Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2755/14.6PYLSB-A.L1-5
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
REVOGAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: Para decidir acerca da eventual revogação de suspensão de execução da pena, há que ajuizar se a conduta do condenado inviabilizou a satisfação das finalidades que estavam na base da pena de substituição de suspensão da execução da pena que lhe tinha sido aplicada.

A lei não se basta com a mera prática de um ou mais crimes no período de suspensão da execução da pena, pois é necessário, para que se verifique a revogação da suspensão, que essa prática demonstre a frustração do juízo de prognose favorável subjacente à suspensão da execução da pena de prisão, para o que importa ponderar a relação temporal entre a data da suspensão da execução da pena e a data em que foram praticados os novos factos, a relação entre os tipos de crime praticados, a análise das circunstâncias do cometimento do novo crime, ou seja, do quadro em que o condenado voltou a delinquir e o seu impacto negativo na obtenção das finalidades que justificaram a suspensão da pena, e bem assim a evolução das condições de vida do condenado até ao presente – num juízo reportado ao momento em que importa decidir -, em ordem à decisão de revogar ou não a suspensão da execução da pena.

No contexto circunstancial em que o condenado voltou a delinquir, tendo em conta que o tribunal decidiu aplicar-lhe nova pena de prisão suspensa na sua execução, sendo globalmente positivo o relatório da DGRSP junto aos autos, onde não se identificam, concretamente, factos que traduzam o incumprimento do regime de prova, não se justifica a revogação da suspensão da execução da pena, já que os factos praticados no decurso do período de suspensão não colidem com o juízo de prognose favorável que esteve na base da dita.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–Relatório


1.No processo comum singular n.º 2755/14.6PYLSB, JS, melhor identificado nos autos, foi condenado, por sentença transitada em julgado em 14 de Maio de 2018, pela prática de 3 (três) crimes de extorsão, p. e p. pelo artigo 223.°, n.°1, do Código Penal, e de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.°, n.°1, alínea d), do Regime Jurídico das Armas e Munições, numa pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regime de prova.
Por despacho de 18 de Janeiro de 2022, foi revogada a suspensão da execução da pena.

2.–Do despacho que revogou a suspensão da execução da pena recorrem o Ministério Público e o condenado.

2.1.Conclui o Ministério Público (transcrição das conclusões):
1.–Nos presentes autos, por sentença transitada em julgado em 14.05.2018, JS foi condenado pela prática dos crimes de extorsão e detenção de arma proibida, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova.
2.–Da análise do CRC apurou-se que o arguido foi condenado, no processo 51/19.1SULSB, por sentença transitada em julgado em 07.01.2021, por crime de detenção de arma proibida, cometido em 08.10.2019, na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova.
3.–Não obstante, o Ministério Público pronunciou-se pela extinção da pena, sendo que foi proferido despacho que revogou tal suspensão e ordenou o cumprimento da pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses.
4.–Não se pode concordar com o teor deste despacho.
5.–Com efeito, a revogação da suspensão da pena de prisão não reveste cariz obrigatório ou automático.
6.–Desde a reforma do C.P. de 1995 a lei faz depender a revogação, ou não, da suspensão da pena, de um juízo de probabilidade de que o condenado, apesar de tudo, será capaz de, futuramente, respeitar o ordenamento jurídico, não sendo, pois, de aplicar automaticamente mesmo no caso de o mesmo cometer um facto ilícito no período de suspensão pelo qual venha a ser condenado.
7.–O arguido foi condenado pelo mesmo tipo de crime - detenção de arma proibida - praticado no decurso do período de suspensão da execução da pena, em pena de prisão suspensa na sua execução.
8.–Não se pode precipitar uma decisão tão gravosa como é a da reclusão prisional sem avaliar, em concreto, as circunstâncias em que ocorreram os condicionalismos dessa revogação, de forma a aquilatar se as finalidades que justificaram a suspensão da execução da pena ainda podem ser alcançadas.
9.–Conforme tem sido entendimento maioritário, senão mesmo predominante, só a condenação em pena de prisão efetiva pode revelar que as finalidades que estiveram na base de uma decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas, pois a condenação em pena de multa ou em pena substitutiva supõe um juízo de prognose ainda favorável.
10.–Ora, o arguido, no processo 51/19.1SULSB foi novamente condenado em pena de prisão suspensa na sua execução.
11.–O juízo de prognose feito aquando da condenação foi-lhe favorável, permitindo concluir que a ameaça de prisão e a censura do facto seriam ainda suficientes para assegurar as finalidades da punição.
12.–Assim, sopesando estes elementos, entendemos que não será de revogar a suspensão da pena de prisão aplicada, sendo de todo precipitado [e contraproducente, no que concerne ao período evolutivo que o arguido tem vindo a evidenciar] sujeitar o arguido a uma situação de reclusão.
13.–Pelo que, o despacho recorrido deverá ser substituído por outro que considere extinta a pena aplicada ao arguido.

2.2.Conclui o condenado (transcrição das conclusões):
1.–Tendo sido o Recorrente no passado dia 24 de Janeiro do corrente ano condenado no âmbito do Processo n.º 2755/14.6PYLSB, Processo esse que correu os seus termos junto do J5 do Juízo Local Criminal de Lisboa,
2.–Diga-se em abono da verdade que a referida notificação deixou o ora Recorrente completamente confuso e estupefacto, uma vez que a referida notificação assentou basicamente na decisão em revogar a suspensão da pena relativamente à qual aquele foi condenado na pena de 03 anos e seis meses, como também a referida revogação é completamente absurda quanto à matéria e quanto à substância uma vez aquando as declarações do Recorrente o próprio Ministério Público defendeu a extinção do processo uma vez que aquele cumpriu na integra todas as regras de conduta que lhe foram impostas,
3.–Além disso o Processo relativamente ao qual o Arguido foi condenado durante o tempo da suspensão o crime em causa é diferente do crime relativamente ao qual foi condenado naqueles Autos ora referidos,
4.–Logo não faz o mínimo sentido a revogação da pena relativamente ao qual o Recorrente foi condenado no âmbito daqueles Autos, além do mais a referida revogação irá criar ao ora Recorrente danos completamente irreparáveis quer em termos pessoais quer em termos profissionais uma vez que é a única fonte de sustento da sua família,
5.–Daí que a referida revogação levada a cabo pelo Tribunal a quo é completamente errática e não faz qualquer sentido e há que ser evitada na integra,
6.–Assim sendo logo e em face do que se foi expondo ao longo do presente Recurso entende - se por sinal que haveria todas as condições para que a decisão proferida no âmbito dos presentes Autos seja revogada na integra, com a devida extinção daqueles Autos,
Nestes Termos e nos melhores de Direito e sempre com o Mui Douto Suprimento de V. Exas deve o presente Recurso:
-Ser admitido e aceite na integra;
-Deve também consequentemente ser revogada na integra a Decisão proferida pelo Tribunal a quo em relação à pessoa do Recorrente e consequente extinção daqueles Autos por ser essa a medida justa dos factos.

3.Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), emitiu parecer em que sustenta que o recurso merece provimento (o parecer refere apenas o recurso do Ministério Público).
           
4.Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II–Fundamentação

1.Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quemtem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).
Assim, a questão a decidir em ambos os recursos consiste em saber se estavam reunidos os pressupostos para determinar a revogação da suspensão da execução da pena.

2.–Despacho recorrido

O despacho recorrido tem o seguinte teor:
O arguido JS  foi condenado, por sentença transitada em julgado em 14 de Maio de 2018, pela prática de 3 (três) crimes de extorsão, previstos e punidos pelo artigo 223.°, n.°1, do Código Penal, e de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.°1, alínea d), do Regime Jurídico das Armas e Munições, numa pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regime de prova.
Por sentença transitada em julgado em 07/01/2021, proferida no processo n.° 51/19.1SULSB, a correr termos no Juízo Local Criminal de Lisboa- Juiz 13 (cfr. fls. 928 e seguintes), o arguido foi condenado pela prática, em 08 de Outubro de 2019, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.°1m alínea c), por referência ao disposto nos artigos 2.°, n.°1, alíneas q), ae) e az) e 3.°,, n.°4, alínea a), todos do Regime Jurídico das Armas e Munições, numa pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regime de prova.
Encontra-se junto aos autos o relatório final- cfr. fls. 1023 e seguintes.
Foram tomadas declarações ao arguido.
O Ministério Público promoveu que seja declarada extinta a pena.
O arguido acompanhou a posição do Ministério Público.

Cumpre apreciar e decidir.
Estatui o artigo 55.°, do Código Penal, que “Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal: a)- Fazer uma solene advertência; b)- Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; c)- Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção; d)- Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.° 5 do artigo 50.°”.
Determina o artigo 56.°, do Código Penal, que “1-A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a)- Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b)- Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. 2- A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.”
No que concerne à situação de incumprimento prevista na alínea b), do n.° 1, do artigo 56.°, do Código Penal, a razão de ser da sua previsão reside no princípio segundo o qual se a finalidade que se pretende alcançar com a suspensão da execução da pena é a ressocialização do condenado e o seu afastamento da prática criminosa, então, a prática de um crime durante o período de suspensão é a circunstância que mais abala o prognóstico favorável de ressocialização que a suspensão supõe.
Impõe-se, porém, ponderar se a prática de um crime durante a suspensão, em face das circunstâncias do caso concreto, compromete de forma irremediável as finalidades da punição e a possibilidade de ressocialização em que o Tribunal acreditou quando decretou a suspensão.
Nos presentes autos o arguido JS foi condenado, por sentença transitada em julgado em 14 de Maio de 2018, pela prática de 3 (três) crimes de extorsão, previstos e punidos pelo artigo 223.°, n.°1, do Código Penal, e de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.°1, alínea d), do Regime Jurídico das Armas e Munições, numa pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regime de prova.
Por sentença transitada em julgado em 07/01/2021, proferida no processo n.° 51/19.1SULSB, a correr termos no Juízo Local Criminal de Lisboa- Juiz 13 (cfr. fls. 928 e seguintes), o arguido foi condenado pela prática, em 08 de Outubro de 2019, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.°1m alínea c), por referência ao disposto nos artigos 2.°, n.°1, alíneas q), ae) e az) e 3.°,, n.°4, alínea a), todos do Regime Jurídico das Armas e Munições, numa pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regime de prova.
Verificamos, pois, que cerca de um ano volvido sobre a data do trânsito em julgado da sentença condenatória proferida nos presentes autos, o arguido tinha na sua posse uma pistola semiautomática de calibre 6.35mm, em mau estado de conservação mas disponível para uso imediato.
Em pleno período de suspensão de execução da pena de prisão nos presentes autos, e pouco tempo volvido sobre o início do mesmo, o arguido cometeu (e veio a ser condenado) crime da mesma natureza (detenção de arma proibida) de um dos quatro crimes pelos quais fora objecto igualmente de condenação nos presentes autos.
Em sede de tomada de declarações o arguido começou por referir que nada teve a ver com o que se passou no referido processo, que fora o seu filho, que não residia consigo, que fornecera às autoridades policiais a sua morada, para depois referir que a pistola encontrada na sua residência pertencera a um seu avô tendo o objecto passado, por herança, para a posse do pai do arguido e deste para a sua após o falecimento do progenitor há três anos.
Acresce que do relatório da Direcção-Geral de Reinserção Social e dos Serviços Prisionais de fls. 1023 e seguintes consta que o arguido, embora tenha comparecido às entrevistas agendadas, apresenta, face ao crime cometido, uma atitude desculpabilizante.
Também mantém contacto com pessoas relacionadas com a prática de ilícitos o que constitui, de acordo com o relatório da Direcção-Geral de Reinserção Social e dos Serviços Prisionais, um factor negativo para a sua reinserção.
Entendemos, pois, que o arguido não interiorizou devidamente o desvalor da sua conduta, pelo que, não obstante a pena aplicada no processo n.° 51/19.1SULSB, a correr termos no Juízo Local Criminal de Lisboa- Juiz 13, verificamos que a suspensão da pena não constituiu advertência suficiente para que o arguido arrepiasse caminho e adoptasse um comportamento conforme à lei, de tal modo que no período de suspensão de execução da pena de prisão cometeu crime da mesma natureza de um dos crimes objecto dos presentes autos.
Perante esta conjugação de factores, o Tribunal considera que a suspensão da execução da pena não realizou adequadamente as finalidades da punição, estando irremediavelmente comprometida.
Pelo exposto, revoga-se a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado o arguido JS, devendo o mesmo cumprir a pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão em que foi condenado nos presentes autos.
*
Dê conhecimento à Direcção-Geral de Reinserção Social e dos Serviços Prisionais.
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Notifique.
***
           
3.–Apreciando

Passamos a analisar os dois recursos de forma conjunta.

3.1.–O regime jurídico da suspensão da execução da pena de prisão encontra-se previsto nos artigos 50.º a 57.º do C.P, e nos artigos 492.º a 495.º do C. P. Penal.

O artigo 50.º, n.º1, do Código Penal, dispõe:
«1-O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição

As finalidades da punição são, nos termos do disposto no artigo 40.º, do C.P., a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Traduzindo-se na não execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos, entendemos, com o apoio da melhor doutrina, que a suspensão constitui uma verdadeira pena autónoma, de substituição.
Já assim se devia entender face à versão originária do Código Penal de 1982, como se infere das discussões no seio da Comissão Revisora do Código Penal, em que a suspensão da execução da pena, sob a designação de sentença condicional ou condenação condicional (que no projecto podia assumir a modalidade de suspensão da determinação concreta da duração da prisão ou de suspensão da execução total da pena concretamente fixada) figurava como uma verdadeira pena, ao lado da prisão, da multa e do regime de prova, no art. 47.º do projecto de 1963, que continha o elenco das penas principais.
O regime jurídico da pena de suspensão da execução da pena de prisão encontra-se previsto nos artigos 50.º a 57.º do C.P, e nos artigos 492.º a 495.º do C. P. Penal.
Da análise do regime legal resulta que a suspensão da execução da pena de prisão pode assumir três modalidades: suspensão simples; suspensão sujeita a condições (cumprimento de deveres ou de certas regras de conduta); suspensão acompanhada de regime de prova.
Os deveres, visando a reparação do mal do crime, encontram-se previstos, de forma exemplificativa, no artigo 51.º, n.º 1, do C. P., enquanto as regras de conduta, tendo em vista a reintegração ou socialização do condenado, estão previstas, também a título exemplificativo, no artigo 52.º, do mesmo diploma.

Estabelece o artigo 56.º do C.P.:

«1–A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a)-Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b)-Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.     
2–A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.” No que concerne ao incumprimento das condições da suspensão, há que distinguir duas situações, em função das respectivas consequências.»

Quando no decurso do período de suspensão, o condenado, com culpa, deixa de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta, ou não corresponde ao plano de reinserção social, pode o tribunal optar pela aplicação de uma das medidas previstas no artigo 55.º do C. P., a saber: fazer uma solene advertência; exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação; prorrogar o período de suspensão.
Quando no decurso da suspensão, o condenado, de forma grosseira ou repetida, viola os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de readaptação, ou comete crime pelo qual venha a ser condenado e assim revele que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por intermédio desta, ser alcançadas, a suspensão é revogada (artigo 56.º, n.º 1, do C. P.). A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença.
Decorrido o período da suspensão da execução da pena, caso não existam motivos que possam determinar a sua revogação, a pena é declarada extinta (artigo 57.º, n.º 1, do C. Penal).
Se estiver pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação, ou estiver pendente incidente pelo incumprimento de deveres, regras de conduta ou do plano de reinserção, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e quando não haja lugar à revogação ou à prorrogação do período de suspensão (artigo 57.º, n.º 2, do C. P.).

3.2.–Conforme assinala o Prof. Figueiredo Dias, entre as condições da suspensão de execução da prisão, subjacente mesmo à chamada suspensão simples (suspensão não subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta), avulta a de o condenado não cometer qualquer crime durante o período de suspensão. O cometimento de um crime no decurso do período de suspensão é a circunstância que mais claramente pode pôr em causa o juízo de prognose favorável suposto pela aplicação da pena de suspensão (Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, p. 355).
No que concerne ao crime cometido no decurso da suspensão, porque a lei não distingue, ele pode ser doloso, como pode ser negligente.
Porém, o cometimento de crime não desencadeia, de forma automática, a revogação da suspensão, pois nos termos da alínea b), do n.º1, do aludido artigo 56.º, mesmo a condenação por um crime cometido no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão só implica a revogação da suspensão se tal facto infirmar, de modo definitivo, o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão, quer dizer, se revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (neste sentido já se pronunciava Figueiredo Dias, na altura de jure condendo, ob. cit., p. 357; vejam-se também os acórdãos da R. de Lisboa de 06/06/2006, Proc. n.º 147/2006-5 e de 28/02/2012, Proc. n.º 565/04.8TAOER.L1-5; da R. do Porto de 14/10/2009, Proc. n.º 256/04.0GBPNF-B.P1; da R. de Guimarães de 14/09/2009, Proc. n.º 664/06.1GTVCT.G1; da R. de Évora de 20/11/2012, Proc. n.º 288/94.4TBBJA-C.E1, disponíveis em www.dgsi.pt, como os que venham a ser citados sem outra indicação).
Pode acontecer, efectivamente, que do crime cometido no decurso do período de suspensão da execução da pena, por corresponder a um comportamento desviante meramente ocasional, ou por ter determinado a aplicação de nova pena de substituição (entre outras circunstâncias possíveis), não resulte que as finalidades da suspensão foram postergadas, ficando irremediavelmente prejudicadas.
           
3.3.–No caso em apreço, JS foi condenado, por sentença transitada em julgado em 14 de Maio de 2018, numa pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regime de prova.
É inegável que o ora recorrente JS, no período de suspensão, voltou a ser condenado, no processo 51/19.1SULSB, por sentença transitada em julgado em 07.01.2021, por crime de detenção de arma proibida, cometido em 08.10.2019, na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova.
Importa ponderar se a nova condenação revela, afinal, que a suspensão da execução da pena não teve qualquer efeito dissuasor da prática de novo crime, tendo sido irremediavelmente frustradas as expectativas comunitárias que assentavam na prognose de que o condenado pautaria futuramente a sua conduta conforme à norma e não voltaria a delinquir.
Por outras palavras, há que ajuizar se a conduta do condenado inviabilizou a satisfação das finalidades que estavam na base da pena de substituição de suspensão da execução da pena que lhe tinha sido aplicada.

Vejamos.
A nova condenação refere-se à posse de uma pistola semiautomática, calibre 6,35 mm, “FN Browning”, em mau estado de conservação, pela qual JS foi condenado, no processo 51/19.1SULSB, novamente em pena de prisão suspensa na sua execução.
Diz-se na sentença condenatória que “o arguido referiu aos agentes que procederam à busca que tinha a arma, tendo indicado onde a mesma se situava”; “confessou de forma integral e sem reservas os factos pelos quais vinha acusado”; “demonstrou arrependimento”.

Na mesma sentença podemos ler o seguinte:
«(…) a arma se encontrava em mau estado de conservação, motivo pelo qual não se encontrava em estado de ser utilizada, sendo de concluir que o arguido não a detinha com a intenção de a utilizar.
(…) no caso em apreço o tribunal considera que estamos perante algo mais que arrependimento. Toda a conduta do arguido demonstra não só arrependimento, mas uma verdadeira motivação para alterar o seu comportamento e ter o comportamento correto e adequado se não vejamos:
O arguido sabia que tinha a arma em casa, porém, não só consentiu que fosse realizada a busca como auxiliou os agentes da PSP a encontrar a arma.
Foi o arguido que referiu que tinha a arma e foi o arguido que indicou, prontamente, onde é que a mesma se encontrava.
Acresce que a arma se encontrava em mau estado de conservação, ou seja, o arguido não usou recentemente a arma nem estava a planear usá-la, uma vez que não procurou mantê-la em condições de utilização.
De todo o exposto, compreende-se que as consequências do crime praticado não foram gravosas, tendo o arguido contribuído para que o mesmo fosse descoberto.
Além de ter contribuído para que o mesmo fosse descoberto, contribuiu para que o mesmo fosse julgado, tendo confessado de forma integral e sem reservas os factos.
Assim, não se trata apenas de arrependimento, que foi demonstrado em audiência de discussão e julgamento, mas sim de um reconhecimento total do negativismo da sua conduta e de uma contribuição ativa para a descoberta e julgamento do crime.»

Foi nesse contexto que o tribunal, no processo 51/19.1SULSB, tendo conhecimento de que o arguido havia praticado os factos no período de suspensão da execução de uma pena, ainda assim entendeu formular um juízo de prognose favorável, concluindo que a ameaça de prisão e a censura do facto seriam ainda suficientes para assegurar as finalidades da punição.

Foram tomadas declarações ao condenado, para efeitos do disposto no artigo 495.º, n.º 2, do C.P.P., tendo o mesmo referido que a arma que foi encontrada na sua residência, no dia 08.10.2019 (processo 51/19.1SULSB) pertencia a um familiar já falecido, encontrava-se dentro de um armário e em estado de má conservação (enferrujada e sem condições de funcionamento).

O relatório final da DGRSP referente à suspensão da execução da pena com regime de prova assinala que o condenado compareceu às entrevistas agendadas pela técnica de reinserção social, mantendo uma atitude de colaboração e sentido de responsabilidade. Continua a dispor de um enquadramento familiar estruturante e tem feito esforços no sentido de cumprir algumas das acções constantes no seu Plano de Reinserção Social (mas não se indicam que acções hajam sido determinadas e não tenham sido cumpridas).

Os únicos elementos negativos apontados no relatório referem-se à proximidade de certas pessoas – conhecimento e amigos “com práticas criminais” – e uma atitude desculpabilizante em relação ao crime cometido, mas assinalando-se que “tem comparecido com regularidade às entrevistas agendadas pela técnica de reinserção social, mantendo uma atitude de colaboração e sentido de responsabilidade”.

Como já se disse, a lei não se basta com a mera prática de um ou mais crimes no período de suspensão da execução da pena, pois é necessário, para que se verifique a revogação da suspensão, que essa prática demonstre a frustração do juízo de prognose favorável subjacente à suspensão da execução da pena de prisão.
Para esse efeito, importa ponderar a relação temporal entre a data da suspensão da execução da pena e a data em que foram praticados os novos factos, a relação entre os tipos de crime praticados, a análise das circunstâncias do cometimento do novo crime, ou seja, do quadro em que o condenado voltou a delinquir e o seu impacto negativo na obtenção das finalidades que justificaram a suspensão da pena, e bem assim a evolução das condições de vida do condenado até ao presente – num juízo reportado ao momento em que importa decidir -, em ordem à decisão de revogar ou não a suspensão da execução da pena.

Como o artigo 56.º, n.º1, alínea b), não distingue, para efeitos de revogação da suspensão, não é forçoso que o crime praticado no decurso do período de suspensão tenha a natureza do crime punido com a pena de substituição, nem tem que ser crime doloso, sendo ainda irrelevante o tipo de pena àquele aplicada, ainda que, tendencialmente, será a condenação em pena efectiva de prisão a reveladora de que as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas [cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código Penal, 2008, pág. 202; e os acórdãos da Relação de Coimbra, de 28.03.2012, processo 29/09.3GAAVZ-A.C1; da Relação do Porto, de 02.12.2009, processo 425/06.8PTPRT.P1 – com o mesmo relator do presente; da Relação de Évora, de 25.09.2012, processo413/04.9GEPTM.E1].

A nosso ver, muito embora esteja em causa a prática de um crime da mesma natureza de um dos crimes que fundamentaram a condenação em pena de prisão suspensa na execução, não podemos ignorar que se tratou da detenção de uma arma em mau estado de conservação, que o tribunal disse não se encontrar, sequer, em estado de ser utilizada, além de que a contribuição do condenado para a descoberta da verdade se revelou muito relevante, pois foi aquele a indicar que detinha a arma e onde a mesma se encontrava.

Neste contexto, no quadro circunstancial em que o condenado voltou a delinquir e foi ponderado no processo 51/19.1SULSB, tendo em conta que o tribunal decidiu aplicar-lhe nova pena de prisão suspensa na sua execução, sendo globalmente positivo o relatório da DGRSP junto aos autos, onde não se identificam, concretamente, factos que traduzam o incumprimento do regime de prova, afigura-se-nos não se justificar a revogação da suspensão da execução da pena, já que os factos praticados no decurso do período de suspensão não colidem com o juízo de prognose favorável que esteve na base da dita suspensão (não se justificando equacionar a prorrogação da suspensão da execução, que nem o tribunal a quo, nem os recorrentes equacionaram).
Conclui-se que ambos os recursos merecem provimento.

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III–Dispositivo

Por todo o exposto, acordam os Juízes da 5.ª Secção desta Relação de Lisboa em conceder provimento aos recursos interpostos pelo Ministério Público e por JS, revogando o despacho recorrido e determinando que, em seu lugar, seja declarada a extinção da pena.

Sem tributação.



Lisboa, 10 de Maio de 2022


(o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)


(Jorge Gonçalves)                              
(Fernando Ventura)