Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1337/13.4YRLSB-7
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO
INSTRUÇÃO DO PROCESSO
DECISÃO ARBITRAL
HONORÁRIOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDÊNCIA PARCIAL
Sumário: 1. No âmbito de uma acção arbitral não contestada, pode justificar-se o seu prosseguimento, após o saneador, para realização de diligências probatórias com vista a determinar o alcance preciso das medidas a adoptar, nomeadamente da sanção compulsória a aplicar e da inibição de transmissão a terceiros dos direitos em causa.
2. Nesses casos, os honorários devidos aos árbitros serão fixados em valor mais elevado do que seria se a acção não tivesse de prosseguir para tais diligências, ainda que não equivalente ao valor dos honorários devidos em caso de contestação.
3. Nesses casos, os honorários devem ser fixados, equitativamente, em função da complexidade da causa que for possível apurar ou configurar com suficiente grau de previsibilidade.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
1. C., Unipessoal, Ld.ª, demandada em processo de arbitragem necessária iniciado pelas sociedades N e L., relativo à comercialização da substância R., veio requerer, junto deste Tribunal da Relação, em 03/12/2013, a redução do montante de honorários ali fixados pelo Tribunal Arbitral no montante de € 20.000,00 para cada um dos três árbitros, no total de € 60.000,00, e de € 5.000,00 para o secretário, sustentando que tais montantes são desproporcionados e pedindo que os mesmos sejam reduzidos num valor entre € 3.000,00 e € 6.000,00, bem como a redução proporcional do montante fixado a título de preparos da responsabilidade da requerente.
2. Notificadas as ora requeridas conforme fls. 68, não apresentaram resposta.
3. Subsequentemente ouvido, o tribunal arbitral, por unanimidade, pronunciou-se nos termos constantes de fls. 71 a 76, em que concluiu pela não redução dos honorários por ele fixados, sustentando que:
1.ª - Por acordo das partes, o Tribunal Arbitral foi declarado constituído no dia 18/11/2013, conforme consta do n.º 2 da respectiva Acta de Instalação, anexa aos autos pela ora Requerente C..
2.ª - Nessa mesma ocasião, as partes reconheceram a “previsível complexidade do processo” e estabeleceram o prazo de 12 (doze) meses, contados da data da apresentação da petição inicial, para a prolação de uma decisão final, prazo este susceptível de prorrogação, se necessário, conforme consta do n.º 2 da Acta de Instalação de 18/11/2013;
3.ª - Neste contexto, foi tentado um acordo entre as partes envolvidas e o próprio Tribunal Arbitral, quanto à fixação do montante previsível dos encargos da arbitragem, o que não foi conseguido;
4.ª - Assim sendo – e dentro do espírito de celeridade que se pretendia incutir ao processo –, o Tribunal Arbitral decidiu, nos termos do art.º 17.º, n° 2, da NLAV, fixar os honorários dos Árbitros e do Secretário nos valores que têm sido comuns e correntes, como valores base, para este tipo de arbitragens, a saber:
(i) - € 20.000,00 para cada Árbitro e € 5.000,00 para o Secretário do Tribunal;
(ii) - Podendo estes honorários ser substancialmente reduzidos (até 50%) se a arbitragem viesse a terminar antes da audiência de discussão e jul-gamento (n.° 7 da Acta de Instalação do TA).
5.ª - O valor destes honorários foram aceites pelas Demandantes, tendo a Demandada reservado a sua posição para um momento posterior;
6.ª - O que veio a acontecer com o Requerimento de redução de encargos apresentado junto do Tribunal da Relação de Lisboa em 10 de Dezembro de 2013;
7.ª - Nesta sequência e por este motivo, o Senhor DM, Árbitro indicado pela Demandada C. para constituir o colégio arbitral, apresentou a sua renúncia ao encargo, uma vez que tal atitude da Demandada representava, no seu entender, uma inaceitável quebra de confiança nos árbitros, incompatível com o prosseguimento das funções para que havia sido designado, renúncia esta que foi aceite pelos demais Árbitros do Tribunal Arbitral, que deu início ao processo da sua substituição;
8.ª - A Demandada sustenta o seu Requerimento de redução dos honorários fixados, essencialmente, nos seguintes argumentos:
- A Demandada não tinha intenção de apresentar contestação, o que, só por si, poria termo ao processo, com o estabelecimento ope legis da cominação prevista no n.º 2 do art° 3.º da Lei n° 62/2011;
- Tornando-o de extraordinária simplicidade;
- E que o valor da causa fora fixado nuns meros € 30.000,01.
9.ª - Ora, a demandada – que efectivamente não apresentou contestação – não tem razão.
10.ª - De facto, começando pelo último dos argumentos aduzidos, o valor da causa, como a ora Requerente C. bem sabe, foi fixado inicialmente em € 30.000,01, apenas para prevenir o direito ao recurso, pois, naquele momento, era naturalmente desconhecida a utilidade económica imediata do pedido.
11.ª - A qual só veio a determinar-se no decurso da audiência de produção de prova, entretanto realizada para apreciar os demais pedidos formulados pelas Demandantes, entre eles, o da eventual fixação de uma sanção pecuniária compulsória para o caso de não cumprimento voluntário do que vier a ser decidido pelo Tribunal Arbitral (cfr. Doc. n°1).
12.ª - Tendo sido então respondido à matéria de facto a que se refere o artigo 74.º da pi: "Provado que as vendas dos TTS do X e do P em Portugal, ascendem, no ano de 2013, a € 8,6 milhões, tendo havido, dos anos de 2011 para 2012 e 2012 para 2013, um crescimento de vendas da ordem dos 4% ao ano.";
13.ª - Em relação à matéria de facto a que se refere o art.º 77.º da pi: "Provado que o mercado que a Demandada C. poderá vir a conquistar com o lançamento dos genéricos RP terá, para ela, o valor (PVA) anual potencial de € 4.3 milhões (€ 8,6 milhões X 50%)." (Cfr. Acta da Audiência de produção de prova, realizada no passado dia 17 de Março de 2014, que ora se junta como documento n.º 2).
14.ª - O que, sem querer antecipar uma decisão final quanto à fixação do valor da causa, colocará este valor em montantes muito superiores aos 30.000.01 euros que foram fixados provisoriamente.
15.ª - Os quais, uma vez sujeitos à actual tabela das custas judiciais dos tribunais do Estado ou às taxas do Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa, tomadas como simples termos de comparação, implicariam, só por si, encargos para as partes em nada inferiores aos que foram fixados pelo Tribunal Arbitral;
16.ª - Por outro lado, a falta de contestação não implicava o encerramento do processo, com a simples condenação da Demandada a abster-se de iniciar a exploração industrial ou comercial do seu medicamento genérico, nos termos do art.º 3.º, n.º 2 da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro;
17.ª - De facto, as Demandantes formularam na sua petição inicial mais dois pedidos, a saber: a condenação da Demandada a não transmitir a AIM a terceiros, perdendo o controlo sobre a utilização da mesma, e a fixação de uma sanção pecuniária compulsória do cumprimento do que vier a ser decidido pelo Tribunal Arbitral;
18.ª - Matérias que caiem claramente dentro do âmbito da competência material do Tribunal Arbitral, tal como fixado pelo art.º 2.º da Lei n.º 62/2011 e que, portanto, o Tribunal Arbitral não poderia deixar de apreciar, nos termos do art.º 608.º, n.º 2 do CPC e do art.º 35.º, n.º 2, da NLAV.
19.ª - Sendo que, pelo menos, para o efeito do pedido da eventual fixação de uma sanção pecuniária compulsória, se tornava imperiosa a produção de prova, como veio realmente a acontecer, com a participação da Demandada (cfr. Acta da Audiência de Julgamento, ora junta como doc. n.º 2).
20.ª - Por fim, a questão da proibição da transmissibilidade da AIM a terceiros, nas circunstâncias dos autos, é questão da maior complexidade jurídica, como se terá oportunidade de constatar pela leitura da respectiva decisão final a proferir.
21.ª – Acresce o tempo despendido nas deslocações dos Árbitros que residem a duas ou mais centenas de quilómetros da sede do Tribunal Arbitral;
22.ª - Ora, está bem de ver que não pode assegurar-se a participação nestas arbitragens de árbitros com as elevadas qualificações profissionais e com o grau de especialização exigido pela matéria objecto do processo (patentes químico-farmacêuticas)
23.ª - E com a disponibilidade de tempo para a sua apreciação no escasso prazo de 12 meses que a arbitragem impõe, sem remunerações condignas;
24.ª - Se o Tribunal da Relação sufragasse a posição da Demandada C., o que sucederia em futuras arbitragens desta natureza seria aquilo que já se antecipou na presente: a renúncia ao encargo dos especialistas mais competentes para decidirem estas questões, com elevadíssima capacidade técnica e comprovada isenção pessoal.
25.ª - Poderá ser uma estratégia processual de alguns dos intervenientes nestes litígios baixar o mais possível o nível dos conhecimentos técnicos e da isenção dos Árbitros que constituem estes Tribunais Arbitrais necessários, por forma a retirar daí alguma vantagem, mas essa estratégia não pode ser sufragada pelas instâncias, dado o melindre e a importância da matéria em causa, que levanta questões da maior relevância para o investimento em investigação e desenvolvimento de novos medicamentos, bem como para a saúde pública e para o orçamento do Estado;
26.ª - Mesmo que algum destes processos possam ser mais simples do que ouros, nunca podemos esquecer a responsabilidade que resulta dos elevadíssimos valores envolvidos;
27.ª - E, sendo o tempo um bem escasso, sobre tudo para os profissionais liberais aqui envolvidos, quem aceita o encargo de ser árbitro numa determinada arbitragem terá de recusar outros encargos da mesma natureza ou retirar tempo que poderia ter destinado (e não destinou, pelo encargo que aceitou) a outras actividades profissionais remuneradas. Numa palavra: a "reserva de tempo" e a "perda de chance" também têm de ser tomadas em consideração na fixação dos honorários dos Árbitros.
28.ª - Em conclusão, os honorários brutos fixados (antes de impostos sobre o rendimento) por este Tribunal Arbitral, comuns e correntes neste tipo de arbitragens e aceites pelas Demandantes, são absolutamente justos e adequados à exigência do serviço a prestar pelos Árbitros, ao seu curriculum e grau de especialização, ao tempo a despender e à responsabilidade que resulta dos elevadíssimos valores envolvidos no litígio a dirimir.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
1. Contexto processual relevante
Dos elementos juntos aos autos colhe-se o seguinte:
1.1. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 26/09/ 2013, as sociedades N. e L. – System AG., notificaram a sociedade C., Unipessoal, Ld.ª, ora requerente, de que pretendiam iniciar contra esta uma acção arbitral, nos termos do art.º 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12/12, com vista a obter uma decisão que, nomeadamente, impedisse a prática pela demandada de quaisquer actividades que constituíssem violação dos direitos que lhes assistem emergentes da patente europeia n.º …, relativamente a medicamentos genéricos com a substância activa RV, constantes da lista publicada, em 11/01/2012, pelo INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., nos termos do art.º 9.º, n.º 2, da Lei n.º 62/2011, de 12-12, e ainda para condenar a demandada em indemnização pela eventual violação desses direitos;
1.2. Por sua vez, a demandada respondeu através da carta de fls. 44-47, datada de 15/10/2013, pronunciando-se sobre a caducidade do direito de iniciar a arbitragem, a não comercialização do medicamento genérico em referência e a aplicação da Lei n.º 63/2011, de 14-12, concluindo que o prazo para instaurar acção arbitral ou efectuar o pedido de submissão do litígio a arbitragem não institucionalizada já havia caducado, declarando não aceitar ser responsabilizada por quaisquer custos ou encargos emergentes do processo arbitral.
1.3. Em 18 de Novembro de 2013, o Tribunal Arbitral reuniu, com a presença do Exm.º … Presidente, e dos Exm.º Árbitros MM, advogado e docente universitário, na qualidade de árbitro designado pelas demandantes, e DM, professor universitário, na qualidade de designado pela demandada, bem como dos Exm.ºs advogados das partes, tendo deliberado sobre a sua constituição, a fixação do objecto do litígio, o direito aplicável e recurso, as regras do processo, o prazo da arbitragem, bem como sobre os encargos e provisões da mesma arbitragem, conforme consta da acta reproduzida a fls. 51-55;
1.4. No ponto 1.3 da mencionada acta, sob a epígrafe Direito aplicá-vel e recurso, ficou consignado que:
O Tribunal Arbitral julga o litígio segundo o direito português constituído, integrado pelo direito da União Europeia aplicável, cabendo, nos termos do art.º 3.º, n.º 2, da Lei n.º 62/2011, recurso para o Tribunal da Relação competente, com efeito meramente devolutivo.
1.5. No ponto 4 da referida acta, sob a epígrafe Regras do processo, no que ora releva, destaca-se o seguinte:
“4.1, al. g): Os prazos não se suspendem nos sábados, domingos e feriados observados em Lisboa, não correndo durante as férias judiciais, durante as quais se suspendem;
4.1. al. i): Findos os articulados, o TA, se não se julgar habilitado a decidir desde logo, proferirá despacho saneador e fixará os temas da prova, podendo as partes reclamar desta fixação no prazo de 10 dias;
4.2. Nos termos do art.º 3.º, n.º 8, da Lei n.º 62/2011, de 12-12, a presente arbitragem obedece, em tudo o que não se prevê nas alíneas de 3.1 e não seja contrário ao disposto no referido art.º 3.º daquela Lei, ao Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, de 2008, com excepção das normas que respeitem ao valor da causa e à fixação de honorários dos árbitros e do secretário do TA; obedece ainda, subsidiariamente, às regras da Lei da Arbitragem Voluntária aplicável (Lei n.º 63/2011, de 14/12); subsistindo, ainda, qualquer lacuna, seguirá as que se mostrarem apropriadas à eficácia e celeridades processuais.
1.6. E no ponto 5, sob a epígrafe Prazo de arbitragem, ficou consignado que:
Com o acordo das partes, em virtude da previsível complexidade do processo, o prazo para a decisão arbitral é de 12 (doze meses) a contar da data do início do prazo para apresentação da petição inicial, podendo ser prorrogado por deliberação dos árbitros, ouvidas as partes, caso a marcha do processo o justifique.
1.7. No ponto 6 da mesma acta, sob a epígrafe Encargos da arbitragem, ficou consignado o seguinte:
“a) – Os encargos da arbitragem, incluindo os honorários dos Árbitros, deverão ser objecto de acordo a estabelecer entre as Partes e entre estas e os Árbitros;
b) - Não sendo possível alcançar um acordo, este fixará os encargos previsíveis da arbitragem, incluindo os honorários dos Árbitros, nos termos do n.º 2 do art.17.º da Nova Lei da Arbitragem Voluntária;
c) - Caso não aceite a decisão do TA, qualquer das partes pode, no prazo de 15 dias após a notificação daquela decisão, requerer ao tribunal estadual competente, dando, disso, conhecimento ao TA, a redução dos honorários e demais encargos, nos termos previstos no n.º 3, do art.17.º da Nova Lei de Arbitragem;
d) - A arbitragem suspende-se até à decisão do requerimento apresentado, salvo se a parte ou partes não recorrentes assumirem a responsabilidade pelo integral pagamento dos honorários fixados;
e) - Os Árbitros reservam-se o direito de renunciar ao encargo, caso não concordem com o montante dos honorários que vier a ser fixado judicialmente, a menos que a parte ou partes não requerentes da redução assumam a responsabilidade pelo integral pagamento dos honorários fixados.”
1.8. No ponto 7 da referida acta, sob a epígrafe Encargos da arbitragem e provisões, ficou também consignado que:
Em matéria de honorários dos árbitros e secretário fixa-se a quantia de 20.000,00 € para cada árbitro e 5.000,00 € para o secretário.
Para as despesas administrativas fixa-se uma provisão de 1.500,00 € sendo as despesas de deslocação e alojamento dos árbitros residentes fora da sede do Tribunal pagas mediante a apresentação dos respectivos comprovativos.
A todos estes montantes acresce IVA à taxa legal se e quando aplicável.
Será feita uma provisão/adiantamento de 50% em partes iguais para cada uma das partes, que será paga no prazo respectivamente, da apresentação da petição inicial e da contestação. Os restantes 50% serão pagos até 10 dias antes da data marcada para a audiência de discussão e julgamento, de acordo com o critério aplicável à provisão e adiantamento.
Se a arbitragem terminar antes da audiência de discussão e julgamento, os honorários dos árbitros e Secretário serão reduzidos num montante entre 30% a 50%.
Os Honorários devidos por eventuais procedimentos cautelares fixam-se em 7.000,00 € para cada árbitro e 1.700,00 € para o secretário a liquidar, em partes iguais, respectivamente com a apresentação do requerimento e no mesmo prazo para a apresentação da oposição.
O valor da acção é fixado em € 30.001.
A repartição dos encargos do processo será fixada pelo TA no acórdão final.”
1.9. A referida fixação de honorários, encargos e provisões da arbitragem foram aceites pelas demandantes, enquanto que a demandada, tendo lavrado reserva do direito de se pronunciar quanto ao montante de encargos e honorários, veio, através do requerimento de fls. 59/60, dirigido ao Tribunal Arbitral, opor-se aos montantes fixados, sustentando que não se afigura razoável que, caso o processo termine por falta de contestação, os honorários quer dos árbitros quer do secretário não sejam fixados entre 5% e 10% do valor global fixado, tanto mais que, no caso em apreço, a intervenção dos árbitros será muito reduzida, circunscrevendo-se, quase em exclusivo, às diligências de expediente.
1.10. As sociedades N. e L., apresentaram, perante o Tribunal Arbitral, contra a sociedade C., Unipessoal, Ld.ª, constante de fls. 77-83, na qual concluem pedindo que a acção seja julgada procedente e, em consequência disso, seja condenada a demandada:
a) – a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos com a substância activa RG, identificados no quadro de fls. 80, durante a vigência da EP ..., até 10/10/2026;
b) – a garantir o exercício dos direitos das demandantes, a não transmitir a terceiros as AIM identificadas nos autos até à data da caducidade da sobredita EP;
c) – a pagar uma sanção compulsória de valor não inferior a € 13.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que vier a ser proferida.
1.11. Apesar de a demandada não ter deduzido contestação, o Tribunal Arbitral determinou a audiência de prova, em 17/03/2014, em que intervieram os Exm.ºs Advogados de ambas as partes, procedendo-se à inquirição de três testemunhas, com gravação dos respectivos depoimentos, seguida de alegações orais, acabando por ser proferida decisão sobre os factos alegados nos artigos 61.º, 74.º e 75.º a 77.º da petição inicial, conforme acta de fls. 84-87, nos seguintes termos:
Art.º 61.º
Provado apenas que a AIM’s foram requeridas em 29/09/2011;
Art.º 74.º
Provado que as vendas dos TTS do X e do P em Portugal ascenderam, no ano de 2013, a € 8,6 milhões, tendo havido, dos anos de 2011 para 2012 e de 2012 para 2013, um crescimento de vendas da ordem dos 4% ao ano;
Artigos 75.º e 76.º
Provados;
Art.º 77.º
Provado que o mercado que a Demandada C. poderá vir a conquistar com o lançamento dos genéricos RP terá, para ela, o valor (PVA) anual potencial de € 4,3 milhões (€ 8.6 milhões x 50%).
1.12. As referidas respostas fundaram-se numa certidão do Infarmed, junta aos autos, onde está o processo de pedido de AIM, bem como nos depoimentos de todas as testemunhas inquiridas, as quais funcionárias da N., SA, revelaram conhecimento em virtude das suas funções (fls. 86).
2. Quanto ao mérito da acção
2.1. Enquadramento preliminar
Antes de mais, importa reter que a fixação de honorários e encargos, cuja redução aqui se pretende se inscreve no âmbito de um processo de arbitragem necessária, previsto nos artigos 1.º a 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12-12, destinado a dirimir um litígio emergente de direitos de propriedade industrial relacionado com medicamentos de referência na acepção dada pela alínea iii) do n.º 1 do art.º 3.º do Dec.-Lei n.º 176/2006, de 30-08, cuja instauração ocorreu já no domínio de vigência da Nova Lei de Arbitragem Voluntária (NLAV), aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14-12, em vigor desde 14-08-2012, sendo-lhe, por isso, aplicável, subsidiariamente, além da citada Lei n.º 62/2011 e do Regulamento do Centro de Arbitragem da Câ-mara de Comércio e Indústria Portuguesa (RCACCIP), de 2008, aquela Nova Lei de Arbitragem Voluntária (LAV).
Por sua vez, os presentes autos tem por objecto a redução de honorários e outros encargos processuais, ao abrigo do preceituado nos artigos 17.º, n.º 3, e 59.º, n.º 1, alínea d), e 60.º da citada Lei n.º 63/2011, de 14-12.
2.2. Apreciação
O que está em causa nesta acção é, pois, ajuizar sobre a adequada proporcionalidade dos honorários e encargos fixados pelo Tribunal Arbitral, nomeadamente na hipótese de o processo terminar por falta de contestação.
A Requerente sustentou que:
- A arbitragem em referência obedece, antes de mais, a regras especiais, definidas na Lei n.° 62/2011, designadamente as constantes do artigo 3.º, n.º 2 e 6, onde se lê, segundo o qual:
"2 - A não dedução de contestação, (...), implica que o requerente de autorização, ou registo, de introdução no mercado do medicamento genérico não poderá iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados (...);
6 - Sem prejuízo do disposto no regime geral da arbitragem voluntária no que respeita ao depósito da decisão arbitral, a falta de dedução de contestação ou a decisão arbitral, conforme o caso, é notificada, por meios electrónicos, às partes, ao INFARMED LP. e ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (...)”; `
- De onde resulta que, ín casu, a consequência da falta de contestação pela demandada se encontra pré-estabelecida na lei, não estando o Tribunal Arbitral autorizado, sob pena de incompetência, a ir além da constatação daquela consequência, ordenando a notificação da falta de dedução de contestação ao Infarmed e ao INPI, tudo nos termos do artigo 3.º, n.° 2 e 6, da Lei n.° 62/2011.
- Esta conclusão é ainda confirmada pelo disposto no n.° 8, do artigo 3.º da Lei n.° 62/2011, em que se estabelece a aplicação subsidiária do regime geral da arbitragem voluntária, segundo o qual “(...) em tudo o que não se encontrar expressamente contrariado pelo disposto nos números anteriores (...)”;
- Assim, não pode vir o Tribunal Arbitral decidir sobre outros pedidos das demandantes fora do escopo da Lei n.° 62/2011 e não pode vir, igualmente, fundamentar a sua decisão de encargos na necessidade de apreciação dos mesmos.
- Em sede instalação do Tribunal Arbitral, a ora requerente que não iria apresentar contestação, não podendo deixar de entender-se que, ainda que viesse a ter lugar a audiência de produção de prova, o montante de € 60.000,00, fixado a título de honorários, é manifestamente excessivo e, até, desproporcional face à significativa redução de complexidade da arbitragem subjacente ao presente pedido de redução e honorários;
- De qualquer forma, mesmo que haja lugar a audiência de produção de prova, o que apenas se equaciona a benefício de raciocínio, a matéria sobre a qual, supostamente, haverá que produzir prova em sede de audiência não pode deixar de ser absolutamente residual, porque supostamente será relativa apenas a outros pedidos de condenação da demandada, eventualmente, em sanção pecuniária compulsória, pelo que se justifica a redução do montante de honorários fixado pelo Tribunal Arbitral e, consequentemente, a redução dos preparos fixados por conta daqueles;
- A Requerente pronunciou-se quanto ao montante de encargos e honorários opondo-se ao valor dos mesmos, pelos motivos supra expostos, conforme documento n.º 5 que se junta e se dá integralmente por reproduzido;
- E sugeriu, em sede de instalação do Tribunal Arbitral, apenas e tão só aceitar aquele valor global de honorários caso fosse acordada a seguinte regra "se a arbitragem terminasse por falta de contestação e/ou antes da audiência de discussão e julgamento, os honorários dos árbitros e secretário deverão ser reduzidos num montante entre 5% a 10%."; o que não foi aceite.
- Conforme o já referido, na ausência de contestação pela demandada, o Tribunal Arbitral ficará apenas investido numa função de "acertamento", a fixada no n.° 2 do artigo 3.º da Lei n.° 62/2011, nos termos da qual "a não dedução de contestação, (...) implica que o requerente de autorização, ou registo, de introdução no mercado do medicamento genérico não poderá iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados (...)".
- Quanto à redução dos encargos, a requerente não se conforma com o montante fixado a título de honorários dos Exm.ºs Árbitros e Secretário pelo Tribunal Arbitral, considerando que tal fixação atenta contra:
. A declaração emitida pela Requerente no sentido que não iria comercializar aqueles medicamentos, e consequentemente não deduzir contestação;
. A falta de necessidade de realização de diligências probatórias ou, pelo menos, a sua redução drástica;
. A manifesta simplicidade das questões que possam, porventura, ser colocadas quanto a hipotéticos pedidos de não transmissão de AIM e fixação de sanção pecuniária compulsória;
- Nessa linha, são manifestamente desproporcionados os montantes de € 60.000,00 para o pagamento de honorários dos árbitros e de € 5.000,00 para o pagamento de honorários do Secretário e para encargos fixado pelo Tribunal Arbitral, sendo que, caso fosse aplicável, nesta matéria, o Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, aprovado nas reuniões do Conselho do Centro de Arbitragem, de 18 de Junho e 29 de Julho de 2008, subsidiariamente aplicável à arbitragem em questão, tendo sido o valor da causa fixado em € 30.000,01, o valor total dos honorários dos árbitros da presente acção arbitral ascenderia a € 3.750,00, atento o disposto no artigo 48.º, n.° 1, do referido Regulamento, e poderia ser elevado, no máximo, a € 5.625,00, de acordo com o disposto no artigo 48.º, n.° 4, do referido Regulamento.
- A Requerente, ainda assim, indicou um montante entre aqueles valores, solicitando a fixação de honorários em caso de ausência de contestação e finalização do processo no montante entre a quantia de € 3.000,00 e a quantia de € 6.000,00, ou seja, entre a 5% a 10% do valor global (€60.000,00).
Concluiu a Requerente a pedir que, atento o disposto no artigo 17.º, n.º 2, da NLAV, aprovada pela Lei n.° 63/2011, de 14-12, por serem desproporcionados e inadequados os sobreditos montantes, sejam os mesmos reduzidos em valores próximos dos aplicáveis pelo Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, para acções no valor de € 30.001,00, sendo que no caso em que haja falta de contestação, o valor total máximo dos honorários dos Senhores Árbitros no processo arbitral deverá ser fixado entre € 3.000,00 e € 6.000,00, como reduzida, proporcionalmente o montante fixado a título de preparos da responsabilidade da requerente.
Por seu lado, o Tribunal Arbitral pronunciou-se sobre a adequação dos honorários e encargos por eles fixados, nos termos acima expostos.
Vejamos.
Em primeiro lugar, importa referir que, quanto à matéria em causa não se mostra aplicável o preceituado Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (RCACCIP), de 2008, uma vez que essa matéria se encontra excepcionada no ponto 4.2 da acta de instalação do Tribunal Arbitral (fls. 54), havendo assim que convocar a aplicação do disposto no art.º 17.º da Lei n.º 63/2011, de 14-12, segundo o qual:
1 – Se as partes não tiverem regulado tal matéria na convenção de arbitragem, os honorários dos árbitros, o modo de reembolso das suas despesas e a forma de pagamento pelas partes de preparos por conta desses honorários e despesas devem ser objecto de acordo escrito entre as partes e os árbitros, concluído antes da aceitação do último dos árbitros a ser designado.
2 – Caso a matéria não haja sido regulada na convenção de arbitragem, nem sobre ela haja sido concluído um acordo entre as partes cabe aos árbitros, tendo em conta a complexidade das questões decididas, o valor da causa e o tempo despendido ou a despender com o processo arbitral até à conclusão deste, fixar o montante dos seus honorários e despesas, bem como determinar o pagamento pelas partes de preparos por conta daqueles, mediante uma ou várias decisões separadas das que se pronunciem sobre questões processuais ou sobre o fundo da causa:
3 – No caso previsto no número anterior do presente artigo, qualquer das partes pode requerer ao tribunal estadual competente a redução dos montantes dos honorários ou das despesas e respectivos preparos fixados pelos árbitros, podendo esse tribunal, depois de ouvir sobre a matéria os membros do tribunal arbitral, fixar os montantes que considere adequados.
Ponto é saber se os honorários e encargos fixados pelo Tribunal Arbitral, no montante de € 20.000,00 para cada árbitro e de € 5.000,00 para o secretário se mostram proporcionados aos referidos factores do valor da causa, da sua complexidade, faseamento e duração. Segundo a mesma decisão aqueles honorários e encargos seriam reduzidos entre 30% e 50% se a arbitragem terminasse antes da audiência de discussão e julgamento.
Em primeiro lugar, importa referir que a Requerente centrou a sua argumentação sobretudo no plano da redução daqueles montantes em caso de falta de contestação, parecendo assim aceitar os montantes fixados para os casos em que a acção tenha sido contestada. É o que se alcança da sua posição expressamente assumida no documento de documento de fls. 59 e 60 a ainda quando afirma ter sugerido, em sede de instalação do Tribunal Arbitral, apenas e tão só aceitar aquele valor global de honorários caso fosse acordada a seguinte regra "se a arbitragem terminasse por falta de contestação e/ou antes da audiência de discussão e julgamento, os honorários dos árbitros e secretário deverão ser reduzidos num montante entre 5% a 10%.".
Ora, há que admitir que nem sempre se mostra tarefa fácil ajuizar sobre a proporcionalidade de honorários dadas as múltiplas vicissitudes das causas e até mesmo o grau de complexidade que podem envolver, seja em matéria de facto seja em sede de apreciação de direito.
Sucede que, no caso presente, foi atribuído à causa o valor de € 30.000,01, o qual, segundo se pronunciou o Tribunal Arbitral teve em vista garantir a possibilidade de recurso, uma vez que ainda não se divisada o valor económico da pretensão em causa.
Todavia, atendendo aos factos dados como provados em resposta à matéria dos artigos 61.º, 74.º e 75.º a 77.º da petição inicial, depreende-se que estarão em causa valores bastante superiores ao valor fixado.
Acresce que, na acta que instalou o tribunal arbitral, vem reconhecida a complexidade da acção, prevendo uma duração do processo na ordem dos 12 meses.
É certo que a acção arbitral não foi objecto de contestação por parte da ali demandada e ora requerente, mas, apesar disso, o tribunal arbitral decidiu realizar uma audiência para produção de prova, inquirindo três testemunhas sobre toda a matéria da petição inicial, mormente tendo em vista o conhecimento do pedido de inibição da ali demandada a não transmitir a terceiros as AIM identificadas nos autos até à data da caducidade da sobredita EP e de aplicação de uma sanção compulsória de valor não inferior a € 13.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que vier a ser proferida.
Sustenta, no entanto, a ora Requerente que falece competência ao Tribunal Arbitral para proceder ao conhecimento de tais pedidos.
Embora não caiba, no âmbito desta acção, ajuizar sobre essa competência, aliás assumida pelo próprio Tribunal Arbitral, o certo é que, nos termos do art.º 2 da Lei n.º 62/2011, de 12-12, estão sujeitos a arbitragem necessária os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial relacionados com os medicamentos aqui em referência, o que abarca, obviamente, as pretensões de inibição de transmissão a terceiros do direito impugnado, bem como a aplicação da sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 1 do art.º 829.º-A do CC para o caso de incumprimento da prestação de facto infungível em que se traduzem as inibições decretadas.
É também certo que o art.º 3.º, n.º 2, da citada Lei estatui uma espécie de efeito cominatório pleno da pretensão formulada pelo demandante, ou seja, uma espécie de condenação de preceito, de mero “acertamento”, por parte do tribunal arbitral, o que parece significar que o tribunal arbitral, nesse caso, se limitará a reconhecer, automaticamente, o pedido formulado.
Todavia, quando as pretensões deduzidas forem além disso, como por exemplo, nos casos em referência de se pedir a inibição de transmissão a terceiros do direito impugnado e a aplicação de sanção pecuniária compulsória, poderá justificar-se, nomeadamente, a realização de diligências probatórias com vista a determinar o alcance preciso dessas medidas, o que se mostra ter acontecido no presente caso.
Deste circunstancialismo retira-se que não estamos no âmbito de uma acção que tenha terminado por falta de contestação, apesar de esta não ter sido apresentada. Mas também importa reconhecer que, por falta de contestação, essa acção não seguia a tramitação integralmente correspondente a uma acção contestada, o que não poderá deixar de se ter em linha de conta.
Nessa conformidade, a complexidade que se divisa incidirá particularmente em sede dos referidos dois pedidos para cuja apreciação o Tribunal Arbitral decidiu proceder à produção de prova.
Tal complexidade revela-se, por um lado, na própria apreciação da factualidade pertinente, de análise dos indicadores de um mercado assaz especializado, como ainda na determinação da sanção compulsória ajustada compelir a demandante ao cumprimento do julgado e, muito particularmente, sobre a questão da inibição de transmissão a terceiros dos direitos em causa.
Não obstante isso, há que reconhecer que o labor exigido aos senhores Árbitros e ao Senhor Secretário não se afigura, de forma alguma, equivalente à situação que ocorreria se a acção tivesse sido contestada.
Em face disso, tudo ponderado, julga-se equitativo reduzir os honorários e encargos em referência para € 12.000,00 para cada árbitro, no total de € 36.000,00, e de € 3.000,00 para o secretário e, na mesma proporção aritmética, os restantes encargos e provisões.
III - Decisão
Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente reduzindo-se os honorários fixados aos árbitros para € 12.000,00, cada um, no total de € 36.000,00, e de € 3.000,00 para o secretário, bem como, na mesma proporção aritmética, os demais encargos processuais.
As custas desta acção ficam a cargo da Requerente na proporção do diferencial entre os montantes máximos de redução por ela peticionados e os aqui determinados.
Lisboa, 29 de Abril de 2014
Manuel Tomé Soares Gomes
Maria do Rosário Oliveira Morgado
Rosa Maria Ribeiro Coelho