Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
761/15.2YRLSB.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: PRIVAÇÃO DE USO
DANO INDEMNIZÁVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - A privação de uso de um bem, designadamente um veículo automóvel, durante um certo lapso de tempo, constitui, por si só, um dano indemnizável, pois que existe uma lesão no património do respectivo proprietário, uma vez que daquele faz parte o direito de utilização das coisas próprias e essa lesão é susceptível de ser avaliada em dinheiro.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:



                        I-RELATÓRIO:


           
M... deduziu pedido de indemnização contra:

B... agora G... Companhia de Seguros, S.A, ambos melhor identificados nos autos.

A reclamação foi apresentada no Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros e tem como fundamento a responsabilidade do condutor do veículo seguro na Reclamada, pela produção de um acidente de viação, ocorrido no dia 5 de Outubro de 2013.Nesse acidente intervieram além do veículo seguro na Reclamada o veículo conduzido pelo Reclamante.

Este alegou, em síntese, que tal acidente de viação ocorreu porque o condutor do veículo seguro na Reclamada não respeitou as regras relativas à prioridade de passagem e que, do embate entre os veículos, ocorreram danos patrimoniais que pretende ver ressarcidos.

Pede a condenação da Reclamada no pagamento da quantia de € 8.857,61, valor da reparação do seu veículo a que deve acrescer a indemnização a fixar pela privação do uso do veículo danificado.

Decorridos os trâmites legais, veio a ser proferida sentença pelo Juiz Árbitro que julgou a reclamação parcialmente procedente condenando a Reclamada a pagar ao Reclamante a quantia de € 4.428,81 (reparação) e € 1000,00 a título de indemnização pela privação do uso.

Estes valores correspondem a metade do valor dos danos fixados, pois a sentença atribuiu a ambos os intervenientes a culpa na produção do acidente na proporção de 50% para cada um.

Inconformado com a sentença, a Reclamada – G... Companhia de Seguros, S.A veio interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões de recurso:

a)Sobe o presente recurso nos termos e para os efeitos do disposto no nº.-2  do artº 20º do Regulamento de Arbitragem e das Custas do Cimpas, da sentença de fls. , que julgou a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, condenando a ora recorrente no pagamento da quantia de 5.528,81 €.

b)Da sentença ora em discussão resulta que foram dados como provados os seguintes factos[1]:

c)Por sua vez, não foram provados os seguintes factos:

- A via de acesso à Urbanização do Sol Nascente é um caminho particular.
- A Avenida da Nossa Senhora da Purificação é uma via prioritária.
- O UG já se encontrava totalmente dentro da faixa de rodagem quando embatido pelo UG.

d)Para fundamentação da sentença ora em crise, o Juiz árbitro concluiu inequivocamente que o referido caminho particular porque sempre se bateu o recorrido é um caminho público e que não havendo qualquer sinalização em contrário, ao referido entroncamento aplica-se a regra que o condutor deve ceder a passagem aos veículos que se apresentam pela direita conforme dispõe ao artº 30º, nº.- 1 do C. E.
e)Porém, refere que [Acresce que o condutor do veículo seguro ao preencher a declaração amigável de acidente automóvel, declarou sair de um parque de estacionamento e de um caminho particular, pelo que se deduz que estaria convencido que o direito de prioridade era conferido aos veículos que seguiam na Avenida da Nossa Senhora da Purificação, versão que confessou também às autoridades policiais “ao sair do café”].

f)Em relação à “declaração amigável” a única junta aos autos, pelo menos na documentação que foi remetida à recorrente, não há nenhum documento em que tal seja declarado pelo segurado da recorrente, que só pode ser entendido como mero lapso!
g)Mas, ainda assim que tal acontecesse, tal como consta nas fotos a cores juntas aos autos de toda a localização da zona, o referido parque de estacionamento, assim, como o café, encontram-se, pelo menos, a 500 metros do entroncamento.
h)O que o segurado da recorrente refere nas declarações transcritas no auto de ocorrência é que ao sair do parque do café “Cata-Sol”, ao entrar na via, Avenida Nossa Senhora da Purificação entrar no sentido do Milharado quando o veículo que circulava na avenida da Nossa Senhora da Purificação sentido Milharado Pêro Negro, embateu-me na parte de tráz do lado esquerdo”.
i)Não é possível que com base nestas declarações se conclua que o segurado na ora recorrente estava convencido que ia entrar numa rua com prioridade, porque disse que saía do parque de um café, como em relação ao local, poderia ter dito que vinha da “Caixa Agrícola” ou de um dos prédios aí existentes, sendo certo que para chegar ao entroncamento teria sempre de percorrer dezenas de metros.
j)O que o juiz árbitro deveria ter tido em consideração, era a forma como ocorreu o acidente, o local do embate das viaturas, a sua violência e os danos, com base no croqui elaborado pelas autoridades policiais que por se tratar de um documento autêntico, que nos termos do prescrito nos artºs 369º e 370º do Código Civil, faz prova plena dos factos que nele são atestados, porque nenhuma das testemunhas arroladas presenciou o acidente.

k)Ressaltando do croqui o seguinte:

· A largura da via é de 5,9 m.
· O local provável do embate assinalado com a letra “H” é sensivelmente a meio da faixa de rodagem por onde circulava o veículo do recorrido.
· A distância do local provável do embate ao poste de iluminação é de 13,30m.
· A distância do local provável do embate à berma contrária é de 4,5 m.
· A viatura do recorrido imobilizou-se no lado contrário, sendo a distância da roda dianteira para o posto de iluminação de 17,6 m e a distância da roda traseira à berma de 2,3 m.
· Por sua vez, a viatura segurada na recorrente ficou imobilizada na faixa por onde circulava o PZ, sendo a distância da roda dianteira ao posto telefónico de 6,6 m.

l)O embate ocorreu entre a frente do lado direito do veículo do recorrido e a lateral esquerda traseira do veículo seguro na ora recorrente, sendo daqui fácil de concluir que quando se dá o embate o veículo seguro na recorrente já tinha percorrido grande parte da faixa de rodagem quando se deu a colisão, basta ter as medidas do local onde ocorreu o embate, o comprimento da viatura da recorrente e o meio da faixa de rodagem.
m)Para além da violência do embate de que resultou a “perda total” da viatura do recorrido, não colhendo também o vir-se dizer que o condutor tentou desviar-se para a direita e por isso colidiu com a lateral traseira do veículo seguro da recorrida, porque em condições normais, um condutor diligente ter-se-ia desviado para a esquerda porque era a única forma de tentar evitar o acidente.
n)Não o fez porque conduzia a viatura com excesso de velocidade ou se quisermos com velocidade excessiva para o local e aqui, em abono da verdade, a decisão não poderia concluir de outra forma e por não respeitar a prioridade do condutor do veículo seguro na recorrente, provocou o acidente do qual resultaram prejuízos elevados para a sua viatura.
o)Não foi por acaso que o recorrido sempre se bateu que o condutor do veículo seguro na ora recorrente, vinha de um caminho particular porque sabia que não tinha qualquer prioridade que foi ele que provocou o acidente, porque era a única forma de fugir às suas responsabilidades.
p)Perante estes factos, não se pode assacar qualquer culpa ao condutor do veículo seguro na recorrente.
q)Isto porque quem deu causa ao acidente dos autos foi o recorrido por violação grosseira do artº 30º do Código da Estrada.
r)Deste modo, deve a sentença ora recorrida ser revogada e, assim, a ora recorrente GNB – Companhia de Seguros, S. A. ser absolvida com as consequências legais.
s)De qualquer forma e por mero dever de patrocínio sempre se dirá que vem a ora recorrente condenada na percentagem arbitrada no pagamento da reparação da viatura que foi estimada em 8.857,61 €.
t)Para a condenação da seguradora socorre-se o juiz árbitro de que a reparação prevista na alínea c) do nº.- 1 do artº 42º do Decreto-Lei nº.- 291/2007, de 21/08 [restringe-se ao procedimento obrigatório de apresentação pela seguradora da “proposta razoável”, destinado a agilizar o acertamento extrajudicial da responsabilidade].
u)O que há neste diploma legal prende-se somente com os danos físicos em que as seguradoras estão obrigadas a apresentar a proposta razoável, sendo que se tal não o fizerem, sofrerão as penalizações decorrentes do estipulado neste diploma legal.
v)Por isso é que no domínio da denominada “perda total”, neste diploma legal e após amplo debate entre todos os intervenientes desde a “defesa do consumidor” até às seguradoras se legislou no sentido do disposto no artº 41º do Decreto-Lei nº.- 291/2007, de 21/8, cuja aplicação integral se defende.
w)Por isso, sendo a reparação de 8.857,61 €, encontra-se, assim, ultrapassada a percentagem estipulada por este diploma legal para a viatura sinistrada ser perda total pelo que tendo em conta que o valor venal da viatura era de 3.300,00 e o salvado de 300,00 €, a ora seguradora se estivesse obrigada a indemnizar pela quantia de 3.000,00 €.
x)O que dito fica resulta, de resto, não só do disposto no art.º 41º, nºs.- 1, c) , 2 e 3 do diploma legal supra citado, mas também dos artºs.- 562º e seguintes do Código Civil e, designadamente do seu art.º 566º nº.- 1, já que a reconstituição natural sempre se revelaria excessivamente onerosa para quem, como a demandada, tem obrigação de indemnizar.
y)Por fim, vem também a ora recorrente condenada no pagamento da quantia de 1.000,00 e pela privação do uso da viatura por aplicação da jurisprudência logicamente favorável que defende que o lesado não tem necessitado de provar os prejuízos com a paralisação da viatura
z)Sendo que neste caso deve aplicar-se a jurisprudência maioritária que defende que os lesados devem fazer prova dos prejuízos sofridos com a paralisação da viatura sinistrada, o que o recorrente em circunstância alguma o fez, pelo que não há lugar a qualquer indemnização caso a recorrente tivesse de o fazer.
aa)Deste modo, deve o recurso ora apresentado ser considerado procedente por provado e a sentença ora recorrida ser substituída por outra que conclua pela sua absolvição, com as consequências legais, tal como é de  JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

II-OS FACTOS:

Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

1 –No dia 05.10.2013, pelas 07/40m, a o Km 1,5 nº. de polícia 66, da Avenida Nossa Senhora da Purificação, no sentido Milharado/Perna de Pau, na localidade de Sapataria, concelho de Sobral de Monte agraço, ocorreu um acidente de viação, entre o veículo com a matrícula 91-92-PZ (doravante designado PZ) propriedade e conduzido pelo Reclamante e o veículo de matrícula 11-77-UG (doravante designado por UG) cuja responsabilidade se encontrava transferida para a reclamada pela apólice de responsabilidade civil automóvel com o nº. 2000759825.
2 –O PZ circulava no sentido Milharado/Perna de Pau, na Avenida da Nossa Senhora da Purificação e o UG após sair do parque de estacionamento do café “Cata-Sol” pretendia entrar na via por onde o PZ circulava, tomando o sentido Perna de Pau-Milharado, virando à esquerda.
3 –Ao longo da avenida da Nossa Senhora da Purificação existem vários entroncamentos com vias de acesso a zonas residenciais.
4 –Existe um parque de estacionamento junto à Caixa de Crédito Agrícola, na Urbanização Páteo do Sol Nascente, sita na Avenida da Nossa Senhora da Purificação, nº. 66, em Sapataria, construído pelo empreiteiro responsável pela obra.
5 –A saída da Urbanização Páteo do Sol é dotada de grande visibilidade, para os veículos que acedem à Avenida da Nossa Senhora da Purificação.
6 –O condutor UG acedeu à Avenida da Nossa Senhora da Purificação com intenção de virar à esquerda, sem atentar ao trânsito que se verificava do lado esquerdo.
7 –O PZ perante a entrada do UG na via por onde seguia, tentou desviar para a direita, mas não conseguiu evitar o embate sob a traseira lateral esquerda do UG.
8 –A velocidade máxima permitida no local é de 50 Km/h.
9 –O embate entre os veículos foi violento.
10 –O PZ foi dado pela reclamada como perda total uma vez que a sua reparação ascendia à importância de €8857,61, que o reclamante não aceita.
11 –O PZ é reparável e tal reparação não põe em causa as condições de segurança.
12 –O reclamante utilizava o PZ nas suas deslocações profissionais e pessoais.
13 –A não utilização do PZ causa transtorno ao reclamante que se viu obrigado a pedir boleias aos amigos.

V – Por sua vez, não foram provados os seguintes factos:

-A via de acesso à Urbanização do Sol Nascente é um caminho particular.
-A Avenida da Nossa Senhora da Purificação é uma via prioritária.
-O UG já se encontrava totalmente dentro da faixa de rodagem quando embatido pelo UG.

            III-O DIREITO:

Tendo em conta as conclusões de recurso que delimitam o respectivo âmbito de cognição, as questões que importa conhecer são as seguintes:

1-Responsabilidade de cada um dos condutores na produção do acidente;
2-Indemnização pelos estragos causados na viatura do Apelado,
3-Indemnização pela privação do uso da viatura

1-A sentença recorrida atribuiu a ambos os condutores intervenientes no acidente a culpa na proporção de 50%.

A Apelante defende que nenhuma culpa deve ser atribuída ao seu segurado, pois quem deu causa ao acidente foi o recorrido por violação do art.º 30.º do Código da Estrada.

            Cumpre apreciar:

Não há dúvida que o condutor do veículo com a matrícula 91-92-PZ, ora Recorrido, circulava na Avenida Nossa Senhora da Purificação, no sentido Milharado –Perna de Pau e ao chegar ao entroncamento com a via por onde circulava o veículo com a matrícula 11-77-UG, não lhe cedeu a passagem. Ora, apresentando-se este veículo pela direita do ora Recorrido, deveria ter-lhe cedido a passagem. Não o tendo feito, violou o disposto no art.º 30.º do Código da Estrada, nos termos do qual “nos cruzamentos e entroncamentos o condutor deve ceder a passagem aos veículos que se lhe apresentem pela direita”.

Por sua vez, o veículo seguro na Apelante “pretendia entrar na via por onde o PZ circulava, toando o sentido Perna de Pau – Milharado, virando à esquerda[2].

Ora, esta manobra exigia do condutor do veículo 11-77- UG, determinadas cautelas e procedimentos que este, manifestamente, não cumpriu. Ao pretender mudar de direcção para a esquerda, exigia o cumprimento das elementares regras de prudência, que o condutor do veículo segurado na ora Apelante parasse ou reduzisse significativamente a velocidade para se certificar que essa manobra não iria causar embaraço no trânsito, conforme estabelece o art.º 35.º do Código da Estrada. Tal atitude sempre se imporia, a fim de o condutor poder ceder a prioridade de passagem aos veículos que, eventualmente, circulassem na avenida de Nossa Senhora da Purificação, no sentido Perna de Pau- Milharado e que, em relação a si, se apresentariam pela direita. Porém, o condutor do veículo segurado na ora Apelante, não tendo tomado as precauções que no caso lhe eram exigidas, em violação do disposto no art.º 35.º, deu causa ao acidente e cremos que numa proporção equivalente àquela que deve ser atribuída ao Apelado.

Cremos, assim, que a decisão recorrida julgou com acerto ao atribuir a cada um dos condutores a responsabilidade na produção do acidente, a título de culpa, na proporção de 50% para cada um.

Improcedem, neste particular, as conclusões da Apelante.

2-Invoca a Apelante o disposto no art.º 41.º n.º1 c) do D.L. n.º 291/2007 de 21-08-2007 para concluir que o valor de € 8.857,61, estimado como necessário para a reparação do veículo do Recorrido, ultrapassa a percentagem estipulada por este diploma legal, sendo certo que o valor venal da viatura era de € 3.300,00.

Nos termos do art.º 41.º n.º1 c) do referido diploma legal “entende-se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se verifique (…) que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100% ou 120% do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos.”

E estabelece o n.º3 daquele preceito legal: “o valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal do veículo antes do sinistro calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário, de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização”.

Entende, assim, a Apelante que, de acordo com as normas legais referidas, a obrigação da seguradora nunca poderia ultrapassar os € 3.000,00.

            Quid juris?

De acordo com a matéria de facto provada, é certo que “o PZ foi dado pela reclamada como perda total uma vez que a sua reparação ascendia à importância de € 8.857,61 que a reclamante não aceita”. Mais se deu como provado que “o PZ é reparável e tal reparação não põe em causa as condições de segurança”. Ou seja, não consta da matéria dada como assente qual o valor venal do veículo, pelo que não existem elementos que permitam concluir pela situação de perda total, de acordo com o critério estabelecido no D.L. n.º 291/2007 de 21-08.

Assim, não há razão para não se proceder ao cálculo da indemnização devida pela ora Apelante, tal como foi elaborada na decisão recorrida, nos termos do disposto no art.º562.º do Código Civil.

Improcedem igualmente as conclusões da Apelante, quanto a esta matéria.

3-Por fim, conclui a Apelante que o Apelado não logrou fazer prova dos prejuízos sofridos com a paralisação do veículo, pelo que não podia ter lugar a condenação no pagamento de qualquer indemnização a esse título.

Entende a Apelante que deveria ter sido seguida a jurisprudência maioritária que defende que os lesados devem fazer prova dos prejuízos sofridos com a paralisação da viatura sinistrada.

Efectivamente, sobre esta matéria tem havido divergência quer na doutrina, quer na jurisprudência.

A posição clássica da doutrina e da jurisprudência relativamente a esta matéria era a de que, traduzindo-se a privação em meros incómodos, esses danos não seriam tutelados pelo direito, pelo que não deveriam ser indemnizáveis.[3]

Por outro lado, predominou durante algum tempo, na jurisprudência[4], o entendimento que fazia depender a atribuição da indemnização, da prova de uma efectiva perda de receitas que os bens poderiam proporcionar ou da comprovação de um acréscimo de despesas motivado pela privação do uso, considerando-se, portanto que a simples privação do uso não constituía por si só, dano indemnizável.[5].

Porém, considera-se que, actualmente, essa posição se encontra desactualizada[6].

Entendemos, na verdade, que
a privação de uso de um bem, designadamente um veículo automóvel – a propósito da qual a questão é mais frequentemente discutida - durante um certo lapso de tempo, constitui, por si só, um dano indemnizável, pois que existe uma lesão no seu património, uma vez que deste faz parte o direito de utilização das coisas próprias. E essa lesão é susceptível de ser avaliada em dinheiro[7].

Conclui-se, assim, que não obstante o entendimento não ser unânime defendemos que a mera privação do uso, ainda que desacompanhada de alegação e prova de danos dela decorrentes, constitui, só por si, um dano indemnizável, conforme doutrina e jurisprudência já citada.

Assim sendo, nenhuma censura merece, em nosso entender, a decisão do Tribunal a quo ao condenar a Ré no pagamento da indemnização nos termos constantes da sentença.
           
            IV-DECISÃO

Em face do exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.



Lisboa, 12 de Novembro de 2015


Maria de Deus Correia
Nuno Sampaio
Maria Teresa Pardal



[1]Por razões de simplificação do texto não reproduzimos aqui a transcrição dos factos, dado que a mesma transcrição é feita na parte subordinada ao título “Os Factos”.
[2]Vide ponto 2.º da matéria de facto dada como assente.
[3]Neste sentido vide Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, anotação ao art.º 496.º.
[4]Vide Acórdãos da Relação do Porto de 17-1084, Col Jur. Tomo IV, p.246.º e de 19-10-1999, disponível em www.dgsi.pt. Acórdãos da Relação de Coimbra de 08-07-97, BMJ 469-663 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-11-1998, www.dgsi.pt
[5]Abrantes Geraldes, temas de Responsabilidade Civil, I volume, Indemnização do dano da privação do uso, 3.ª edição, p.43.
[6]Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-10-2009, www.dgsi.pt.
[7]Vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-07-2007, Processo 07B1849, www.dgsi.pt e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-05-2013, Processo 3036/04.9TBVLG.P1.S1, também disponível em www.dgsi.pt

Decisão Texto Integral: