Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
478/19.9PBPDL.L1-5
Relator: ANABELA CARDOSO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
IN DUBIO PRO REO
DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: - Se o recorrente pretende se insurgir contra os factos dados como provados, mas não cumpriu o ónus de especificação imposto pelo nº 3 e pelo nº 4 do artº 412º do CPP, pois não indicou os pontos de facto que considerou incorrectamente julgados, nem as passagens da gravação em que se funda a sua impugnação, bem como as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, limitando-se, de uma forma geral e global, a negar a prática dos factos e a tecer considerações sobre a forma como o tribunal recorrido valorou a prova, sem que se perceba quais são os factos concretos que pretende impugnar, quais são as provas que, quanto a cada um desses factos, na sua óptica, impunham decisão diversa da proferida e que passagens dos concretos depoimentos eram, para esse efeito, relevantes, não o fazendo, nem nas conclusões, nem ao longo de toda a motivação, fica o tribunal de recurso impossibilitado de reapreciar a matéria de facto, por falta de cumprimento do ónus de especificação previsto no referido n°3 do art.° 412.° do C.P.P., impondo-se a rejeição liminar, nesta parte, ou seja, no que tange à pretendida impugnação alargada da matéria de facto, atento o estatuído no art.° 431.°, al. b) do CPP.
- Só é possível o convite para a correcção das conclusões da motivação de recurso a que alude o art 417º nº 3 do CPP quando essa correcção se processa dentro dos termos da própria motivação e não constitua uma substituição, mesmo que parcial da motivação.
- Fica em aberto, obviamente, a possibilidade de conhecer da matéria de facto nos estreitos limites previstos no art.º 410º, nº 2 do CPP, por ser do conhecimento oficioso, cumprindo recordar que a disciplina dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de contradição insanável de fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e do erro notório na apreciação da prova, cujo quadro legal disciplinador se encontra no disposto no referido art.º 410º nº 2 alíneas a), b) e c) do CPP, se exige que resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugados com as regras de experiência comum.
- Não resultando da decisão recorrida que tenha havido qualquer dúvida quanto à culpabilidade do arguido, assim como quanto ao preenchimento da plenitude dos elementos constitutivos dos ilícitos criminais pelos quais foi, muito justamente, condenado, haverá também que improceder, nesta parte, o recurso, por não ter existido qualquer violação do princípio “in dubio pro reo”.
- Se, no caso, as necessidades de prevenção geral são acentuadas, dado o alarme social e a insegurança que geram situações como as aqui em causa, em que estamos perante a prática de 6 crimes de furto (um simples, 3 qualificados, na forma consumada e dois qualificados, na forma tentada), cometidos entre 08.04.2018 e 13.05.2019, quando o arguido se encontrava em liberdade condicional, no âmbito do cumprimento de uma pena de 10 anos de prisão, pela prática de quatro crimes de furto qualificado, na forma tentada e de um crime de desobediência, pelo que se reconhece a existência de uma tendência para a prática de crimes contra o património, que justifica um reflexo agravante na pena única, ressaltando a grande similitude dos mesmos, atenta a sua natureza idêntica e considerando os limites da pena única de prisão a aplicar, numa moldura penal que vai de 3 anos a 13 anos de prisão, e tendo em conta o conjunto dos factos, o percurso de vida do recorrente à data da prolação do acórdão e a sua personalidade, entendemos que a graduação da mesma em 7 anos e 8 meses de prisão [situada entre o 1/3 e o ½ dos limites mínimo e máximo da pena abstracta] se apresenta adequada para uma censura aos factos na sua globalidade, ao mesmo tempo que satisfaz as necessidades de reinserção do agente, salientando-se que o arguido não pode deixar de sentir que a apurada personalidade, propensa à repetição do mesmo tipo de factos ilícitos e a indiferença às condenações judiciais anteriores, considerando que tem um passado criminoso relevante, tem de ter algum reflexo na pena, termos em que, também, nesta parte, improcederá o recurso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. No Processo Comum, com julgamento com intervenção do Tribunal Colectivo, nº 478/19.9PBPDL, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada, Juiz 1, sob acusação do Digno Magistrado do Ministério Público, foi julgado o arguido, CL. , tendo sido proferido acórdão, datado de 17 de Outubro de 2019, que decidiu:
“Pelo exposto, tudo visto e ponderado acordam os Juízes que compõem este Tribunal Coletivo relativamente ao arguido C. :
1. Absolver o arguido da reincidência;
2. No que concerne aos Autos n.° 224/19.7PBPDL:
2.1. Absolver o arguido da prática de um crime de crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.° 203.°, n.° 1 e 204.°, n° 1, alínea h) e n.° 2, al. e), do Cód. Penal;
2.2. Condenar o arguido pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo art.° 203.°, n.° 1 e 204.°, n° 4, ambos do Cód. Penal, na pena de um ano de prisão.
3. No que concerne aos Autos n.° 253/19.0PBPDL, n.° 95/19.3PBPDL e o n.° 478/19.9PBPDL: condenar o arguido pela prática de três crimes de furto qualificado, p. e p. pelo art.° 203.°, n.° 1 e 204.°, n° 1, alínea h) e n.° 2, al. e), do Cód. Penal, na pena de três anos de prisão relativamente a cada um dos crimes praticados;
4. No que concerne aos Autos n° 63/19.5PBPDL e n.° 58/19.9PEPDL: condenar o arguido pela prática de dois crimes de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelo art.° 203.°, n.° 1 e 204.°, n° 1, alínea h) e n.° 2, al. e) e artigo 22.° do Cód. Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão;
5. Fazendo o cúmulo das penas referidas condenar o arguido na pena única de sete anos e oito meses de prisão.
6. Determinar a recolha de amostra de ADN ao arguido e subsequente inserção na base de dados prevista na Lei n° 5/2008, de 12 de fevereiro.
7. Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
8. Mais se decide manter a medida de coação de prisão preventiva aplicada ao arguido.
Dos objetos
 Os objetos foram apreendidos a TL , relativamente ao qual foi proferido despacho de separação de processos e foi determinado que todos os objetos apreendidos nos presentes autos (de fls. 141 a 159, 169 a 170 - despacho de 04.06.2019, ponto IV), ficam à ordem dos autos de inquérito que originem na certidão extraída da separação de processos (o referido processo n° 1206/19.4T9PDL).
Sucede, porém, que a fls. 155 ainda consta o original do certificado de matrícula do veículo apreendido. Uma vez que desde 04.06.2019 aquele veículo está à ordem do processo n° 1206/19.4T9PDL, remeta o original do certificado de matrícula ao referido processo deixando cópia certificada a fls. 155.
Remeta ainda cópia do despacho de 04.06.2019 e de fls. 141 a 159, 169 a 170.
Remeta, após trânsito em julgado, boletins ao registo criminal.
Notifique e proceda ao depósito.”
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2. Não se conformando com o teor desta decisão, dela recorreu o arguido, pedindo que a mesma seja substituída por outra que o absolva ou, caso assim não se entenda, que seja reduzida a pena aplicada a uma pena unitária nunca superior a quatro anos e seis meses de prisão.
Da motivação de recurso apresentada extraiu as seguintes conclusões:
“1 — O arguido não praticou qualquer dos factos constantes da douta acusação.
2 — Ao arguido não foi encontrado qualquer dos objetos furtados.
3 — 0 facto do arguido ter sido avistado ou próximo das residências dos autos não pode provar que tenha sido o autor dos furtos.
4 — 0 arguido não consegue encontrar outra explicação para o facto de terem sido encontradas as impressões digitais da sua mão que não a da sua transposição para os furtos dos autos com vista à sua incriminação.
5 — Sem prescindir da reclamação da sua inocência, quanto mais não seja ao abrigo do princípio “in dúbio pro reo’, o facto é que as penas parcelares e unitária aplicadas são manifestamente desproporcionais para a natureza, valor dos objetos furtados e conjugação com o facto do arguido ser jovem e estar à espera do nascimento do seu primeiro filho.
6 — Seria mais adequada, justa, proporcional e suficiente para as exigências da prevenção geral e especial e prognose de reinserção social e projeto de vida do arguido em ordem à sua ressocialização, a condenação nas penas parcelares de 6 meses para a prática do crime de furto simples e dos dois crimes de furto qualificado na forma tentada e de dois anos e um mês para cada um dos crimes de furto qualificado e, em cúmulo, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão.
7 — Assim não o tendo entendido, o Acórdão proferido violou, entre outros, os arts. 203.° n.° I, 204.° n.° 2, alínea e) e n.° I b), I4.°, 26.°, 30.° n.° I, 75.° n.° I e 2 e 76.° todos do Código Penal.
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3. Admitido o recurso com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, ao mesmo respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. O acórdão impugnado não merece qualquer censura, pois que não enferma de omissões, nulidades ou vícios.
2. O recorrente apesar de ter sido surpreendido em alguns dos locais e terem sido encontradas as suas impressões digitais em outros dos locais, limita-se a negar a prática dos factos.
3. A pena única imposta ao arguido, situa-se no circunspecto de ponderação da gravidade dos crimes - ponderada a personalidade do agente -, e foi graduada de harmonia com as necessidades punitivas (ressocialização e prevenção), tudo conforme os artigos 40°, 70° e 71°, do Código Penal.
4. Por todo o exposto, o douto acórdão recorrido não merece qualquer censura porque fez correta aplicação do direito à matéria de facto provada, nem violou qualquer disposição legal, optou, de forma correta, pela aplicação ao arguido/recorrente de pena de prisão efectiva, mostrando-se adequada e justa, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.”
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4. Neste Tribunal da Relação de Lisboa, a Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido da decisão recorrida não merecer qualquer censura.
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5. Foram colhidos os vistos e realizada a competente conferência.
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6. O objecto do recurso versa a apreciação das seguintes questões:
- Da impugnação da matéria de facto;
- Da violação do princípio in dubio pro reo:
- Da medida concreta das penas parcelares de prisão e da pena única resultante do cúmulo jurídico.
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7. Da decisão recorrida, com interesse para as questões em apreciação em sede de recurso, consta o seguinte:
“Em sede de audiência de julgamento, provaram-se os seguintes factos:
A) Da acusação:
Autos com o n.° 224/19.7PBPDL
1. Entre as 08h45 e as 18h10 do dia 14.02.2019, o arguido CL dirigiu-se à residência da ofendida IA , sita na Rua ... Ponta Delgada, trepou o muro circundante e, após aceder ao espaço interior, trepou o exterior do prédio e acedeu à varanda que se situava a cerca de 3 metros do solo, abriu uma das janelas de alumínio, e introduziu-se na residência, percorreu as diversas divisões, remexendo-as, e dali retirou e levou:
- um fio de ouro amarelo, com várias esferas, que se encontrava numa caixa no móvel do corredor de acesso aos quartos.
2. Após, o arguido abandonou o local, do mesmo modo, na posse do aludido bem que fez seu.
Autos com o n.° 253/19.0PBPDL
3. Entre as 12h00 e as 15h10 do dia 19.02.2019, o arguido CL dirigiu-se à residência da ofendida LR sita na Rua …, Ponta Delgada, trepou o muro exterior do prédio, com uma pedra quebrou o vidro da porta de alumínio e destrancou a referida fechadura a partir do interior, introduziu- se na residência, percorreu as diversas divisões, remexendo vários armários, e dali retirou e levou:
- dois cordões em ouro amarelo, com medalhas com as inscrições “capricórnio” e “LN” de valor ainda não apurado, valendo um dos cordões pelo menos €334,75 (trezentos e trinta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos);
- um par de brincos, de bebé, em ouro com uma pedra vermelha, de valor não concretamente apurado;
- um par de brincos, em outro, de argola, de valor não concretamente apurado;
- a quantia de €200,00 (duzentos euros) em notas do BCE que se encontravam debaixo de uma estatueta;
- um relógio da marca Aldo, em inox, de valor não concretamente apurado;
- uma medalha, em ouro, redonda onde figurava uma santa, de valor não concretamente apurado;
- uma pulseira, em ouro, com pequenas argolas, de valor não concretamente apurado;
 - €200,00 (duzentos euros), em moedas de €2,00 colecionáveis;
- conjunto de barbearia, de valor não concretamente apurado;
- um relógio analógico, de valor não concretamente apurado;
- um par de óculos de sol, da marca Massimo Dutti, de valor não concretamente apurado;
- uma pasta contendo diversos documentos de valor não concretamente apurado.
4. Após, o arguido abandonou o local, do mesmo modo, na posse dos aludidos bens que fez seus.
Autos com o n.° 63/19.5PBPDL
5. Pelas 13h30 do dia 19.02.2019, o arguido CL dirigiu-se à residência do ofendido JR , sita na Rua …, Ponta Delgada, contendo diversos objetos de valor não concretamente apurado mas pelo menos igual a €102,00 (cento e dois euros), abeirou-se da porta traseira da moradia e, exercendo força sobre a mesma, tentou arrombá-la;
6. O ofendido, alertado pelo ruído, dirigiu-se àquela porta onde se deparou com o arguido que continuava a tentar abrir a porta, tendo este justificado que estava à procura de pedras para uma obra.
7. O arguido apenas não logrou aceder ao interior e dali retirar bens de valor porque foi confrontado pelo ofendido.
Autos com o n.° 95/19.3PBPDL
8. Entre as 08h30 e as 16h30 do dia 12.03.2019, o arguido CL dirigiu-se à residência do ofendido PT , sita na Rua …, Lagoa, quebrou a janela da sala, introduziu-se na residência, percorreu as diversas divisões, remexendo as gavetas dos quartos, e dali retirou e levou:
- um relógio, masculino, com pulseira em cabedal da marca Timberland no valor de €200,00 (duzentos euros), de um dos móveis da sala de estar;
- um cordão em ouro com uma chapa com a inscrição “M” e um anel em ouro de criança, no valor conjunto de €500,00 (quinhentos euros), do quarto da filha do ofendido;
- uma caneta, da marca Parker, no valor de €38,00 (trinta e oito euros).
9. Após, o arguido abandonou o local, do mesmo modo, na posse dos aludidos bens que fez seus.
Autos com o n.° 478/19.9PBPDL
10. Entre as 09h00 e as 18h00 do dia 08.04.2018, o arguido CL dirigiu-se à residência da ofendida MP , sita na Rua  …, Ponta Delgada, trepou o exterior do prédio e acedeu à varanda que se situava a cerca de 3 metros do solo, quebrou a fechadura da portada que permitia o acesso da varanda ao interior, introduziu-se na residência, percorreu as diversas divisões e dali retirou e levou:
- o conteúdo de dois mealheiros, contendo cerca de €15,00 (quinze euros) em moedas;
- um anel em ouro de senhora com pedra azul, no valor de €180,00 (cento e oitenta euros);
- um anel em ouro de senhora com pedras brancas, no valor de €200,00 (duzentos euros);
- um par de brincos, em ouro, com pedra verde e várias transparentes no valor de €300,00 (trezentos euros);
- um relógio de pulso, masculino, no valor de €250,00 (duzentos e cinquenta euros);
- um “pack” de iogurtes de valor não apurado que se encontrava no frigorífico, de valor não concretamente apurado.
11. Após, o arguido abandonou o local, do mesmo modo, na posse dos aludidos bens que fez seus.
Autos com o n.° 58/19.9PEPDL
12. No dia 13.05.2019, pelas 14h55, o arguido CLdirigiu-se à residência do ofendido DA , sita na Rua …, contendo diversos objetos de valor não concretamente apurado, mas pelo menos igual a €102,00 (cento e dois euros), abeirou-se da porta traseira existente no logradouro daquela residência e, exercendo força sobre a mesma, tentou arrombá-la;
13. O ofendido, alertado pelo ruído, levantou-se do sofá onde se encontrava deitado e oculto da vista do arguido, sendo que este, vendo o ofendido, encetou fuga.
14. O arguido apenas não logrou aceder ao interior e dali retirar bens de valor porque foi confrontado pelo ofendido.
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15. Até à presente data, o arguido não devolveu quaisquer dos aludidos bens aos ofendidos, nem os mesmos foram recuperados por outras vias.
16. Durante pelo menos o ano de 2019, o arguido não manteve qualquer atividade remunerada.
17. O arguido agiu, sempre, de forma livre, deliberada e consciente, em obediência a sucessivos e renovados desígnios, com o propósito concretizado de se apropriar dos referidos bens, não obstante bem saber que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade dos seus legítimos proprietários; não se abstendo de, para tal efeito, trepar e escalar muros, quebrar fechaduras e partir as janelas de forma a aceder àquelas residências que se encontravam fechadas assim violando a privacidade do lar dos ofendidos.
Nas circunstâncias referidas em 5. a 7. e 12. a 14., o arguido apenas não logrou concretizar esses seus desígnios porque foi confrontado com a presença, por si inesperada, dos ofendidos, motivo inteiramente alheio à sua vontade.
O arguido manteve e reiterou tais condutas com o propósito de prover pelas suas necessidades e sustento.
18. O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e criminalmente punidas.
 Da reincidência
19. O arguido CL foi condenado, além do mais, no âmbito do processo n.° 15/10.0PEPDL, que procedeu ao cúmulo superveniente de penas, e por decisão transitada em julgado a 12.03.2012, na pena única de 10 anos de prisão pela prática de quatro crimes de furto qualificado, p. e p. no art. 204.°, n.° 2, alínea e) do C.P., três crimes de furto qualificado na forma tentada, p. e p. no art. 204.°, 22.° e 23.° do C.P., um crime de desobediência, p. e p. no art. 348.°, n.° 1, alínea b) do C.P.
20. Por decisão transitada em julgado a 27.02.2018 e proferida no âmbito dos autos com o n.° 1243/11.7TXLSB-B, ao arguido foi concedida a liberdade condicional até ao dia 19.08.2020.
21. Não obstante a referida condenação em efetiva pena de prisão, a mesma não constituiu suficiente motivação e advertência para que o arguido CL se afastasse do cometimento de novos crimes.
B) Mais se provou:
22. Oriundo de uma família disfuncional, CL é o quinto de uma fratria de sete elementos. Sem qualquer tipo de contenção por parte da família, que não conseguia nem se esforçava por controlar o seu quotidiano, terá iniciado, em crescendo, o consumo de estupefacientes (cannabis, cocaína, heroína) e o consequente relacionamento com indivíduos com condutas marginais.
O percurso escolar de CL, iniciado na idade própria, foi pautado pela desmotivação e falta de interesse pelas atividades letivas. Não conseguiu ultrapassar a frequência do 4° ano de escolaridade do ensino básico, tendo abandonado a escola aos treze anos de idade.
Em termos laborais, desempenhou muito pontualmente atividades indiferenciadas, revelando grandes limitações ao nível da assunção de responsabilidades e compromissos, estando o seu desempenho associado à necessidade de obter rendimentos para assegurar os consumos de estupefacientes.
Evidenciou, desde a adolescência, comportamento criminal e contactos com o sistema de justiça de menores. Chegou a ser integrado numa comunidade terapêutica, em Vila do Conde, para tratamento à toxicodependência, mas por incumprimento das normas institucionais foi expulso, regressando a S. Miguel e reintegrando o agregado de origem. Continuou a relacionar-se com grupos problemáticos, assumindo práticas criminais em escalada (furto, roubo).
Aquando da concessão da liberdade condicional, CL reintegrou o seu núcleo familiar de origem, atualmente constituído pela progenitora, MLL , pensionista e por um irmão, TL , de 25 anos, solteiro, desempregado e presentemente sob medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica.
Os rendimentos do agregado consubstanciam-se na reforma da progenitora, no valor de cerca de 350 euros mensais. O irmão, atualmente sujeito a vigilância eletrónica, exercia atividade profissional por conta própria na venda de automóveis, apoiando de algum modo a economia doméstica.
Em contexto de liberdade condicional, realizou, em 19 de março de 2018, a inscrição na Agência para a Qualificação e Emprego, contudo manteve-se desempregado e tendo retomado os consumos de estupefacientes, nunca revelou objetivamente condições para o exercício de uma atividade laboral regular.
Desde 10 de outubro de 2018, tem a sua inscrição inativa naquela Agência.
Em meio livre, CL acabou por gerir de forma pouco regrada o seu quotidiano, não conseguindo alcançar qualquer tipo de ocupação estruturada e estabelecendo relação afetiva com uma companheira, também com problemática de toxicodependência, a qual, segundo o arguido, se encontrará grávida e abstinente.
Em abril de 2018 e no âmbito do acompanhamento/vigilância da sua problemática de toxicodependência (conforme obrigação imposta no respetivo mandato de libertação), CL foi encaminhado para acompanhamento por parte da Associação “Alternativa”, com vista à realização regular de testes de despiste dos consumos de estupefacientes. Realizou-os em 30 de abril, com resultados positivos a opiáceos, canabinóides e benzodiazepinas. Foi medicado, tendo de regressar àquela instituição no prazo de cinco dias, o que não concretizou, tendo-se, entretanto, incompatibilizado com a referida instituição.
Terá ido a consulta médica particular, segundo informações prestadas pela progenitora em outubro de 2018, sem sucesso, recorrendo posteriormente à Associação ARRISCA.
A 26 de outubro foi alvo de consulta médica e ficou integrado no programa de metadona. A 13 de novembro seguinte mantinha os consumos de opiáceos, canabinóides, benzodiazepinas e metadona, assumidos pelo arguido em fevereiro de 2019, altura em que por sua iniciativa recorreu novamente à Associação “Alternativa”, sem contudo dar continuidade a qualquer tratamento.
Em 22 de março de 2019 voltou a integrar o programa de metadona na Associação ARRISCA. Em 08 de abril apresentou testes positivos a opiáceos, canabinóides e metadona, faltando aos testes agendados entre 23 de abril e 20 de maio seguinte. Em 05 de junho e em meio prisional realizou testes, com resultados positivos a canabinóides, opiáceos e metadona.
Em 12 de junho de 2019 foi alvo da aplicação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, no presente processo, a qual veio a ser revogada, tendo CL sido, novamente, preso preventivamente em 07 de agosto.
Segundo o próprio, à data de entrada no Estabelecimento Prisional, encontrava-se com consumos de cocaína sintética.
Mantém-se integrado no programa de metadona da Associação ARRISCA e tem realizado testes de despiste dos consumos com resultados positivos a metadona e por vezes, a canabinóides.
CL revela reduzida consciência crítica na avaliação do impacto dos seus comportamentos em terceiros, tendendo a minimizar a sua dimensão e gravidade e assumindo uma postura de vitimização.
Evidencia uma postura e um estilo de funcionamento impulsivo, patente nas dificuldades de autocontrolo, que perante situações mais complexas ou de contrariedade assume um carácter mais agressivo. Revela igualmente um pensamento imediatista, centrado no presente e uma baixa tolerância à frustração que, associada à impulsividade, o torna mais vulnerável à manifestação de problemas comportamentais.
23. Do seu certificado de registo crimina! constam as seguintes condenações:
- por decisão transitada em julgado em 12.07.2006, o arguido foi condenado pela prática, em 25.09.2005, de um crime de furto qualificado, na pena de 2 ano de prisão suspensa com regime de prova.
- por decisão transitada em julgado em 13.12.2006, o arguido foi condenado pela prática, em 21.09.2005, de um crime de ameaça, na pena 60 dias de multa à razão diária de 3€.
- por decisão transitada em julgado em 20.07.2007, o arguido foi condenado pela prática, em 18.11.2006, de um crime de furto qualificado, um crime de furto simples e um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
- por decisão transitada em julgado em 05.11.2007, o arguido foi condenado pela prática, em 25.11.2006, de um crime de furto qualificado na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
- por decisão transitada em julgado em 20.11.2007, o arguido foi condenado pela prática, em 04.05.2005, de três crimes de furto qualificado, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
- por decisão transitada em julgado em 21.11.2008, o arguido foi condenado pela prática, em 10.07.2005, de um crime de furto simples e um crime de introdução em lugar vedado ao público, na pena 8 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano com regime de prova. Foi revogada a suspensão da execução da pena.
- por decisão transitada em julgado em 07.03.2008, o arguido foi condenado pela prática, em 16.05.2005, de um crime de furto qualificado, na pena de 1 ano de prisão efetiva.
- por decisão transitada em julgado em 18.01.2010, o arguido foi condenado pela prática, em 10.12.2009, de um crime de furto qualificado, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão efetiva.
- por decisão de cúmulo transitada em julgado em 31.10.2011, o arguido foi condenado pela prática, entre 27.08.2009 e 23.07.2010, de quatro crimes de furto qualificado, três crimes de furto qualificado na forma tentada e um crime de desobediência, na pena de10 anos de prisão.
- em 27.02.2018 foi concedida liberdade condicional.
- por decisão transitada em julgado em 21.02.2019, o arguido foi condenado pela prática, em 06.01.2019, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 70 dias de multa. A multa foi paga.
B. Factos não provados
Resultou não provado:
a) O fio de ouro amarelo referido no facto n° 1 tem o valor de pelo menos €102,00 (cento e dois euros).
b) Relativamente ao facto n° 3: o conjunto de barbearia tinha o valor de €35,00 (trinta e cinco euros); o relógio analógico tinha o valor de €120,00 (cento e vinte euros e os óculos de sol tinham o valor de €70,00 (setenta euros).
c) Entre a prática dos factos que constam supra e os factos por que foi condenado, desconsiderando o período em que cumpriu pena de prisão, não decorreram mais de 5 anos.
C. Motivação
De acordo com o disposto no artigo 374.°, n° 2, do Código de Processo Penal, o Tribunal deve indicar as provas que serviram para fundamentar a sua convicção.
À exceção da prova pericial, a prova produzida foi apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, de acordo com o princípio ínsito no artigo 127.°, do Código de Processo Penal. Significa este princípio que o julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo.
O Tribunal alicerçou a convicção probatória referente à factualidade provada na apreciação crítica e articulada de toda a prova produzida em julgamento, à luz das elementares regras da experiência, do senso comum e da normalidade.
Foi ainda tida em atenção a prova documental junta aos autos.
O arguido prestou declarações distanciando-se dos factos constantes da acusação. Relativamente aos autos n° 63/19.5PBPDL e 478/19.9PBPDL, no exercício de um direito legítimo, inicialmente, não prestou declarações. Mais tarde afirmou relativamente ao processo n° 63/ 19.5PBPDL que andava no local à procura de um ovo kinder com produto estupefaciente e que não praticou os factos.
Autos com o n.° 224/19.7PBPDL
Os factos n° 1 e 2 resultam das declarações de IA  (que, de forma assertiva, explicou que quando chegou a casa viu coisas fora do lugar, viu a janela da varanda aberta (sendo que a deixou fechada, mas não trancada, motivo pelo qual resultou provado que o arguido abriu a janela, sem que tenha sido quebrado o vidro) e os vasos da varanda fora do local e com a terra espalhada. Percebeu, então, que alguém lhe entrou em casa pela varanda e lhe levou um cordão de ouro, cujo valor desconhece. A porta principal não foi usada porquanto, quando chegou a casa, a mesma estava trancada exatamente do mesmo modo como a deixara.)
Os factos n° 1 e 2 resultam ainda do relatório pericial de fls. 29 e fls. 44/47 do respetivo apenso (de acordo com o qual existem impressões digitais do arguido na parte interior do janelão usado para a entrada, sendo que o arguido nega ter estado dentro da habitação e a ofendida afirmou nunca ter dado consentimento ao arguido para entrar em sua casa). Das fotos de fls. 24 do respetivo apenso é possível apurar a configuração do local de entrada (uma varanda no primeiro andar, sendo necessário escalar para aceder à mesma).
O facto a) resultou não provado por falta de prova assertiva quanto ao mesmo.
Autos com o n.° 253/19.0PBPDL
Os factos n° 3 e 4 resultam das declarações de LR (que de forma assertiva explicou que quando chegou a casa, se apercebeu que a sua casa fora furtada e fora quebrado o vidro da porta para entrar) conjugadas com as declarações da testemunha JR (que mora na mesma rua de LR , esta no n° 30 e aquele no número 18 e que, naquele mesmo dia 19 de fevereiro, após o arguido tentar arrombar a sua casa o viu ir embora de bolsos vazios e regressar pouco tempo depois com os bolsos contendo algo e com equipamento de barbearia debaixo no casaco de fato de treino). Assim, atenta a proximidade espacial (na mesma rua, metros acima), a proximidade temporal (saiu de casa de JR de bolsos vazios e momentos depois - nas circunstancias de tempo do furto em casa de LR  - regressa com os bolsos contendo algo) e a circunstância de ter sido furtado em casa de LR  um conjunto de barbearia que o arguido trazia consigo quando regressou a casa de JR ) deixaram o Tribunal convencido que foi o arguido o autor do furto em casa de LR  (cfr. Auto de reconhecimento de fls. 29 do respetivo apenso).
O valor dos objetos resulta das declarações de LR  conjugadas com a fatura de fls. 217/218
Das fotos de fls. 19/20 do respetivo apenso é possível apurar a configuração do local de entrada e bem assim verificar o vidro quebrado.
O facto b) resultou não provado por falta de prova assertiva quanto ao valor dos objetos aí referidos.
Autos com o n.° 63/19.5PBPDL
Os factos n° 5, 6 e 7 resultam das declarações de JR que, de forma assertiva, explicou que estava em casa, quando se apercebeu que estava alguém a tentar arrombar a porta. Abriu a porta e viu o arguido que afirmou que andava à procura de pedras para a obra em frente à sua casa. Foi à obra - altura em que o arguido desapareceu, ainda de bolsos vazios - e aí negaram que o arguido andasse à procura fosse do que fosse para a obra. A testemunha regressou a casa e o arguido reapareceu pouco depois - já com os bolsos com coisas e um conjunto de barbearia no casaco. A testemunha explicou ainda que, dentro de sua casa, tem objetos de valor superior a 102€, designadamente a televisão, guitarra, bateria). Reconheceu o arguido, tal como decorre do auto de reconhecimento de fls. 13 do apenso.
A testemunha AA , trabalhador da referida obra, afirmou que estava a trabalhar na obra quando viu um senhor brasileiro (JR fala português com sotaque brasileiro) a dizer que lhe estava a roubar a casa e que ia telefonar para a polícia.
Apenas acrescentamos que nenhuma credibilidade tiveram as declarações do arguido relativamente a este caso: afirmou que andava à procura de um ovo kinder com produto estupefaciente, mas é de todo inverosímil que esse ovo kinder (ainda que existisse) tivesse caído na maçaneta da porta que o arguido forçava - logicamente (de acordo com as regras da normalidade e normal decorrer da vida) para entrar na casa.
Autos com o n.° 95/19.3PBPDL
Os factos n° 8 e 9 resultam das declarações de PT (que de forma assertiva explicou que lhe assaltaram a casa e lhe levaram os objetos constantes do facto n° 8 e que esses objetos tinham o valor que desse facto consta) conjugadas com o relatório pericial de fls. 23/27 e fls. 32/36 do respetivo apenso (de acordo com o qual a palma da mão do arguido está na janela arrombada, usada para entrar na residência - tendo o arguido dito que não praticou os factos e nenhuma explicação tinha para o facto das suas impressões digitais estarem na janela arrombada).
Das fotos de fls. 26/27 do respetivo apenso é possível apurar a configuração do local de entrada (uma janela) e bem assim a janela arrombada.
Autos com o n.° 478/19.9PBPDL
Os factos n° 10 e 11 resultam das declarações de MP (que de forma assertiva explicou que quando chegou a casa, cerca das 18h10, viu coisas fora do lugar, disse aos filhos para verificarem os respetivos mealheiros que confirmaram estarem vazios, quando tinham pelo menos 15€. Mais explicou que foram furtados os demais objetos constantes do facto n° 11 e que os valores são os que do mesmo facto constam e que resultam de consulta a ourivesarias. Relativamente ao relógio de homem sabe o valor porque foi a própria que o comprou e ofereceu ao marido) conjugadas com o relatório pericial de fls. 23/28 e 36/41 do respetivo apenso (de acordo com qual as impressões digitais do arguido estão no interior do janelão da varanda utilizado como entrada para o furto).
A testemunha SD confirmou que na data dos factos viu o arguido próximo da residência de MP .
Das fotos de fls. 26/28 é possível apurar a configuração do local de entrada (uma varanda, sendo necessário escalar para aceder à mesma).
Autos com o n.° 58/19.9PEPDL
Os factos n° 12, 13 e 14 resultam das declarações de DA que de forma assertiva explicou que estava a descansar no sofá quando ouviu um barulho forte no janelão: alguém tentava arrombá-lo. Identificou o arguido, gritou e o arguido fugiu. O arguido empregou muita força no janelão, não tem dúvidas que pretendia arrombar o janelão. Mais afirmou que dentro de sua casa tem objetos de valor superior a 102€, designadamente eletrodomésticos. Atento o depoimento desta testemunha ficou o Tribunal convencido da factualidade n° 12 a 14.
A testemunha RM viu o arguido a escalar uma varanda (próximo de casa de DA , mas não era a casa objeto dos presentes autos, pelo que o seu depoimento não ajudou na decisão da matéria de facto vertida supra.).
O facto n° 15 resulta de forma unânime (sendo que o arguido nega envolvimento com os factos).
O facto n° 16 resulta do relatório social conjugado com as declarações do arguido. Na verdade, o arguido afirmou que recebia rendimento social de inserção no montante de 189,64€ (o que não consta do relatório social). Todavia, ainda que seja verdade que o arguido beneficia do aludido rendimento social de inserção o mesmo é manifestamente insuficiente para as suas despesas: compra diariamente duas vezes produto estupefaciente, por 10€ cada aquisição pelo que o valor gasto, em cada mês, só com produto estupefaciente o arguido gasta cerca de 600€ (excluída, alimentação e vestuário). Assim, e tendo em atenção os factos constantes da acusação, concluímos que o arguido furta porque essa é a forma que encontrou de se sustentar, esse é o seu modo de vida.
A testemunha TT  , companheira do arguido, afirmou que este lhe ofereceu flores na Lagoa; sendo que a localização espacial dos factos relativos à residência de DA (na qual o arguido afirmou que só andava à procura de flores para a namorada) não é em Lagoa, mas na Fajã de Baixo, em Ponta Delgada.
A testemunha RF afirmou que conhece o arguido desde criança e que nada tem a dizer [de mal] dele.
No que concerne ao elemento subjetivo (factos n° 17 e 18): sempre se diga que estando demonstrado que o arguido se apropriou de objetos/dinheiro que não lhe pertenciam, contra a vontade dos proprietários, valorou igualmente o Tribunal as regras da normalidade e da experiência comum, conjugadamente com todos os meios de prova produzidos, ficando assim convencido que o arguido, enquanto “homem médio” (nenhuma prova foi feita no sentido de que o mesmo não se insere nesta categoria de homens - tal como decorre do relatório social, acrescendo que compreendeu bem todas as perguntas que lhe foram feitas), sabe perfeitamente que não pode apropriar-se de objetos pertencentes a outrem contra a vontade do dono, assim como não pode conduziu veículos sem para tal estar habilitado e que fazendo-o está a praticar um crime.
E sabendo disso o homem médio, disso sabe o arguido. Por conseguinte, se o homem médio decide, sabendo do exposto, apropriar-se de objetos que não lhe pertencem ou adquirir objetos furtados, fá-lo porque quer, o que ocorreu também com o arguido, que não demonstrou não estar incluído na categoria da generalidade dos homens.
Acresce que em situações como a dos autos, dizem-nos as regras da experiência comum e da normalidade, que o agente age de forma livre, voluntária e consciente, sendo certo que nenhuma prova se fez no sentido de que os arguidos não agiram, nos termos descritos, livre, deliberada e voluntariamente.
Relativamente aos factos 5. a 7. e 12. a 14: o arguido apenas não logrou concretizar o seu intento porque foi confrontado com a presença, por si inesperada, dos ofendidos, motivo inteiramente alheio à sua vontade.
Os factos n° 19, 20 e 21 resultam do certificado de registo criminal conjugado com a reiteração da conduta plasmada no presente processo, da qual decorre que as condenações anteriores não serviram de suficiente advertência para que o arguido se afastasse do cometimento de crimes.
O facto c) resultou não provado por falta de prova assertiva quanto aos mesmos. Com efeito a decisão a que se reporta (processo 15/10.0PEPDL) é uma decisão de cúmulo, reportando-se a factos cometidos, alguns deles, há mais de 10 anos e, se é certo que teve liberdade condicional em 27.02.2018, impõe-se dizer que se desconhecem as concretas datas em que o arguido esteve preso e bem assim se desconsiderando o período em que cumpriu pena de prisão, não decorreram mais de 5 anos, entre a prática dos factos que constam supra e os factos por que foi condenado. Resultou assim não provado o facto c).
As condições económico-sociais resultaram do relatório social junto aos autos.
As condenações já sofridas resultam do certificado de registo criminal.
 III. Aspecto Jurídico da Causa
Enquadramento jurídico-penal
Apurada a matéria de facto provada, façamos o seu enquadramento jurídico-penal.
Ao arguido vem imputada a prática em concurso efetivo, autoria material e como reincidente:
- quatro crimes de furto qualificado, p. e p. nos art. 203.°, n.° 1, 204.°, n.° 2, alínea e) e n.° 1, alínea h), 14.°, 26.°, e 30.°, n.° 1, 75.°, n.° 1 e 2 e 76.°, todos do C.P.;
- dois crimes de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. nos art. 203.°, n.°s. 1 e 2, 204.°, n.° 2, alínea e) e n.° 1, alínea h), 14.°, 22.°, 23.°, 26.°, e 30.°, n.° 1, 75.°, n.° 1 e 2 e 76.°, todos do C.P.
Do crime de furto
Dispõe o artigo 203.° do Código Penal: quem, com ilegítima intenção de apropriação, para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
O bem jurídico protegido na norma incriminadora é a propriedade: o interesse protegido pela incriminação do furto ou do abuso de confiança é só o do proprietário (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 1974, p. 513), consumando-se o crime com a entrada da coisa furtada na esfera patrimonial do agente ou de terceiro (B.M.J. n° 182, pág. 314).
No furto, o tipo objectivo esgota-se em o agente subtrair coisa móvel alheia O objecto material do crime de furto é uma coisa móvel alheia, ou seja, toda a substância corpórea, material, susceptível de apreensão, pertencente a alguém e que tenha um valor qualquer, desde que juridicamente relevante. Daqui resulta, desde logo, que o conceito de coisa para efeitos penais será mais restrito do que o previsto para efeitos civis (no artigo 202.°, do Código Civil), na medida em que estabelece uma equivalência entre a noção de coisa e o objecto de relações jurídicas (Carlos Alegre, in Crimes Contra o Património, pág. 22). Também a mobilidade da coisa a que se refere o artigo 203.° do Código Penal apresenta algumas especificidades, não correspondendo rigorosamente à consagrada no direito civil (artigo 205.° do Código Civil), que dá uma definição de coisa móvel por exclusão do que são coisas imóveis, que enumera no artigo 204.° do Código Civil. Em termos penais, será equiparável a móvel a coisa tornada móvel, sendo indiferente que ela seja imóvel antes da subtracção. Assim, as partes componentes dos prédios rústicos (terra, água, pedra) e urbanos (telhas, portas, janelas) podem ser objecto de furto, se o agente as desligar dos imóveis. Acresce que a coisa, para além de móvel, deverá, necessariamente, ser alheia. Quer dizer, não poderá pertencer ao agente da infracção, ou seja, terá de estar sob o poder de guarda e detenção de alguém que não seja o agente (é alheia a coisa que não pertence ao agente). Deverá, no entanto, ser sempre pertença de alguém. Assim, não poderão ser objecto do furto as res delictae, as res nullius e as res communes omniu. É que, nestes casos, tais coisas não têm dono algum, pelo que o apoderar-se das mesmas não pode comportar nenhuma espécie de lesão patrimonial.
O tipo subjectivo exige dolo, em qualquer das suas modalidades. Nos termos do artigo 14.° do Código Penal: age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar (dolo directo); age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta (dolo necessário) e quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização (dolo eventual).
A ilegítima intenção de apropriação constitui o elemento subjectivo do crime de furto, que não é mais do que o dolo específico próprio desta infracção.
 Traduz-se na intenção de o agente, contra a vontade do proprietário da coisa furtada, a haver para si ou para outrem, integrando-a na sua esfera patrimonial. Daqui resulta que a intenção de apropriação, como aliás consta expressamente do artigo 203.°, do Código Penal, deverá ser ilegítima, o que implica o conhecimento ou consciência por parte do agente de que a coisa é alheia, ou seja, que ele não detém sobre ela qualquer direito ou título que justifique a sua posse.
Diferentemente, no crime de "furtum usus", embora exista subtração da coisa, o agente apodera-se dela, contra a vontade ou sem o consentimento do dono ou do seu legítimo possuidor, mas não o faz com animus apropriativo, no sentido de integrar definitivamente a coisa subtraída no seu património ou no de terceiro; apenas pretende servir-se dela por algum tempo, sendo sua vontade restituí-la ou criar as condições para que a coisa regresse ao património ou esfera patrimonial do despojado - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-09-1993, processo n° 043643 (disponível em www.dgsi.pt).
Da qualificação
Segundo a acusação, os furtos em causa preenchem as qualificativas previstas no artigo 204.°, n° 1, alínea h) e 204.°, n° 2, alínea e), do Código Penal.
Dispõe o artigo 204.°, n° 1, do Código Penal; quem furtar coisa móvel ou animal alheios;
h) Fazendo da prática de furtos modo de vida.;
Dispõe o artigo 204.°, n° 2, do Código Penal;
Quem furtar coisa móvel ou animal alheios;
e) penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas; é punido com pena de prisão de dois a oito anos.
A definição de arrombamento e escalamento é a que consta do artigo 202.° alínea d) e e), do Código Penal: para efeito do disposto nos artigos seguintes considera-se; Arrombamento: o rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, de casa ou de lugar fechado dela dependente.
 Se na mesma conduta concorrerem mais do que um dos requisitos referidos, só é considerado para efeito de determinação da pena aplicável o que tiver efeito agravante mais forte, sendo o outro ou outros valorados na medida da pena - artigo 204.°, n° 3, do Código Penal.
Da desqualificação
Prevê o artigo 204.°, n° 4, do Código Penal: não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor.
E, nos termos do disposto no artigo 202.°, alínea c), do Código Penal, considera-se valor diminuto aquele que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto.
À data da prática dos factos (e atualmente) o valor da unidade de conta era de 102€.
Da prática de furtos como modo de vida
Considera-se que alguém faz da prática de ilícitos patrimoniais modo de vida, quando desta forma obtém ou pretende obter rendimentos para o seu sustento. Tal atividade ilícita não tem de ser exclusiva, mas tem de ser necessariamente, significativa na obtenção de rendimentos - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10-07-2018 (processo n° 359/16.8PZLSB.L1-5, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, da análise do conjunto de factos praticados, dúvidas não restam que a prática destes factos assumiam uma parte significativa do rendimento que dispunha para a sua vida (e tenha-se em atenção que os factos foram praticados em liberdade condicional, durante a execução de uma pena de 10 anos de prisão pela prática de quatro crimes de furto qualificado, p. e p. no art. 204.°, n.° 2, alínea e) do C.P., três crimes de furto qualificado na forma tentada, p. e p. no art. 204.°, 22.° e 23.° do C.P., um crime de desobediência, p. e p. no art. 348.°, n.° 1, alínea b) do C.P.. Acresce que, em termos laborais, o arguido desempenhou muito pontualmente atividades indiferenciadas (facto n° 22), sendo que durante o ano de 2019, o arguido não manteve qualquer atividade remunerada (facto n° 16).
Concluímos, assim, que o arguido fazia dos furtos o seu modo de vida, sendo que o rendimento resultante da prática destes factos assumia uma parte significativa do rendimento que dispunha para a sua vida, termos em que se considera verificada a previsão da alínea h) do n.° 1 do artigo 204° do Código Penal nas seis situações praticadas.
Analisemos agora o caso concreto relativamente a cada um dos crimes de furto.
No que concerne aos Autos com o n.° 224/19.7PBPDL (facto n° 1 e 2)
Resultou provado que o arguido acedeu à varanda que se situava a cerca de 3 metros do solo, abriu uma das janelas de alumínio, e introduziu-se na residência, percorreu as diversas divisões, remexendo-as, e dali retirou e levou um fio de ouro. Resultou não provado o respetivo valor - facto a).
Assim, atenta a factualidade provada impõe-se concluir que o arguido praticou um crime de furto simples, uma vez que opera a desqualificação em razão do valor.
Estamos, pois, perante um crime de furto simples nos termos do disposto no artigo 203.°, n.° 1 e 204.°, n° 1, alínea h) e n.° 2, al. e) e n.° 4 do Cód. Penal.
No que concerne aos Autos com o n.° 253/19.0PBPDL (factos 3 e 4) Resultou provado que o arguido com uma pedra quebrou o vidro da porta de alumínio e destrancou a referida fechadura a partir do interior, introduziu-se na residência, percorreu as diversas divisões, remexendo vários armários, e dali retirou e levou objetos de valor superior a 102€.
Assim, atenta a factualidade provada impõe-se concluir que o arguido praticou um crime de furto qualificado.
Estamos, pois, perante um crime de furto qualificado, nos termos do disposto no artigo 203.°, n.° 1 e 204.°, n° 1, alínea h) e n.° 2, al. e), do Cód. Penal.
 No que concerne aos Autos com o n.° 63/19.5PBPDL (factos n° 5, 6, 7)
Resultou provado que o arguido: dirigiu-se à residência do ofendido, contendo diversos objetos de valor pelo menos igual a €102,00, abeirou-se da porta traseira da moradia e, exercendo força sobre a mesma, tentou arrombá-la. O arguido apenas não logrou aceder ao interior e dali retirar bens de valor porque foi confrontado pelo ofendido.
Assim, atenta a factualidade provada impõe-se concluir que o arguido praticou um crime de furto qualificado, na forma tentada.
Estamos, pois, perante um crime de furto qualificado, nos termos do disposto no artigo 203.°, n.° 1 e 204.°, n° 1, alínea h) e n.° 2, al. e), 22.° e 23.° do Cód. Penal.
No que concerne aos Autos com o n.° 95/19.3PBPDL (factos n° 8 e 9)
Resultou provado que o arguido quebrou a janela da sala, introduziu-se na residência, percorreu as diversas divisões, remexendo as gavetas dos quartos, e dali retirou e levou objetos de valor superior a 102€.
Assim, atenta a factualidade provada impõe-se concluir que o arguido praticou um crime de furto qualificado.
Estamos, pois, perante um crime de furto qualificado, nos termos do disposto no artigo 203.°, n.° 1 e 204.°, n° 1, alínea h) e n.° 2, al. e), do Cód. Penal.
No que concerne aos Autos com o n.° 478/19.9PBPDL (factos n° 10 e 11)
Resultou provado que o arguido trepou o exterior do prédio e acedeu à varanda que se situava a cerca de 3 metros do solo, quebrou a fechadura da portada que permitia o acesso da varanda ao interior, introduziu-se na residência, percorreu as diversas divisões e dali retirou e objetos de valor superior a 102€.
Assim, atenta a factualidade provada impõe-se concluir que o arguido praticou um crime de furto qualificado.
Estamos, pois, perante um crime de furto qualificado, nos termos do disposto no artigo 203.°, n.° 1 e 204.°, n° 1, alínea h) e n.° 2, al. e), do Cód. Penal.
 No que concerne aos Autos com o n.° 63/19.5PBPDL (factos n° 12, 13 14)
Resultou provado que o arguido: dirigiu-se à residência do ofendido, contendo diversos objetos de valor pelo menos igual a €102,00, abeirou-se da porta traseira da moradia e, exercendo força sobre a mesma, tentou arrombá-la. O arguido apenas não logrou aceder ao interior e dali retirar bens de valor porque foi confrontado pelo ofendido.
Assim, atenta a factualidade provada impõe-se concluir que o arguido praticou um crime de furto qualificado, na forma tentada.
Estamos, pois, perante um crime de furto qualificado, nos termos do disposto no artigo 203.°, n.° 1 e 204.°, n° 1, alínea h) e n.° 2, al. e), 22.° e 23.° do Cód. Penal.
Sabia, além disso, o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, pelo que agiu com consciência da ilicitude.
Inexistem causas de justificação ou de exculpação aplicáveis ao presente caso.
B. Determinação da pena
Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa agora determinar a natureza e a medida da sanção a aplicar.
Conforme ensina o Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal II, pág. 229), a determinação definitiva da pena é alcançada através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira investiga-se e determina-se a moldura penal aplicável ao caso (medida abstracta da pena); na segunda investiga-se e determina-se a medida concreta (dita também individual ou judicial); na terceira escolhe-se (de entre as penas postas à disposição do legislador e através dos mecanismos das penas alternativas ou penas de substituição) a espécie de pena que, efectivamente, deve ser cumprida.
Vejamos, em concreto, estas diversas etapas, para o crime praticado pelos arguidos.
Do crime de furto simples
Ao crime de furto simples, na forma consumada, corresponde, em abstracto, a pena de prisão de 1 mês até 3 anos ou pena de multa de 10 a 360 dias (artigos 41°, 47° e 203°, n.° 1, todos do Código Penal).
Face à alternatividade entre pena de prisão e pena de multa cumpre, pois, determinar qual a que melhor cumpre as exigências de prevenção do presente caso.
De acordo com o disposto no art. 40° do Código Penal, a aplicação de penas e medidas de segurança visa a “protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
Estes fins - habitualmente designados pela doutrina como prevenção geral positiva ou de integração e prevenção especial positiva ou de socialização - traduzem, respectivamente, o reforço da consciência comunitária e do seu sentimento de segurança face ao atentado contra a vigência da norma penal e a necessidade de efectuar um raciocínio de prognose em relação aos efeitos da pena na futura conduta do arguido tendo em vista a sua ressocialização.
E se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art. 70° do Código Penal).
No caso presente, as exigências de prevenção geral são significativas, não obstante se encontrarem já consideradas na moldura penal abstracta, exigindo-se dos tribunais especial sensibilidade à preservação do bem jurídico património, tendo em conta a enorme frequência com que são cometidos crimes contra o mesmo e a necessidade de desincentivar eficazmente a sua comissão.
Quanto às necessidades de prevenção especial, temos de ter em conta que o arguido agiu com dolo direto, a modalidade mais grave do dolo, e apresenta já condenações (que constituem verdadeiros antecedentes criminais), sem olvidar que no presente processo estamos perante a prática de crimes contra o património; o que, desde logo, faz com que, em termos de prevenção especial, se deva dar uma resposta adequada às violações pela sua parte das normas que protegem a propriedade, não se perspetivando que no futuro não possa vir a cometer outros crimes desta natureza, o que faz com que a via da ressocialização do agente não pareça alcançável com a imposição de uma pena não privativa da liberdade, razão pela qual se opta por uma pena de prisão.
Passando agora à determinação da medida concreta da pena, o quantum da pena há-de ser fixado de acordo com os critérios genericamente acolhidos no actual art. 71° do Código Penal, ou seja, em função da culpa do agente, que constituirá o limite máximo da pena a aplicar, e das exigências de prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele, nomeadamente as previstas no n.° 2 daquele artigo.
Tendo-se optado por uma pena de prisão, a este crime corresponde a pena de prisão de 1 mês até 3 anos.
Valorando, então, os diferentes factores de determinação da pena a que se referem as diversas alíneas do n.° 2 do art. 71° do Código Penal, no caso em apreço, verifica-se que:
- Actuou com dolo directo (facto desfavorável ao arguido);
- Em termos de ilicitude, entendemos que esta é elevada no que concerne atendendo que para praticar estes furtos se introduziu numa residência;
- Tem antecedentes criminais inclusive pela prática de crimes de idêntica natureza (já sofreu uma condenação, em sede de cúmulo, em 10 anos de prisão pela prática de vários crimes contra o património e, quando se encontrava em liberdade condicional praticou os factos dos presentes autos, cfr. Factos n° 19 e 20 - (facto desfavorável ao arguido).
- O arguido é jovem (facto favorável ao arguido).
Tudo ponderado, o Tribuna! considera adequada uma pena de um ano de prisão relativamente ao crime de furto simples dos Autos com o n.° 224/ 19.7PBPDL.
Dos crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelo artigo 204.°, n° 2, do Código Penal.
A moldura pena! do crime de furto qualificado, nos termos do disposto no artigo 204.°, n° 2, alínea e), do Código Penal é de dois anos a 8 anos de prisão.
Valorando, então, os diferentes fatores de determinação da pena a que se referem as diversas alíneas do n.° 2 do art. 71° do Código Penal, no caso em apreço, verifica-se que:
- Atuou com dolo direto (facto desfavorável ao arguido);
- Em termos de ilicitude, entendemos que esta é mediana (corresponde ao normal modo de cometimento do crime de furto qualificado nos termos do disposto no art. 204.°, n° 2, alínea e), do Código Penal).
- Tem antecedentes criminais inclusive pela prática de crimes de idêntica natureza (já sofreu uma condenação, em sede de cúmulo, em 10 anos de prisão pela prática de vários crimes contra o património e, quando se encontrava em liberdade condicional praticou os factos dos presentes autos, cfr. Factos n° 19 e 20 - (facto desfavorável ao arguido).
- O arguido é jovem (facto favorável ao arguido).
Tudo ponderado, o Tribunal considera adequada uma pena de três anos de prisão por cada um dos crimes de furto qualificado praticados, previstos e punidos pelo artigo 204.°, n° 2, alínea e) e artigo 22.°, ambos do Código Penal (Autos com o n.° 253/19.0PBPDL, Autos com o n.° 95/19.3PBPDL e Autos com o n.° 478/19.9PBPDL).
Dos crimes de furto qualificado na forma tentada, previstos e punidos pelo artigo 204.°, n° 2, do Código Penal.
Os crimes praticados na forma tentada são objeto de especial atenuação (artigo 23.°, n° 2, do Código Penal). A atenuação opera nos termos previstos no artigo 73.°, n° 1, do Código Penal: o limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço o limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a 3 anos e ao mínimo legal se for inferior.
A moldura penal do crime de furto qualificado, nos termos do disposto no artigo 204.°, n° 2, alínea e), do Código Penal é de dois anos a 8 anos de prisão.
Aplicando a sobredita atenuação especial ficamos com a seguinte moldura penal:
- Limite máximo de cinco anos e quatro meses e
- Limite mínimo de um mês de prisão.
Valorando, então, os diferentes fatores de determinação da pena a que se referem as diversas alíneas do n.° 2 do art. 71° do Código Penal, no caso em apreço, verifica-se que:
- Atuou com dolo direto (facto desfavorável ao arguido);
- Em termos de ilicitude, entendemos que esta é mediana.
- Tem antecedentes criminais inclusive pela prática de crimes de idêntica natureza (já sofreu uma condenação, em sede de cúmulo, em 10 anos de prisão pela prática de vários crimes contra o património e, quando se encontrava em liberdade condicional praticou os factos dos presentes autos, cfr. Factos n° 19 e 20 - (facto desfavorável ao arguido).
- O arguido é jovem (facto favorável ao arguido).
Tudo ponderado, o Tribunal considera adequada uma pena de um ano e seis meses de prisão por cada um dos crimes de furto qualificado, na forma tentada, previstos e punidos pelo artigo 204.°, n° 2, alínea e) e artigo 22.°, ambos do Código Penal (Autos com o n.° 63/19.5PBPDL e Autos com o n.° 58/19.9PEPDL).
Da reincidência
Aqui chegados, importa descortinar a verificação da reincidência enquanto circunstância agravante modificativa com previsão legal nos arts. 75° e 76°, ambos do CP.
De acordo com o n° 1 do primeiro referido preceito, são pressupostos da reincidência: (i) a comissão de crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva superior a seis meses; (ii) à data da prática desses factos, o arguido ter já sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efetiva superior a seis meses por outro crime doloso; e (iii) ser de censurar a conduta do agente por a condenação ou condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência para o crime.
Por seu turno, estabelece ainda o n° 2 do mesmo artigo um pressuposto “negativo” da aplicabilidade do instituto, qual seja a ausência do decurso do período de mais de cinco anos entre a prática de ambos os crimes, não sendo computado o tempo durante o qual o agente esteve em cumprimento da pena privativa da liberdade.
Feito este enquadramento, constatamos que não mostram reunidos os ditos pressupostos objetivos: desde logo não está demonstrado que entre a prática dos factos que constam supra e os factos por que foi condenado, desconsiderando o período em que cumpriu pena de prisão, não decorreram mais de 5 anos.
Resta, pois, concluir que relativamente a este arguido (porque a condenação em pena de prisão efetiva é posterior à data da prática dos factos sub judice) não se verifica a situação de reincidência.
Cúmulo Jurídico
Determinadas as penas concretamente aplicáveis, passemos então à determinação da pena unitária a aplicar ao presente concurso real de crimes.
Como resulta do artigo 77.°, n°1, do Código Penal, na determinação da medida concreta da pena unitária a aplicar nos casos de concurso de crimes serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Ora, nos termos do n° 2 do citado normativo, a moldura abstrata da pena unitária oscilará entre um limite mínimo correspondente à mais elevada das penas parcelares a cumular e um limite máximo igual à soma dessas penas, sem que ultrapasse 25 anos de prisão ou 900 dias de multa.
Regressando ao caso concreto.
Ora, tendo em atenção o disposto no artigo 77.°, n° 2, do Código Penal, deverá ser construída uma moldura penal com um mínimo de três anos de prisão e um máximo de treze anos de prisão.
Nesta o Tribunal deverá ter em conta os factos e a personalidade do agente, ou, como refere Figueiredo Dias, “a gravidade do ilícito global perpetrado”, apontado este autor como critério avaliativo a seguir o da “conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique”. Para além de uma “avaliação da personalidade unitária” reconduzível ou não a uma tendência criminosa (“Direito Penal Português”, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 421).
Assim, na formação da pena única, assume importância fundamental a visão de conjunto na ponderação da eventual conexão dos factos entre si e da relação “desse bocado da vida criminosa com a personalidade”: do conjunto dos factos decorrerá a gravidade do ilícito global perpetrado, adquirindo valor decisivo a avaliação relativa à conexão e ao tipo de conexão que entre aqueles se verifique; na avaliação da personalidade relevará a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa (ou mesmo a uma “carreira”) ou tão-só a uma pluriocasionalidade (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29-09-2010, processo n° 851/09.0JAPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt).
Os factos foram praticados em 2019, quando o arguido se encontrava em liberdade condicional, no âmbito do cumprimento de uma pena de 10 anos de prisão pela prática de quatro crimes de furto qualificado, p. e p. no art. 204.°, n.° 2, alínea e) do C.P., três crimes de furto qualificado na forma tentada, p. e p. no art. 204.°, 22.° e 23.° do C.P., um crime de desobediência, p. e p. no art. 348.°, n.° 1, alínea b) do C.P. - factos n° 19 e 20.
Ou seja, o arguido sofreu condenações, designadamente pela prática dos crimes agora sub judice (e praticou os crimes agora em causa quando se encontrava em liberdade condicional.
Assim, considerando a gravidade do conjunto dos factos praticados, extraindo-se desse conjunto a gravidade do ilícito global perpetrado, entende o Tribunal ajustada a pena unitária sete anos e oito meses de prisão.”
*
8. Apreciação das questões que são objecto do recurso interposto:
- Da impugnação da matéria de facto:
O recorrente pretende impugnar a matéria de facto dada como provada, pelo tribunal recorrido, embora não indique, nem na motivação, nem nas conclusões, em que termos o pretende fazer.
Limita-se a afirmar que:
- Não praticou qualquer dos factos constantes da acusação;
- Não lhe foram encontrados quaisquer dos objectos furtados;
- O facto de o arguido ter sido avistado ou próximo das residências dos autos não pode provar que tenha sido o autor dos furtos;
- Não consegue encontrar outra explicação para o facto de terem sido encontradas as impressões digitais da sua mão nos locais onde ocorreram os factos, que não a da sua transposição para os furtos dos autos com vista à sua incriminação.
Cumpre apreciar:
Observado o recurso interposto pelo arguido da decisão proferida nos autos verifica-se que visa a impugnação da matéria de facto, com fundamento em erro de julgamento.
Ora, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto exige ao recorrente a especificação dos artigos ou pontos da matéria de facto que considera incorrectamente apreciados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas que devem ser renovadas, conforme se exige no art.º 412º nº 3 do C.P.P.
Na verdade, no caso da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.°, n.° 3, 4 e 6 do CPP, a apreciação vai para além da análise da sentença e estende-se à prova produzida em audiência e ao que da mesma se pode extrair, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.° 3 e 4 do citado dispositivo legal, que impõe ao recorrente:
a) a indicação dos «concretos pontos de facto» que considera incorrectamente julgados;
b) as «concretas provas» que, em sua opinião, impõem decisão diversa da recorrida, o que implica a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida;
c) as provas que devem ser renovadas.
Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 4 e 6 do artigo 412.º do C.P.P.) - Ac. RL, Proc. nº 1111/09.2PFSXL.L1, de 25-1-11 (Relator Desembargador Jorge Gonçalves).
Isto é, nos termos e para os efeitos do nº 4 do art. 412º do CPP, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do art 364º do CPP, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Como realçou o S.T.J., em acórdão de 12-6-2008 (Proc. nº 07P4375, em www.dgsi.pt): “a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º) ” – também, neste sentido, o Ac. RL, de 10.10.2007, proc. nº 8428/2007-3, in www.dgsi.pt.
O recurso da matéria de facto, assim formulado permite que os poderes de cognição do tribunal de recurso se estendam à matéria de facto e que, sendo o recurso, nessa parte, procedente, venha a ser modificada a decisão quanto a ela tomada na 1ª instância (artigo 431º, alínea b), do Código de Processo Penal).
Daí que o tribunal de recurso só possa alterar o decidido se as provas indicadas pelo recorrente que o tribunal vai ouvir ou ler, sem a imediação, nem a oralidade, impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do n°3 do art.° 412º do CPP).
Conforme se escreve no Acórdão da Relação de Évora, de 1 de Abril de 2008 proferido no P.° 360/08-1.a, acessível em www.dgsi.pt:Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente.»
Feitas estas considerações, debrucemo-nos sobre os fundamentos do recurso.
No caso, o recorrente pretende se insurgir contra os factos dados como provados, mas não cumpriu o ónus de especificação imposto pelo nº 3 e pelo nº 4 do artº 412º do CPP, pois não indicou os pontos de facto que considerou incorrectamente julgados, nem as passagens da gravação em que se funda a sua impugnação, bem como as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, limitando-se, de uma forma geral e global, a negar a prática dos factos e a tecer considerações sobre a forma como o tribunal recorrido valorou a prova, sem que se perceba quais são os factos concretos que pretende impugnar, quais são as provas que, quanto a cada um desses factos, na sua óptica, impunham decisão diversa da proferida e que passagens dos concretos depoimentos eram, para esse efeito, relevantes.
O recorrente limitou-se a criticar a valoração da prova feita pelo tribunal recorrido, pugnando uma perspectiva diferente da mesma, apelando às suas próprias declarações, onde nega a prática dos factos, o que é substancialmente diferente de proceder a uma real impugnação da matéria de facto.
O arguido chega mesmo a negar a evidência da prova pericial existente, nos termos da qual foram encontradas impressões digitais suas nos locais onde foram praticados alguns dos factos aqui em causa, com o argumento inverosímil que só se pode tratar de uma “extrapolação e montagem das impressões digitais para as diversas casas com o objectivo de o incriminar, por estar de pena suspensa”.
E observada a decisão recorrida verificamos que o tribunal recorrido, de modo exaustivo e rigoroso, fundamentou a credibilidade que lhe mereceram as declarações das diversas testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento, em detrimento das prestadas pelo recorrente [que optou por negar os factos], em função da forma como aquelas foram prestadas e por terem sido corroboradas por outros elementos probatórios, designadamente pelo inequívoco teor da prova pericial, documental e por reconhecimento pessoal.
Ora, não cabe ao recorrente substituir a sua convicção à convicção do julgador.
Cabe-lhe, isso sim, individualizar os concretos factos que, em seu entender, não deviam ter sido considerados provados e aqueles que, pelo contrário, o deveriam ter sido e explicar as razões para cada uma das apontadas divergências, como decorre das alíneas a) e b) do citado n.º 3 do art.° 412.° do C.P.P.
Exigência que não se mostra cumprida, nem nas conclusões, nem ao longo de toda a motivação, termos em que, por falta de cumprimento do ónus de especificação previsto no referido n°3 do art.° 412.° do C.P.P., está este tribunal de recurso impossibilitado de reapreciar a matéria de facto.
É verdade que o art 417º nº 3 do CPP estipula que se a motivação do recurso não contiver conclusões, ou destas não for possível deduzir total, ou parcialmente, as indicações previstas nos nºs 2 a 5 do art 412º do CPP, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado, ou não ser conhecido na parte afectada.
No entanto, o aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação (art. 417 nº 4 do CPP).
Ou seja, só é possível o convite para a correcção quando essa correcção se processa dentro dos termos da própria motivação e não constitua uma substituição, mesmo que parcial da motivação.
Como vem referido no Ac. da Relação de Coimbra de 2 de Abril de 2008, no processo 604/05.5PBVIS.C1, quando o recorrente expõe consistentemente as razões concretas da sua discordância, mas depois, por lapso, não as assinala devidamente nas conclusões, existem razões que se fundamentam na proibição de excesso, no princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrado no art 18º nº 2 da CRP, que justificam o convite e a consequente possibilidade de correcção.
Porém, quando o recorrente, no corpo da motivação do recurso [como é o caso], não enunciou as especificações, o convite à correcção não se justifica, porque, para se obter a harmonização entre as conclusões, o corpo da motivação e a obrigação legal de especificação, seria necessária uma reformulação substancial das motivações e das conclusões, o que significaria a concessão da possibilidade de um novo recurso, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo a peremptoriedade de prazo de apresentação do recurso - neste sentido decidiram, entre outros, o acórdão da RLx de 20/10/99, in CJ, XXIV, 4, 153; e Acs da Rel. Coimbra nº 140/2004, processo nº 565/2003 de 10/3/2004 (DR II série, nº 91 de 17/4/2004); de 30/1/02, in CJ XXVII, 1, 44 e 45; de 07.07.2010 (proc.520/08.9GAACB.C1) e de 13.12.2017 (proc. 177/15.0GAANS.C1), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
No caso vertente, e na medida em que, nem na motivação, nem nas conclusões, o recorrente cumpre o ónus de especificação, imposto pelo nº 3 e 4 do art. 412º do CPP, apresentando, neste segmento, apenas um ataque à forma como o tribunal a quo valorou a prova produzida, numa crítica global à produção e valoração/apreciação da mesma, não se justifica o convite ao aperfeiçoamento, impondo-se a rejeição liminar, nesta parte, ou seja, no que tange à pretendida impugnação alargada da matéria de facto, atento o estatuído no art.° 431.°, al. b) do CPP.
Fica em aberto, obviamente, a possibilidade de conhecer da matéria de facto nos estreitos limites previstos no art.º 410º, nº 2 do CPP, por ser do conhecimento oficioso, cumprindo recordar que a disciplina dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de contradição insanável de fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e do erro notório na apreciação da prova, cujo quadro legal disciplinador se encontra no disposto no referido art.º 410º nº 2 alíneas a), b) e c) do CPP, se exige que resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugados com as regras de experiência comum.
Ora, analisada a esta luz a decisão recorrida, não se vislumbra, manifestamente, a existência de nenhum dos elencados vícios: a matéria considerada provada permite fundamentar a decisão jurídica, não existindo qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, não existe contradição na fundamentação ou entre esta e a decisão e o texto da mesma apresenta-se lógico e conforme com as regras da experiência comum.
*
- Da violação do princípio “in dubio pro reo:
O recorrente vem, ainda, invocar que, à falta de flagrante delito e de melhores provas, não podia ser condenado pela prática dos crimes de furto dos autos, ou, pelo menos, com a certeza que a lei exige para a condenação penal, termos em que, na dúvida e ao abrigo do princípio “in dubio pro reo”, devia ter sido absolvido.
Apreciando:
Não havendo nos termos da fundamentação da decisão recorrida qualquer margem de dúvida quanto à prática dos factos provados, pelo recorrente, nos termos em que o foi, nada permite a formulação de qualquer juízo de dúvida que pudesse ser solucionada com recurso ao princípio “in dubio pro reo”.
Com efeito, e de acordo com a jurisprudência uniforme dos tribunais superiores, verbi gratia, o Ac. do TRL de 29 de Junho de 2006, proferido no processo nº 3759/06 da 9ª Secção, disponível em www.pgdlisboa.pto princípio in dubio pro reo só se aplica no domínio da prova quando o tribunal tenha ficado numa situação de non liquet, ou seja, com sérias dúvidas relativamente aos factos, que em tal situação teria de ser resolvida a favor do arguido”, ou, ainda, nas palavras do Ac. do TRL de 2 de Novembro de 2006, também disponível em www.pgdlisboa.pt:O tribunal só lança mão do princípio in dubio pro reo – corolário do princípio constitucional da presunção da inocência (artº 32º nº 2 da CRP) – se a prova produzida, depois de avaliada segundo as regras da experiência e da liberdade de apreciação (artº 127º CPP), tivesse conduzido à subsistência, no espírito do julgador, de uma dúvida positiva invencível sobre a verificação ou inexistência de um facto relevante para a descoberta da verdade”.
Ora, perscrutada, mais uma vez, a decisão recorrida dela não resulta ter havido qualquer dúvida quanto à culpabilidade do arguido, assim como quanto ao preenchimento da plenitude dos elementos constitutivos dos ilícitos criminais pelos quais foi, muito justamente, condenado, pelo que improcede, também, nesta parte, o recurso, por não ter existido qualquer violação do princípio “in dubio pro reo”.                                    
- Da medida concreta das penas parcelares de prisão e da pena única resultante do cúmulo jurídico:
O arguido recorrente sustenta, ainda, que as penas parcelares e unitária aplicadas são manifestamente desproporcionais para a natureza, valor dos objectos furtados e conjugação com o facto de ser jovem e estar à espera do nascimento do seu primeiro filho.
Apreciando:
A determinação da pena concreta faz-se em função da culpa do agente e entrando em linha de conta com as exigências de prevenção de futuros crimes – binómio que importa ter em conta para encontrar a medida correcta da pena.
Tal como refere Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, 1993, p. 227 e ss, a culpa é um referencial que o julgador nunca pode ultrapassar. Até ao máximo consentido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos que vai determinar a medida da pena, criando-se uma moldura de prevenção geral, cujo limite máximo é a protecção máxima pensada para os bens jurídicos da comunidade e cujo limite é aquele abaixo do qual já não há protecção suficiente dos bens jurídicos. Dentro desses limites intervêm, para a concretização, a prevenção geral e a ideia de ressocialização. 
As exigências de prevenção geral dizem respeito à confiança da comunidade na ordem jurídica vigente, que fica sempre abalada com o cometimento dos crimes e têm a ver com a protecção dos bens jurídicos, com o sentimento de segurança e a contenção da criminalidade, em resumo, visam a defesa da sociedade.
Por sua vez, as exigências de prevenção especial, que se prendem com a capacidade do arguido se deixar influenciar pela pena que lhe é imposta, estão ligadas à reintegração do agente na sociedade.
No caso em apreciação, nenhuma censura nos merece a medida concreta das penas parcelares de prisão, fixadas ao recorrente, tendo em todas elas sido devidamente ponderado todo o circunstancialismo atenuativo e agravativo dos crimes, de acordo com os critérios gerais previstos no Artº 71º nº 2 do Código Penal, designadamente o dolo directo e intenso com que actuou em todas as situações, a culpa, igualmente, elevada, uma vez que se funda no dolo directo, o grau de ilicitude [elevado no caso do furto simples, e mediano no caso dos três crimes de furto qualificado e nos dois crimes de furto qualificado na forma tentada] e daí que, no primeiro caso [furto simples] lhe tenha sido aplicada uma pena de 1 ano de prisão [situada em 1/3 entre os limites abstractos, que são de 1 mês até 3 anos], e nas restantes situações penas concretas situadas não muito longe do limite mínimo e sempre abaixo do 1/3 entre os limites abstractos [respectivamente 3 anos de prisão para cada um dos crimes de furto qualificado, numa moldura penal abstracta que é de 2 a 8 anos de prisão e de 1 ano e 6 meses de prisão por cada um dos crimes de furto qualificado na forma tentada, numa moldura penal abstracta que é de 1 mês a 5 anos e 4 meses de prisão], salientando este Tribunal da Relação que, no caso, são acentuadas as necessidades de prevenção geral, pela frequência com que ocorrem este tipo de crimes e pelo sentimento de insegurança e alarme social que lhes anda associado [furtos em residências], assim como as necessidade de prevenção especial, pois o recorrente não beneficia de qualquer circunstância atenuante, como a mera confissão, ou o simples arrependimento, que sempre seriam reveladoras da interiorização do mal causado, o que, no caso, não se observa, não podendo ser ignorado o seu extenso passado criminal, pela prática de crimes da mesma natureza, pelos quais foi sendo condenado, destacando-se a condenação, em sede de cúmulo, numa pena de 10 anos de prisão, pela prática de vários crimes contra o património, tendo cometido os factos destes autos na pendência da liberdade condicional que lhe havia sido concedida, no âmbito dessa condenação, por decisão transitada em julgado em 27.02.2018 [ainda não tinham decorrido dois meses em liberdade condicional e já o arguido estava a praticar alguns dos factos aqui em causa, mais propriamente os que se referem aos autos com o nº 478/19.9PBPDL – cometidos em 08.04.2018].
A juventude do arguido foi devidamente ponderada pelo tribunal recorrido na fixação das aludidas penas concretas de prisão. O facto de se encontrar à espera do nascimento do seu primeiro filho não pode ser fundamento de redução da pena, pois, a existir qualquer inserção ou estabilidade, a nível familiar, a mesma nunca foi suficientemente contentora para a reiteração da prática criminosa, ou motivo que levasse o arguido a mudar de postura, designadamente, em sede de audiência de discussão e julgamento, com a demonstração de algum arrependimento, ou interiorização do mal causado, o que, no caso, não se observou, revelando reduzida, ou mesmo nenhuma, consciência crítica na avaliação do impacto dos seus comportamentos em terceiros, tendendo a minimizar a sua dimensão e a gravidade, ao mesmo tempo que assume uma postura de vitimização, persistindo no consumo de produtos estupefacientes, e sem que alguma vez tenha exercido uma actividade laboral regular.
O arguido alega, ainda, para a pretendida redução das penas concretas de prisão que lhe foram aplicadas, que não houve qualquer tipo de violência ou coacção sobre quem quer que seja, mormente sobre a pessoa dos ofendidos, mas, na medida em que estamos perante a prática de crimes de furto, tais circunstâncias não têm aqui qualquer relevância atenuante, pois a terem existido, estaríamos não perante a prática de crimes de furto, mas de roubo, o que não é o caso.  
Perante este quadro, considerando o mencionado grau de ilicitude e da culpa, assim como as elevadas exigências de prevenção geral e especial, cumpre observar o acerto da decisão recorrida na determinação da medida concreta das penas parcelares de prisão aplicadas, o que inviabiliza a pretensão do recorrente em ver reduzidas tais penas, pois que estão longe de ultrapassar a medida da sua culpa, correspondendo cada uma delas ao mínimo de pena imprescindível à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, assim como se apresentam como adequadas, proporcionais e necessárias, termos que ditam a improcedência do recurso, também, nesta parte.
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Tendo praticado vários crimes, impõe-se a condenação numa pena única, em que serão ponderados em conjunto os factos e a personalidade do agente – art. 77º nº 1 do Código Penal.
Tal como se refere no Ac. do STJ de 20/02/2008, proferido no Proc.4724/07 (acessível em http://www.dgsi.pt/jstj):
Na fixação da pena correspondente ao concurso é factor determinante a personalidade do agente espelhada na prática dos factos e o conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, no que importa avaliar a gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso.”
No mesmo sentido, lê-se no acórdão do S.T.J., de 23 de Novembro de 2010, Processo n.° 93/10.2TCPRT.S1, acessível em www.dgsi.pt:
A determinação da pena do concurso exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados e a personalidade do seu autor, de forma a alcançar-se a valoração do ilícito global e entender-se a personalidade neles manifestada, de modo a concluir-se pela motivação que lhe subjaz, se emergente de uma tendência para delinquir, ou se se trata de pluriocasional idade não fundamentada na personalidade, tudo em ordem a demonstrar a adequação, justeza, e sobretudo, a proporcionalidade, entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação conjunta daqueles dois factores. Importará indagar se a repetição operou num quadro de execução homogéneo ou diferenciado, quais os modos de actuação, de modo a concluir se estamos face a indícios desvaliosos de tendência criminosa, ou se estamos no domínio de uma mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade, tendo em vista configurar uma pena que seja proporcional à dimensão do crime global, pois ao novo ilícito global, a que corresponde uma nova culpa, caberá uma nova, outra, pena. Com a fixação da pena conjunta não se visa re-sancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma sanção de síntese, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do(a) arguido(a) em que foram cometidos vários crimes, em espaço temporal curto”.
No caso, as necessidades de prevenção geral são acentuadas, dado o alarme social e a insegurança que geram situações como as aqui em causa.
No que à natureza dos factos concerne, ressalta a grande similitude dos mesmos, atenta a sua natureza idêntica.
Estamos perante a prática de 6 crimes de furto (um simples, 3 qualificados, na forma consumada e dois qualificados, na forma tentada), cometidos entre 08.04.2018 e 13.05.2019, quando o arguido se encontrava em liberdade condicional, no âmbito do cumprimento de uma pena de 10 anos de prisão, pela prática de quatro crimes de furto qualificado, na forma tentada e de um crime de desobediência, pelo que se reconhece a existência de uma tendência para a prática de crimes contra o património, que justifica um reflexo agravante na pena única.
Assim, considerando os limites da pena única de prisão a aplicar, numa moldura penal que vai de 3 anos a 13 anos de prisão, e tendo em conta o conjunto dos factos, o percurso de vida do recorrente à data da prolação do acórdão e a sua personalidade, entendemos que a graduação da mesma em 7 anos e 8 meses de prisão [situada entre o 1/3 e o ½ dos limites mínimo e máximo da pena abstracta] se apresenta adequada para uma censura aos factos na sua globalidade, ao mesmo tempo que satisfaz as necessidades de reinserção do agente, salientando-se que o arguido não pode deixar de sentir que a apurada personalidade, propensa à repetição do mesmo tipo de factos ilícitos e a indiferença às condenações judiciais anteriores, considerando que tem um passado criminoso relevante, tem de ter algum reflexo na pena, termos em que, também, nesta parte, improcederá o recurso.
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-Decisão:
Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes Desembargadores da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, CL. , e confirmar a douta decisão recorrida.
Custas pelo arguido recorrente (5 UCs).

Lisboa, 4 de Fevereiro de 2020
Anabela Simões Cardoso
Cid Geraldo