acção ou incidente ou, quando seja aplicável, à data do despedimento, não seja superior a 200 UC;»

Prevê-se assim, naquele preceito legal, uma isenção subjectiva de custas cuja concessão depende do preenchimento cumulativo de determinados requisitos. Tais requisitos são:

            1. que os trabalhadores/familiares sejam patrocinados pelo Ministério Público ou, gratuitamente, pelos serviços jurídicos do sindicato a que pertencem por força do exercício de funções;

            2. e ainda, que o seu rendimento ilíquido seja, à data da propositura da acção ou do incidente ou, se em causa uma acção que tenha por objecto o seu despedimento, à data do despedimento, igual ou inferior a 200 UC´s, ou seja e presentemente, à quantia de € 20.400,00.

Como sabiamente ensina o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Salvador da Costa (ob. Cit, pag 157) : «os trabalhadores não podem beneficiar desta isenção se não forem representados pelo Ministério Público ou por advogado do sindicato a título gratuito, se tiverem rendimento ilíquido superior a duzentas unidades de conta (…)».

O valor do rendimento ilíquido a apurar ter-se-á que reportar ao período de 1 ano. Pese embora o legislador não esclareça a que período temporal deva reportar-se o cômputo do rendimento ilíquido (se anual, mensal, trimestral, etc.), uma vez que a isenção de custas está associada ao conceito de insuficiência económica afigura-se-nos que, também aqui, se terá que entender que a periodicidade é anual.

O conceito de rendimento, por associado ao conceito de insuficiência económica, terá igualmente que albergar todo e qualquer tido de rendimento ou proveito, tributável/taxado ou não, derivado do trabalho ou de qualquer outra fonte.

Ora, no caso em apreço, o Trabalhador está patrocinado pelo Ministério Público.

Porém, no ano que antecedeu o despedimento, ou seja, entre Março de 2012 a Fevereiro de 2013, o Trabalhador auferiu rendimento ilíquido no valor de € 21.289,06 e, portanto, superior a 200 UC´s (cfr. fls. 164 a 175 e 444).

Donde, não pode julgar-se isento de custas.

Diversamente do que se alega na contestação, o Trabalhador não foi despedido no dia 22/02/2013. Como documenta o processo disciplinar, o despedimento só eclodiu em Março de 2013, data, aliás, constante da decisão de despedimento.

Pelo que na ponderação da questão em apreço terão de relevar os rendimentos auferidos no ano que antecedeu o despedimento, e portanto, entre Março de 2012 a Fevereiro de 2013, e não a circunstância do Trabalhador estar desempregado desde o despedimento.

Como resulta da norma em equação: «1. Estão isentos de custas: (…)

h) Os trabalhadores ou familiares, em matéria de direito do trabalho, quando sejam representados pelo Ministério Público ou pelos serviços jurídicos do sindicato, quando sejam gratuitos para o trabalhador, desde que o respectivo rendimento ilíquido à data da proposição da acção ou incidente ou, quando seja aplicável, à data do despedimento, não seja superior a 200 UC;».

Por conseguinte, deveria o Trabalhador, por não isento de custas, ter comprovado o pagamento em tempo da taxa de justiça devida pela apresentação da contestação e pela reconvenção que igualmente deduziu.

Não o tendo feito, sibe imputet. Sobre si terão que recair as respectivas consequências, quais sejam, a aplicação do que preceitua o artigo 486º-A, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho.

*

Face ao exposto, o Tribunal decide:

       1. Convidar o Trabalhador a comprovar nos autos, em 10 dias, o pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação do articulado de contestação e a taxa de justiça devida pela reconvenção.

         2. Determinar que se dê cumprimento ao que dispõe o artigo 486º-A, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, notificando o Trabalhador para pagar a multa devida pela apresentação da contestação e a multa pela apresentação da reconvenção.

       3. Condenar «AA» no pagamento das custas do incidente dado causa, cuja taxa de justiça, atenta a natureza da questão solvenda e o processado dado causa, se fixa em 2 UC´s. “
VII- Deste despacho recorreu o autor (fols. 455 a 467), apresentando as seguintes conclusões:
(…)

            VIII- Correram os Vistos legais.

            IX- Resulta dos autos, com relevância para a apreciação do recurso interposto, o seguinte:

            1- A ré atribuiu à acção o valor de € 332,93;

2- O autor atribuiu à acção o valor de € 42.820,25;

3- A acção foi interposta a 8/4/2013;

4- A ré despediu o autor, o que lhe foi comunicado por carta que recebeu a 20/3/2013;

5- O autor auferiu as quantias constantes dos docs. de fols. 164 a 175 e 444 do processo principal.
VIII- Atento o teor das conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, a questão que fundamentalmente se coloca no presente recurso é saber-se se o autor está isento de custas ou, não estando, se não é aplicável ao caso o disposto no art. 486º-A-3) do CPC.

IX- Decidindo.

Nos termos do art. 4º-1-h) do Regulamento das Custas Processuais, “Os trabalhadores ou familiares, em matéria de direito do trabalho, quando sejam representados pelo Ministério Público ou pelos serviços jurídicos do sindicato, quando sejam gratuitos para o trabalhador, desde que o respectivo rendimento ilíquido à data da proposição da acção ou incidente ou, quando seja aplicável, à data do despedimento, não seja superior a 200 UC”.

No caso destes autos o único requisito cuja inexistência se discute é o montante dos rendimentos do autor, em função do alcance temporal a considerar para a contabilização dos rendimentos e do que se deve entender por “rendimentos”, designadamente se integra as chamadas ajudas de custo.

Parece claro que o legislador, ao não se referir ao termo “retribuição” pretendeu que o “rendimento” fosse algo mais abrangente de forma a incluir todo o tipo de quantias percebidas pelo trabalhador por causa do trabalho prestado ou com relação com o mesmo, incluindo as chamadas ajudas de custo que, apesar de terem por função primeira ressarcir despesas acrescidas suportadas pelo trabalhador durante a execução do trabalho, as mesmas só são pagas, precisamente, por causa da execução desse trabalho.

E estando em causa uma acção de impugnação judicial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, a atrás citada norma manda atender, inequivocamente, ao rendimento ilíquido “à data do despedimento”. 

Esclarece a propósito o Cons. Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, 5ª ed., pag. 162, que “A lei não esclarece a periodicidade nem à origem do referido rendimento, mas como associa a isenção a um referencial subjectivo, suporta a interpretação de se reportar a valores ilíquidos anuais do trabalhador, mas sem limitações a rendimentos derivados do trabalho.

Ao referir-se ao incidente, particulariza este normativo o caso de se tratar de acções tendentes a anular as decisões de despedimento, em que o referido valor de rendimento ilíquido se deve verificar à data do mesmo”.

Ora tendo-se no despacho recorrido contabilizado o rendimento obtido pelo autor durante o ano anterior ao despedimento e apurado o montante de € 21.289,06, o que se mostra de acordo com os elementos existentes nos autos (facto provado nº 5), é de concluir que o mesmo ultrapassa o limite legal das 200 UCs anuais, não se podendo considerar que o autor beneficia de isenção de custas nos termos estabelecidos no art. 4º-1-h) do Regulamento das Custas Processuais.

Vejamos agora a questão do pagamento da multa determinado no despacho recorrido.

Sustenta o autor que o despacho recorrido, ao reconhecer a inexistência de isenção de custas por parte do autor, não devia ter ordenado o cumprimento do disposto no art. 486-A-3 do CPC (anterior ao CPC/2013), ou seja, notificação do trabalhador para pagar as multas devidas pela apresentação da contestação e da reconvenção.

Não podemos deixar de concordar com o autor.         

O autor apresentou a sua contestação a 5 de Junho de 2013 invocado a sua condição de isento de custas.

 O processo seguiu os seus termos, sem qualquer reparo da secção quanto à eventual falta de apresentação de comprovativo de pagamento de taxa de justiça.

A 4 de Julho de 2013, a ré veio apresentar a sua resposta à contestação e, finalmente, a 8/10/2013, seis meses depois, a Mmª Juíza a quo veio considerar, através do despacho recorrido, que o autor não beneficia de isenção de custas.

Ora não sendo a questão em concreto, da existência, ou não, de isenção de custas, óbvia ou manifesta, parece-nos razoável e equilibrado que se aplique aqui analogicamente o disposto no art. 467º-6 do CPC (anterior ao CPC/2013) já que tem por subjacente uma mesma preocupação de acesso Justiça quando ainda não está definido se a parte está obrigada, ou não, a proceder ao pagamento de taxa de justiça devida pela apresentação de articulados.

No caso concreto, não era pois, de dar cumprimento ao disposto no art. 486-A-3 do CPC (anterior ao CPC/2013).

A apelação procede parcialmente.

X- Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, alteram o despacho recorrido, eliminando o segmento nº 2 do decisório que determina o cumprimento do no art. 486-A-3 do CPC para o autor pagar multas devidas pela apresentação da contestação e da reconvenção.

Custas da apelação a cargo do autor, na proporção de 1/2 do devido.

Lisboa, 8/10/2014

Duro Mateus Cardoso

Isabel Tapadinhas

Leopoldo Soares

Decisão Texto Integral: