Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
111/17.3GABRR.L1-9
Relator: CRISTINA BRANCO
Descritores: CONSUMO DE ESTUPEFACIENTES
CONSUMO MÉDIO INDIVIDUAL
EXAME PERICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I-Provando-se  que o arguido detinha 6,376 g de canabis (resina), com a substância activa presente (tetrahidrocanabinol ou A9THC) e um grau de pureza de 15,2%, sendo a dose média individual de 0,5 g, para um grau de concentração média de 10%, chega-se à conclusão de que tinha consigo o correspondente a 19 doses diárias: 6,376 x (15,2% / 10%) / 0,5;
II- Em consequência, ao ter em conta o resultado do exame pericial o Tribunal recorrido não incorreu em qualquer erro na apreciação da prova, seja ele notório ou de julgamento, nem acolheu uma errada interpretação do preceituado na Portaria 94/96, de 26-03.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
1. No âmbito do Processo Comum Singular n.º 111/17.3GABRR do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal do Barreiro – Juiz 1, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido AA, filho de BB e de CC, natural do Brasil, nascido a …………., solteiro, desempregado, residente na Rua …………., Santo António da Charneca, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art. 40.º, n.º 2, do DL n.º 15/93, de 22-01, com referência à Tabela I-C a ele anexa.
2. Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual foi decidido, para além do mais, condenar o arguido, pela prática do aludido crime, na pena de 55 (cinquenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de 5,00€, perfazendo um total de 275,00€ (duzentos e setenta e cinco euros)[1].
3. Inconformado com esta decisão, interpôs o arguido o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição):
«1. Não pode o Recorrente aceitar os factos dados como provados nos pontos 1. e 4. da douta Sentença, porque incorretamente julgados e alicerçados em erro notório na apreciação da prova, devendo os mesmos ser considerados como incorretamente julgados e por conseguinte importará a prolação de uma decisão que considere como não provados.
2. O exame laboratorial constante de fls. 34 lavra em erro manifesto de contabilização das doses em relação ao produto apreendido!!!
3. Deve ser considerado como não provado que o produto estupefaciente detido fosse suficiente para o arguido fumar um numero de vezes não inferior a 19 e que este tinha perfeito conhecimento das características do produto, sabendo igualmente que não podia deter, por exceder a quantidade necessária ao consumo médio individual para um período de 10 dias, e por a tal não estar autorizado.
4. Não se mostram reunidos os requisitos objectivos e subjectivos do crime de consumo a que alude o Art. 40º nº1 e 2 do Decreto Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro.
5. O Tribunal A Quo ao condenar o Arguido AA, pela pratica de um crime de consumo, violou o Art. 40º nº1 e 2, Art. 71º nº1 alínea c) do Decreto Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro e o Art. 9º da Portaria nº94/96.
6. Não teve em consideração o calculo da dose média individual diária, tendo em conta não o produto liquido apreendido, mas sim o principio activo presente no estupefaciente em causa, que no caso em apreço, é o Tetreahidrocanabinol, esta é que é a substancia proibida por Lei!
7. Fixada a quantidade de principio activo THC, apreendido, verifica-se que o arguido detinha menos de duas doses diárias, o que seria sempre inferior aos valores fixados pelo Art. 71º nº1 c) do Decreto Lei nº 15/93 de 22 /01 e da Portaria 94/96.
8. Pelo exposto, em consequência de toda a análise critica da prova supra realizada, bem como de todos os argumentos de direito esgrimidos, deverá ser revogada a decisão do Tribunal A Quo que condenou o arguido pelo crime de consumo, sendo substituída por outra que absolva o Recorrente do referido crime!
Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, e desta forma ser a Sentença proferida pelo Tribunal A Quo revogada, e em consequência o Recorrente ser absolvido do crime de consumo.
Assim farão V. Ex.ª s, como sempre, JUSTIÇA!»
4. O recurso foi admitido, por despacho de fls. 75 dos autos.
5. Na sua resposta, o Ministério Público junto do Tribunal recorrido pugnou pela improcedência do recurso, concluindo (transcrição):
«1. O crime de consumo de estupefaciente está previsto no artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (considera-se a Declaração de Retificação n.º41/2009, de 22.06, ao texto republicado pela Lei n.º18/2009, de 11.05), punindo-se “Quem consumir ou, para o seu consumo, cultivar, adquirir ou detiver plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV” [n.° 1], diferenciando-se a correspondente reação penal, para uma moldura mais grave, se a respetiva quantidade desses produtos “exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 3 dias” [n.° 2].
2. É sabido que com a Lei n.° 30/2000, de 29 de Novembro, passou a consagrar-se no seu artigo 2.°, n.° 1 que “O consumo, a aquisição e a e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas referidas no artigo anterior constituem contra-ordenação”.
3. Mas logo se acrescentou no seu n.° 2: “Para efeitos da presente lei, a aquisição e a detenção para consumo próprio das substâncias referidas no número anterior não poderão exceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias”.
4. Por outro lado, o artigo 28.° da Lei n.° 30/2000 revogou, expressamente, o mencionado artigo 40.° do Decreto-Lei n.° 15/93, exceto quanto ao cultivo.
5. O n.°2 do artigo 2.°, conjugado com a norma revogatória constante do artigo 28.°, veio suscitar a questão, largamente debatida, de como punir aquele que detém, para seu consumo, uma quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante 10 dias.
6. Para solucionar o diferendo, o Supremo Tribunal de Justiça, através do seu Acórdão n.°8/2008 (publicado no DR I.ª Série, n.° 150, de 25 de Agosto), fixou a seguinte jurisprudência:
“Não obstante a derrogação operada pelo artigo 28.° da Lei n.° 30/2000, de 29 de Novembro, o artigo 40.°, n.° 2, do Decreto -Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só ‘quanto ao cultivo’ como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias”.
7. Porém, também a questão da quantificação do que seja o consumo médio individual tem suscitado controvérsia.
8. O Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, que instituiu o ainda vigente regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, estabeleceu, no seu artigo 71.°, n.° 1, al. c):
«Os Ministros da Justiça e da Saúde, ouvido o Conselho Superior de Medicina Legal, determinam, mediante portaria:
c)- Os limites quantitativos máximo do princípio ativo para cada dose média individual diária das substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV, de consumo mais frequente».
Mais se acrescentou no seu n.° 3: “O valor probatório dos exames periciais e dos limites referidos no n.° 1 é apreciado nos termos do artigo 163.° do Código de Processo Penal”.
9. Da determinação da dose média individual com referência ao princípio ativo do estupefaciente pode depender a prática de um ou outro crime de tráfico ou então de consumo de estupefacientes e agora de uma contra-ordenação.
10. A Portaria n.° 94/96, de 26 de Março, que de acordo com o seu preâmbulo, teve o propósito de viabilizar a realização da perícia médico-legal e do exame médico referidos nos artigos 52.° e 43.° do Decreto-Lei n.° 15/93, determinou no seu artigo 9.° que “Os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, de consumo mais frequente, são os referidos no mapa anexo à presente portaria, da qual faz parte integrante”.
11. Nessa tabela e no que respeita à canábis (resina) é indicado o valor de 0,5 gr, tendo subjacente a “dose média diária com base na variação do conteúdo médio do THC existente nos produtos da Canábis” e como referência “uma concentração média de 10% de A9THC”, conforme encontra-se anotado nessa tabela.
12. Por sua vez e de acordo com o artigo 10.°, n.° 1 da mesma Portaria, “Na realização do exame laboratorial referido nos n.°s 1 e 2 do artigo 62.° do Decreto-Lei n.° 15/93, ..., o perito identifica e quantifica a planta, substância ou preparação examinada, bem como o respetivo princípio ativo ou substância de referência”.
13. E esta tabela passou, igualmente, a servir para a determinação dos “limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária” no que concerne à delimitação dos tipos legais dos crimes de traficante-consumidor e de consumo (26.°, n.° 3 e 40.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 15/93).
14. Sem nos determos com maior detalhe sobre as controvérsias que se suscitaram a propósito da referida portaria e sobre a questão, não isenta de dúvidas, da quantificação das substâncias estupefacientes (veja-se, por exemplo, João Conde Correia, “Droga: exame laboratorial às substâncias apreendidas e diagnóstico da toxicodependência e das suas consequências”, Revista do CEJ, 2004, n.°1, pp.77 e segs.), certo é que parte do S.T.J. se posicionou no sentido de recusar a aplicação daquele artigo 9.° da Portaria n.° 94/96, por se entender que o mencionado artigo 71.°, n.° 1, al. a) do Decreto-Lei n.° 15/93, padecia de ilegalidade e de inconstitucionalidade orgânica (cfr. o Acórdão do S.T.J., de 26.03.1996, Revista do Ministério Público 74/167 e ss.), sem que o Tribunal Constitucional lhe tenha dado razão quando chamado a pronunciar-se sobre a questão. Segundo o Ac. n.° 534/98, de 7 de Agosto de 1998, «os limites fixados na portaria, tendo meramente um valor de meio de prova, a apreciar nos termos da prova pericial, não constituem verdadeiramente, dentro do espírito e letra do art. 71.° do Dec.-Lei n.° 15/93, uma delimitação negativa da norma penal que prevê o tipo de crime privilegiado», mas antes a «remissão para valores indicativos», suscetíveis de serem fundadamente afastados pelo tribunal.
15. Por sua vez, completando este posicionamento, a jurisprudência das Relações tem vindo a sustentar que no caso de o estupefaciente estar destinado ao consumo pessoal e não se conhecendo o grau de pureza da correspondente substância, em virtude de no respetivo exame laboratorial não constarem as suas componentes nem a percentagem do princípio ativo, estaria vedado o recurso aos valores constantes do Mapa anexo à Portaria n.° 94/96, não sendo, por isso, tais valores de aplicação automática [entre outros e a título meramente exemplificativo, os Acórdãos da Relação do Porto de 17.02.2010, processo 871/08.2PRPRT.P1 (Desembargador Rel. Vasco de Freitas) e de 18.04.2012, processo 560/10.8TABGC.P1 (Desembargador Rel. Pedro Pato), disponíveis em www.dgsi.pt].
16. Quer isto dizer que, na ausência dos adequados exames laboratoriais que determinem qual a percentagem do princípio ativo contido na substância apreendida, a jurisprudência tem afastado o recurso à tabela constante da citada Portaria, estabelecendo e definindo, em alternativa, quantidades médias para o consumo individual durante um dia que se afastam, com nitidez, dos valores da tabela, sendo-lhe muito superiores, fixando tal quantidade em 1,5 gramas para a cocaína e heroína e em cerca de 2 gramas para o haxixe (cfr. entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Janeiro de 1990, in Boletim do Ministério da Justiça, n.° 393, p. 319; de 5 de Fevereiro de 1991, in Boletim do Ministério da Justiça, n.° 404, p. 51; e de 10 de Julho de 1991, in Boletim do Ministério da Justiça, n° 409, p. 392).
17. O recurso a esses critérios jurisprudenciais, que alegadamente se baseiam nas regras da experiência comum e têm em conta o normal grau de impureza das substâncias estupefacientes quando chegam ao consumidor final, surge como alternativa a uma tabela tornada inaplicável por força da incompletude dos exames laboratoriais.
18. Ocorre que, no caso em apreço, o exame laboratorial junto aos autos identifica a substância em causa, o seu peso (líquido), e bem assim a concentração de THC.
19. Tendo os limites fixados na referida tabela um valor de meio de prova, a apreciar nos termos da prova pericial, tal significa que o juízo a fazer sobre a suficiência ou insuficiência desses limites se presume subtraído à livre convicção do julgador, devendo este fundamentar qualquer divergência desse juízo.
20. No caso em apreço, não foi identificada qualquer razão para recorrer aos referidos critérios jurisprudenciais, porquanto o exame laboratorial realizado pelo L.P.C., diversamente do que ocorre em muitos casos, indica concretamente o grau de concentração de THC, permitindo, com base nos critérios da tabela, fixar as doses diárias do quantitativo apreendido, não resultando ter sido produzida prova que contrarie, in casu, aqueles valores de referência.
21. A diferença entre os valores da tabela e os que, na falta da possibilidade da sua consideração (por insuficiência dos exames periciais), têm sido utilizados pela jurisprudência, deriva da circunstância das doses de droga de rua incluírem diversas substâncias adulterantes que servem para aumentar o seu peso e o lucro do tráfico. Aliás, se fossem consumidas doses de heroína e de cocaína, em estado puro, com os valores indicados pela referida jurisprudência, seriam, certamente, mais frequentes os casos de sobredosagem (vulgarmente “overdoses”).
22. Como se pode ler no acórdão de 6/11/2012 do Tribunal da Relação de Lisboa – proc. 5929/08TDLSB, disponível em  www.dgsi.pt:
“No que concerne aos derivados da canabis, o fenómeno da adulteração é, aparentemente, muito menos significativo, ainda que possível (Veja-se Eduardo Hidalgo, “Sabes lo que te metes? Pureza y adulteración de las drogas en España”, Edicones Amargord, 2007. Capítulo 1: pag. 25-45. Segundo este autor, os estudos realizados em Espanha pelo Instituto Nacional de Toxicologia não têm confirmado as queixas ou suspeitas de muitos consumidores de haxixe: em 2005, das 6.095 amostras analisadas, apenas 0,78% estavam adulteradas; em 2004, 0,06%; em 2003, 1,6%; em 2002, 0,6%; em 2001, 7,6%; em 2000, 3,2%; em 1999, 2%, e assim sucessivamente).
23. O Supremo Tribunal de Espanha – atente-se que em Espanha não existe uma tabela comparável à da Portaria n.º 94/96, ainda que o Supremo tenha fixado valores de consumo diário das diversas substâncias para efeito de preencher o conceito de “notória importância” do tráfico agravado (que foi jurisprudencialmente estabelecido a partir das 500 doses referidas ao consumo diário) - tem mesmo entendido que, relativamente ao derivados da canabis, não é necessário concretizar o grau de THC, ou seja, a concentração de tetrahidrocannabinol, já que se trata de um componente da própria planta e não se encontra em estado puro, variando por causas naturais, como a qualidade da planta, a zona de cultivo, a seleção das partes componentes (já que a concentração varia na mesma planta), etc.
24. Do que se infere que não se vendem no mercado derivados de canabis que possam apresentar THC em estado puro.
25. Assim se compreende o critério da tabela relativamente à canabis: não se indica apenas um limite quantitativo para a dose média individual diária, mas diz-se que os limites quantitativos apresentados, conforme se trate de folhas e sumidades floridas ou frutificadas, resina ou óleo, referem-se a concentrações médias de THC, que seguramente têm em conta dados epidemiológicos relativos às concentrações médias usuais nos diversos produtos da canabis.
26. Esclarece-se, assim, que a quantidade indicada para a canabis-resina (0,5 gramas) se refere “a uma concentração média de 10% de A9THC”.
27. E daqui decorre que se determinada resina de canabis, com o peso líquido de 5 gramas (por hipótese) tiver a concentração de 10% de tetraidrocanabinol, então corresponderá ao limite quantitativo máximo para consumo médio individual durante 10 dias (à tal razão de meia grama diária); porém, se a concentração for de 5%, a mesma quantidade de resina de canábis corresponderá ao consumo médio individual durante 5 dias (como, de outro lado, se a concentração for de 20%, corresponderá ao consumo médio individual durante 20 dias, pois que quanto maior for a concentração da substância ativa, menor será a necessidade do consumidor do referido produto, para obter o efeito desejado).”
Como já se disse, considerando os limites definidos no mapa mencionado no artigo 9.º, da Portaria nº 94/96, o limite quantitativo máximo diário para a substância em análise – canábis / resina - é de 0,5 gramas, tendo como referência uma dose média diária com base na variação de conteúdo médio do THC existente nos produtos de canábis e atendendo a uma concentração média de 10% [cfr. alínea e) da nota 3 do mapa].
28. Tendo em consideração que in casu o arguido detinha 6,376 gramas de canábis (resina), com a substância ativa presente (tetrahidrocanabinol ou A9THC) e com um grau de pureza de 15,2%, sendo a dose média individual de 0,5 gramas, para um grau de concentração média de 10%, chegamos à conclusão de que tinha consigo o correspondente a 19 doses diárias [6,376 x (15,2% / 10%) / 0,5], quantidade que corresponde ao consumo médio para mais de 10 dias.
29. Neste quadro, em que o exame pericial tem inteira aptidão para servir de base à aplicação dos valores considerados na tabela, não vislumbramos qualquer razão no alegado pelo recorrente.
30. Pelo que, é de concluir pela inexistência, in casu, do vício de erro notório na apreciação da prova invocado pelo recorrente.
31. A douta sentença recorrida não violou qualquer disposição legal, nem merece censura, devendo ser integralmente mantida.
Porém, Vossas Excelências decidirão, fazendo, como sempre, a COSTUMADA JUSTIÇA.»
6. Nesta Relação, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seu parecer, conforme consta de fls. 95, no qual sufraga a resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público na 1.ª instância e se pronuncia pela improcedência do recurso.
7. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, respondeu o arguido nos termos de fls. 97-98, reafirmando o teor da sua peça recursória.
8. Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (arts. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP), é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (arts. 403.º e 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
In casu, o recorrente aponta à decisão recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova.
Considera, ainda, que, procedendo a pretendida alteração da matéria de facto, não se verificam os elementos típicos do ilícito pelo qual vem condenado, devendo ser proferida decisão absolutória.
*
2. Da decisão recorrida
Previamente à apreciação das questões suscitadas pelo recorrente, vejamos qual a fundamentação de facto que consta da sentença recorrida.
«A) Resultaram provados os seguintes factos da acusação:
1. No dia 03 de março de 2017, pelas 12H25m, em Rua Sofia Mello Breyner, Vila Chã, Santo António da Charneca, o arguido trazia consigo um pedaço de cannabis resina, com o peso líquido de 6,376 gramas, com 15,2% de grau de pureza, suficiente para o arguido fumar número de vezes não inferior a 19.
2. O arguido detinha e guardava tal substância para o seu próprio consumo.
3. O arguido consumia à data entre uma a duas doses no período compreendido entre a sexta-feira à noite e o Domingo.
4. O arguido tinha perfeito conhecimento das características estupefacientes do produto, sabendo igualmente que não o podia deter, por exceder a quantidade necessária ao consumo médio individual para o período de 10 dias, e por a tal não estar autorizado
5. Agiu livre, voluntária e conscientemente, conhecendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
6. Ainda assim, podendo determinar-se em sentido contrário, não se absteve de a praticar.
7. O arguido foi condenado por decisão proferida em 24 de maio de 2017, transitada em julgado no dia 23 de junho de 2017 pela prática em 04 de agosto de 2015 de um crime de roubo na pena de 1 ano de prisão, substituída por trabalho a favor da comunidade.
Mais se provou:
8. O arguido ainda é consumidor de cannabis estando a tentar reduzir o consumo, não tendo até à data solicitado apoio especializado para o efeito.
9. O arguido reside com a mãe que o sustenta.
10. O arguido não tem rendimentos.
B) Factos não provados:
·Inexistem.
C) Convicção do Tribunal
O tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente nas declarações do arguido, credíveis na globalidade e integralmente confessórias em conjugação do exame laboratorial do estupefaciente junto aos autos a fls. 34. O arguido afirmou que a quantidade estupefaciente dava-lhe para consumir “para aí umas 14 vezes” O exame laboratorial menciona 19 doses, numero próximo do avançado pelo arguido, e mais preciso porque baseado em exame laboratorial. Assim, não obstante ter ficado convicto que o arguido não faltou deliberadamente à verdade, o tribunal convenceu-se pelo número de doses constante a fls. 34.
Os antecedentes criminais resultaram provados do certificado de registo criminal junto aos autos.
No mais o tribunal baseou.se nas declarações credíveis do arguido.»
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3. Da análise dos fundamentos do recurso
Como é sabido, e resulta do disposto nos arts. 368.º e 369.º, ex vi art. 424.º, n.º 2, todos do CPP, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem o objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão.
Seguidamente das que a este respeitem, começando pelas atinentes à matéria de facto e, dentro destas, pela impugnação alargada, se tiver sido suscitada e, depois dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP.
Por fim, das questões relativas à matéria de direito.
Será, pois, de acordo com estas regras de precedência lógica que serão apreciadas as questões suscitadas.
*
Conforme acima se referiu, o recorrente assaca à sentença recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.
Sustenta, em síntese, que tal vício ocorre relativamente aos pontos 1 e 4 da matéria de facto dada como assente, porquanto «o exame laboratorial constante de fls. 34 lavra em erro manifesto na contabilização das doses em relação ao produto apreendido», que a quantidade do princípio activo da substância apreendida não ultrapassa a necessária ao consumo médio individual durante o período de dez dias e que, por isso, deverá ser dado como não provado que «o produto estupefaciente fosse suficiente para o arguido fumar um numero de vezes não inferior a 19 e que este tinha perfeito conhecimento das características do produto, sabendo igualmente que não podia deter, por exceder a quantidade necessária ao consumo médio individual para um período de 10 dias, e por a tal não estar autorizado».
E conclui que, alterada a matéria de facto de acordo com essa sua pretensão, se mostra afastado o preenchimento dos elementos típicos do crime pelo qual vem condenado, devendo ser do mesmo absolvido.
Ora, no que respeita à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, cumpre, antes de mais, referir:
Em sede de recurso para o Tribunal da Relação, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: quer por arguição dos vícios a que faz referência o art. 410.º, n.º 2, do CPP (a chamada revista alargada), quer pela impugnação ampla da matéria de facto, a que alude o art. 412.º, n.ºs 3, 4 e 6 do mesmo diploma.
No primeiro caso, os mencionados vícios decisórios têm de resultar do texto da decisão recorrida, encarado por si só ou conjugado com as regras gerais da experiência comum – sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo – visto tratar-se de vícios inerentes à decisão, à sua estrutura interna, e não de erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida[2].
No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise da prova registada e produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP.
In casu, o recorrente reporta-se expressamente à ocorrência do vício de erro notório na apreciação da prova, da previsão da al. c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP.
Vejamos se lhe assiste razão.
Como é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça[3], o erro notório na apreciação da prova, como os demais vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, deve resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência, e tem de ser de tal modo evidente que uma pessoa de mediana compreensão o possa descortinar[4].
E existe quando se dão por provados factos que, face às regras de experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos. Trata-se de um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial.
O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis[5].
«Tem que ser um erro patente, evidente, perceptível por um qualquer cidadão médio e não configura um erro claro e patente o entendimento que possa traduzir-se numa leitura possível, aceitável, razoável, da prova produzida», lê-se no Ac. do STJ de 24-01-2008, Proc. n.º 4085/06 - 5.ª[6].
Por outro lado, o erro notório na apreciação da prova não pode ser confundido com a insuficiência de prova para a decisão proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente e aquela que o tribunal firmou sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova – art. 127.º do CPP.
Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é essa convicção formada pelo Tribunal, sendo irrelevante, na ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, a convicção alcançada pelo recorrente sobre os factos[7].
Para avaliar se a convicção formada pelo tribunal padece de algum desses vícios há, que apreciar, por um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção) e, por outro, a natureza das provas produzidas e os processos intelectuais que o conduziram a determinadas conclusões.
No que respeita a este último aspecto, relevam, para além dos meios de prova directos, como sejam os documentos, depoimentos, exames periciais, etc., os procedimentos lógicos de prova indirecta: as presunções.
«A compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, quando respeite a factos que só podem ter sido deduzidos ou adquiridos segundo as regras próprias das presunções naturais, constitui um elemento relevante para o exercício da competência de verificação da (in)existência dos vícios do artigo 410º, nº 2, do CPP, especialmente do erro notório na apreciação da prova, referido na alínea c).»[8]
Impõem-se ainda algumas considerações no que respeita ao princípio da livre apreciação da prova.
«A liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a verdade material – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e controlo. (…) A livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. (…) Se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto, capaz de impor-se aos outros»[9].
«Como ensina Figueiredo Dias (in Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss.) na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:
- a recolha de elementos – dados objectivos – sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;
- sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal – que é livre, art.º 127.º do Código de Processo Penal – mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material;
- a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana;
- assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis – como a intuição.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência a percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade) a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.
A Constituição da República Portuguesa impõe a publicidade da audiência (art.º 206.º) e, consequentemente, o Código Processo Penal pune com a nulidade a falta de publicidade (art.º 321.º); publicidade essa que se estende a todo o processo – a partir da decisão instrutória ou quando a instrução já não possa ser requerida (art.º 86.º), querendo-se que o público assista (art.º 86.º/a); que a comunicação social intervenha com a narração ou reprodução dos actos (art.º 86.º/b)); que se consulte os autos, se obtenha cópias, extractos e certidões (art.º 86.º/c)). Há um controlo comunitário, quer da comunidade jurídica quer da social, para que se dissipem dúvidas quanto à independência e imparcialidade.
A oralidade da audiência, que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal (art.º 96.º do Código de Processo Penal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções, da voz, p. ex..
A imediação vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção à utilização à valoração e credibilidade da prova.
A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão.»[10]
Por outro lado, é um dado assente que a gravação dos depoimentos prestados oralmente em audiência permite o controlo e a fiscalização, pelo tribunal superior, da conformidade da decisão com as afirmações produzidas em audiência, mas não substitui a plenitude da comunicação que se estabelece na audiência pública com a discussão dos outros meios de prova, a oralidade e a imediação, no confronto dialéctico dos depoentes por parte dos vários sujeitos processuais, no exercício permanente do contraditório[11].
Daí que os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, perante duas versões dos factos, só podem afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1.ª instância naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja, quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art. 374.º, n.º 2 do CPP[12].
Exigindo-se a convicção do julgador sobre a prática dos factos da acusação para além da dúvida razoável e radicando o princípio in dubio pro reo na mesma dúvida razoável, este situa-se no âmago da livre apreciação da prova, constituindo como que o “fio da navalha” onde se move a missão de julgar. Convicção “para lá da dúvida razoável” e “dúvida razoável” legitimadora do princípio in dubio pro reo limitam-se e completam-se reciprocamente, obedecendo aos mesmos critérios de legalidade da produção e da valoração da prova de apreciação vinculada e da livre apreciação dos restantes em conformidade com o critério do art. 127.º do CPP, sujeitos ambos à mesma exigência de legalidade da prova e da sua apreciação motivada e crítica, da objectividade, racionalidade e razoabilidade dessa apreciação.
No mesmo sentido podem ver-se diversos autores, designadamente Rodrigues Bastos[13], que refere que ao juiz «…não é permitido julgar só pela impressão que as provas oferecidas pelos litigantes produziram no seu espírito, mas antes se lhe exige que julgue conforme a convicção que aquela prova determinou e cujo carácter racional se expressará na correspondente motivação», Cavaleiro de Ferreira[14], que escreve que «o julgador é livre ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no direito probatório», e ainda Germano Marques da Silva[15]: «O juízo sobre a valoração da prova faz-se em diversos níveis. Num primeiro dependente da imediação, nele intervindo elementos não racionalmente explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo intervindo as declarações e induções que realiza o julgador a partir de factos probatórios, que hão-de basear-se nas regras da lógica, princípios de experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão “regras da experiência”».
De entre abundante jurisprudência quanto a tal matéria, quer das Relações quer do Supremo Tribunal de Justiça, cita-se apenas, pela sua particular clareza, o proferido por este último Tribunal em 23-04-2009, no âmbito do Proc. n.º 114/09 - 5.ª[16]: «(…) a avaliação da decisão é a resposta, enquanto remédio jurídico, para incorrecções e ilegalidades concretamente assinaladas. Não um novo apuramento global do acontecido, ou a reapreciação do objecto do processo, porque a garantia do duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, antes visando, apenas, a detecção e correcção de pontuais, concretos, e em regra excepcionais, erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da dita matéria de facto.
Quanto ao julgamento de facto pela Relação, uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova, e outra é detectar-se no processo de formação da convicção desse julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório.
Ora, ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no art. 127.º do CPP, ou seja, assenta (fora das excepções relativas a prova legal que não interessam ao caso), na livre convicção do julgador e nas regras da experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá, e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar, naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir.
Serve para dizer, que o trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramento dos factos realizado em 1.ª instância, se traduz fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado.»
Importará, ainda, sublinhar que o Tribunal a quo, ao apreciar a prova (o que tem de fazer de uma forma lógica e racional, sempre segundo as regras da experiência comum), deve fazer uma análise dos elementos disponíveis, de forma conjugada e crítica, nada impedindo que, nessa conjugação, atribua crédito a parte de determinado depoimento mas já não estribe a sua convicção noutra parte do mesmo.
Por outro lado, também nada obsta a que a convicção do Tribunal se funde num único depoimento, desde que o mesmo ofereça credibilidade bastante.
Nas sábias palavras de Bacon: «os testemunhos não se contam, pesam-se»[17], não vigorando no nosso ordenamento jurídico o princípio testis unus, testis nullus.
E – apesar de não ser esse o caso – não é decisivo para se poder concluir pela realidade dos factos descritos na acusação que haja provas directas do seu cometimento pelo arguido, designadamente que alguém tenha vindo relatar em audiência que o viu a praticá-los ou que o próprio arguido os assuma expressamente.
Condição necessária, mas também suficiente, é que os factos demonstrados pelas provas produzidas, na sua globalidade, inculquem a certeza relativa, dentro do que é lógico e normal, de que os factos se passaram da forma ali narrada.
Analisada a sentença recorrida, quanto aos factos provados (inexistindo factos não provados) e sua motivação, verifica-se que o Tribunal formou a sua convicção na apreciação conjugada e crítica dos elementos documentais juntos aos autos (concretamente do relatório de exame pericial de fls. 34 e do CRC junto aos autos) e das declarações do arguido, ora recorrente, explicando em que medida foram ou não valorados e por que motivos lhe mereceram, ou não, credibilidade.
Da leitura dessa decisão, concretamente da fundamentação da convicção formada (já acima transcrita), constata-se ter sido seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova, não surgindo a decisão como uma conclusão incongruente, arbitrária ou violadora das regras da experiência comum na apreciação das provas disponíveis, tendo a convicção expressa pelo tribunal suporte razoável nas mesmas.
A fundamentação da decisão recorrida, no exame crítico da prova, explica detalhada e exaustivamente os motivos pelos quais os elementos de prova foram valorados no sentido em que o foram, sendo perfeitamente inteligível o itinerário cognoscitivo que conduziu o tribunal, que beneficiou da oralidade e da imediação, à convicção alcançada, com suporte na regra estabelecida no art. 127.º do CPP, não se mostrando violada qualquer norma legal ou regra da experiência na apreciação da matéria de facto.
Em suma, não resulta do texto da decisão recorrida que o Tribunal tenha efectuado uma apreciação e interpretação dos meios de prova que possa ser tida como ilógica ou arbitrária, à margem da exigível análise racional, das regras da experiência ou do valor probatório dos documentos ou da prova pericial.
Na verdade, o erro que o recorrente invoca reporta-se ao próprio exame pericial constante dos autos, que o Tribunal acolheu como meio de prova e que, na perspectiva daquele, estará inquinado por um erro de cálculo derivado de uma incorrecta interpretação da Portaria 94/96, de 26-03, pelo que não devia ter sido aceite como válido.
A análise pretendida extravasa, pois, o texto da decisão.
Neste pressuposto, e deixando de lado a controvérsia gerada pela publicação da Lei n.º 30/2000, de 29-11[18], que não é convocada pelo objecto do presente recurso, diremos que incorre no crime previsto no art. 40.º, n.º 2 do DL n.º 15/93, de 22-01 quem, nomeadamente, detiver para seu consumo plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV anexas a tal diploma em quantidade que exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, cometendo a contra-ordenação prevista no artigo 2.º da Lei n.º 30/2000, de 29-11, se a quantidade detida for inferior.
Como se explica no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 25-10-2017, proferido no Proc. n.º 180/16.3PJOER.L1-3[19], «O Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que instituiu o ainda vigente regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, estabeleceu, no seu artigo 71.º, n.º 1, al. c) que “Os Ministros da Justiça e da Saúde, ouvido o Conselho Superior de Medicina Legal, determinam, mediante portaria: (…) c) Os limites quantitativos máximos do princípio activo para cada dose média individual diária das substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV, de consumo mais frequente».
A Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, que de acordo com o seu preâmbulo, teve o propósito de viabilizar a realização da perícia médico-legal e do exame médico referidos nos artigos 52.º e 43.º do Decreto-Lei n.º 15/93, determinou no seu artigo 9.º que “Os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, de consumo mais frequente, são os referidos no mapa anexo à presente portaria, da qual faz parte integrante”.
Como tem sido sublinhado, a cannabis apresenta-se sob uma forma natural e a presença do tetrahidrocannabinol, ou seja, do componente responsável pelos efeitos psicotrópicos do produto e que determina a potência do estupefaciente, difere significativamente consoante diversos factores próprios da planta, como sejam a zona de cultivo ou a selecção das partes a utilizar.
Assim, segundo o Relatório Anual da Situação do País em Matéria de Drogas e de Toxicodependência do SICAD referente ao ano de 2015, a percentagem média do THC encontrado nas amostras de haxixe foi de 18% em 2014 e de 14% em 2015 e da cannabis herbácea foi de 7,8 % em 2014 e de 8,3 % em 2015 (acessível em http://www.sicad.pt/PT/Publicacoes/Paginas/detalhe.aspx?itemId=114&lista=SICAD_PUBLICACOES&bkUrl=BK/Publicacoes/.
Compreende-se por isso que a tabela relativamente à cannabis não indique apenas limites quantitativos para a dose média individual diária e afirme que esses mesmos limites dependem de concentrações médias de THC.
Dos elementos constantes do mapa ou tabela anexa à Portaria n.º 94/96, de 26 de Março decorre em primeiro lugar que se determina uma quantidade de “substância” ou seja de cannabis e não um peso do princípio activo e, em segundo, que a quantidade indicada para a cannabis-resina (0,5 grama) se refere “a uma concentração média de 10% de A9THC” e não a um estado de pureza absoluta da substância ou uma concentração de 100% (neste sentido, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-11-2012, Jorge Gonçalves, proc.5929/09.8TDLSB.L1-5 e de 26-09-2017, Artur Vargues, proc. 36/13.1GBALQ.L1-5 e do Tribunal da Relação do Porto de 02-10-2013, Vaz Pato, proc. 02465/11.6TAMTS.P1).
Os valores em causa deverão ser adaptados tendo em conta o concreto grau de pureza inferior ou superior ao previsto na mencionada tabela. Uma concentração média superior de Tetraidrocanabinol justifica que proporcionalmente se reduza a quantidade de cannabis necessária à imputação da conduta como crime, do mesmo modo que uma concentração inferior daquele princípio activo justificará o inverso.»[20]
No caso dos autos, em estrita obediência ao que preceitua o art. 10.º, n.º 1, da mencionada Portaria[21], o relatório de exame pericial indica, para além do mais, o grau de pureza da substância analisada (ou percentagem de princípio activo nela presente), arredando a necessidade de recorrer a critérios jurisprudenciais para suprir a falta de tal elemento.
Assim, satisfazendo o exame laboratorial as exigências da mencionada Portaria e não existindo nos autos qualquer elemento de prova sobre o consumo individual diário susceptível de fundamentar uma divergência relativamente ao valor indicado no relatório de exame pericial efectuado pelo LPC da PJ[22], deve ser tido em conta o que dele resulta, sendo que, ao contrário do que sustenta o recorrente, o mesmo não se mostra inquinado por qualquer erro de cálculo.
Na verdade, ponderando que o arguido detinha 6,376 g de canabis (resina), com a substância activa presente (tetrahidrocanabinol ou A9THC) e um grau de pureza de 15,2%, sendo a dose média individual de 0,5 g, para um grau de concentração média de 10%, chegamos à conclusão de que tinha consigo o correspondente a 19 doses diárias: 6,376 x (15,2% / 10%) / 0,5.
Em consequência, ao ter em conta o resultado do exame pericial o Tribunal recorrido não incorreu em qualquer erro na apreciação da prova, seja ele notório ou de julgamento, nem acolheu uma errada interpretação do preceituado na Portaria 94/96, de 26-03.
Não vislumbramos no texto decisório qualquer dos vícios a que alude o n.º 2 do art. 410.º do CPP, pois que a decisão se mostra coerente, harmónica, destituída de antagonismos factuais, de factos contrários às regras da experiência comum ou de erro patente para qualquer cidadão, nela inexistindo também qualquer inconciliabilidade na fundamentação ou entre esta e a decisão, sendo, por outro lado, a fundamentação de facto suficiente para fundar uma segura decisão de direito.
A matéria de facto terá de considerar-se, pois, definitivamente fixada nos termos em que o foi pelo Tribunal recorrido, improcedendo este segmento do recurso.
*
Não tendo a pretensão do recorrente de ver substancialmente alterada a matéria de facto merecido acolhimento por parte deste Tribunal, a apreciação da correcção da qualificação jurídica terá de fazer-se à luz da factualidade fixada pelo Tribunal a quo.
Perante esta, e tendo presentes os elementos típicos do ilícito pelo qual o recorrente foi condenado, que vêm detalhadamente analisados na decisão recorrida em termos que merecem a nossa concordância e que, por isso, nos dispensamos de aqui repetir, não oferece quaisquer dúvidas o preenchimento destes.
Todos os elementos típicos do crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art. 40.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 15/93, de 22-01, com referência à Tabela I-C anexa, se mostram plasmados na matéria de facto dada como provada, não se verificando qualquer causa de justificação da ilicitude da conduta do ora recorrente, nem de exclusão da sua culpa.
Não ocorre, por isso, qualquer fundamento para a pretendida absolvição da prática desse ilícito e não merece reparo a qualificação jurídico-penal operada na sentença condenatória, nem a escolha ou a medida concreta da pena pecuniária aplicada ou o seu valor diário, que também não vêm questionados.
Perante tudo o que se deixa exposto, é de julgar o recurso totalmente improcedente
*
III. Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes da 9.ª Secção Criminal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, AA, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs (arts. 513.º, n.ºs 1 e 3, e 514.º, n.º 1, ambos do CPP, 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a ele anexa).
Notifique.
*
(Certifica-se, para os efeitos do disposto no art. 94.º, n.º 2, do CPP, que o presente acórdão foi elaborado e revisto pela relatora, a primeira signatária)
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Lisboa, 13.02.2020
Cristina Branco
Filipa Costa Lourenço
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[1] Aqui se tendo em conta a rectificação de lapso de escrita da sentença operada por despacho de fls.65-66.
[2] «O erro de julgamento existe quando o tribunal dá como provado certo facto relativamente ao qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ser considerado não provado, ou então o inverso, e tem que ver com a apreciação da prova produzida em audiência em conexão com o princípio da livre apreciação da prova constante do art. 127.º do CPP», lê-se no Acórdão do STJ de 12-03-2009, Proc. n.º 3781/08 - 3.ª, in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos).
[3] Cf., designadamente, Acs. do STJ de 15-02-2007, Proc. n.º 3174/06 - 5.ª, de 14-03-2007, Proc. n.º 617/07 - 3.ª, de 23-05-2007, Proc. n.º 1405/07 - 3.ª, de 11-07-2007, Proc. n.º 1416/07 - 3.ª, e de 27-07-2007, Proc. n.º 2057/07 - 3.ª, in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos).
[4] Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2.ª Ed., pág. 341, precisa que o requisito da notoriedade se afere «pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente.» No mesmo sentido se pronuncia o Senhor Conselheiro Pereira Madeira, em anotação ao Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pág. 1359: «Estão incluídas, evidentemente, as hipóteses de erro evidente, escancarado, de que qualquer homem médio se dá conta. Porém, a ser assim, com um alcance tão restrito, o preceito acabaria por perder grande parte do seu interesse prático, acabando afinal por deixar encobertas, situações de erro clamoroso, ainda que porventura não acessíveis ao cidadão comum. Impor-se-á, assim, uma leitura algo mais abrangente que não acoberte situações de julgamento erróneo não inteiramente escancaradas à observação do homem comum, todavia, que numa visão consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista, e, naturalmente ao tribunal de recurso, assegurar, sem margem para dúvidas, que a prova foi erroneamente aplicada. Certo que o erro tem que ser «notório». Mas basta para assegurar essa notoriedade que ela ressalte do texto da decisão recorrida, ainda que, para tanto tenha que ser devidamente escrutinada – ainda que para além das percepções do homem comum – e sopesado à luz das regras da experiência. (…)»
[5] Cf. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 6.ª edição, págs. 67 e ss.
[6] In www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos).
[7] «A divergência do recorrente quanto à avaliação e valoração das provas feitas pelo tribunal é irrelevante, de acordo com jurisprudência há muito firmada – cf. Acs. do STJ de 19-09-1990, BMJ 399.º/260; de 21-06-1995, BMJ 448.º/278 (a versão do recorrente sobre a valoração da prova não integra o vício do erro notório); de 01-10-1997, Proc. n.º 876/97 - 3.ª; de 08-10-1997, Proc. n.º 874/97 - 3.ª; de 06-11-1997, Procs. n.ºs 666/97 e 122/97, de 18-12-1997, Procs. n.ºs 47325 e 930/97, Sumários de acórdãos do STJ, Vol. II, págs. 156, 158, 216 e 220; de 24-03-1999, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 247; de 19-01-2000, Proc. n.º 871/99 - 3.ª; e de 06-12-2000, Proc. n.º 733/00. Ou, como se dizia no Ac. de 18-12-1997, Proc. n.º 701/97, Sumários, ibidem, pág. 220, a convicção do tribunal não pode ser tida por errada apenas porque as partes, eventualmente, valoram a prova de modo diverso.» - cf. Ac. do STJ de 04-12-2008, Proc. n.º 2507/08 - 3.ª, ibidem.
[8] Cf. Acs. do STJ de 17-03-2004, Proc. n.º 2612/03 - 3.ª, e de 23-02-2011, Proc. n.º 241/08.2GAMTR.P1.S2 -3.ª, ambos in www.dgsi.pt.
[9] Cf. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, vol. I, pág. 202.
[10] Cf. Ac. do TC n.º 198/2004, de 24-03-2004, in www.tribunalconstitucional.pt.
[11] Cf. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, págs. 233-234.
[12] Cf. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. II, págs. 126-127, que, por sua vez, cita o Prof. Figueiredo Dias.
[13] In Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 221.
[14] In Curso de Processo Penal, vol. I, Reimpressão da Universidade Católica.
[15] In Curso de Processo Penal, vol. II, Verbo, págs. 126-127.
[16] In www.dgsi.pt.
[17] Psicologia do Testemunho, in Scientia Iuridica, pág. 337.
[18] Concretamente sobre a questão de saber como punir a detenção, para consumo próprio, de uma quantidade de estupefaciente superior à necessária para o consumo médio individual durante dez dias, sobre a qual veio o STJ, através do Acórdão n.º 8/2008, a fixar jurisprudência no sentido de que «Não obstante a derrogação operada pelo artigo 28º da Lei nº 30/2000, de 29-11, o artigo 40º, nº 2, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só “quanto ao cultivo” como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.»
[19] In www.dgsi.pt.
[20] Cf. ainda, no mesmo sentido, os acórdãos deste Tribunal da Relação de Lisboa de 20-11-2018, Proc. n.º 115/17.6JELSB.L1-5, e de 28-05-2019, Proc. n.º 150/15.9PJCSC.L1-5, ambos in www.dgsi.pt.
[21] Segundo o qual «Na realização do exame laboratorial referido nos n.ºs 1 e 2 do artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, o perito identifica e quantifica a planta, substância ou preparação examinada, bem como o respectivo princípio activo ou substância de referência.»
[22] Apesar de o arguido ter afirmado que o produto apreendido daria para consumir «umas catorze vezes», inexiste qualquer outra prova pericial toxicológica ou médico-legal que permita estabelecer essa como a medida do seu vício, sendo certo que, ciente do teor da prova pericial indicada no libelo acusatório, não o impugnou nos termos do art. 163.º do CPP.