Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2747/14.5T8ALM-H.L1-6
Relator: ANTONIO SANTOS
Descritores: INVENTÁRIO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
INCIDENTES DA INSTÂNCIA
RECURSO
INUTILIDADE ABSOLUTA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Quer actualmente, quer aquando do pretérito CPC, e em sede de regime de recursos, a regra é a de que as decisões interlocutórias proferidas em sede de processo de inventário só podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final de partilha, nos termos do nº3, do artº 644º, do CPC ;
II - Do mesmo modo, não cabe igualmente da decisão apelada [ que indeferiu o  requerimento do apelante no sentido de ser um  Herdeiro notificado para vir aos presentes autos indicar onde se encontram determinados Bens Móveis que se mostram relacionados ] recurso autónomo nos termos da alínea h) do n.º 2, do artigo 644.º, por não configurar decisão cuja impugnação apenas com a decisão final venha a revelar-se  absolutamente inútil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA
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1. - Relatório.    
Nos autos de processo de inventário que corre termos – desde 13/6/2000 e com vista à partilha de bens dos inventariados A e B -  no Tribunal da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Almada, intentado por C FRANCISCO …, e sendo interessados D ÀLVARO …, E CARLOS …, F MARIA … e G  MARIA da CONCEIÇÃO …, veio o requerente e Cabeça-de-Casal C  FRANCISCO … atravessar nos autos em 30/1/2018  requerimento no âmbito do qual solicita que :
“(…)
em face das verificadas inexistências dos Bens Móveis relacionados nas verbas 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 22, 23 e 25 da supra referida Relação de Bens condensada pelo Cabeça­-de-Casal no seu requerimento de 30/9/2017, bem como da verificada inexistência de alguns dos Bens Móveis relacionados na verba nº 24 da mesma Relação de Bens, requer-se a V.ª Ex.ª que seja o Herdeiro D notificado para vir aos presentes autos indicar onde se encontram os Bens Móveis cuja inexistência foi reportada supra, sob pena de ter de responder pela falta dos mesmos, até mesmo porque o próprio admitiu por requerimento entregue via CITIUS, em 15/12/2017, que os Bens Móveis da Herança se encontravam naquela que foi a casa de morada de família, o que na verdade não se verificou.”
1.1. – A justificar o requerimento e pretensão aludida em 1,  invoca o requerente C  , em síntese, o seguinte:
“(…)
- A Relação de bens do Acervo Hereditário dos inventatiados (…) ficou consolidada através do Douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, no dia 27 de Outubro de 2016, no qual foi admtido e ordenado o relacionamento e inclusão de vários Bens na Relação de Bens decidida na douta Sentença proferida em 1ª instância, no dia 22 de Julho de 2014;
- No que se refere aos Bens Móveis da Herança, importa referir desde já que, conforme consta de fls. Destes autos, o Herdeiro D , por Requerimento que submeteu no dia 15/12/2017, informou esse Tribunal que " os bens móveis da herança se encontram naquela que foi a casa de morada de família, e portanto estão disponíveis para o cabeça-de-casal tomar a respectiva posse ;
- Ocorre que, pretendendo conferir os Bens Móveis da Herança, concretamente os relacionados nas verbas nºs 9 a nº  25 da supra referida Relacão de Bens, e tendo-se dirigido à casa de morada de família, veio a constatar que na mesma não se encontravam diversos bens móveis relacionados, designadamente os descritos nas verbas nºs 9,10,11,12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 22, 23 e 25, e alguns dos relacionados na verba nº 24 ;
-  Porque em face da conferência que realizou a 11/1/2017, não logrou  “encontrar”  os supra referidos bens móveis , os quais se mostram relacionados, impetra portanto que o anterior Cabeça-de-casal D, removido do cargo por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27/10/2016, seja notificado para os apresentar e entregar ao requerente e actual Cabeça-de-Casal .
1.2.- Pronunciando-se sobre o requerimento identificado em 1 e 1.1., atravessado nos autos pelo Cabeça-de-Casal C , proferiu o Exmº Juiz titular dos autos e em 25/9/2018 a seguinte decisão :
“(…)
Em 31/1/2018, o cabeça de casal requereu que em face das verificadas inexistências dos Bens Móveis relacionados nas verbas 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 22, 23 e 25 da supra referida Relação de Bens condensada pelo Cabeça-de- Casal no seu Requerimento de 30/09/2017, bem como da verificada inexistência de alguns dos Bens Móveis relacionados na verba n.° 24 da mesma Relação de Bens, requer-se a Vª Ex.a que seja o Herdeiro D notificado para vir aos presentes autos indicar onde se encontram os Bens Móveis cuja inexistência foi reportada supra, sob pena de ter de responder pela falta dos mesmos, até mesmo porque o próprio admitiu por Requerimento entregue via CITIUS, em 15/12/2017, que os Bens Móveis da Herança se encontravam naquela que foi a casa de morada de família, o que na verdade não se verificou.
Dispõe o art. 1349° n° 4 do CPC ( na versão aplicável ) que a existência de sonegação de bens, nos termos da lei civil, é apreciada conjuntamente com a acusação da falta de bens relacionados, aplicando-se, quando provada, a sanção civil que se mostre adequada, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1336. °.
Nos presentes autos, tendo já sido decidida, em definitivo, a reclamação apresentada quanto à relação de bens, não é já o momento processual oportuno para, tal como pretende o actual cabeça de casal, discutir a existência/ocultação de bens.
Pelo exposto, indefiro o requerimento do cabeça de casal.
1.3. - Inconformado com a decisão indicada em 1.2, veio de seguida o interessado e Cabeça-de-Casal C, da mesma apelar [ com fundamento no disposto nos artºs 638º, 639º, alínea h), do nº2, do 644º, 645, 646º, e 647º, todos do CPC ], aduzindo então as seguintes conclusões :
A - Vem o presente recurso interposto do Douto Despacho, proferido no dia 25 de Setembro de 2018, o qual indeferiu o requerido a 30 de Janeiro de 2018 pelo CC, no qual pediu que "em face das verificadas inexistências dos Bens Móveis relacionados nas verbas 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 22, 23 e 25 da supra referida Relação de Bens condensada pelo Cabeça-de-Casal no seu Requerimento de 30/09/2017, bem como da verificada inexistência de alguns dos Bens Móveis relacionados na verba n.º 24 da mesma Relação de Bens, requer-se a V." Ex." que seja o Herdeiro D notificado para vir aos presentes autos indicar onde se encontram os Bens Móveis cuja inexistência foi reportada supra, sob pena de ter de responder pela falta dos mesmos, até mesmo porque o próprio admitiu por Requerimento entregue via CITIUS, em 15/12/2017, que os Bens Móveis da Herança se encontravam naquela que foi a casa de morada de família, o que na verdade não se verificou."
B - O Recorrente não se conforma com o Douto Despacho sob recurso, concretamente, por ter sido decidido na sua I a parte que "Nos presentes autos, tendo já sido decidida, em definitivo, a reclamação apresentada quanto à relação de bens, não é já o momento processual oportuno para, tal como pretende o actual cabeça de casal, discutir a existência/ocultação de bens."
C - Sem prescindir quanto ao alegado supra e dando-se essas mesmas alegações aqui como reproduzidas, diga-se que o Recorrente, no seu Requerimento submetido a 30/01/2018, ao longo dos 11 primeiros artigos do mesmo, fundamentou o melhor possível o encadeamento lógico dos factos ocorridos e que o levaram a requerer a entrega dos Bens Móveis que não se encontravam, no dia 11/01/2018, na casa de morada de família dos seus falecidos Pais,
D - Nomeadamente, o Recorrente fez referência ao Douto Acórdão desse Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, proferido a 27/10/2016, em consequência do recurso interposto sob a Douta Sentença proferida, a 22/07/2014, pelo Tribunal "a quo", Acórdão esse que consolidou os Bens que integram a Relação de Bens destes autos,
E - O Requerente, em obediência ao Princípio da Colaboração, por Requerimento submetido a 30/09/2018, condensou todos os Bens que foram reconhecidos pelo referido Acórdão da Relação, como fazendo parte da Relação de Bens deste Inventário.
F - O Herdeiro D, por Requerimento que submeteu no dia 15/12/2017 aos presentes autos, informou o Tribunal "a quo" que "... os bens móveis da herança se encontram naquela que foi a casa de morada de família, e portanto estão disponíveis para o cabeça de casal tomar a respectiva posse..."
G - O Recorrente, no dia 07/01/2018, submeteu um Requerimento informando os presentes autos e notificando o Herdeiro e anterior Cabeça-de-Casal, D, para estar presente na casa de morada de família dos seus Pais, no dia 11/01/2018, afim de conferir os Bens Móveis que lá se encontrassem com a Relação de Bens Consolidada, não tendo o mesmo vindo a comparecer.
H- Como decorre do conteúdo do Termo lavrado no dia 11/01/2018, nestes autos de Inventário, o Recorrente levantou todos os documentos e chaves que haviam sido deixados no Tribunal "a quo" e, de imediato, dirigiu-se àquela que foi a casa de morada de família dos Pais, onde verificou, após conferência dos Bens lá existentes com a Relação dc Bens definitiva que não existia um grande número desses mesmos Bens Móveis, tendo essa verificação sido acompanhada pelas pessoas referidas supra.
 I - Refira-se ainda que o Recorrente, no seu Requerimento de dia 30/01/2018, face à verificada inexistência de um conjunto alargado dos Bens Móveis consolidados no referido Acórdão da Relação de Lisboa, plasmou uma lista dos Bens Móveis que não estavam na casa de família dos falecidos Pais.
J - O Recorrente no seu Requerimento de 30/01/2018, não teve qualquer pretensão de apresentar uma Reclamação à Relação de Bens, bem sabendo o mesmo que essa fase processual da Reclamação à Relação de Bens já havia terminado, concretamente, aquando de ter sido proferido o Douto Acórdão desse Venerando Tribunal da Relação de Lisboa no dia 27/10/2017 e de o mesmo ter já transitado em julgado, pelo que, era manifestamente evidente que o pretendido nesse Requerimento era tão só que o Herdeiro e anterior Cabeça-de-Casal, Eng. D, fosse notificado para entregar os Bens definitivamente relacionados e reconhecidos judicialmente, mas que não estavam naquela que fora a casa de morada de família dos falecidos Pais.
K - Em consequência da Decisão Judicial que impôs a Remoção do Herdeiro D do Cabeçalato nestes autos, bem como do Douto Despacho proferido no dia 24/10/2017, que nomeou o Recorrente para o cargo de CC vago pela referida Remoção, impunha-se que o CC Removido entregasse todos os Bens da Relação de Bens ao CC nomeado, mas como ao actual CC não foram entregues todos esses Bens, requereu assim junto do Tribunal "a quo" que fosse o anterior CC notificado para que lhe fossem entregues os bens em falta, através do já referido Requerimento de dia 30/01/2018.
L - No entanto, no Douto Despacho sob recurso foi proferida Decisão que, salvo o devido respeito que é muito, teve por base e por análise uma errada percepção do Litígio em causa.
M - O artigo 2088° do Código Civil prevê, para os casos cm que é necessário impor que o CC Removido entregue os Bens da Herança ao CC nomeado que:
"1. O cabeça-de-casal pode pedir aos herdeiros ou a terceiro a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder, e usar contra eles de acções possessórias a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas à sua gestão ou a ela restituído. 2. O exercício das acções possessórias cabe igualmente aos herdeiros ou a terceiro contra o cabeça-de-casal."
 N - É certo que, com o Requerimento de 30/01/2018, o ora Recorrente pretendia, ainda sem lançar mão de acções possessórias, que os Bens elencados como não encontrados na referida casa dos Pais, lhe viessem a ser entregues pelo Herdeiro D, para que pudesse que administrar em pleno os Bens e cumprir o encargo do Cabeçalato, como se comprometeu a fazer.
O - Impõe-se saber onde os Bens se encontram e cabe ao anterior CC informar onde os mesmos se encontram, bem como proceder à entrega dos mesmos ao actual CC e ora Recorrente, tendo sido esse o pedido formulado ao Tribunal "a quo", para que notificasse o anterior CC para esse efeito, sendo que outro entendimento não tem acolhimento, em face do fundamento e do pedido plasmados nesse Requerimento que o Recorrente submeteu, via CITIUS, no dia 30 de Janeiro de 2018.
P - Assim, na modesta opinião do Recorrente, conclui-se que o Tribunal "a quo" fez errada apreciação desse mesmo Requerimento do CC, submetido a 30/01/2018, e, consequentemente, laborou em Erro na Qualificação do litígio que lhe foi colocado à consideração no mesmo, pelo que, consequentemente, Decidiu erradamente.
Q - Em face de todo o exposto, o Recorrente defende e requer que, em consequência do que por si foi alegado supra, bem como em face da interpretação legal que fez e que supra plasmou, assim como entendendo que outra posição não lhe parece defensável, em Conclusão, requer a V.as Ex.as, Venerandos Desembargadores desse Venerando Tribunal "ad quem", que decidam pela Revogação do Douto Despacho sob recurso, proferido a 25/10/2018, com fundamento em que o mesmo foi proferido pelo Tribunal "a quo" , estando este Tribunal a laborar em manifesto Erro na Qualificação do Litígio identificado no Requerimento que o Recorrente submeteu no dia 30/01/2018 e, consequentemente, em sua substituição, profiram nova Decisão que ordene ao Herdeiro e anterior Cabeça-de-Casal, Eng. D que proceda à entrega, ao Recorrente e actual CC, todos os Bens Móveis que não estavam na casa de morada de família dos seus Pais, concretamente elencados nos artigos 14° c 15° do Requerimento submetido pelo Recorrente no dia 30/01/2018, tendo também concluído nesse mesmo Requerimento, no seu artigo 16°, "que o Herdeiro D seja notificado para apresentar e entregar todos os Bens Móveis em falta ao Cabeça-de-Casal, os quais fazem parte do Acervo Hereditário dos Inventariado", assim fazendo-se Justiça.
Foi violado todo o disposto normativo do artigo 2088" do Código Civil, ao não ter sido entendido pelo Tribunal "a quo" que a pretensão do ora Recorrente era ver ser-lhe aplicado os efeitos plasmados nesse mesmo normativo legal, bem como violou ainda o n.º 2, do artigo 202° e o artigo 203°, ambos da Constituição da República Portuguesa.
1.4.-  Os interessados e apelados D, e outros, não apresentaram contra-alegações.
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Thema decidendum
1.5. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho , e tendo presente o disposto no artº 5º, nº1 e 7º,nº1, ambos deste último diploma legal ), e sem prejuízo das que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir  resumem-se às seguintes  :
I – Antes de mais, qual questão prévia, aferir se a decisão interlocutória proferida pelo tribunal a quo, em 25/9/2018, e identificada no item 1.2. do presente Ac., é susceptível de impugnação recursória autónoma;
II – Sendo afirmativa a resposta à questão referida em I, aferir se a decisão interlocutória proferida pelo tribunal a quo, em 18/4/2016, se impõe ser revogada, devendo ser deferido o requerido pelo interessado e ora apelante;
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2.- Motivação de facto.
A factualidade a atender no âmbito do julgamento do objecto da apelação é tão só a que se alude no relatório do presente Acórdão.
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3.- Motivação de Direito.
3.1.- Qual questão prévia, aferir se a decisão interlocutória proferida pelo tribunal a quo, em 25/9/2018, e identificada no item 1.2. do presente Ac., é susceptível de impugnação recursória autónoma, tal como o entendeu o apelante e assim o considerou o tribunal a quo em sede de despacho proferido tendo por objecto o requerimento recursório.
Ora, antes de mais, importa começar por precisar que os presentes de inventário foram intentados ainda antes [ do expediente junto resulta vg que um dos interessados, o E, deduziu reclamação da relação de bens de 19/12/2006 ] das alterações introduzidas no CPC pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto [ diploma que entrou  em vigor no dia 1 de Janeiro de 2008 e que, introduzindo uma reforma profunda dos recursos cíveis, conferiu uma nova redacção ao artº 1396º, do CPC, passando o mesmo a rezar que “ 1 - Nos processos referidos nos artigos anteriores cabe recurso da sentença homologatória da partilha. 2 - Salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 691.º, as decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos mesmos processos devem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença de partilha ], sendo que, para todos os efeitos e  em razão do disposto no artigo 7.º da Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, também o novo regime do processo de inventário que este último diploma legal aprovou não é aplicável aos presentes autos [ porque já pendentes à data da sua entrada em vigor - em Setembro de 2013  ].
Porque reza o art. 7.º do diploma preambular [ Lei nº 41/2013 de 26 de Junho ] que aprova o NCPC e sob a epígrafe “outras disposições”, que “Aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em acções instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 aplica-se o regime de recursos decorrentes do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as alterações agora introduzidas, com excepção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil.”, pacífico é que ao presente INVENTÁRIO e em matéria recursória é aplicável o artº 1396º, do CPC, com a redacção do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto,
Em conclusão, ao presente processo de inventário é aplicável o regime emergente do Código de Processo Civil revogado, na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, mormente o respectivo artigo 1396.º, ou seja, a regra é a de que cabe recurso da sentença homologatória da partilha, devendo as decisões interlocutórias proferidas no âmbito do mesmo ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença de partilha, salvo se a decisão interlocutória integrar a previsão do actual nº 2, do artigo 644.º, caso em que é a mesma passível de impugnação autónoma a interpor no prazo de 15 dias [  cfr nº1, do  artº 638º, do CPC  (1)] ..
É que, como bem salienta Armindo Mendes Ribeiro (2), com “ a transição agora imposta para a tramitação de recursos da Reforma de 2007 [ em face do disposto no artº 7º, da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ] em relação aos processos pendentes em 1 de Janeiro de 2008 (…),a  partir da entrada em vigor do NCPC, as decisões interlocutórias ou são impugnáveis autonomamente ou podem ser impugnadas com a decisão final. No primeiro caso, se não for interposto o competente recurso de apelação, as decisões transitam em julgado. No segundo caso, não há preclusão, ficando diferida para final a eventual impugnação”.
Isto dito, e conhecido que é já o disposto no artº 1396º, do CPC, recorda-se agora que, nos termos do nº1, alíneas a) e b) , do artº 644º, do CPC, cabe recurso de apelação “ Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente”, e , bem assim, “do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos”.
Já do nº 2, do mesmo dispositivo legal, decorre que cabe ainda recurso de apelação das decisões do tribunal de 1.ª instância naquele indicadas, designadamente [ alínea h) ]  “Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil” .
Por fim, no tocante às restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância, e nos termos dos nºs 3 e 4, do mesmo artº 644º, apenas podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1 ,  e  , se não houver recurso da decisão final , então as decisões interlocutórias com interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ainda ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão.
Ora, tudo indicando que para o recorrente  a decisão proferida pelo tribunal a quo é susceptível de imediata apelação autónoma ao abrigo do disposto na alínea h), do nº2, do artº 644º, do CPC,   mas, como é consabido, a “A decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes, salvo na situação prevista no n.º 3 do artigo 306.º ” – cfr. nº 6, do artº 641º, do CPC - ,  temos para nós é de alguma forma manifesto que, nem a recorrente, nem outrossim a primeira instância, andaram bem em considerarem que a decisão impugnada era susceptível de apelação autónoma , e isto porque em rigor o não é,  e , assim sendo, porque de decisão interlocutória proferida em processo de inventário se trata, inevitável é que a mesma apenas seja susceptível de impugnação no recurso que eventualmente venha a ser interposto da sentença de partilha, e nos termos do artº 1396º, do CPC pretérito.
Senão, vejamos.
Desde logo, e como o próprio recorrente o admite/reconhece [ e com pertinência  ]  expressamente , o requerimento que atravessou nos autos a 30/01/2018 nada tem que ver com qualquer  Reclamação à Relação de Bens,  questão que se se mostra já resolvida e ultrapassada , logo, e à partida , mostra-se prejudicada qualquer indagação sobre a razoabilidade de o despacho recorrido poder integrar a previsão da alínea a), do nº1, do artº 644º, do CPC.
De resto, ainda que de efectiva reclamação de bens se tratasse ( que não é ), ou seja, a admitir-se que a decisão impugnada pôs termo a incidente que tem lugar em sede de processo especial de inventário, a verdade é que tal não bastava também para a subsumir à previsão do referido dispositivo legal, e isto porque, para tanto, necessário é que em causa esteja uma decisão que ponha termo a incidente que é processado autonomamente, que o mesmo é dizer, a “incidente da instância”, que não a um qualquer e mero incidente processual.
É que, recorda-se, se à luz da alínea j), do nº 2, do artº 691º, do CPC pretérito [ rezava ele tão só que cabe ainda recurso de apelação do despacho do tribunal de 1.ª instância que não admita o incidente ou que lhe ponha termo ], lícito era questionar se no âmbito da respectiva previsão cabiam todos os incidentes processuais, que não apenas os incidentes da instância , com a nova redacção da alínea a), do nº1, do artº 644º, como que veio o legislador a clarificar qual a solução adequada e querida, empregando agora a expressão “processado autonomamente” com o claro propósito de limitar a apelação imediata às decisões que ponham termo aos incidentes com autonomia em relação à causa principal, designadamente aos que em regra são processados por apenso (caso do incidente de embargos de terceiro ou de habilitação ) e aos efectivos “incidentes da instância , ou seja, aos que como tal são legalmente qualificados e regulados no CPC , v.g nos artºs 292º a 36º1  [ v.g. verificação do valor da causa, intervenção principal, espontânea ou provocada, intervenção acessória, provocada e do MºPº, assistência, oposição espontânea, provocada e liquidação ], que não a quaisquer outros incidentes ou ocorrências processuais, anómalas ou não .
É que, v.g. para Armindo Ribeiro Mendes (3) , ao empregar o legislador uma expressão [ “incidente processado autonomamente” ] que não figurava no Código de Processo Civil pretérito [ cfr. art. 691.º, n.º 2, alíneas j) e l) ] , “ aparentemente, o legislador pretendeu limitar a apelação aos incidentes com autonomia em relação à causa principal, em regra por apenso (caso do incidente de embargos de terceiro ou de habilitação) “.
Do mesmo modo, também para António Santos Abrantes Geraldes (4), a expressão “ incidente processado autonomamente” quer aludir a incidentes que, “ não se circunscrevendo  (…) aos processados por apenso, como ocorre com a habilitação, tem potencialidades para abarcar outros incidentes tramitados no âmbito da própria acção, desde que sejam dotados de autonomia, designadamente a intervenção de terceiros ou a verificação do valor da causa, implicando  trâmites específicos que não se confundam com os da acção em que estão integrados .
Dir-se-á assim que, tal como com lucidez se observa em decisão do Tribunal da Relação de Coimbra de 1/4/2014 (5), o nº1, alínea a), parte final, do CPC, consubstancia “claramente uma alteração efectuada com consciência do legislador quanto à divergência nas interpretações a que a anterior redacção do preceito levou, razão pela qual (…) as alterações introduzidas configuram lei interpretativa, vindo assim a nova lei a “ consagrar um regime que a própria jurisprudência já tinha considerado como sendo possível e adequado em face da lei antiga”.
Em razão do exposto, inviabilizada estava à partida a viabilidade de o recurso interposto pelo apelante poder ser admitido - como o foi - a subir de imediato e prima facie com fundamento na previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º do CPC.  (6)
Passando agora à pertinência de a imediata recorribilidade da decisão apelada poder justificar-se à luz de uma situação “especial”prevista no n.º 2, do artigo 644.º, do CPC, maximepor alegadamente estar em causa uma decisão cuja impugnação com a decisão final seria absolutamente inútil ( cfr. alínea h ) , é consabido que a escolha pelo legislador da expressão absolutamente tem por desiderato aludir tão só a um resultado de todo irreversível não obstante a eventual procedência do recurso interposto, revelando-se o mesmo de todo ineficaz dentro do processo, sendo já de todo irrelevante para o preenchimento do conceito em apreço a eventual e possível inutilização de actos processuais .
Dir-se-á, assim, no dizer de Amâncio Ferreira (7) , que a salvaguarda da utilidade do recurso que justifica sua subida imediata, verifica-se apenas quando da sua retenção já não adviessem quaisquer vantagens para o recorrente, por a revogação da decisão recorrida acabar por não provocar quaisquer efeitos práticos e úteis para o recorrente, e não por qualquer outra razão, como a economia processual ou a perturbação que possa causar no processo onde foi interposto.
Em conclusão, e socorrendo-nos novamente de Abrantes Geraldes (8) , não basta para efeitos de preenchimento  da expressão “absolutamente inútil “ que “a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de inutilização, por anulação, de uma parte do processado, ainda que neste se inclua a sentença final. Mais do que isso, é necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso decretado em momento anterior não passará de uma “vitória de Pirro”, sem qualquer reflexo no resultado da acção ou na esfera jurídica do interessado.”
Postas estas breves considerações, e para além da não verificação da previsão da parte final da alínea a), do nº1, do artº 644º, do CPC,  forçoso é igualmente concluir que a interposição do recurso pela interessada e cabeça-de-casal apenas com a decisão final, de todo não tem como desfecho inevitável que venha o mesmo a tornar-se absolutamente inútil, que o mesmo é dizer, sem ganho algum para a recorrente, e sem qualquer reflexo na respectiva esfera jurídica, podendo, quando muito - o que para o efeito é irrelevante - determinar  no final a anulação de todos os actos subsequentemente praticados no processo de inventário após a prolação da decisão recorrida.
Dito de uma outra forma, “ Para os efeitos previstos na sobredita al. h) do n.º 2, o recurso só será inútil se em nada aproveitar ao recorrente, o que ocorrerá apenas quando, revogada embora a decisão impugnada, a situação se mantenha inalterada por os efeitos desta se terem tornado irreversíveis por via da demora na apreciação do recurso” . (9)  
Ora, perante o acabado de expor, porque não existe fundamento legal que sustente a decisão proferida pelo a quo de imediata admissão da apelação interposta pelo recorrente –porque insusceptível de integrar a previsão dos nºs 1 e 2, do artº 644º, do CPC – é assim a apelação interposta extemporânea - por prematuridade - , verificando-se em suma pertinente fundamento legal que obsta ao conhecimento do seu objecto.
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3.2.- Em conclusão ( cfr. artº 663º,nº7, do CPC ) :
I - Quer actualmente, quer aquando do pretérito CPC, e em sede de regime de recursos, a regra é a de que as decisões interlocutórias proferidas em sede de processo de inventário só podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final de partilha, nos termos do nº3, do artº 644º, do CPC ;
II - Do mesmo modo, não cabe igualmente da decisão apelada [ que indeferiu o  requerimento do apelante no sentido de ser um  Herdeiro notificado para vir aos presentes autos indicar onde se encontram determinados Bens Móveis que se mostram relacionados ] recurso autónomo nos termos da alínea h) do n.º 2, do artigo 644.º, por não configurar decisão cuja impugnação apenas com a decisão final venha a revelar-se  absolutamente inútil.
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4.-Decisão.
Pelo exposto, por se verificar circunstância adjectiva que obsta ao conhecimento do recurso, ao abrigo do disposto na alínea b), do artº 652º, do CPC, não se conhece da apelação interposta, determinando-se a baixa do expediente recursório à primeira instância.
Custas do incidente a cargo do recorrente.
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(1)  Vide , sobre a aplicação da lei recursória  no tempo e em relação ao processo de inventário, o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15/5/2018 ,  Proc. 719/12.3TBFND-A.C1, e in www.dgsi.pt.
(2) In A REGULAMENTAÇÃO DOS RECURSOS NO FUTURO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, in Texto de exposição oral feita na Universidade Lusíada em 31 de Maio de 2013 e in  Lusíada. Direito. Lisboa, n.º 11 (2013).
(3) Cfr. Armindo Ribeiro Mendes, in A REGULAMENTAÇÃO DOS RECURSOS NO FUTURO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, in Texto de exposição oral feita no Centro de Estudos Judiciários em 26 de Abril de 2013, no Curso de Especialização “Temas de Direito Civil “.
(4) In Recursos em Processo Civil , 2014, 2 dª edição, Almedina, pág. 158 .
(5) In Proc. nº 230/11.0TBSRE-A.C1, sendo que no mesmo sentido podem ver-se, ainda , os Ac.s do mesmo Tribunal da Relação de Coimbra, de 10/12/2013 ( Proc.º nº 123/13.6TBGRD-B.C1), de 14/10/2014 ( Proc. nº 2/12.4T2ALB-B.C1 ) e de 15/9/2015 ( Proc. nº 7246/06.6TBLRA-I.C1 ) ; do Tribunal da Relação de Guimarães de 26/9/2103 ( Proc. 4584/10.7TBBRG-A.G1 ) e de 27/2/2014 (108/13.2TBVLN-A.G1), todos eles disponíveis in www.dgsi.pt.
(6) Cfr Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/11/2017 ( Proc. 258/05.9T8TMC-A) e disponível in www.dgsi.pt.
(7) In Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, pág. 221.
(8)  Ibidem, pág. 166.
(9) Cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de  15/9/2015 , mencionado na nota 4 que antecede.
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LISBOA, 28/2/2019
      
António Manuel Fernandes dos Santos  ( O Relator)
Eduardo Petersen Silva ( 1º Adjunto)
Cristina Isabel Ferreira Neves ( 2ª Adjunta)