Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1039/14.4T8ALM.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA EXECUTIVA
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE
Sumário: I– O advogado da exequente, falecida (em Julho de 2012) no decurso do processo, deve (i) dar notícia dessa morte logo que dela tenha conhecimento, (ii) providenciar pela junção ao processo de documento comprovativo dessa morte e (iii) fazer o necessário para que a execução não seja julgada deserta antes de os herdeiros poderem requerer a sua habilitação em substituição da falecida, se essa deserção se mostrar potencialmente prejudicial aos interesses dos herdeiros, como por regra o será (artigos 270/1-2 do CPC e 1175/2 do CPC).

II– Não o fazendo, verifica-se a negligência como pressuposto da deserção da instância (art. 281/5 do CPC) e para a sua constatação não há que ouvir previamente aquele advogado.

III– A deserção da execução é automática quando esteja decorrido o prazo de 6 meses de negligência na actuação daquele que deve fazer alguma coisa para que o processo não se extinga, contados da notificada a declaração da suspensão.

IV– Não é possível, depois de decorrido aquele prazo (no caso, em Agosto de 2014), dar seguimento a um requerimento de habilitação (no caso, feito em Maio de 2021), mesmo que ele tenha sido feito antes de ter sido constatada a deserção e mesmo que, mal, tenham continuado a ser praticados actos na execução pelo AE.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:



Em 15/11/2007, E, representada por advogado, requereu uma execução para pagamento de 3.489,86€, acrescidos de 11.349,82€ de juros de mora, com base numa sentença judicial proferida numa acção de despejo, contra R.

A 22/01/2014, o advogado da exequente vem dizer o seguinte: “[…]tomou agora conhecimento de que a sua representada/exequente havia falecido[;] vem informar que, em consequência do decesso, o mandato que lhe fora conferido caducou.”

O advogado da exequente não juntou comprovativo do óbito da exequente, nem justificou o facto não o fazer.

A 27/01/2014 foi proferido o seguinte despacho: fl. 51: Com base nos elementos identificativos disponíveis, diligencie pela junção de certidão de óbito da exequente.

A 28/01/2014, a secção de processos registou o resultado da consulta da base de dados da identificação civil, no qual consta que o registo de identificação civil da exequente caducou por óbito.

A 13/02/2014, foi proferido o seguinte despacho:
Comprovado o falecimento da exequente, declara-se suspensa a instância – art. 269/1-a do CPC.
Este despacho foi notificado ao mandatário da exequente por carta elaborada a 14/02/2014.
A 04/05/2021, a filha da exequente, representada pelo mesmo advogado da sua mãe, com procuração desse dia, veio requerer a sua habilitação como herdeira da exequente. A habilitação notarial de herdeiros que apresentou foi feita a 20/02/2014 e dela consta que a exequente faleceu a 23/07/2012 (tal como consta a menção: arquivo: certidão do assento de óbito).
De 22/01/2014 a 04/05/2021 não houve qualquer intervenção processual por parte do mandatário da exequente.

A 15/06/2021 foi proferido o seguinte despacho:
Ref.ª 29109180 – Compulsados os autos é dado verificar que desde 2014 que a execução se mostra suspensa em virtude do decesso da exequente.
Por razões que não se descortinam, em 2019, o Sr. SE levou a cabo diligências de penhora e procedeu à citação do executado quando aquilo que se impunha era que extinguisse a execução por deserção, como lhe compete.
Consequentemente, extraia certidão do aludido despacho de suspensão da execução e subsequente processado e remeta à CAAJ e à OS para os fins tidos por convenientes.
*
No mais, ante o supra exposto, e salientando que apenas no passado dia 04/05/2021 foi deduzido incidente de habilitação de herdeiros da falecida, é evidente que, em face do lapso de tempo decorrido e atento o disposto no art. 281/5 do CPC, a execução se mostra deserta, pelo que deverá o Sr. SE proceder à extinção da execução por deserção.
Consequentemente, não admito o presente incidente – art. 590/1 do CPC.
Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.

A requerente da habilitação vem recorrer deste despacho, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
I.–O despacho ora recorrido não teve em conta um dos dois requisitos previsto no art. 281/-1-5 do CPC necessário para a deserção e consequente extinção da execução, o que fez por errada interpretação da referida norma, não verificando da existência da negligência das partes, a qual tinha que ser aferida em concreto, mediante audição prévia daquelas.
II.–Ao não proceder ao contraditório, não possibilitando às partes, pronunciarem-se sobre a questão ora em recurso, quer dizer, quanto à negligência, o tribunal a quo infringiu uma obrigação legal que importa na nulidade do despacho recorrido.
III.–E consequentemente e por falta de fundamento, não pode o incidente de habilitação da ora recorrente ser indeferido ou não admitido, por manifesta falta de fundamento legal nos pressupostos de aferição da deserção.
IV.–Pelo que, em consequência, deve o tribunal ad quem dar provimento ao presente recurso, revogando o despacho recorrido e em consequência determinar a admissão do incidente de habilitação de herdeiros, ordenando ao tribunal a quo que os presentes autos de execução prossigam os seus termos, tudo com os legais efeitos.

***

Questão que importa decidir: se o incidente de habilitação de herdeiros devia ter sido admitido.

***

Apreciando:
A instância suspende-se quando falece algum das partes e está junto ao processo comprovativo desse falecimento (artigos 269/1-a e 270/1 do CPC), salvo hipóteses que não interessam ao caso dos autos. Para o efeito, a parte deve tornar conhecido no processo o facto da morte do seu comparte ou da parte contrária, providenciando pela junção do documento comprovativo (art. 270/2 do CPC).

A suspensão só cessa quando for notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida (art. 276/1-a do CPC) pelo que, logicamente, essa habilitação tem de ser promovida (art. 351/1 do CPC), tanto por qualquer das partes que sobreviverem como por qualquer dos sucessores.

Se isso não for feito, no processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses (art. 281/5 do CPC) e tal implicará a extinção da instância (art. 277/-c do CPC).

O advogado da própria parte, a partir do momento em que tem conhecimento da morte dela, deve dar notícia dessa morte ao processo e juntar ao processo comprovativo da mesma.

Trata-se de um dever pessoal do advogado da parte imposto pelos artigos 1175/2 do CC e 270/2 do CPC (Castro Mendes, Direito Processual Civil, AAFDL, vol. II, 1980, pág. 241, nota 2, e Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. I, 4.ª edição, Almedina, reimpressão, Janeiro de 2021, pág. 548 e 693).

***

A principal argumentação da recorrente contra o despacho recorrido baseia-se num argumento que não consta explicitamente do recurso, vindo sim do requerimento de 22/01/2014 feito pelo advogado da exequente.
Segundo ele, o mandato caducou com a morte da exequente (art. 1174/1-a do CC).
Mas dizer isto é dizer pouco.
É que a caducidade do mandato só se torna operante/eficaz quando da caducidade não possam resultar prejuízos para o mandante ou seus herdeiros (art. 1175/2 do CC).
Ora, no caso dos autos nada permite dizer que a caducidade do mandato pelo simples facto da morte da exequente não prejudicaria os seus herdeiros.
Antes pelo contrário, estando pendente uma execução em que era exequente a mandante, para cobrança de uma dívida do executado para com ela, a extinção do processo por deserção (arts. 281/5 e 277/-c, ambos do CPC), representava, presumivelmente, um prejuízo para a herdeira da falecida, que, em vez de poder prosseguir a execução, tal como ela estava, teria que requerer uma outra para conseguir chegar ao mesmo resultado actual.
Tanto é assim que a herdeira vem agora recorrer contra a decisão de deserção, manifestando, por isso, que entende ter sido prejudicada por ela.
Pelo que, no caso dos autos, com os dados que dele constam, se pode dizer que as obrigações que resultavam do mandato para o mandatário da exequente se mantiveram para além da morte desta, para evitar que da caducidade do mandato pudessem resultar prejuízos para a herdeira da exequente.

Noutra perspectiva, Manuel Januário da Costa Gomes, diz que:
“Apesar da caducidade, o mandatário deve continuar com a execução do mandato, tanto quanto necessário para evitar prejuízos aos herdeiros do mandante, se a causa da caducidade tiver sido a morte deste. De acordo com esta interpretação, estamos face a um caso de pós-eficácia das obrigações, mantendo-se a vinculação do mandatário apesar da caducidade do mandato.” – Direito das obrigações, 3.º vol., sob a coord. de António Menezes Cordeiro, AAFDL, 1991, 2.ª edição revista e ampliada, páginas 391-392.
“Com maior desenvolvimento” também em Tema de revogação do mandato civil, págs. 34-36, o mesmo autor explica que:
“essa obrigação resultaria também do principio geral da boa fé consagrado no art. 762/2 do CC e, “como aplicação deste princípio”, autonomiza “uma outra obrigação que impende sobre o mandatário: a de informar imediatamente os herdeiros da existência do mandato para que estes possam, como novos dominii, actuar em conformidade com os seus interesses; essa obrigação parece ser de afirmar também nos casos em que o mandatário pensa que os herdeiros têm conhecimento do mandato […]”).

Com outros desenvolvimentos, mas sem, ao que se crê, diferenças práticas, Pedro Romano Martinez, Da cessação do contrato, 2.ª edição, Almedina, 2006, págs. 534 a 537 e 544; Adelaide Menezes Leitão, “Revogação unilateral” do mandato, pós-eficácia e responsabilidade pela confiança, no vol. I dos Estudos em homenagem a Galvão Telles, 2002, Almedina, páginas 327-330; e Menezes Cordeiro, Tratado de direito civil, vol. XII, 2.ª parte, reimpressão, 2020, páginas 681-688.

Seja como for, as obrigações do mandatário só deixariam de existir, pela caducidade, se e quando houvesse a certeza de que a herdeira tinha sido colocada em condições de poder, querendo, requerer, em tempo, a sua habilitação em substituição da sua mãe na execução pendente (Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, vol. II, 4.ª edição, 1997, Coimbra editora, pág. 819, lembram que a lei “põe como limite [à obrigação do mandatário] não poderem já resultar prejuízos para o mandante ou para os seus herdeiros […]. Aquele deve pois continuar com a execução, mas não completá-la, se tanto não for preciso para evitar os danos.”)
 
Assim sendo, o mandatário da exequente continuava obrigado a fazer o necessário para evitar prejuízos para os herdeiros, e entre as obrigações inerentes estava o tentar fazer o que fosse preciso para evitar a deserção da execução, entre o mais, pelo menos, por exemplo, vindo ao processo requerer o que fosse necessário, com o que interromperia o decurso do prazo de deserção.

Esta legitimidade para esta actuação resulta do disposto no art. 1175/2 do CC e, por maioria de razão, da regra do art. 351/3 do CPC, que lhe permite ainda mais do que isso num caso paralelo, ou seja, para o caso de “o autor falecer depois de ter conferido mandato para a proposição da acção e antes de esta ter sido instaurada, pode promover-se a habilitação dos seus sucessores quando se verifique algum dos casos excepcionais em que o mandato é susceptível de ser exercido depois da morte do constituinte.”

Assim, por força desta norma, tem-se entendido que o mandatário, após a morte do mandante e apesar de saber da morte dele, pode intentar, em nome deste, uma acção contra a contraparte do mandante, para evitar prejuízos para os herdeiros, como, por exemplo, a caducidade do direito ou a prescrição (neste sentido, por exemplo, Alberto dos Reis, CPC anotado, vol. I, 3.ª edição, reimpressão, 1982, Coimbra Editora, págs. 578-579; Eurico Lopes-Cardoso, Manual dos incidentes da instância em processo civil, Petrony, 1992, págs. 305-308; Salvador da Costa, Os incidentes da instância, 2016, 8.ª edição, Almedina, págs. 211-212; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 1.º, 4.ª edição, Almedina, reimpressão de Janeiro 2021, páginas 692-693).

Pelo que não pode deixar de se entender que, com o mesmo fim, deve poder requerer, continuando a actuar em nome do mandante, apesar de este já ter falecido, o que for necessário para evitar a deserção de uma acção já intentada aquando da morte do mandante (como entenderam que o podia fazer os acórdãos do TRP de 27/09/2018, proc. 21005/15.1T8PRT.P1, relatado pela Srª juíza desembargadora 1.ª adjunta deste colectivo, e do TRC de 06/07/2016, proc. 4278/10.3TBLRA.C1, que tratam, precisamente do mesmo tipo de casos do dos autos, em que existia apenas um autor que faleceu).

Ora, como a deserção ocorreria, em princípio, seis meses depois da notícia da suspensão da execução (art. 281/5 do CPC) sem que tivesse sido requerida a habilitação e ela não foi requerida até então, tendo a execução acabado por ser julgada deserta, sem que haja qualquer notícia, no processo, de qualquer actuação do mandatário destinada a evitar o decurso daquele prazo de deserção, consequência de que não podia deixar de ter conhecimento por ser advogado em exercício de funções no processo, tem que se concluir que este actuou com negligência.

Neste sentido, o ac. do TRP de 27/09/2018, proc. 21005/15.1T8PRT.P1, lembra que Lebre de Freitas diz, a propósito do princípio da auto-responsabilização das partes que vigora no processo civil e que surge associado ao princípio da preclusão:
“A omissão continuada da actividade da parte, quando a esta cabe um ónus de impulso processual subsequente, tem efeitos cominatórios, que podem consistir, designadamente, na deserção da instância.”

E Miguel Teixeira de Sousa, no comentário ao ac. do TRP de 02/02/2015, proc. 4178/12.2TBGDM.P1, publicado em 10/02/2015 no blog do IPPC sob jurisprudência 75, lembra que:
“Apesar de a falta de impulso poder ser, ela mesma, sinónima de negligência da parte e de, portanto, não justificar nenhum dever de prevenção da parte […];
[…] haverá que avaliar, caso a caso, se se justifica o cumprimento pelo tribunal do dever de prevenção. Procurando exemplificar, poderá haver razões para o cumprimento desse dever se a parte à qual cabe o impulso não estiver representada por advogado ou se esta mesma parte tiver demonstrado, pelo seu anterior comportamento processual, que está interessada na continuação do processo e se, por isso, for surpreendente a falta de impulso processual.”

Conclui-se, por isso, que se verificou a negligência daquele – o mandatário, em nome da falecida exequente - que estava obrigado a fazer o que era possível para evitar a deserção da execução.

Acrescente-se ainda que a falta do cumprimento de obrigações vinha de trás, já que aquele Sr. advogado não tinha cumprido, sem o justificar, o dever pessoal de providenciar pela junção do documento comprovativo do óbito de que deu notícia (omissão que foi suprida pela consulta feita pela secção de processos, do tribunal, já que a informação da titularidade de serviços da Administração Pública, disponível electronicamente, consultada directamente pelo tribunal por meios electrónicos, tem valor idêntico a uma certidão emitida pelo serviço competente, nos termos da lei: art. 22 da Portaria 280/2013, de 26/08).

***

Quanto à audição prévia das partes. 
  
Este colectivo já tomou posição expressa sobre a questão, no acórdão do TRL de 24/09/2019, 2165/17.3T8CSC.L1.L1-2, lembrado no ac. do TRL de 05/11/2020, proc. 27911/18.4T8LSB.L1, também deste colectivo (confirmado pelo ac. do STJ citado abaixo), no mesmo sentido, onde, entre o mais, se diz:
“[…] entende-se que o dever de audição prévia não se impõe como regra geral […].
Isto com base no facto de o regime jurídico da deserção não prever essa audição e por se entender que o art. 3/3 do CPC não pode ser invocado a seu favor, quer porque ele não rege para esta matéria, quer porque, nos termos em que se entende que a deserção pode ser declarada, nunca a decisão em causa poderá ser uma decisão surpresa.
Ou seja, não haverá violação da norma do art. 3/3 do CPC que é aquela que fala no princípio do contraditório e do da proibição das decisões-surpresa, invocado pela autora nestes autos.
Neste sentido, considera-se que vai a posição de Lebre de Freitas, já que na descrição que faz dos requisitos da decisão da deserção não incluiu qualquer referência à necessidade de audição prévia das partes [essa descrição consta do estudo sobre “Da nulidade da declaração de deserção da instância sem precedência de advertência à parte, publicado na ROA, 2018, vol. I/II, págs. 191 a 199, onde se sistematizam “os sete requisitos que” “a norma do art. 281/1 do CPC tem”, “dos quais seis evidenciados na letra do seu texto e o último decorrente da sua interpretação à luz dos referidos princípios gerais” (págs. 197-198)].
Neste sentido vai também o artigo de Paulo Ramos de Faria, O julgamento da deserção da instância declarativa, publicado na revista Julgar on line – 2015, págs. 18 a 20.
No mesmo sentido, precisamente para os casos de suspensão do processo à espera da habilitação dos herdeiros, tem ido a jurisprudência constante do STJ […]”

Esta jurisprudência do STJ pode ser vista nos seguintes acórdãos, para além de outros, que se passam a transcrever em parte, porque essa transcrição comprova o que se acabou de afirmar, e para além disso comprova também o que se tinha dito acima e ainda confirma o que se dirá abaixo sobre outras questões:

O ac. do STJ de 04/02/2020, proc. 21005.15.1T8PRT.P1.S1:
[…]
IV- […] sempre que o impulso processual dependa da parte, esta tem o ónus e o interesse em informar o tribunal acerca da existência de algum obstáculo.
V- A partir do momento em que a instância fica suspensa, tendo as partes sido notificadas dessa suspensão, compete aos interessados promover os termos do processo.
[…]

No texto do acórdão consta:
Por conseguinte, “sempre que o impulso processual dependa da parte, esta tem o ónus e o interesse em informar o tribunal acerca da existência de algum obstáculo e, se for o caso, solicitar a concessão de alguma dilação. Não cabe ao tribunal promover a audição da parte sobre a negligência, tendo em vista a formulação de um juízo sobre as razões da inércia; esta será avaliada em função do que resultar objetivamente no processo”[4].

E depois:

[…]
Diferentemente do que o Recorrente preconiza, não tinha o tribunal, no caso sub iudice, de proceder a qualquer notificação a informar as partes de que corria o prazo de deserção da instância. A partir do momento em que a instância fica suspensa, tendo as partes sido notificadas dessa suspensão, compete aos interessados promover os termos do processo. […]
É que a negligência a que se refere o art. 281/1 do CPC, “é necessariamente a negligência retratada ou espelhada objetivamente no processo (negligência processual ou aparente)” e “[s]e a parte não promove o andamento do processo e nenhuma justificação apresenta, e se nada existe no processo que inculque a ideia de que a inação se deve a causas estranhas à vontade da parte, está apoditicamente constituída uma situação de desinteresse, logo de negligência” [6]. Por outro lado, a “conduta omissiva e negligente da parte onerada com o impulso processual só cessará com a prática do ato que, utilmente, estimule a instância, ou com a superveniência de uma circunstância que subtraia à vontade da parte a possibilidade da sua prática”[7].
Como resulta da matéria de facto provada (que retrata o devir processual observado), decorreu o prazo legal máximo de seis meses previsto no art. 281/1 do CPC, sem que tenha sido requerida ou promovida a habilitação dos herdeiros de AA (omissão do ato de parte) e sem que haja sido levado ao conhecimento do Tribunal qualquer elemento ou circunstância impeditiva do impulso, que permitisse afastar o juízo de negligência refletido nos autos (omissão imputável ao Recorrente, e não a terceiro ou ao Tribunal). Repare-se que nem subsequentemente o Recorrente invocou qualquer justo impedimento ao cumprimento do ónus de impulso processual que sobre si impendia. Impunha-se, por isso, declarar – como se declarou - deserta a instância. Conforme o art. 277/-c do CPC, a deserção é causa de extinção da instância.

O ac. do STJ de 02/06/2020, proc. 139/15.8T8FAF-A.G1.S1:
I-A deserção da instância, nos termos do art. 281/1 do CPC, depende da verificação cumulativa de dois pressupostos: um de natureza objectiva, que se traduz na demora superior a 6 meses no impulso processual legalmente necessário, e outro de natureza subjectiva, que consiste na inércia imputável a negligência das partes.
II-A parte deve promover o andamento do processo sempre que o prosseguimento da instância dependa de impulso seu decorrente de algum preceito legal ou quando, sem embargo da actuação da parte nesse sentido, recaia também sobre o tribunal o dever de cooperação exercendo o dever de gestão processual em conformidade com o disposto no art. 6.º do CPC.
III-Nos casos em que a suspensão da instância é motivada pelo falecimento de alguma das partes na pendência da acção, o impulso processual depende exclusivamente das partes ou dos sucessores dos falecidos, os quais têm o ónus de requerer a respectiva habilitação.
IV-O decurso do prazo de seis meses após a notificação do despacho que suspendeu a instância por óbito de alguma das partes sem que tenha sido requerida a habilitação ou apresentada alguma razão que impedisse ou dificultasse o exercício desse ónus, tem como efeito a extinção da instância, por deserção, independentemente de a instância também ter sido suspensa com outro fundamento.
V-Constituindo a habilitação de sucessores um ónus que, além destes, recai sobre a parte, em face da clareza do início do prazo de seis meses e das respectivas consequências, a declaração de extinção da instância por deserção não tinha que ser precedida de despacho a indicar tal cominação, inexistindo fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para prévia audição das partes com vista a aquilatar da sua negligência.

Este acórdão diz que é esta a interpretação que o STJ tem vindo a sustentar, repetidamente, desde há algum tempo, e cita nesse sentido, sempre para casos de incidente de habilitação de herdeiros, os acórdãos do STJ de 20/09/2016, proc. 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1:
I.–Limitando-se a Autora a fazer juntar ao processo uma certidão de habilitação notarial dos herdeiros de réu falecido, nada promovendo em termos de incidente de habilitação de sucessores, não cumpre o ónus de impulso processual necessário a fazer cessar a suspensão da instância que havia sido declarada.
II.–Não competia ao tribunal providenciar oficiosamente, com base em tal certidão, pela habilitação judicial dos sucessores.
III.–Não constituindo a dita junção qualquer requerimento inicial, não podia o tribunal convidar ao seu aperfeiçoamento.
IV.–Deixando a Autora de impulsionar o processo, por mais de seis meses, através da dedução do processo incidental de habilitação de sucessores, nem tendo apresentado dentro desse período de tempo qualquer razão impeditiva da não promoção, estamos perante uma omissão de impulso a qualificar necessária e automaticamente como negligente, e que implica a deserção da instância.
V.–A negligência a que se refere o nº 1 do art. 281º do CPC não é uma negligência que tenha de ser aferida para além dos elementos que o processo revela, pelo contrário trata-se da negligência ali objetiva e imediatamente espelhada (negligência processual ou aparente).
VI.–Tal negligência só deixa de estar constituída quando a parte onerada tenha mostrado atempadamente estar impossibilitada de dar impulso ao processo.

VII.–Inexiste fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para a prévia audição das partes no contexto da deserção da instância com vista a aquilatar da negligência da parte a quem cabe o ónus do impulso processual de 14/12/2016, proc. 105/14.0TVLSB.G1.S1:
I- Suspensa a instância por óbito do autor e decorrido o prazo de seis meses em que o processo se encontra a aguardar impulso processual, o Tribunal deve proferir despacho a julgar deserta a instância (artigo 281.º do CPC/2013), não impondo a lei que o Tribunal, antes de proferir a decisão, ouça as partes ou qualquer dos sucessores tendo em vista determinar as razões da sua inércia.
II-Impendendo sobre as partes que sobreviveram ou qualquer dos sucessores o ónus do impulso processual, cumpre-lhes levar ao processo as circunstâncias que levam o Tribunal a considerar que ocorre situação justificativa de que não se considere verificada inércia negligente.
III-Ainda assim, e no caso de deserção da instância por não ter sido levado ao conhecimento do Tribunal nenhuma circunstância que afaste o juízo de negligência, a parte ou o seu mandatário podem invocar justo impedimento nos termos do artigo 140.º do CPC/2013.
IV-Considerando que a deserção da instância per se não implica a perda do direito de ação, considerando que o prazo de seis meses é um prazo suficientemente amplo para que os interessados possam ter conhecimento da ação suspensa e exercer, querendo, os seus direitos processuais, considerando ainda que, mesmo em caso de inércia a impor decisão que declare a deserção da instância, salvo fica sempre o justo impedimento, não se justifica interpretação corretiva da lei no sentido de impor a audição das partes, decorrido o prazo de seis meses e antes de ser proferida decisão a julgar deserta a instância.

Ainda neste sentido, mas agora num caso paralelo, vai o acórdão do STJ de 08/03/2018, proc. 225/15.4T8VNG.P1-A.S1:
I.–Não obstante o CPC, na redacção dada pela Lei 41/2013, ter posto em destaque o dever do juiz de dar prevalência, tanto quanto possível, a decisões finais de mérito sobre decisões meramente processuais (art. 278/3), o dever de gestão processual, dirigindo activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere (art. 6/1), e de cooperação com as partes, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio (art. 7/1), isso não pressupõe que o juiz tenha de se substituir às partes no cumprimento do ónus de promoção do andamento do processo.
II.–Tendo sido notificado às partes, designadamente ao mandatário do autor, o despacho de suspensão da instância para efeitos de o autor proceder ao registo da acção, não impende sobre o tribunal o dever de fazer constar desse despacho a advertência de que a inércia do autor, por mais de 6 meses, determinaria a deserção da instância, porquanto não só se tornou bem claro ser, exclusivo, ónus do autor providenciar pela feitura desse registo como o mesmo não podia deixar de saber, até porque está representado por advogado, que, em face da decretada suspensão da instância com o dito fundamento, teria que demonstrar a realização do referido registo dentro do prazo de 6 meses estabelecido no art. 281/1 do CPC, a fim de impulsionar o andamento dos autos antes de decorrido este mesmo prazo, sem prejuízo de, justificadamente alegar e provar que, não foi possível fazê-lo sem culpa/ negligência.
III.–No contexto da deserção da instância, inexiste fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para a prévia audição das partes com vista a aquilatar da negligência da parte sobre quem recai o ónus do impulso processual.
IV.–A negligência a que se refere o art. 281/1 do CPC, é a negligência retratada objectivamente no processo (negligência processual ou aparente), pelo que a assunção pela parte de uma conduta omissiva que, necessariamente, não permite o andamento do processo, estando a prática do ato omitido apenas dependente da sua vontade, é suficiente para caracterizar a sua negligência.
V.–Estando o autor onerado com o ónus de proceder ao registo da ação e tendo deixado decorrer o prazo de seis meses estabelecido no art. 281/1 do CPC, sem ter comprovado a realização desse registo ou mostrado que não foi possível fazê-lo sem culpa sua, é-lhe imputável, e não ao Tribunal, o efeito cominatório resultante do incumprimento do ónus especial de impulso processual que sobre ele recaía e que, no caso, consiste, na deserção da instância.

E ainda o ac. do STJ de 05/07/2018, proc. 5314/05.0TVLSB.L1.S2:
[…]
III-A aferição da negligência da parte, enquanto pressupostos da deserção da instância, deve ser feita em face dos elementos que constam do processo, pelo que inexiste fundamento para a respectiva decisão ser precedida de audiência prévia das partes.

Por fim, já depois dos que antecedem, vejam-se ainda os seguintes dois acórdãos do STJ:De 20/04/2021, proc. 27911/18.4T8LSB.L1.S1
[…]
III.–No que respeita à audição antes de ser proferida a decisão a julgar extinta a instância por deserção, não se encontra qualquer disposição legal que determina essa audição, nem a mesma decorre do princípio do contraditório ou do princípio da cooperação e do dever de gestão processual.
[…]
De 12/01/2021, proc. 3820/17.3T8SNT.L1.S1
Decorridos mais de seis meses sobre a suspensão da instância, motivada pelo falecimento de uma das partes, e sem que tenha sido promovida a respetiva habilitação de herdeiros (ou requerido o que quer que fosse), impõe-se declarar a deserção da instância, nos termos do nº 1 do artigo 281º do CPC, sem necessidade da prévia audição das partes.

Desta jurisprudência reiterada do STJ - que deve ser seguida excepto se houver e forem expostos fundamentos suficientes em sentido contrário que, manifestamente, para já não há (tanto que a requerente nem mexe na questão) – decorre que, nestes casos de habilitação de herdeiros, em que não é requerida a habilitação, a negligência não tem de ser constatada através de um procedimento que incluía a audição daquele que se presume negligente, se os pressupostos da negligência forem manifestos, como o são no caso, quando aquele que tem de requerer alguma coisa é o próprio advogado e sabe que o processo está suspenso à espera que se requeira a habilitação, como no caso não pode deixar de saber porque foi notificado da suspensão.
E, por tudo isto, de modo algum se pode censurar o despacho recorrido, como o faz implicitamente a recorrente, de falta de fundamentação ou da falta de verificação dos pressupostos da deserção, pois que eles eram manifestos e o que foi dito pelo despacho recorrido era, no caso, suficiente para o efeito.

***

A deserção nas execuções é um efeito que decorre automaticamente da simples ocorrência dos seus pressupostos. A verificação/constatação dos mesmos, por um despacho judicial (ou por decisão de um Solicitador ou Agente de Execução), não é constitutiva dessa deserção. O que é decorre expressamente do art. 281/5 do CPC: “no processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses” (art. 281/5 do CPC).

Neste sentido, este mesmo colectivo, no ac. do TRL de 24/09/2020, proc. 6531/17.6T8LSB.L1 (não publicado), disse o seguinte:
A extinção da execução, por deserção devido a negligência das partes durante 6 meses, é automática, como diz a decisão recorrida. Ela acontece quando estes dois pressupostos (negligência, 6 meses) se preenchem. Ou seja, ela não depende de qualquer decisão judicial, como diz o art. 281/5 do CPC, indo também nesse sentido o percurso legislativo que conduziu a essa norma (desde a redacção do CPC anterior à reforma de 2013), como o explicam, com suficiente fundamentação, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, nas anotações ao art. 281 do CPC depois daquela reforma (págs. 554 e 558 do CPC anotado, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2014).
A necessidade de o preenchimento dos pressupostos ser verificado, para depois ser comunicada a extinção da execução (art. 849/1-f-2 do CPC), não impede que a deserção já se tenha consumado. A verificação/constatação do preenchimento dos pressupostos não faz parte dos pressupostos da deserção no caso da execução.
Sendo ela automática, pelo preenchimento daqueles pressupostos, a prática do acto devido (ou de um que represente o fim da inércia processual), depois disso, pela parte, é irrelevante. Para que uma execução extinta renascesse, teria de haver uma norma legal que o previsse e ela não existe. É pois irrelevante que o requerente, depois de 17 meses de inércia, tenha finalmente praticado um acto que poderia ter levado ao prosseguimento da execução.

No mesmo sentido, vai ainda o ac. do TRP de 24/05/2021, proc. 4842/09.3TBSTS.P2:
O despacho que declara deserta a instância tem mero efeito declarativo e os actos espontaneamente praticados pelas partes, após a deserção, mas antes do seu reconhecimento judicial, não impedem que a deserção seja efectivamente declarada.

Na 4.ª edição do CPC anotado, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre defendem que não faz sentido declarar a deserção depois de praticado, pela parte, sponte sua e ainda que após o decurso do prazo de 6 meses, o acto cujo omissão tenha estado na origem da paragem do processo.” Na esteira, aliás, de igual posição de Alberto dos Reis, que citam (vol. I do CPC anotado, págs. 398-399, no vol. 3 do comentário ao CPC, págs. 439-440). Todos os 4 acórdãos dos Tribunais das Relações que invocam neste sentido foram, no entanto, proferidos em acções declarativas (o mesmo acontece com os dois acórdãos, do STJ, que invocam em sentido contrário).

Independentemente do que se possa ou não defender para as acções declarativas, esta posição não pode ser aplicada nas execuções, pois que, como dizem aqueles mesmos autores, “diversamente do que é determinado para a acção declarativa e em harmonia com o que é determinado, em geral, no art. 849/1-f, a deserção é automática, não dependendo de qualquer decisão.”

É assim indiferente que a requerente tenha, antes de haver uma decisão formal do AE a declarar a extinção do processo por deserção, vindo requerer a habilitação.

Tal como não importa para a questão que os autos colocam que, entretanto, tenham sido praticados outros actos no processo, pois que, para além de terem sido praticados depois da automática deserção, nenhum deles foi um acto praticado com vista a proceder à habilitação dos sucessores da parte falecida. A negligência reporta-se à falta de prática de factos com esse objectivo, pelo que a circunstância de terem sido praticados outros – que não o deviam ter sido devido ao facto de a execução estar suspensa – e por outra pessoa não afasta aquele juízo de censura.

***

Assim sendo, não tendo ocorrido qualquer interrupção do prazo da deserção, ela ocorreu precisamente no termo do prazo de 6 meses desde a notificação do despacho que decretou a suspensão da execução, notificação que foi feita através de carta elaborada a 14/02/2014, por força da qual, tendo em conta o disposto no art. 248 do CPC, se presume feita a 17/02/2014.

***

Pelo que, quando a habilitação foi finalmente requerida, a 04/05/2021, a execução já estava deserta há quase 7 anos; assim, logicamente, não havia já uma exequente que pudesse ser substituída por herdeiros, pelo que não podia ser admitida a habilitação, como o não foi, bem, pelo despacho recorrido.

Mais, como a suspensão do processo deve retroagir à data do óbito da exequente – Castro Mendes, DPC II, AAFDL 1980, págs. 242-243 e Lebre de Freitas, CPC anotado, vol. I, 4.ª edição, Almedina, reimpressão, Janeiro de 2021, págs. 547-548 – embora isso não tenha sido declarado no despacho declarativo da suspensão, substancialmente essa suspensão tinha ocorrido há mais de 9 anos (em 2012) quando a sua herdeira veio, pela mão do mesmo advogado da exequente, requerer a habilitação.

***

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

A recorrente perde as suas custas de parte por ter perdido o recurso; não existem outras custas de parte, porque o executado não contra-alegou.



Lisboa, 04/11/2021



Pedro Martins
Inês Moura
Laurinda Gemas