Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
598/17.4YRLSB-6
Relator: NUNO SAMPAIO
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL
CONDENAÇÃO GENÉRICA
LIQUIDAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: –Nos termos do n.º 2 do art.º 47º da Lei n.º 63/2011, de 14-12 (Lei da Arbitragem Voluntária) “No caso de o tribunal arbitral ter proferido sentença de condenação genérica, a sua liquidação faz -se nos termos do n.º 4 do artigo 805.º do Código de Processo Civil, podendo no entanto ser requerida a liquidação ao tribunal arbitral nos termos do n.º 5 do artigo 45.º, caso em que o tribunal arbitral, ouvida a outra parte, e produzida prova, profere decisão complementar, julgando equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.

–Perante este dispositivo legal é irrelevante que a decisão arbitral, de condenação genérica, não contemple a via alternativa de liquidação pelo tribunal arbitral.

–Apesar da norma se referir ao mesmo tribunal que proferiu a sentença, não sendo imperativa as partes têm a faculdade de convencionar que a liquidação possa vir a ser efectuada por tribunal arbitral distinto daquele que proferiu a sentença de condenação genérica.

–O âmbito de intervenção deste tribunal é definido pela condenação e pelos pedidos formulados no estrito âmbito da liquidação prevista; e, em termos legais, o novo tribunal está limitado à previsão do art.º 46º do LAV, designadamente à subalínea iii) da alínea a) do n.º 3.

–Consequentemente, as questões litigiosas que ainda possam estar em aberto não podem ser sujeitas à apreciação deste segundo tribunal arbitral.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–Relatório:


M.M., S.A., com sede..., intentou a presente acção com a forma de processo prevista e regulada no n.° 2 do art.º 46º da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro (Lei da Arbitragem Voluntária), contra IFF, com sede ..., impugnando a decisão interlocutória do Tribunal Arbitral ad hoc, formado pelo Prof. Doutor ... e pelos Engs. ... e ..., constituído para dirimir certos litígios entre as partes e que se atribuiu competência para uma determinada arbitragem.

Alegou factos tendentes a demonstrar que o tribunal arbitral não tinha competência para julgar as questões que lhe foram colocadas e, como consequência, pediu que se declare a sua incompetência para proferir a decisão impugnada na presente acção.

A Ré contestou concluindo pela improcedência da acção e a sua consequente absolvição do pedido.

Deliberação impugnada:
O Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no art.º 18º da Lei da Arbitragem Voluntária, deliberou:
a)- Julgar-se competente para conhecer do presente litígio, tal como o mesmo decorre das peças processuais apresentadas pelas partes;
b)- Suspender os trâmites subsequentes do processo arbitral até haver decisão com trânsito em julgado do tribunal estadual competente sobre o pedido de anulação da sentença arbitral proferida em 6 de Outubro de 2015”.

Conclusões da A.:
1.– A previsão no Acordo de realização de uma "arbitragem técnica" não está em vigor, tendo sido revogada pela realização de uma arbitragem, com um objecto que compreendeu todo o objecto da "arbitragem técnica" e ainda o excedeu largamente;
2.– De resto, a Sentença Arbitral de 6 de Outubro de 2016 não determinou a realização da "arbitragem técnica" prevista no Acordo; a condenação das partes, em condenação a liquidar em execução de sentença, no cumprimento das obrigações por ambas assumidas nesse acordo, não contém qualquer remissão para a resolução por "arbitragem técnica";
3.– Acresce que, nos seus precisos termos, essa previsão contratual estabeleceu que a "arbitragem técnica" seria constituída em termos a acordar em anexo ao auto de recepção provisória da obra; ora, esse acordo não existiu, e nem mesmo existe um auto de recepção provisória, por o R. se ter recusado a assiná-lo, pelo que este não pode impor à A. a realização da arbitragem técnica;
4.– Acresce ainda que há um conjunto de questões litigiosas em aberto, não decididas pela sentença arbitral, que excedem o objecto da "arbitragem técnica" definido no Acordo, não tendo o tribunal arbitral, por conseguinte, competência para analisar e julgar essas questões.

Questões a decidir:

Importa unicamente decidir se as razões invocadas pela A. justificam a anulação da deliberação do tribunal arbitral através da qual se atribuiu, a si próprio, competência para dirimir o litígio entre as partes.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

II–Fundamentação de facto e de direito

Factos considerados na deliberação impugnada:
a)- O Demandante celebrou em 18 de Janeiro de 2007 com a C.F., S.A., designação anterior da Demandada, um contrato de empreitada para a execução de trabalhos de construção civil no empreendimento denominado «...», sito em Lisboa.
b)- Da execução desse contrato resultaram diversas divergências entre as Partes, relativas à existência de alegados defeitos nos trabalhos realizados pela Demandada, assim como à existência de facturas alegadamente em dívida pelo Demandante.
c)- Em reunião havida em 2 de Novembro de 2009, foi celebrado um acordo entre as Partes, consignado em ata junta à petição inicial como documento 5, que aqui se dá como reproduzido.
d)- Nesse documento, que foi assinado em 20 de Janeiro de 2010, estipulou-se que as Partes se comprometiam a «envidar esforços para chegarem a acordo para fecho da empreitada até ao dia 30.11.2009».
e)- Caso não fosse possível lograr a celebração de acordo até essa data, seria «constituída arbitragem técnica nos termos de acordo anexo ao auto de recepção provisória, sendo nomeado um árbitro por ambas as Partes e o Presidente por acordo entre os árbitros nomeados, ou na falta de acordo, pelo Tribunal da Comarca de Lisboa».

f)- O Tribunal Arbitral assim constituído deveria decidir sobre o seguinte:
 « A existência dos defeitos/obras mal executadas imputáveis à C.F. e respectiva valorização;
Existência dos pagamentos efectuados invocados pelo Dono da Obra bem como dos trabalhos a mais e demais encargos invocados pela C.F., valorando o montante que se mostrar devido por força da execução do contrato acima referido e atribuindo o mesmo à parte credora;
Concluindo por uma decisão que atribua à parte credora o direito ao recebimento do montante que vier a ser apurado».

g)- Entretanto, foi constituído Tribunal Arbitral ao abrigo da convenção de arbitragem constante da cláusula 19.ª do contrato celebrado pelas Partes em 18 de Janeiro de 2007.
h)- Em 6 de Outubro de 2015, foi proferida por esse Tribunal a sentença arbitral junta à petição inicial como documento n.º 2, que aqui se dá por reproduzido.

i)- Essa sentença declara, no seu n.º 4, o seguinte (transcreve-se apenas a parte tida como relevante para os efeitos da presente decisão):
«Sendo inválida a declaração de resolução do contrato de empreitada declarada pelo Demandado, por carta datada de 6 de Setembro de 2010 dirigida à demandante e por esta recebida, e encontrando-se assim em vigor o mesmo contrato, com a configuração que lhe foi dada pelo acordo celebrado entre as Partes em 2 de Novembro de 2009, com o "Aditamento" datado de 20 de Janeiro de 2010 - conferir as considerações supra, feitas em VIII "MULTA" - ao abrigo da autorização dos árbitros para julgar de acordo com a equidade, condenam-se as partes, em condenação a liquidar em execução de sentença, no cumprimento das obrigações por ambas assumidas nesse acordo, dando-se por reproduzida a acta de reunião referira no n.º 34 dos factos provados, e que se encontrarem com actualidade e em mora».

j)- Em acórdão sobre um pedido de aclaração da decisão arbitral, proferido em 6 de Novembro de 2015, declarou ainda o mesmo Tribunal Arbitral: «será no âmbito da liquidação em execução de sentença que se determinará se os custos as eventuais reparações de defeitos assinalados nos autos de vistoria, que tenham já sido realizados por conta do Demandado e que sejam considerados da responsabilidade da Demandante, são correctos e razoáveis, de acordo com cada obra correspondente, fixando o seu justo valor».

k)- A Demandada intentou subsequentemente acção de anulação dessa sentença arbitral, encontrando-se pendente o respectivo processo.
1)- Por seu turno, o Demandante instaurou em 28 de janeiro de 2016 a arbitragem prevista no acordo de 2 de novembro de 2009, por carta remetida à Demandada, em que designou o respetivo árbitro.
m)- A Demandada respondeu em 25 de fevereiro de 2016, designando o árbitro que lhe competia nomear ao abrigo do mesmo acordo.
n)- O Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa nomeou o Árbitro Presidente por despacho de 7 de julho de 2016.

o)- O Demandante peticionou na presente arbitragem o seguinte:
«Deve a presente acção ser julgada provada e procedente e, em consequência:
a)Fixar-se a valoração dos defeitos existentes no Empreendimento "..." em, pelo menos, € 5.373.793,71 (cinco milhões trezentos e      setenta e três mil setecentos noventa e três euros e setenta e um cêntimos), correspondente à soma das reparações já efectuadas pelo Demandante às que faltam concretizar para eliminação dos defeitos existentes;
b)Ser a Demandada condenada a ressarcir o Demandante de todos os montantes já despendidos com a reparação de vícios e defeitos no Empreendimento "...", que nesta data se cifram em € 1.628.793,71 (um milhão seiscentos e vinte e oito mil, setecentos e noventa e três euros e setenta e um cêntimos);
c)Ser a Demandada condenada a ressarcir o Demandante por todos os montantes necessários para a correcção dos trabalhos de reparação dos vícios e defeitos da Empreitada em que este ainda vier a incorrer na decorrência do presente processo;
d)Ser a Demandada condenada a pagar ao Demandante o valor necessário para a eliminação dos defeitos ainda existentes no Empreendimento "..." e que actualmente se estima em € 3.750.000,00 (três milhões setecentos e cinquenta mil euros), nos termos do acordo celebrado em 02.11.2009, ou, alternativamente ao presente pedido:
e)Ser a Demandada condenada a reparar os defeitos identificados nos autos de vistoria assinados pelas partes em 2010 e dos demais defeitos entretanto verificados;
f)Em qualquer dos casos, deve ainda a Demandada ser condenada a pagar ao Demandante juros legais, acrescidos, a partir do trânsito em julgado da decisão de condenação que vier a ser proferida, de juros à taxa anual de 5%, nos termos do disposto no art. 829°-A/4 do Código Civil, tudo com as legais consequências».

Enquadramento jurídico:

A impugnação de uma sentença ou acórdão arbitral através do pedido de anulação previsto no art.º 46º da Lei n.º 63/2011, de 14-12 (Lei da Arbitragem Voluntária, doravante LAV), determina uma tramitação regulamentada no seu n.º 2 e limitada aos fundamentos taxativamente elencados nas diversas alíneas do n.º 3.
A A. declarou expressamente que intentava esta acção ao abrigo do disposto na subalínea iii), ou seja, porque a sentença “se pronunciou sobre um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem ou contém decisões que ultrapassam o âmbito desta”, ancorando-se ainda nos art.ºs 18º, n.º 9 e na alínea f) do n.º 1 do art.º 59º da mesma LAV.
Está em causa a decisão interlocutória pela qual o tribunal arbitral se declarou competente para uma arbitragem entre as partes, certificada nos autos de fls. 267 a 274.
A tarefa do julgador fica facilitada, à semelhança do que já sucedera com os árbitros, porque a A. teve o cuidado de sintetizar as suas questões em quatro únicas conclusões.
Considerando que tanto a deliberação recorrida como a contestação da Ré abordaram isoladamente cada conclusão, conforme se impunha, faremos precisamente o mesmo e, para maior facilidade de exposição, após a sua reprodução nesta sede.

Assim:
1ª conclusão:A previsão no Acordo de realização de uma "arbitragem técnica" não está em vigor, tendo sido revogada pela realização de uma arbitragem, com um objecto que compreendeu todo o objecto da "arbitragem técnica" e ainda o excedeu largamente”.
A questão consiste assim em saber se a arbitragem já realizada ao abrigo da convenção de 2009 “revogou” aquela em causa nestes autos por o seu alargado âmbito ter esgotado o objecto desta.
O tribunal arbitral entendeu que não, em primeiro lugar porque o acordo de revogação deve revestir a forma escrita, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art.º 4.º da LAV.
Perante a clareza da lei e na falta de alegação da observância da forma legalmente prescrita para o procedimento revogatório, fica claro que a convenção de arbitragem permanece em vigor.
Questão diversa é saber se o objecto da segunda arbitragem, a impugnada nos presentes autos, tem o seu objecto esgotado pelo âmbito mais alargado da primeira.
O tribunal recorrido refutou este argumento com a ausência de qualquer declaração negocial tácita e porque “Da decisão arbitral proferida em 2015 não resulta também, sob este ponto de vista, qualquer impedimento à eficácia da convenção de arbitragem de 2009. Antes pelo contrário: ela reforça-a, na medida em que condena as Partes a cumprirem o acordo de que essa convenção consta”.
Para conseguir ser convincente o tribunal deveria ter concretizado em que medida é que ocorreu incumprimento ou cumprimento defeituoso do acordo e da correspondente condenação, o que não sucedeu.
Mas, em compensação, do nosso ponto de vista são por si muito elucidativos, por via do seu confronto, os art.ºs 9º e 30º da petição inicial da própria A., nos quais reproduz o objecto das segunda e primeira arbitragens, respectivamente:

Na 2ª Arbitragem, o R. invoca o seguinte:
a)- A existência de vícios e defeitos verificados nos autos de vistoria celebrados pelas partes em 2010 (arts. 230 a 166° da p.i.);
b)- A existência de vícios e defeitos detetados pelo R. após a realização dessas vistorias (arts. 167° a 181°);
c)- A existência de vícios e defeitos enunciados no Relatório da Bureau Veritas (arts. 189° a 966°);
d)- A realização de reparações efetuadas diretamente pelo R. (no alegado valor de €1.628.793,71; arts. 981° a 1007°);
e)- A existência dum orçamento para reparação dos vícios e defeitos ainda existentes, e um outro orçamento ainda em elaboração, estimando o R. o custo das reparações em valor não inferior a €3.750.000 (arts. 1008° a 1018°)”.
30º
Como resulta da Sentença Arbitral (cf. fls. 2 e 3, que se transcrevem em seguida) o objeto do litígio julgado na anterior arbitragem foi o seguinte:

OBJECTO DO LITÍGIO
(…) Nessa carta o Demandante, reportando-se ao contrato de empreitada supra referido, manifestou a pretensão de submeter a arbitragem um litígio, definindo desde logo o respectivo objecto, nos seguintes termos:
"... determinação dos direitos da C.F. relativamente às seguintes questões:
Incumprimento pela NX da obrigação de pagar o preço dos trabalhos executados pela C.F., e condenação da NX a indemnizar todos os danos causados por esse incumprimento;
Incumprimento pela NX das obrigações que assumiu pelo acordo que ficou lavrado em acta de reunião datada de 2 de Novembro de 2009, incluindo a recepção provisória da obra, a omissão de entrega de garantia bancária e pagamento de EUR 1.000.000, e condenação da NX no pagamento de todos os danos causados por esse incumprimento;
Declaração de que os defeitos não reconhecidos pela C.F. na vistoria da obra realizada em 2010 não existem ou não são imputáveis à C.F., pelo que à NX não assistem nenhuns direitos sobre a C.F. relativamente a esses pretensos defeitos;
Declaração de que a NX perdeu os seus direitos sobre a C.F. relativamente aos defeitos imputados à C.F.;
Declaração de que a C.F. é titular do direito de retenção do prédio urbano sito em (...)
Restituição de posse da obra à C.F.;
Condenação da NX a indemnizar a C.F. por todos os danos que esta tenha sofrido ou venha a sofrer pela sua expulsão da obra, incluindo os que resultem de a C.F. não ter conseguido retirar os seus bens e materiais do local da obra;
Declaração de que a multa aplicada à C.F. pela carta da NX de 11 de Agosto de 2010 não tem fundamento, pelo que o seu pagamento não é devido pela C.F..
Outras questões que, no âmbito do Contrato e dos termos das regras processuais, possam vir a ser colocadas nos articulados da C.F.”.

São igualmente esclarecedores os pedidos formulados pela ora Ré, supra transcritos na alínea o) da matéria de facto e que consubstanciam a liquidação da condenação genérica a que se reporta a questão seguinte.

Acresce que, na sequência de um pedido de aclaração proferido em 6 de Novembro de 2015 (cfr. o facto j)), o 1º Tribunal Arbitral proferiu a seguinte decisão:
A anotação limita-se apenas a deixar claro que será no âmbito da liquidação em execução de sentença que se determinará se os custos das reparações de eventuais defeitos detetados nos autos de vistoria, que já tenham sido realizados por conta do Demandado e que sejam considerados da responsabilidade da Demandante, são correctos e razoáveis, de acordo com cada obra correspondente, fixando o seu justo valor”.

Cremos que fica assim claramente evidenciado que o objecto da 2ª arbitragem não está esgotado.

2ª conclusão:De resto, a Sentença Arbitral de 6 de Outubro de 2016 não determinou a realização da "arbitragem técnica" prevista no Acordo; a condenação das partes, em condenação a liquidar em execução de sentença, no cumprimento das obrigações por ambas assumidas nesse acordo, não contém qualquer remissão para a resolução por "arbitragem técnica".

Recorde-se que a primeira sentença arbitral, depois de considerar inválida a declaração de resolução do contrato de empreitada, concluiu da seguinte forma: “…condenam-se as partes, em condenação a liquidar em execução de sentença, no cumprimento das obrigações por ambas assumidas nesse acordo, dando-se por reproduzida a acta de reunião referira no n.º 34 dos factos provados, e que se encontrarem com actualidade e em mora”.

Tratando-se de uma condenação genérica, rege o n.º 2 do art.º 47º da LAV nos seguintes termos: “2 - No caso de o tribunal arbitral ter proferido sentença de condenação genérica, a sua liquidação faz -se nos termos do n.º 4 do artigo 805.º do Código de Processo Civil, podendo no entanto ser requerida a liquidação ao tribunal arbitral nos termos do n.º 5 do artigo 45.º, caso em que o tribunal arbitral, ouvida a outra parte, e produzida prova, profere decisão complementar, julgando equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.

Perante este dispositivo legal afigura-se-nos irrelevante que a decisão arbitral não tenha contemplado esta via alternativa de liquidação, pela simples razão que a decisão do caso concreto em caso algum pode revogar ou derrogar uma lei, que inevitavelmente prevalece perante a omissão.

A única questão que verdadeiramente releva consiste em saber se a liquidação pode ser realizada por tribunal arbitral distinto daquele que proferiu a condenação genérica, já que da leitura do preceito legal decorre que o tribunal a que se refere é o mesmo que proferiu a sentença.

É manifesto que não estamos perante uma norma imperativa e, nesse pressuposto, conforme se defende na decisão recorrida nada obsta que as partes, ao abrigo do art.º 1º da LAV, convencionem diversamente.

Essa vontade está retratada nos factos c) a f) supra elencado, que resumem o acordo celebrado a 2 de Novembro de 2009 e formalizado em 20 de Janeiro de 2010, no qual as partes deixaram claro que pretendiam a intervenção de um novo tribunal arbitral, ao prescindirem do primeiro mediante a nomeação de “…um árbitro por ambas as Partes e o Presidente por acordo entre os árbitros nomeados, ou na falta de acordo, pelo Tribunal da Comarca de Lisboa” que deveria decidir, além do mais, sobre “A existência dos defeitos/obras mal executadas imputáveis à C.F. e respectiva valorização” e demais questões que ficaram em aberto na 1ª arbitragem.  
                                   
3ª conclusão:Acresce que, nos seus precisos termos, essa previsão contratual estabeleceu que a "arbitragem técnica" seria constituída em termos a acordar em anexo ao auto de recepção provisória da obra; ora, esse acordo não existiu, e nem mesmo existe um auto de recepção provisória, por o R. se ter recusado a assiná-lo, pelo que este não pode impor à A. a realização da arbitragem técnica”.

Deparamos aqui com um argumento de natureza meramente formal e, à semelhança do entendimento perfilhado na deliberação impugnada, consideramos que a divergência surgida entre as partes, impeditiva da elaboração do auto de recepção provisória da obra, não pode privar qualquer uma delas de constituir o tribunal arbitral nos termos contratualmente previstos. Conforme aí se refere “…se assim fosse a efetiva realização da arbitragem ficaria na disponibilidade de uma das Partes, que a poderia impedir, recusando-se (como sucedeu no caso vertente) a assinar o auto de receção provisória, o que não pode ter-se como admissível à luz do princípio da boa fé e da proscrição, a ele inerente, do venire contra factum proprium”.

Tanto assim é que tanto o primeiro como o segundo tribunal arbitral foram regularmente constituídos sem que a A. tivesse suscitado oportunamente a questão, optando antes por designar o seu árbitro e reagindo apenas na sequência da declaração de competência.

4ª conclusão:Acresce ainda que há um conjunto de questões litigiosas em aberto, não decididas pela sentença arbitral, que excedem o objecto da "arbitragem técnica" definido no Acordo, não tendo o tribunal arbitral, por conseguinte, competência para analisar e julgar essas questões”.

Trata-se, do nosso ponto de vista, de uma falsa questão.

Conforme vimos existe uma condenação genérica proferida pelo primeiro tribunal arbitral e a sua liquidação pode ser concretizada por idêntico tribunal, mesmo com constituição diversa do primeiro.

O seu âmbito de intervenção está definido pela condenação e pelos pedidos formulados e supra transcritos, no estrito âmbito da liquidação prevista; e, em termos legais, o novo tribunal está limitado à previsão do art.º 46º do LAV, designadamente à subalínea iii) da alínea a) do n.º 3.

Consequentemente, as questões litigiosas ainda em aberto, não estando decididas pela sentença arbitral conforme admite e refere a própria A., não estão nem podem estar sujeitas à apreciação deste segundo tribunal arbitral, quer legalmente quer por não terem sido sequer objecto dos pedidos formulados pela ora Ré.

Conclui-se, assim, pela manifesta improcedência desta questão e, consequentemente, da presente acção.

III–Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a presente acção, com a consequente absolvição da Ré do pedido.
Custas pela A.



Lisboa, 9 de Novembro de 2019



Nuno Sampaio (relator)             
Maria Teresa Pardal                 
Carlos Marinho
Decisão Texto Integral: