Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10457/16.2T8LSB.L1-4
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: FACTOS
CONTRADIÇÃO
CONVENÇÃO COLECTIVA
APLICABILIDADE
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I–Havendo contradição entre dois factos provados, um por acordo das partes expresso na audiência de julgamento e outro com base em depoimentos testemunhais e prova documental sem força probatória plena, deve a contradição sanar-se eliminando o segundo de tais factos.

II–Se o trabalhador não formulou na petição inicial pedido de pagamento de trabalho suplementar e, em conformidade, a sentença não apreciou o direito respectivo, não pode a Relação apreciar o direito ao pagamento de trabalho com tal natureza, ainda que os testemunhos prestados afirmem a sua prestação, sob pena de violação do princípio do pedido e de entrar no vedado conhecimento de questões novas sobre que o tribunal a quo se não pronunciou.

III–As convenções colectivas de trabalho obrigam os empregadores que as subscrevem e os inscritos nas associações signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros quer das associações sindicais celebrantes, quer das representadas pelas celebrantes e o âmbito da aplicação que é traçado no seu texto pode ser estendido, por portaria, a empregadores e trabalhadores integrados no âmbito do sector de actividade e profissional definido naquele instrumento.
IV – O ónus de alegação e prova da situação jurídica de filiado ou da verificação do condicionalismo que permite a afirmação da aplicabilidade de determinado instrumento de regulamentação colectiva está a cargo de quem invoca o direito.

(Elaborado pela relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

П

1. Relatório
1.1. AAA intentou em 21 de Abril de 2016 a presente acção declarativa comum contra

BBB, Lda,

- CCC,

- DDD e

- EEE

formulando o seguinte pedido:

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve ser julgada procedente e provada a ação e os Réus serem condenados a pagar ao A. os valores mencionados no artigo 43º desta petição tudo no total de € 90 082,41”.

Para tanto, alegou, em síntese: que foi admitido a trabalhar ao serviço da R. em 1 de Agosto de 1993, com a categoria profissional de caixeiro, retalhista de produtos alimentares, mas nunca exerceu essa actividade; que as funções que desempenha correspondem a talhante cortador de carnes; que o prémio da especialidade que consta do seu recibo nunca lhe foi pago até Outubro de 2011 pois nesse prémio, apesar do que a R. lhe chamava, estava escondido o pagamento de horas extraordinárias; que o valor que a R. paga de prémio de especialidade é superior ao que consta do BTE nº 18 de 15/5/2003 e nº 27 de 22/7/2004 que estipulam como prémio de especialidade as quantias de € 35,41 e 36,40, donde se percebe que está camuflado o pagamento de trabalho extraordinário como se fora um prémio de especialidade; que lhe é devida como prémio de especialidade a quantia de € 7.036,8; que o salário de talhante de carnes é segundo o BTE nº 24 de 29/6/1993 de € 287,50 mensais quando o A. recebia € 242,30, pelo que tem direito às diferenças salariais decorrentes de tal nesse ano e nos seguintes até 2016 no valor de € 25.881,49; que a R. nunca pagou diuturnidades pelo que, de acordo com o BTE nº 27 de 22/7/2004, tem direito a esse título a € 24.271,25 entre 1996 e 2016; que o subsídio de refeição só foi pago a partir de 2011, pelo que o mesmo se encontra em dívida desde Agosto de 1993 até 2010, no valor de €14.152,87; que tem direito a um subsídio de produtividade no valor de € 58,00 mensais, totalizando a quantia de € 11.136,00 em 16 anos; que tem direito a um complemento salarial semanal, de acordo com o BTE nº 30 de 15/8/2014, no valor de € 21,7, devido desde Janeiro de 2014 a Março de 2016, no total de € 2.604,00; que toda a situação o tem deixado triste, angustiado e peticiona uma indemnização de € 5.000 de danos não patrimoniais; que a prestação em causa é um facto infungível donde pede ainda que, por cada dia de atraso no cumprimento da prestação, seja condenada a R. no pagamento diário de € 1.500 a título de sanção pecuniária compulsória.

Designada data para audiência de partes, não foi possível a conciliação.

Os RR. apresentaram contestação na qual defendem a improcedência da acção, invocando, desde logo,  que os segundo a quarto RR. nenhum contrato de trabalho celebraram com o A.. Alegam ainda, no essencial, que nunca o A. reclamou qualquer quantia como lhe sendo devida, que em Janeiro de 2016 a R. trespassou à (…), Lda. o estabelecimento comercial de minimercado onde o A. trabalhava e a mesma manteve todos os postos de trabalho e que nem a R. subscreveu as convenções colectivas de trabalho que o A. invocou e juntou aos autos, nem este fez prova de estar filiado nos sindicatos que às mesmas aderiram, donde as mesmas não são aplicáveis.

O A. respondeu à contestação nos termos de fls. 143 e ss..

Veio depois o A. pedir a intervenção principal da (…), Lda. por à mesma se ter transferido o seu contrato de trabalho nos termos do artigo 285.º do Código do Trabalho (fls. 163 e ss.)

Cumprido o contraditório, veio a ser admitida a intervenção principal provocada da (…), Lda. como associada da R., por despacho de 5 de Dezembro de 2016,

Citada esta sociedade, veio a mesma contestar alegando, em suma, que: aceitou o trespasse do estabelecimento comercial verificado em 12 de Janeiro de 2016, com efeitos a 1 de Abril de 2016 no pressuposto de inexistirem dívidas o que sempre foi assegurado pela R.BBB, afirmando-se no contrato de trespasse a inexistência de passivo; que nunca o A. ou qualquer outro trabalhador reclamou qualquer crédito, e por outro lado, nem a mercadoria, nem o direito ao arrendamento acompanharam a loja; que a primeira R. assumiu a obrigação de responder por qualquer débito que diga respeito à sua gestão; que não se mostram alegados danos não patrimoniais merecedores de tutela e que a sanção pecuniária compulsória só é aplicável no caso de prestações de facto infungíveis, o que não é o caso, sendo absurdo o valor peticionado. Conclui pela sua absolvição do pedido.

Fixado valor à causa em € 90.082,41, foi proferido despacho saneador que absolveu da instância os segundo, terceiro e quarto RR., considerando-os partes ilegítimas.

Realizado o julgamento, em que as partes chegaram a acordo quanto a parte dos factos em litígio, veio a ser prolatada sentença que decidiu do mérito da causa julgando improcedente a acção e absolvendo as RR. BBB, Lda e (…), Lda. do pedido.

1.2. O A., inconformado, interpôs recurso e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões

“1 – Foi dado como assente e provado, que o A. desde o primeiro dia de trabalho e ao longo dos anos, sempre foi cortador de carnes, facto provado (f).

2 – Sendo cortador de carnes, a R. celebrou ao A. um contrato de trabalho com a categoria de caixeiro.

3 – A R. embora reconheça que o A. é cortador de carnes, nunca o reclassificou como tal.

4 – A R. sempre omitiu contratualmente a verdadeira categoria profissional do A.

5 – O Tribunal a quo desvaloriza a verdadeira categoria profissional do A. comparando-o em termos de categoria e salário, com as operadoras de loja suas colegas.

6 – Não pode ser comparável o que não é igual.

7 – Um cortador de carnes tem uma categoria específica que lhe concede abonos adicionais, tal como foi afirmado pela testemunha Sr. (…), contabilista da R. passagem,( T00:10:00).

8 – O facto provado (j) está em contradição com o facto provado (ff), num afirma-se que o A. recebia da R. o designado prémio de especialidade 14 vezes por ano, no outro, afirma-se que a R. nunca pagou ao A. qualquer prémio de especialidade.

9 – A R. BBB, não logrou provar se se tratava de prémio de especialidade ou englobava outros pagamentos.

10 - Em instâncias da Mtª. Juiz, passagem (T00:10:00) “a testemunha já disse, processou o que a BBB lhe disse para processar, pronto é isto o facto”.

11 – Afirmando a testemunha (…) contabilista da R. não se recordar se aquele valor respeitava a prémio de especialidade ou horas extraordinárias.

12 – A R. não logrou fazer prova das quantias processadas até 20011.

13 – Em nenhum dos recibos de vencimento do mês de Dezembro dos vários anos, até 2011, se verifica o pagamento em dobro do prémio de especialidade.

14 – Facto que deveria ter sido dado como não provado.

15 – O A. sempre fez trabalho extraordinário.

Em instâncias da Mtª. Juiz, passagem (T00:30:00) “Sr. (…), o senhor alguma vez fez horas extraordinárias ao longo do seu contrato de trabalho”?

Sr. (...), “sim senhora”

Mtª. Juiz, “o que o senhor diz, vamos lá ver, todos os meses fazia horas extraordinárias ao longo do seu contrato de trabalho”?

Sr. (...) “ sim senhora”

Mtª Juiz, “é isso, e houve algum mês que o senhor nunca tivesse trabalhado para além do seu horário”?

Sr. (...), “só estando de férias”

16 – Do depoimento das testemunhas, (…),(…) e (…), ficou provado que o A., fazia muitas horas extraordinárias, entre 3, 4 horas por dia.

17 – A testemunha (…), afirmou ainda que, “face á quantidade de horas extraordinárias que o A. fazia, o prémio de especialidade não podia ser as duas coisas”.

18 – A instâncias do Advogado do A. passagem (T 01:15:00) As testemunhas, (…), (…) e (…)responderam, “ que falavam com o Sr. (…), e que ele fazia muitas horas extraordinárias, que entrava às 7 da manhã e saía ás 8 da noite, e que comentavam que não podia ser prémio de especialidade e horas extraordinárias, sempre o viram fazer horas extraordinárias”.

19 – A instâncias da Mtª Juiz, passagem, (T 01:25:00) A testemunha (...), respondeu, “ que o prémio de especialidade se prende com o número de horas extraordinárias e não pelo facto de ser cortador de carnes”. O que foi confirmado pela testemunha (...).

20 - Embora não se tenha quantificado o montante em horas trabalho extra, salvo melhor entendimento, nos termos do artº 608º nº 2 do CPC, é do conhecimento oficioso e deveria esta questão merecer melhor apreciação.

21 – Os factos provados (dd,ee,ff,gg) estão em contradição com a fundamentação e a decisão.

22 – Os factos provados (c,f) são contraditórios entre si, resultando provado o facto (f) a categoria profissional do A. deve ser a de cortador de carnes e não outra, passando a resolução deste litígio pela reclassificação do A. nessa categoria profissional.

23 – O que se aplica, mutatis mutandis, aos factos provados (d,e).

24 – Mal andou o tribunal a quo, e isso tem que se dizer, comparando a categoria profissional do A. e salário, com as demais funcionárias, e por consequência, entendeu, “que a R. BBB nada tem a pagar-lhe”.

25 – Tal conclusão, é em nossa opinião, completamente errada.

26 – A R. nunca pagou ao A. prémio de especialidade, subsídio de alimentação, diuturnidades, diferenças salariais, complemento semanal, factos provados (cc,dd,ee,ff,gg)

27 - Os BTE. Juntos com a p.i. docs. 5 a 11 não mereceram qualquer análise crítica, limitando-se o Tribunal a quo, a concluir “que o A. não é filiado em nenhum sindicato”.

28 – Contrariamente á conclusão tirada pelo Tribunal a quo, o A. encontra-se filiado no sindicato.

29 – Como prova disso, veja-se recibo de vencimento doc. nº 4 junto com a p.i. onde consta o desconto de 1% do seu vencimento para o sindicato.

30 - É a própria R. que procede aos descontes, concluindo-se assim, a adesão da R. às CCT.

31 – Os BTE, juntos aos autos não se aplicam só ao Distrito de Aveiro, eles são também regulamentos de extensão, abrangendo todo o território nacional.

32 – Por tudo quanto atrás fica dito, a sentença é contraditória em toda a sua extensão não especificando os fundamentos de fcto e de direito que justificam a decisão, violando o disposto no artº 615º nº 1 alíneas a) b) c) e) do CPC.

33 - O Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões que deveria apreciar e conheceu outras que não devia conhecer, sendo nula a sentença.

34 – Não pode o Tribunal a quo, em evidente substituição da R. BBB, decidir fora das questões que lhe foram dirigidas, sob pena de violação dos princípios do dispositivo e contraditório artº3º nº 1 e 3 do CPC.

35 – Dúvidas não ficam de que a R. não pagou ao A. o adicional, peticionado, inerente á sua especificidade, (cortador de carnes).

36 – Assim, entendemos que a douta sentença violou o disposto nos artºs 615º nº1 alíneas a) b) c) e) do CPC, bem como os artºs 126º nº 1 e 2, 127º nº1al. b) 2ª parte, 129ºnº 1 al.d), 258º nº 2, 262º nº 1 e 2 al. b), 270º, 276º nº3 e 4, todos do Código do Trabalho.

Nestes termos e nos mais de direito, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a presente acção totalmente procedente tudo como na p. i..”

1.3. As RR. (...), Lda. e BBB,. apresentaram resposta às alegações, defendendo a improcedência do recurso. A segunda rematou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

“A) As normas legais ditas violadas na apelação ou não o foram, visivelmente, ou nem sequer têm relação com o discutido nos autos;

B) O que o apelante pretende é receber prémios ou retribuições agora invocadas face ao trespasse efectuado e nunca reclamado ou referido ao longo de mais de duas décadas;

C) Mas, para isso, era necessário alegar e provar factos concretos, o que o apelante se dispensou de fazer, certamente por não poder fazê-lo;

D) Tratou-se de um processo inútil, infundado e oneroso para todos os intervenientes, incluindo para pessoas para ele arrastadas por pura displicência,  logo absolvidas mas com as vidas alteradas e sobressaltadas sem qualquer necessidade.

E) Não podia, pois, a douta sentença decidir de outro modo, nada havendo a apontar-lhe, quer no seu dispositivo, quer na sua fundamentação.

Termos em que deve o recurso improceder, assim fazendo a esperada Justiça!”

1.4. O recurso foi admitido por despacho de 28 de Junho de 2017 (fls. 366).

1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento.

Apenas o recorrente respondeu a este Parecer, dele discordando nos termos de fls. 394-395.
                                                                                                                *

Cumprido o disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir.
                                                                                                               *
2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal prendem-se com a análise:
1.ª – da invocada nulidade da sentença nos termos das alíneas a), b), c) e e), do artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (conclusões 21. e 32. a 34.);
2.ª – da existência de contradição entre os factos j) e ff) elencados na sentença (conclusões 8. a 14.);
3.ª – da existência de contradição entre os factos c) e f) e entre os factos d) e e) elencados na sentença (conclusões 22., primeira parte e 23.);
4.ª – da reclassificação do A. (conclusões 1. a 7. e 22., segunda parte);
5.ª – do trabalho suplementar (conclusões 15. a 20.);
6.ª – se o A. tem direito aos valores peticionados – a título de: a) diferenças salariais entre a categoria de caixeiro e a que sempre desempenhou, que é a de cortador de carnes; b) diuturnidades desde 1996 até à data da petição inicial; c) subsídio de refeição não pago desde 1993 até 2016; d) prémio de produtividade; e) prémio de especialidade; e f) complemento semanal – o que pressupõe a análise da questão, prévia, de saber se à relação laboral firmada entre as partes são aplicáveis os instrumentos de regulamentação colectiva em que fundou este alegado direito (conclusões 24. a 31. e 35.).
                                                                                                               *
3. Da nulidade da sentença
                                                                                                               *
Afirma o recorrente nas suas conclusões que a sentença recorrida enferma de nulidade, é contraditória em toda a sua extensão, não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, violando o disposto no artigo 615.º n.º 1 alíneas a) b) c) e) do CPC, bem como que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões que deveria apreciar e conheceu outras que não devia conhecer.

Mas no requerimento de interposição de recurso dirigido ao tribunal a quo (fls. 297) o recorrente não faz qualquer alusão à nulidade da sentença, limitando-se a dizer, depois de se identificar, o seguinte:

«… (…) notificado da sentença que julgou a presente acção totalmente improcedente, e em consequência, absolvendo as RR., do pedido, não se conformando com a decisão vem ao abrigo do disposto nos artºs 644º nº 1 al. a) interpor recurso de apelação com subida imediata nos próprios autos artº 645º nº 1 al. a), e efeito meramente devolutivo artº 647º nº 1 do CPC, para o Tribunal da Relação de Lisboa, juntando as suas alegações de recurso.

Junta:

- Alegações

(…)»


Ora, por força do estatuído no artigo 77.º do Código de Processo de Trabalho, a arguição de nulidades da sentença deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso.

Em consonância com esta especialidade estabelecida pela lei processual laboral, a jurisprudência tem considerado pacificamente que não deve ser conhecida pelo tribunal ad quem a nulidade da sentença em processo laboral que não foi arguida no requerimento de interposição de recurso.

No caso sub judice, o recorrente não chega sequer a arguir a nulidade no requerimento de interposição de recurso dirigido ao tribunal da 1.ª instância, aí não lhe fazendo qualquer referência pelo que, independentemente da avaliação do seu mérito e, até, da adequação dos fundamentos invocados na apelação às hipóteses de nulidade da sentença previstas na lei, não pode apreciar-se a argumentação do recorrente no sentido de saber se se verifica a nulidade da sentença nos termos do preceituado no artigo 615.º do Código de Processo Civil.

Não se conhece, pois, da arguida nulidade.
                                                                                                               *
                                                                                                               *

4. Fundamentação de facto
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4.1. Em sede de matéria de facto, o recorrente imputa ao juízo decisório da 1.ª instância alguns erros, começando por alegar que o facto provado j) está em contradição com o facto provado ff).

Sustenta que a R. não logrou provar se o prémio de especialidade se tratava de um prémio ou englobava outros pagamentos, que a testemunha (...), contabilista da R. sabia que a R. lhe disse para processar mas não se recordava se o valor respeitava a prémio de especialidade ou horas extraordinárias e que em nenhum dos recibos de vencimento do mês de Dezembro dos vários anos, até 2011, se verifica o pagamento em dobro do prémio de especialidade. Conclui que o facto[1] que deveria ter sido dado como não provado.

Embora o recorrente não indique nas conclusões qual o ponto de facto que julga incorrectamente julgado, o que constitui fundamento para a rejeição da impugnação da decisão de facto a este propósito – cfr. o artigo 640.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil –, apreciar-se-á se se verifica a apontada contradição, uma vez que edsta matéria é de conhecimento oficioso.

Com efeito, nos termos do preceituado no artigo no 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, a Relação deve, mesmo oficiosamente, “[a]nular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.

Esta hipótese legal destina-se à deficiência, obscuridade, contradição ou insuficiência que se verifique na própria decisão de facto, ou seja, aos casos em que não se mostra estabelecida uma “plataforma sólida para a integração jurídica do caso[2].

Segundo o Professor Alberto dos Reis, as respostas são contraditórias quando têm um conteúdo logicamente incompatível e não podem ambas subsistir utilmente[3].

É patentemente este o caso quanto aos dois factos descritos nas alíneas j) e ff), que têm o seguinte teor:

j) O A. recebia da R. o designado “prémio da especialidade” catorze vezes por ano;

ff) A R. nunca pagou ao A. qualquer prémio de especialidade;


Da mera leitura destes dois factos que integram o elenco de factos provados se constata a existência de uma incompatibilidade: se está provado que o A. recebia da R. o designado prémio de especialidade 14 vezes por ano, não pode estar igualmente provado que a R. nunca pagou ao A. qualquer prémio de especialidade.

Verificado algum dos vícios enunciados no n.º 2, do artigo 662.º, do Código de Processo Civil, a anulação da decisão só deverá ocorrer, como resulta expressis verbis do corpo da sua alínea c), quando não constem do processo todos os elementos que, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Cabe pois ao Tribunal da Relação o dever de, oficiosamente, conhecer destes vícios e poderá supri-los, como afirma Abrantes Geraldes, “desde que constem do processo (ou da gravação) os elementos em que o tribunal a quo se fundou, situação que se revelará agora mais frequente, atenta a obrigatoriedade de gravação das audiências”. Segundo indica o mesmo autor, a superação do vício pode decorrer, além do mais, “da reponderação dos meios de prova que se encontrem disponíveis e nos quais o tribunal a quo se tenha baseado[4].  

Analisando a decisão de facto, verifica-se que o facto j) resultou assente na sentença  em consequência do acordo entre as partes obtido na audiência de julgamento e documentado em acta (no ponto 5. a fls. 259).

Os factos admitidos por acordo devem ser tidos em consideração pelo Tribunal da Relação, se relevantes para a decisão do pleito – cfr. o artigo 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho e, ainda, o artigo 607.º, n.º 4, do primeiro diploma.

Já o facto ff), no qual se afirma que a R. nunca pagou ao A. qualquer prémio de especialidade – e que, segundo se deduz da alegação da apelação, o recorrente pretende ver mantido, com a supressão do facto j) – foi considerado provado pela Mma. Julgadora a quo após produzida a prova em audiência.

Analisando a motivação da decisão de facto, verifica-se que nela não é invocado qualquer meio de prova com força probatória plena susceptível de alicerçar a decisão que ficou a constar da alínea ff) de que a R. nunca pagou ao A. qualquer prémio de especialidade, sendo, aliás, a motivação ali exposta de sentido oposto pois que parte do pressuposto de que o referido prémio foi pago ao A. durante a execução do contrato de trabalho, afirmando-o a Mma. Julgadora mais do que uma vez.

Por outro lado, o recorrente limita-se a invocar documentos que não junta ao processo (os recibos de vencimento dos meses de Dezembro até 2011) e um depoimento testemunhal sujeito à livre apreciação do julgador (o depoimento da testemunha Mário Pontes), o que não é de molde a sobrelevar a prova plena que resulta do acordo expresso na acta da audiência quanto ao facto j).

Assim, nunca a constatada contradição poderia ser removida com o sacrifício do facto afirmado na alínea j) e a manutenção do facto descrito na alínea ff).

Deve acrescentar-se que a contradição assinalada pelo recorrente se estende também aos factos g) e cc), nos quais se afirmou que:

g) Desde o início do contrato do A. com a R. que esta procede ao pagamento ao mesmo do prémio da especialidade no valor fixo de €124,70, sendo que no inicio do contrato se cifrava em Esc. 20.000$00;

cc) A R. pagava ao A. o prémio de especialidade como acréscimo da tarefa especial que este desempenhava, de cortador de carnes;


Se a primeira R., desde o início do contrato, procedia ao pagamento ao A. do prémio da especialidade [facto g)] e se o pagava como acréscimo da tarefa especial que este desempenhava, de cortador de carnes [facto cc)], é manifesto que é incongruente com estas afirmações o facto descrito na alínea ff)  de que a R. nunca pagou ao A. qualquer prémio de especialidade.

Note-se que também a alínea g) dos factos provados resultou assente na sentença em consequência do acordo entre as partes obtido na audiência de julgamento e documentado em acta (no ponto 2. a fls. 259), o que reforça as considerações anteriormente expendidas quanto à prevalência das afirmações de facto constantes desta alínea.

Tanto basta para que se deva sanar a contradição constatada, considerando “não provado” o facto descrito na alínea ff) da sentença e mantendo os demais que se referenciaram.

Deve dizer-se, contudo, que uma vez reanalisada a prova produzida, inexistem discrepâncias quanto ao facto de o A. auferir desde o início do contrato prémio de especialidade. Assim o indicam os recibos constantes dos autos a fls. 38 e 39 e houve a tal propósito consonância entre os depoimentos das testemunhas (...), (...) e (...) (operadoras de loja), embora na perspectiva da primeira o prémio fosse pago porque o A. era cortador de carnes e na opinião das outras duas testemunhas o prémio fosse um modo de pagar o trabalho suplementar realizado pelo A.. Já o depoimento da testemunha (...) (contabilista que processava os vencimentos do A.), embora pouco adiantando quanto ao que visava o prémio pagar, não deixou de afirmar que procedia ao seu pagamento porque a R. assim lhe disse para fazer.

Em suma, a decisão de facto da 1.ª instância padece de erro de julgamento e deve ser alterada de modo a remover-se a constatada contradição, pelo que se elimina a alínea ff) dos factos provados.
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4.2. O recorrente invoca ainda que os factos provados c) e f) são contraditórios entre si e que, resultando provado o facto f), a categoria profissional do A. deve ser a de cortador de carnes e não outra, passando a resolução deste litígio pela reclassificação do A. nessa categoria profissional, o que se aplica, mutatis mutandis, aos factos provados d) e e).

Vejamos o que neles se afirmou:

c) O A. foi admitido com a categoria profissional de retalhista de produtos alimentares;

d) Constando do recibo de vencimento de 1994 a categoria de Caixeiro;

e) Desde 2011 que do recibo de vencimento consta a categoria de operador de loja;

f) O A. desde a data em que foi contratado pela R. desempenha sempre as funções de cortador de carnes;


Não vemos que estes pontos da decisão se contradigam.

Com efeito, constituem realidades distintas, por um lado, as designações conferidas pelas partes, expressas ou não em suporte documental, à categoria profissional atribuída a um trabalhador e, por outro, as concretas funções pelo mesmo trabalhador exercidas.

Estão no primeiro grupo os factos elencados nas alíneas c), d) e e), que se reportam a designações genéricas e necessitadas de um preenchimento factual, a primeira reportando-se ao momento do contrato e as demais ao que foi constando dos recibos emitidos.

Integram-se no segundo grupo os factos elencados na alínea f), referenciados já ao concreto exercício de funções e usando uma expressão designativa (“cortador de carnes”) com um conteúdo fáctico mais patente e facilmente apreensível.  

Aliás, deve dizer-se que, quanto às primeiras alíneas indicadas pelo recorrente como contraditórias – as c) e f) – a enunciação dos factos está em estrita conformidade com o que o A. alegou nos artigos 3.º a 5.º da petição inicial no sentido de que, em resumo, “embora o A. tenha sido contratado com a categoria profissional de caixeiro, de retalhista de produtos alimentares, nunca exerceu esta actividade”, omitindo a R. “no contrato a sua verdadeira categoria profissional” e “desde o primeiro dia de trabalho (…) foi sempre cortador de carnes”.

E a sentença não deixou de tirar os devidos efeitos desta alegação, invocando o disposto no artigo 118.º do Código do Trabalho, afirmando que “o que releva são as tarefas efectivamente praticadas pelo trabalhador para se aferir se as mesmas eram consentâneas com a sua categoria”, que “mais do que a designação (…), compete ao trabalhador invocar e provar os factos que podem ser conducentes a que se conclua que o trabalho efectivamente prestado é merecedor de ser incluído numa categoria distinta” e que, no caso, “o trabalhador provou as tarefas que desempenhava são as de cortador de carnes”, desenvolvendo depois o seu raciocínio no sentido de aferir qual a remuneração devida por tais funções face ao regime normativo aplicável.

Nenhuma contradição factual existe para suprir a este nível, improcedendo a impugnação do recorrente.
                                                                                                               *
4.3. Os factos a atender para a decisão jurídica do pleito, são, assim, após a intervenção deste Tribunal da Relação, os seguintes:

a) O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 1/8/1993, a fim de trabalhar sob as suas ordens, direcção e fiscalização, mediante um contrato de trabalho a termo certo cujo teor consta de fls. 35 a 37 dos autos;

b) O contrato em apreço não foi renovado e manteve-se até dos dias de hoje;

c) O A. foi admitido com a categoria profissional de retalhista de produtos alimentares;

d) Constando do recibo de vencimento de 1994 a categoria de Caixeiro;

e) Desde 2011 que do recibo de vencimento consta a categoria de operador de loja;

f) O A. desde a data em que foi contratado pela R. desempenha sempre as funções de cortador de carnes;

g) Desde o início do contrato do A. com a R. que esta procede ao pagamento ao mesmo do prémio da especialidade no valor fixo de €124,70, sendo que no inicio do contrato se cifrava em Esc. 20.000$00;

h) Os demais operadores de caixa e de loja da R. não recebiam o designado “prémio de especialidade”;

i) Os demais operadores de caixa e de loja da R. recebem um vencimento base inferior ao do A.;

j) O A. recebia da R. o designado “prémio da especialidade” catorze vezes por ano;

k) No dia 12 de Janeiro de 2016, a interveniente e a R. BBB, Lda. outorgaram um contrato que denominaram de “contrato de trespasse”, tendo por objecto o estabelecimento comercial de minimercado instalado na Rua (...);

l) De acordo com o referido contrato, as chaves do estabelecimento seriam entregues à interveniente até ao dia 1 de Abril de 2016;

m) E, efectivamente, no dia 1 de Abril de 2016, as chaves foram entregues à interveniente pela R. BBB, Lda;

n) Data a partir da qual o contrato outorgado produziu os seus efeitos;

o) O estabelecimento foi entregue à interveniente com os bens constantes da relação anexa àquele contrato;

p) E sem quaisquer mercadorias ou produtos comercializados até àquela data pela R. BBB, Lda.;

q) Com efeito, a R. BBB, Lda. exercia naquela loja o comércio e minimercado, através de um contrato de franquia celebrado com a “(...), S. A.” (DIA) – cfr. cit. doc. nº. 1.

r) O qual terá sido denunciado, e, por isso, a mercadoria ali existente terá sido retomada pela “(...), S. A.” (DIA);

s) Após receber as chaves do estabelecimento, a interveniente celebrou no dia 8 de abril de 2016 um contrato de franquia com a sociedade (...), S. A., para instalação na loja, em formato de franchising, de um minimercado de proximidade “(...)”;

t) A R. BBB, Lda., através dos seus gerentes, sempre afirmou à interveniente, durante as negociações e no momento da outorga do contrato, que não tinha qualquer passivo, responsabilidades ou dívidas, nomeadamente, a fornecedores, a trabalhadores, à Segurança Social e à Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo-lhe entregue certidões emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira e pela Segurança Social, comprovativas de que não era devedora perante a Fazenda Nacional e que tinha a sua situação contributiva regularizada com a Segurança Social levando a interveniente a convencer-se que, efectivamente, tomava de trespasse o estabelecimento sem quaisquer dívidas, passivo ou responsabilidades;

u) Aliás, no “contrato de trespasse” ficou exarado que a R.BBB, Lda. “não tem, relativamente ao estabelecimento referido (e não tem qualquer outro) qualquer passivo”;

v) Assumindo a R. BBB,Lda. nos termos contratuais a obrigação de responder “por qualquer débito ou reclamação que diga respeito à sua gestão”;

w) Assim, com base nestes pressupostos – ausência de passivo, débitos ou responsabilidades decorrentes da gestão da R. BBB Lda. – a interveniente outorgou o referido contrato;

x) A R. BBB, Lda. assumiu a obrigação de responder “por qualquer débito ou reclamação que diga respeito à sua gestão”;

y) Antes da outorga do contrato de trespasse e antes de as chaves da loja lhe serem entregues, nem o A. nem os restantes dos trabalhadores informou a interveniente que era titular de créditos laborais decorrentes da gestão do estabelecimento pela R. BBB Lda;

z) No contrato celebrado pela interveniente com a R. BBB, Lda., nem a mercadoria nem o direito ao arrendamento acompanharam a loja;

aa) Com efeito, os produtos comercializados na loja foram integralmente adquiridos pela interveniente à sociedade (...), S. A.;

bb) E o contrato de arrendamento foi celebrado no dia 12 de Janeiro de 2016, entre a interveniente e o proprietário da loja, (...), para vigorar a partir do dia 1 de Abril de 2016;

cc) A R. pagava ao A. o prémio de especialidade como acréscimo da tarefa especial que este desempenhava, de cortador de carnes;

dd) A R. apenas pagou ao A. o subsídio de alimentação a partir de 2011;

ee) A R. nunca pagou ao A. quaisquer diuturnidades;

ff) eliminado

gg) A R. nunca pagou ao A. qualquer complemento semanal.
                                                                                                               *

                                                                                                                             *

4. Fundamentação de direito

                                                                                                               *

4.1. A primeira questão de direito suscitada pelo recorrente (a quarta enunciada no elenco global de questões), situa-se ao nível da reclassificação do A.

Alega o recorrente que foi dado como assente e provado, que o A. desde o primeiro dia de trabalho e ao longo dos anos, sempre foi cortador de carnes, que a R. celebrou com o A. um contrato de trabalho com a categoria de caixeiro e, embora reconheça que o A. é cortador de carnes, nunca o reclassificou como tal e sempre omitiu contratualmente a verdadeira categoria profissional do A. Alega ainda que o tribunal a quo desvaloriza a verdadeira categoria profissional do A. comparando-o em termos de categoria e salário, com as operadoras de loja suas colegas, o que não é igual nem pode ser comparável e que um cortador de carnes tem uma categoria específica que lhe concede abonos adicionais, tal como foi afirmado pela testemunha Sr. (...), contabilista da R.

Analisando a sentença, verifica-se que a mesma ponderou esta diferença existente entre as funções desempenhadas pelo A. ao longo do contrato e a designação categorial que lhe foi atribuída quando o mesmo foi admitido e nos recibos ulteriormente emitidos.

Além disso, em conformidade com os factos provados constantes da alínea f), onde se relatam as funções que o A. exerceu efectivamente desde a data em que foi contratado, e ponderando o regime jurídico da categoria profissional consagrado no Código do Trabalho de 2009 – designadamente o emergente do seu artigo 118.º –, bem como pertinente doutrina, concluiu a sentença ter o trabalhador provado que as tarefas que desempenhava são as de “cortador de carnes”, desenvolvendo o seu raciocínio ulterior no sentido de aferir “qual a remuneração devida por tais funções”.

É certo que a sentença não condenou a R. a proceder à reclassificação do A..

Mas a verdade é que não se lhe impunha que o fizesse na medida em que no segmento da petição inicial destinado à formulação do pedido, o A. não peticionou tal reclassificação, limitando-se a pedir o seguinte:

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve ser julgada procedente e provada a ação e os Réus serem condenados a pagar ao A. os valores mencionados no artigo 43º desta petição tudo no total de € 90 082,41”.

Ou seja, apesar de no decurso da alegação que fez constar da petição inicial o A. aludir à condenação da R. a reclassifica-lo na categoria profissional de cortador de carnes, referindo-a mesmo no artigo 43.º da petição inicial (que tem duas partes distintas, uma respeitante aos valores a que o A. diz ter direito e outra respeitante à reclassificação que da maior parte deles constitui pressuposto), a verdade é que o pedido formulado no final do articulado se dirige, apenas, à condenação da R. no pagamento de quantia certa.

Ora os pedidos têm de ser discriminadamente formulados na parte final da petição inicial e só deles o tribunal pode conhecer - cfr. a alínea e) do nº 1 do artigo 552.º e o n.º 1 do artigo 609.º do Código de Processo Civil. A exigência de delimitação formal dos pedidos explica-se porque delimitam o poder de cognição do tribunal, que se encontra vinculado qualitativa e quantitativamente pelos pedidos deduzidos.

Não se reconhece pois razão ao recorrente quando este invoca nas alegações que “tal como peticionou, deve ser reclassificado com a categoria de cortador de carnes desde o início do seu contrato”.

No caso, contudo, a ausência desta condenação não tem quaisquer efeitos na sorte da acção na medida em que a sentença reconheceu efectivamente ser a categoria profissional do A. a por ele pretendida, sendo desse pressuposto que parte para a ulterior análise dos pedidos formulados.

O que constituiu óbice à procedência do pedido formulado não se situa ao nível do reconhecimento da categoria profissional, mas ao nível do regime jurídico a que se entendeu estar submetida a relação laboral sub judice.

Efectivamente, é a partir de tal regime que poderá identificar-se se existe, ou não, uma disciplina normativa associada ao reconhecimento da categoria profissional de cortador de carnes e se o empregador observou, ou não, tal disciplina, havendo valores que não pagou e deveria ter pago.

E para se alcançar a identificação de tal regime é evidentemente despicienda a alegação do recorrente no sentido de que a categoria específica de cortador de carnes do trabalhador “lhe concede abonos adicionais tal como foi afirmado pela testemunha Sr. (...) contabilista da R.” (conclusão 7.). A prova testemunhal destina-se, como as provas em geral, à demonstração da realidade dos factos e apenas os factos – não o direito – são objecto de prova (cfr. os artigos 341.º do Código Civil e 410.º do Código de Processo Civil). A questão de saber se as relações contratuais firmadas entre o A. e a primeira R. se mostra submetido apenas à lei e ao contrato ou se ao mesmo é ainda aplicável um instrumento de regulamentação colectiva analisar-se-á a propósito da 6.º questão enunciada de saber se o A. tem direito aos valores peticionados.

Em suma, quanto ao reconhecimento da categoria profissional de cortador de carnes, improcedem as conclusões das alegações.                                                                                                                 *

4.2. Alega ainda o recorrente que sempre fez trabalho extraordinário e invoca, a este propósito, depoimentos de testemunhas que, segundo alega, referiram prestar ele horas extraordinárias e, também, que o prémio de especialidade “não podia ser as duas coisas” face ao número de horas extraordinárias que fazia. Vem a concluir que “embora não se tenha quantificado o montante em horas trabalho extra, salvo melhor entendimento, nos termos do artº 608º nº 2 do CPC, é do conhecimento oficioso e deveria esta questão merecer melhor apreciação” (conclusões 15. a 20.).

O recorrente não formula qualquer pretensão de alteração da decisão de facto a este propósito, apesar de referir depoimentos testemunhais, não peticionando a este tribunal que qualquer dos pontos de facto que se provaram relacionados com esta matéria se considere “não provado” ou que qualquer dos factos que a 1.ª instância considerou não provados a este propósito se considere “provado”. Limita-se a proceder a um relato de facto sem correspondência na matéria de facto provada (conclusão 15. e segunda parte da conclusão 16.), alegação esta da qual é possível descortinar que o recorrente pretenderia uma decisão de facto diferente, pois que afirma a verificação de factos que não constam da matéria provada após a audiência de julgamento, mas a verdade é que não formula uma pretensão no sentido da sua alteração, designadamente nas conclusões do recurso que, nos termos do já citado artigo 635.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, delimitam o objecto da apelação.


Limitando-se a esta alegação com considerações genéricas sobre a matéria factual e jurídica, sem uma delimitação precisa, o recorrente não cuidou de impugnar a decisão de facto, com o necessário cumprimento dos ónus alegatório e conclusivo que, nesse âmbito, lhe cabia observar nos termos prescritos no artigo 640.º Código de Processo Civil, pois que não especificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem indicou, também, o sentido da decisão que devia ser proferida sobre as questões de facto que pretenderia impugnar – cfr. o artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e c) do CPC.

Assim, atendo-nos aos factos provados e procedendo à sua apreciação jurídica, é manifesto que inexistem bases de facto para uma condenação das recorridas no pagamento de trabalho suplementar ao recorrente, não se afirmado em qualquer deles que, ao longo dos anos em que esteve ao serviço das recorridas, este prestou trabalho com características que permitam a sua qualificação como suplementar e que como tal deva ser pago – cfr. os artigos 2.º, n.º 1 e 7.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.° 421/83, de 02.12, os artigos 197.º e 258.º, n.º 5 do Código do Trabalho de 2003 e o artigo 268.º do Código do Trabalho de 2009.

Seja como for, uma vez que o A. não formulou na sua petição inicial qualquer pedido de pagamento de trabalho suplementar e, em conformidade, a sentença não apreciou o direito ao seu pagamento, nunca poderia esta Relação proceder a uma tal condenação, como parece entender o recorrente, sob pena de violação do princípio do pedido – cfr. o artigo 609.º, n.º 1 do Código de Processo Civil – e de entrar no vedado conhecimento de questões novas sobre que o tribunal a quo se não pronunciou[5].

Não procedem, também neste aspecto, as conclusões das alegações.

                                                                                                               *

4.3. E alcançamos a questão de direito essencial que se coloca na apelação e que consiste em saber se o A. tem direito aos valores peticionados a título de diferenças salariais entre a categoria de caixeiro e a que sempre desempenhou de cortador de carnes, diuturnidades desde 1996 até à data da petição inicial, subsídio de refeição desde 1993 até 2016, prémio de produtividade, prémio de especialidade e complemento semanal, o que pressupõe a análise da questão, prévia, de saber se à relação laboral firmada entre as partes são aplicáveis os instrumentos de regulamentação colectiva em que fundou este alegado direito (conclusões 24. a 31. e 35.).

A sentença sob recurso, partindo do princípio de que ao A. era de reconhecer a categoria profissional de “cortador de carnes”, correspondente às tarefas que desempenhava, procurou depois qual o regime remuneratório devido por tais funções. E seguiu, a propósito, a seguinte linha argumentativa:

- o Código do Trabalho não contêm norma que tutele, directa ou indirectamente, o direito do trabalhador a progredir do ponto de vista retributivo, esteja essa progressão dependente da avaliação do seu mérito ou da sua permanência, durante determinado tempo, numa determinada categoria;

- nos autos não se logrou provar que o A. estivesse, ou esteja filiado em algum sindicato que  tivesse aderido a alguma convenção colectiva de trabalho e que a R. pertence a alguma associação de empregadores que tenha igualmente aderido a algum instrumento de regulamentação colectiva de trabalho;

- as convenções colectivas de trabalho apenas são aplicáveis em conformidade com o princípio da filiação e o A. limitou-se a compilar convenções colectivas de trabalho, de diversas associações, de diferentes origens, pretendendo a sua aplicação apenas pelo facto de ser cortador de carnes e apelando a diferentes convenções para fundar os seus pedidos, sem que se tenha provado que o A. pertencesse a algum sindicato e a R. às associações outorgantes;

- isto significa que aos presentes autos, e à situação do A., nenhuma convenção colectiva de trabalho se aplica, valendo apenas o que resulta da lei e do contrato de trabalho;

- o Código do Trabalho determina que cada trabalhador deve ser pago de acordo com as funções que exerce e não pode ser prejudicado face aos demais que, exercendo as mesmas funções, recebam mais do que ele (trabalho igual, salário igual), mas não estabelece qualquer remuneração mínima para a categoria de cortador de carnes, nem afirma que a sua retribuição deva ser maior, ou menor, que a do operador de caixa, nem que haja diuturnidades ou outras prestações a serem observadas para tal categoria;

- no caso inexiste outro cortador de carnes no estabelecimento e os demais caixeiros ou operadores de loja e de caixa recebem menos do que o A., seja pela retribuição base, seja pelo prémio de especialidade que lhe é pago e não aos demais operadores;

- o contrato de trabalho está a ser observado no que respeita à remuneração;

- nenhum instrumento de regulamentação colectiva de trabalho existe que vincule as partes e, assim, inexiste suporte legal ou contratual para a pretensão que o A. deduz quer quanto a diferenças salariais, quer quanto a diuturnidades, quer quanto a prémios de produtividade e complemento semanal que entende serem devidos mas nunca foram acordados;

- quanto ao prémio da especialidade, a R. encontra-se vinculada ao seu pagamento pois que de modo regular e periódico sempre o fez 14 meses por ano, pelo que tem carácter retributivo, não se tendo demonstrado que o prémio em causa se destinava ao pagamento encapotado de horas extraordinárias, mas, mostrando-se provado que desde o início do contrato com o A. a R. sempre procedeu ao pagamento deste prémio, nada é devido quanto ao mesmo;

- quanto ao subsídio de alimentação até 2011 (pois que a partir dessa data a R. passou a proceder ao pagamento de um subsídio com tal fim), o seu pagamento não é obrigatório senão quando resulte do contrato de trabalho, dos usos da empresa ou de alguma convenção colectiva de trabalho, o que não sucede, e não se provou (e nem o A. teve o cuidado de o alegar) que a R. pagasse tal subsídio aos demais trabalhadores e ficasse apenas o A. de fora de tal pagamento;

- quanto aos danos não patrimoniais, quer por não provado o alegado, quer por infundada a pretensão, entendeu também improcedente a pretensão adrede formulada.

Como resulta deste resumo, o que essencialmente determinou a improcedência dos pedidos formulados – com excepção do segmento relativo aos danos não patrimoniais, em que o recorrente não insiste na apelação – foi a conclusão de que à situação do A. não se aplica nenhuma das Convenções Colectivas de Trabalho que o A., ora recorrente, invocou em fundamento daqueles pedidos.

Perante esta decisão, e para sustentar a aplicabilidade dos instrumentos de regulamentação colectiva que invoca na petição inicial, o recorrente alega agora que se encontra “filiado no sindicato” (conclusão 28.) e indica como prova disso o recibo de vencimento doc. nº 4 junto com a petição inicial, onde consta o desconto de 1% do seu vencimento para o sindicato (conclusão 29.). E conclui pela adesão da R. às Convenções Colectivas de Trabalho por ser a própria que procede ao desconto de 1% do vencimento do A. para o sindicato (conclusão 30.).

A questão fulcral consiste, pois, em aferir da aplicabilidade ao caso sub judice dos instrumentos de regulamentação colectiva invocados pelo recorrente em fundamento das pretensões que fez constar da petição inicial, nos limites do que reitera na apelação ser-lhe devido.

Vejamos.


Uma convenção colectiva de trabalho constitui um acordo celebrado entre associações sindicais e associações de empregadores (ou uma pluralidade de empregadores, ou um empregador) que visa regular, quer as relações individuais de trabalho, quer as relações que se estabelecem directamente entre as entidades celebrantes.

A convenção colectiva baseia-se na Constituição da República Portuguesa, que concede às associações sindicais competência para exercerem tal direito colectivo – cfr. o art. 56º da Lei Fundamental.

Além disso, constitui uma fonte de direito do trabalho - cfr. o art. 1º do Código do Trabalho.

De acordo com o disposto nos arts. 552º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003 e 496º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009, a convenção colectiva de trabalho obriga os empregadores que a subscrevem e os inscritos nas associações de empregadores signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros das associações sindicais outorgantes.


Decorre destes normativos o chamado “princípio da dupla filiação”, nos termos do qual as cláusulas de uma convenção colectiva de trabalho obrigam apenas aqueles que, durante a respectiva vigência, estiverem filiados ou se filiarem nas entidades outorgantes (associações patronais e sindicatos) e ainda os empregadores que outorguem directamente, sendo caso disso.
Além desta exigência da “dupla filiação”(que justifica a obrigatoriedade de se fazer menção no texto da convenção da designação das entidades celebrantes), a definição pessoal dos destinatários da CCT infere-se, ainda, da menção obrigatória no instrumento de regulamentação colectiva do respectivo “âmbito de aplicação”, o que nos reconduz ao sector de actividade profissional e geográfico que a convenção pretende abranger – cfr. os artigos 543.º, alínea c) do Código do Trabalho de 2003 e 492.º, n.º 1, al. c) do Código do Trabalho de 2009.

A normação plasmada numa convenção colectiva pode, ainda, alargar-se total ou parcialmente, através de um Regulamento de Extensão (na nomenclatura do artigo 573.º do Código do Trabalho de 2003) ou Portaria de Extensão (na nomenclatura do artigo 514.º do Código do Trabalho de 2009), passando assim a aplicar-se a trabalhadores não sindicalizados nas associações sindicais que subscreveram tal convenção, assim como a empregadores não filiados na associação de empregadores vinculados por tal instrumento de regulamentação colectiva.

Em suma, as convenções colectivas de trabalho obrigam os empregadores que as subscrevem e os inscritos nas associações patronais signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros quer das associações sindicais celebrantes, quer das associações sindicais representadas pelas associações sindicais celebrantes e o âmbito da aplicação que é traçado no seu texto pode ser estendido, por regulamento ou portaria de extensão, a empregadores e trabalhadores integrados no mesmo sector de actividade e profissional definido naquele instrumento.

O ónus de alegação e prova da situação jurídica de filiado e da condição do empregador de associado nas associações patronais outorgantes ou da verificação do condicionalismo que permite a afirmação da aplicabilidade de determinado instrumento de regulamentação colectiva está a cargo de quem invoca o direito, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil[6].

No caso em análise o A. arroga-se o direito de ver aplicado ao seu contrato de trabalho os instrumentos de regulamentação colectiva que juntou em cópia com a sua petição inicial, mas não alegou nesse articulado se está, ou não, sindicalizado nas associações sindicais outorgantes dos mesmos, nem se a sua empregadora era associada da associação de empregadores signatária.

Já no recurso veio alegar que se encontra “filiado no sindicato”.

Ora, analisando directamente a argumentação do recorrente no sentido de sustentar a aplicabilidade dos instrumentos de regulamentação colectiva em que funda a sua pretensão, deve desde logo dizer-se que de modo algum a circunstância de num recibo emitido pela primeira R. referente mês de Outubro de 2011 constar, sob a rubrica “Sindicato”,o desconto de “1%”do vencimento do A., será susceptível de alicerçar a prova de que o A. se encontra filiado num dos sindicatos subscritores (ou representados pelas federações subscritoras) das Convenções Colectavas de Trabalho por si invocadas em fundamento dos pedidos que formulou.

E não demonstra, sequer, que o A. se encontrou filiado num sindicato em todo o período em causa na presente acção, ou seja, de 1993 a 2016, pois que o recibo de fls. 39, desacompanhado de qualquer outro meio de prova, apenas atesta o desconto em causa no mês de Outubro de 2011. E a verdade é que dos autos consta um outro recibo de vencimento, a fls. 38, demonstrativo de que em Dezembro de 1994 a R. não procedeu a qualquer desconto no vencimento do A. relativo a quotas a pagar a um qualquer sindicato, pelo que, mesmo a seguir a via que o recorrente agora aponta para se concluir pela sua filiação sindical, nunca se poderia afirmar a mesma em todo o período em causa na acção.

Acresce que o A. não identifica o sindicato em que se encontrará filiado, caso se encontre, nem cuida de juntar um qualquer documento emitido por um sindicato susceptível de levar o tribunal a aferir da identidade do mesmo e do período por que perdurou a filiação.

No que diz respeito à associação da R. ora recorrida numa das associações patronais subscritoras das identificadas Convenções Colectivas de Trabalho, não vemos de que modo o facto de a R. ter procedido ao desconto de 1% do vencimento do A. para o sindicato no mês de Outubro de 2011 é apto a demonstrá-la nem, em boa verdade, o recorrente explica as razões desta sua afirmação.

Trata-se de realidades distintas e com sujeitos diversos: a filiação sindical do A. num sindicato e a associação da R. numa associação patronal, não tendo a verificação da primeira qualquer interferência na segunda e a mínima possibilidade de, sequer, a indiciar.

Não pode pois concluir-se pela aplicação directa ao contrato de trabalho sub judice de qualquer das Convenções Colectivas de Trabalho a que o A. fez referência na sua petição inicial. 

Finalmente, deve dizer-se que é efectivamente correcta a afirmação da sentença de que o A. apela a Convenções Colectivas de Trabalho com uma área e âmbito de aplicação que não é o dos autos, como acontece com a CCT entre a Associação Comercial de Aveiro e a FEPCES, publicada no BTE nº 18, de 15 de Maio de 2003 junta pelo A. a fls. 41 e ss. que, nos exactos termos da sua cláusula 1.ª, n.º 2, enuncia que a Convenção Colectiva de Trabalho “abrange o distrito de Aveiro[7] sem que haja notícia – nem o A. a dá – de que esta Convenção Colectiva de Trabalho tenha sido objecto de Portaria de Extensão, sendo certo que o estabelecimento em que o A. exercia funções se situa no concelho de Loures, distrito de Lisboa [vide o facto k) e o contrato de trespasse documentado a fls. 196]. 

Aliás, deve notar-se que a única Portaria que o A. invocou é a que se mostra documentada a fls. 71 e ss., publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 47, de 22 de Dezembro de 2008, que aprovou o regulamento de extensão do CCT entre a APED — Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição e a FEPCES — Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 22, de 15 de Junho de 2008, o qual já se aplicava aos trabalhadores e empregadores representados pelas entidades outorgantes de “todo o território continental e regiões autónomas” (cláusula 1.ª, n.º 2, do CCT).

Mas mesmo procurando a aplicabilidade das indicadas convenções colectivas por via da sua extensão administrativa, cabe dizer que o artigo 1.º da Portaria invocada pelo A. ora recorrente, que delimita o âmbito da extensão que prevê, estabelece requisitos adicionais para a sua aplicabilidade ao dispôr que:

«1 — As condições de trabalho constantes do contrato colectivo de trabalho entre a APED — Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição e a FEPCES — Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 22, de 15 de Junho de 2008, são estendidas, nos termos nele previstos, no território do continente:

a) Às relações de trabalho entre empregadores não filiados em qualquer associação de empregadores que exerçam a actividade económica de comércio retalhista e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nele previstas desde que o estabelecimento em que a actividade é exercida obedeça a uma das seguintes condições: Sendo de comércio a retalho alimentar ou misto, disponha de uma área de venda contínua, de comércio a retalho alimentar, igual ou superior a 2000 m2 ; Sendo de comércio a retalho não alimentar, disponha de uma área de venda contínua igual ou superior a 4000 m2 ; Sendo de comércio a retalho alimentar ou misto, pertencente a empresa ou grupo que detenha, a nível nacional, uma área de venda acumulada de comércio a retalho alimentar igual ou superior a 15 000 m2 ; Sendo de comércio a retalho não alimentar, pertencente a empresa ou grupo que detenha, a nível nacional, uma área de venda acumulada igual ou superior a 25 000 m2 ;

b) Às relações de trabalho entre empregadores filiados na associação de empregadores outorgante e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas na convenção não representados pelas associações sindicais outorgantes.»

A extensão não é, pois automática, sendo certo que a própria Convenção Colectiva de Trabalho (publicada no BTE n.º 22 de 2008) abrange as relações de trabalho entre pessoas singulares e colectivas que, “dispondo de área total de exposição e venda superior a 200 m2, desenvolvam uma actividade retalhista alimentar e ou não alimentar de venda de produtos de grande consumo em regime predominante de livre serviço, filiadas na referida associação de empregadores e trabalhadores ao seu serviço, uns e outros representados pelas associações que o outorgaram”, tal como é dito no preâmbulo da Portaria.

Ora o A. não demonstrou minimamente nesta acção, quer que as partes estivessem filiadas, respectivamente, nas associações de empregadores e sindicais que outorgaram os identificados instrumentos de regulamentação colectiva, quer os requisitos necessários à aplicabilidade da convenção – estabelecidos na própria convenção e estabelecidos no regulamento de extensão – ao contrato que mantinha com a primeira R. através da sua extensão administrativa, pois que dos autos nada resulta susceptível de demonstrar as várias condições estabelecidas nos textos que as corporizam para que se verifique a extensão dos instrumentos de regulamentação colectiva a que se reportam.

Quanto aos demais fundamentos em que a Mma. Julgadora se estribou para julgar totalmente improcedente a acção, e que sufragamos, o recorrente não esgrimiu argumentação susceptível de abalar o seu juízo decisório, pelo que nos resta negar provimento à apelação e confirmar integralmente a sentença do tribunal a quo.


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4.4. Porque ficou vencido no recurso, a lei faz recair sobre o recorrente o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho). Deve atentar-se, contudo, em que foi concedido ao A. o benefício do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo.
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5. Decisão
Em face do exposto,
5.1. elimina-se a alínea ff) dos factos elencados na decisão de facto;
5.2. nega-se provimento à apelação e mantém-se a decisão constante da sentença da 1.ª instância.
Custas pelo recorrente, atendendo-se à decisão proferida em sede de apoio judiciário.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, anexa-se o sumário do presente acórdão.


Lisboa, 22 de Novembro de 2017

(Maria José Costa Pinto)

(Manuela Bento Fialho )

(Sérgio Almeida)


[1]Não diz qual facto, mas admite-se que pretenda que seja o facto j), pois é o que referencia no decurso da sua alegação.
[2]Na expressão de António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª edição, Coimbra, 2016, p 262.
[3]In Código de Processo Civil Anotado, volume IV, p 553.
[4] Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª edição, Coimbra, 2016, p. 262.
[5]Como decorre do disposto no artigo 627.º do Código de Processo Civil, e constitui jurisprudência uniforme (à luz do artigo 676.º do anterior CPC), os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas, sim, a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso (vide, entre muitos outros, os Acórdãos do STJ de 2007.10.10, Processo n.º 3634/07-3.ª Secção, de 2008.12.04 Processo n.º 2507/08-3.ª Secção e de 2009.09.23,         Processo n.º 5953/03.4TDLSB.S1-3.ª Secção, todos sumariados em www.stj.pt e o Prof. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 141).
[6]Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2001.12.05, Revista n.º 2547/01 e de 2005.03.16, Recurso n.º 4125/04, ambos da 4.ª Secção.
[7]Tal não significa que não tenha o A. indicado, também, Convenções Colectivas de Trabalho que têm uma área de aplicação coincidente com todo o território nacional, como acontece com a Convenção Colectiva de Trabalho publicada no BTE n.º 13 de 8 de Abril de 2005 (a fls. 52) e com a Convenção Colectiva de Trabalho publicada no BTE n.º 22 de 15 de Junho de 2008 (a fls. 62 e ss.). O problema que se suscita quanto a estas convenções não tem a ver com a sua área de aplicação, mas com o seu âmbito pessoal, por força do princípio da filiação e por não estar demonstrado que A. e R. fossem filiados nas associações outorgantes.