Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
696/2007-7
Relator: ANA RESENDE
Descritores: PACTO ATRIBUTIVO DE JURISDIÇÃO
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
GARANTIA BANCÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/13/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I- Não obstante a estipulação entre as partes de pacto de jurisdição que atribui competência para dirimir qualquer litígio emergente do contrato ao Tribunal Marítimo e de Comércio de Copenhaga (artigo 17º da Convenção de Bruxelas Relativa à Competência Judiciária e Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial de 1968), a providência cautelar, que visa apenas a composição provisórias do litígio, pode, independentemente da validade ou não de tal cláusula, ser intentada junto de outro Estado contratante, atento o disposto no artigo 24º da aludida Convenção, se for o melhor situado para acautelar o direito ameaçado cuja tutela provisória se pretende.
II- É o que sucede no caso de o requerente pedir junto do tribunal português a suspensão da garantia bancária contratada a favor da sociedade requerida junto de instituição de crédito portuguesa, solicitando que aquela se abstenha de a accionar e, consequentemente, notificando-se a entidade bancária portuguesa de tal suspensão

(SC)
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA 7ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – Relatório

1. A.[…] LDA., veio interpor recurso de agravo do despacho que julgou procedente a excepção de incompetência relativa do tribunal por infracção das regras de competência internacional resultantes da violação de pacto de jurisdição para o julgamento do procedimento cautelar que move a K.[…] A/S, absolvendo esta última da instância.
2. Nas suas alegações, formula as seguintes conclusões:
- Vem o presente recurso da decisão proferida de fls. 501 a 506 dos autos nos termos da qual se julgou procedente a excepção de “incompetência relativa” do tribunal com fundamento em infracção das regras de competência internacional resultante da violação do pacto de jurisdição para o julgamento do presente procedimento e, consequentemente, se absolveu a Requerida da instância;
- Para tanto fundamentou-se o Tribunal recorrido na validade do pacto atributivo de competência inserto na cláusula 23 – 2.1 do contrato de franchising à luz do disposto no art.º 99 do CPC, e aparentemente, na ausência de conexão judiciária prevista no art.º 24 da Convenção Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, adiante designada de Convenção de Bruxelas;
- Entende contudo a Agravante que falece em absoluto razão ao Tribunal a quo pecando este inclusivamente por falta de fundamentação na decisão e omissão de pronúncia, o que gera desde logo a nulidade da decisão recorrida, art.º 668, n.º1, b) e d) do CPC;
- Assim e desde logo, no entendimento da Agravante, a relevância do disposto nas cláusulas 22 e 23 do contrato dos autos, quer para aferição da competência internacional do tribunal quer para determinação da lei aplicável, apenas se coloca, atenta a factualidade vertida nos autos, o objecto da providência requerida e o disposto no art.º 24 da Convenção de Bruxelas, em sede de acção principal;
- Depois, mesmo que assim não se entenda e sem conceder, no caso sub judice, ambas as referidas cláusulas de escolha de lei e de atribuição de jurisdição constantes do contrato dos autos são nulas e por conseguinte desprovidas quaisquer efeitos:
- Na verdade, resulta entendimento constante na nossa jurisprudência a aplicação por analogia ao contrato de franquia, na ausência de regime legal específico, do regime legal do contrato de agência;
- Ora decorre do art.º 38 do DL 178/86, de 3 de Julho que aos contratos que se desenvolvam exclusiva ou preponderantemente em território nacional só será aplicável legislação diversa da portuguesa, no que respeita ao regime de cessação, se a mesma se revelar mais vantajosa para o agente, disposição que pela sua natureza tem subjacentes valores de ordem pública que lhe atribuem foros de imperatividade, e por isso as normas dos art.º 24 a 36 do citado diploma legal, constituem normas de aplicação imediata ou necessária prevalecendo sobre o mecanismo conflitual;
- Da factualidade vertida no requerimento inicial resulta claro que o contrato dos autos se desenvolveu exclusiva e preponderantemente em território nacional e que em causa está a validade da respectiva resolução da Agravada, não se demonstrando que a aplicação da lei dinamarquesa seja mais vantajosa para a Agravante que a aplicação da lei portuguesa;
- Igualmente a Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais ressalva da aplicação da lei escolhida pelas partes as normas de natureza imperativa do Estado com o qual se verifique uma conexão mais forte no momento da escolha, submetendo-se a apreciação da existência e validade do consentimento quanto à escolha da lei aplicável à lei do país da residência habitual do contraente que pretenda demonstrar que não deu o seu consentimento.
- Ora à luz da lei portuguesa (lei da residência habitual da Agravante) mais concretamente do disposto no regime geral das cláusulas contratuais gerais, aprovado pelo DL 446/85 de 25 de Outubro, na redacção em vigor, em cuja alçada o contrato celebrado se insere atento ao disposto no art.º 1, n.º2, deste diploma, resulta evidente a ausência de consentimento, entre outras, quer à cláusula de escolha da lei dinamarquesa quer ao pacto atributivo de jurisdição previsto no contrato de franchising;
- Na verdade não só o contrato em causa é idêntico a todos os contratos celebrados pela Agravada com sociedades portuguesas, cfr. doc. 8 e 104, como melhor ainda, o contrato foi remetido à Agravante para assinatura um ano após o início da sua execução e em momento em que todo o investimento já tinha sido realizado, donde a violação do disposto no art.º 5, n.º2, com as consequências previstas no art.º8, ambos do citado diploma legal;
- Por outro lado, conforme dispõe o art.º 19, g) do regime das cláusulas gerais, são proibidas as cláusulas que estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes sem que o interesse da outra o justifiquem, o que manifestamente é o caso vertente atenta a total formação e execução do contrato dos autos em território português, em que foram intervenientes quer do lado do Agravante quer do lado da Agravada cidadãos portugueses em que, por conseguinte, toda a prova testemunhal a produzir é de língua portuguesa e residente em território nacional;
- E tanto bastaria para afastar quer a aplicação da lei dinamarquesa ao caso sub judice quer ao pacto atributivo de jurisdição a foro dinamarquês por nulidade das respectivas cláusulas;
- Todavia, a verdade é que também à luz do art.º 99, n.º3 do CPC, se afigura inválido o pacto atributivo de jurisdição constante da cláusula 23 do contrato dos autos por preterição do requisito de validade inserto na respectiva al. c);
- Com efeito, e repetindo o que supra se referiu, a formação e a execução do contrato dos autos decorreu na íntegra em território português, em que foram intervenientes quer do lado da Agravante quer do lado da Agravada cidadãos portugueses e em que por conseguinte, toda a prova testemunhal a produzir é de língua portuguesa e residente em território nacional;
- Donde resulta indiscutível, no caso da Agravante, que a atribuição de jurisdição a qualquer outro foro que não o português representa um grave inconveniente, estando, ao invés, por demonstrar a existência de um interesse sério por parte da Agravada na atribuição de jurisdição a foro dinamarquês, sabendo-se como se sabe porque resulta dos autos, que se trata de uma multinacional, com representantes em Portugal e capacidade quer do ponto de vista dos recursos humanos para organizar a sua defesa – como o fez – perante um tribunal português;
- Na verdade e sem conceder quanto à invalidade da cláusula 23 do contrato dos autos, a atribuição de jurisdição a foro dinamarquês têm como único interesse o escopo de impedir a contraparte – por natureza já desfavorecida – de se defender em sede de incumprimento de obrigações contratualmente assumidas;
- Por outro lado, também não constitui argumento em abono de tese contrária a prevalência do disposto no art.º 17 da Convenção de Bruxelas sobre o disposto no art.º 99, n.º3 do CPC;
- É que também à luz do art.º 17 da Convenção de Bruxelas, na interpretação que lhe tem sido dada pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias a cláusula atributiva de jurisdição a foro dinamarquês constante do contrato dos autos é inválida por ausência de consentimento prévio e expresso para o efeito por parte da Agravante.
- Com efeito, tendo a Agravante apenas tido acesso ao contrato dos autos um ano após o início da sua execução, sem qualquer discussão prévia do respectivo conteúdo ou sequer margem negocial à posteriori para a sua discussão, resulta evidente a sua total ausência do consentimento específico e expresso ao qual, como se disse, o art.º 17 da Convenção condiciona a validade da cláusula atributiva de jurisdição, sendo que, então, e ainda de acordo com a Convenção de Bruxelas, a competência internacional para julgar a matéria em litígio pertence aos tribunais portugueses, art.º 5, n.º1, da Convenção e 774, do CC;
- Sem conceder, se tudo isto não bastasse, a verdade é que, por um lado, o direito cuja lesa o procedimento cautelar visa acautelar tem por causa de pedir quer responsabilidade contratual, quer responsabilidade extra-contratual por parte da Agravada, sendo que mesmo em sede da responsabilidade contratual incide também sobre acordo posterior ao contrato dos autos, o que coloca o diferendo em causa parcialmente fora da alçada da cláusula atributiva de jurisdição a foro dinamarquês ínsita no contrato dos autos;
- Por outro lado, visando o procedimento cautelar a suspensão da garantia bancária prestada a favor da Agravada, garantia à qual é aplicável o direito português, doc. fls. 71, e que tem a natureza autónoma em relação ao contrato dos autos, novamente trata-se de matéria fora da alçada da cláusula atributiva da jurisdição a foro dinamarquês ínsita no contrato dos autos;
- Do exposto resulta manifestamente a invalidade do pacto atributivo de jurisdição inserto na cláusula 23º do contrato dos autos, como resulta igualmente inválida a cláusula de escolha da lei aplicável, o que sem mais determinaria a competência internacional do Tribunal a quo para o conhecimento do procedimento cautelar requerido contra a Agravada quer para o subsequente conhecimento da acção principal a intentar contra a Agravada;
- Só que, a verdade é que ainda que assim não fosse e sem conceder, e ao invés do que se depreende da decisão recorrida, sempre o Tribunal a quo teria competência internacional para o conhecimento do procedimento cautelar por força do disposto no art.º 24 da Convenção de Bruxelas;
- Como se sabe a ratio do art.º 24 da Convenção de Bruxelas, radica no princípio de que as providências cautelares são requeridas ao tribunal do lugar onde melhor se garanta a tutela efectiva do direito ameaçado ou carecendo de tutela efectiva imediata, concordando-se em absoluto com o Tribunal a quo quando refere que a razão desta conexão judiciária vale igualmente para o direito interno, art.º 381, do CPC, que, não só para o direito comunitário ou para o direito internacional, ou seja, com providência de tutela prévia do direito ameaçado, a requerer ao tribunal melhor situado para a efectivação da cautela ou providência que se lhe solicite;
- Todavia, verdade é que o Tribunal recorrido não retira daqui qualquer ilação, porque, seguidamente, parece confundir acção principal com procedimento cautelar, concluindo sem mais pela procedência da excepção da incompetência internacional com fundamento no dito pacto atributivo de jurisdição e ficando, assim, por saber, porque não se disse, se o tribunal a quo era ou não era o tribunal em melhor situação para a efectivação da providência solicitada pela Agravante e porquê,
- E porque, tendo-se equacionado a questão, nada se disse, fica a Agravante na dúvida entre uma nulidade por omissão de pronúncia ou uma nulidade por falta de fundamentação e porque, na dúvida, impera a cautela de patrocínio, expressamente se faz a arguição de ambas para os devidos efeitos legais.
- Ora, a verdade é que de facto e de direito, a competência internacional do tribunal a quo para o conhecimento da providência requerida resulta indiscutível à luz da conexão judiciária ora em causa, sabendo-se que, como resulta do requerimento inicial e documentação de suporte, a garantia bancária foi emitida por um banco português, em Portugal e ao abrigo da lei portuguesa, pretendendo-se a paralisação do direito da Agravada de accionar tal garantia e, consequentemente, a suspensão dos seus efeitos até decisão da causa principal;
- Na realidade, a sufragar-se o que se pressupõe que tenha sido o entendimento do tribunal a quo ou seja a inexistência da conexão judiciária prevista no art.º 24 da Convenção de Bruxelas, primeiro a Agravante requeria a providência ao Tribunal de Copenhaga, mas depois de executar a respectiva decisão, admitindo que lhe fosse favorável, teria que requerer a execução a um Tribunal português, art.º 16 da Convenção de Bruxelas, e entretanto, ter-se-ia perdido o efeito útil da providência pretendida.
- Pelo que se conclui que à luz do disposto no art.º 24 da Convenção de Bruxelas e independentemente da questão da validade ou na tese da Agravante, da invalidade do pacto atributivo de jurisdição, o Tribunal a quo é internacionalmente competente para conhecer da providência requerida nos autos.
3.Nas contra-alegações a Requerida pronunciou-se no sentido da manutenção do decidido.
4. Foi proferido despacho de sustentação.
5. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
 *
II –  Enquadramento facto – jurídico
Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formulado, importando em conformidade decidir as questões nas mesmas colocadas, com excepção daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, em causa está saber se o Tribunal a quo é o competente para conhecer do procedimento cautelar não especificado deduzido pela Agravante.
Com efeito, na decisão sob recurso foi julgada procedente a excepção da incompetência relativa do tribunal por infracção das regras de competência internacional resultantes da violação de pacto de jurisdição para o julgamento da providência, atendendo ao convencionado pelas partes no contrato pelas mesmas celebrado, no sentido de atribuir ao Tribunal Marítimo e de Comércio de Copenhaga a competência para dirimir qualquer litígio ocorrido no âmbito de tal contrato.
Entendeu-se então que o pacto de jurisdição acordado se mostrava válido e eficaz, na consideração do disposto no art.º 99, do CPC, e ao vertido no art.º 17 da Convenção Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, vulgo Convenção de Bruxelas, referenciando-se o art.º 24 da mesma.
Insurge-se a Recorrente contra tal entendimento, alegando que a relevância do clausulado em termos de aferição da competência internacional do tribunal, bem como da lei aplicável apenas se coloca em sede da acção principal, e não tendo em conta o objecto do procedimento cautelar solicitado.
Mas mesmo que assim não se entendesse, tais cláusulas são nulas, atendendo não só ao regime aplicável aos contratos de franquia, como o em causa nos autos, mas também ao das cláusulas contratuais gerais, pelo que o pacto de jurisdição se configura como inválido, nomeadamente à luz do art.º 17 da Convenção de Bruxelas.
Invoca também que o direito cuja lesão a providência visa acautelar tem por causa de pedir quer a responsabilidade extra-contratual, quer a contratual, sendo que quanto esta ultima incide sobre um acordo posterior ao contrato dos autos, o que coloca o diferendo em causa fora do âmbito da cláusula atributiva de jurisdição ao foro dinamarquês.
Diz ainda que sempre o Tribunal a quo teria competência internacional para o conhecimento do procedimento cautelar face ao disposto no art.º 24 da Convenção de Bruxelas no que respeita ao tribunal melhor situado para a efectivação da providência, referindo padecer a decisão recorrida de nulidade por falta de fundamentação ou omissão de pronúncia.
Apreciando.
Das nulidades
No concerne à nulidade decorrente da falta de fundamentação, nos termos da alínea b), do art.º 668, do CPC, diz-nos esta disposição legal que a sentença (assim como os despachos na medida do possível, art.º 666, n.º 3, do CPC) é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, resultando a nulidade da inobservância do dever de fundamentar, previsto genericamente no art.º 158, do CPC, mas com reporte ao princípio constitucionalmente previsto no n.º 1 do art.º 205, da CRP.
Compreende-se a imposição de tal dever, pois só indicando as premissas que levaram à conclusão consubstanciada na decisão proferida, poderá a mesma ser entendida em toda a sua extensão, permitindo, nomeadamente à parte que decaiu, apresentar as razões da sua discordância que possibilitem a sua apreciação em sede de recurso.  
Retenha-se, contudo, que apenas a falta absoluta de fundamentação (1), é susceptível de determinar a nulidade, e não apenas a sua insuficiência, mediocridade ou inadequação à decisão proferida, antes se configurando neste último caso um possível erro de julgamento a apreciar em sede diversa.
Quanto à nulidade prevista na alínea d), do n.º 1, do art.º 668, do CPC, verifica-se a mesma, quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, ou quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, em violação do disposto no art.º 660, n.º 2, do CPC, isto é, do dever, por parte do juiz, de não ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, assim como de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Refira-se que as questões que o juiz deve conhecer se reportam às pretensões formuladas, não estando obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista, sendo certo que, quanto ao enquadramento legal, não está o mesmo sujeito às razões jurídicas invocadas pelas partes, pois o julgador é livre na interpretação e aplicação do direito, art.º 664, do CPC.
Retenha-se que o conhecimento duma questão pode ser feito com uma tomada de posição directa sobre a mesma, mas também muitas vezes resulta da apreciação de outras com ela conexionadas, por a incluírem ou excluírem, sendo assim decidida de forma implícita, advindo da apreciação global da pretensão formulada em juízo, o respectivo afastamento (2).
Compulsando a decisão sob recurso não se patenteia que nela tenha sido omitida a fundamentação quer de facto, quer de direito, sem prejuízo da discordância que a Agravante possa ter relativamente à mesma, bem como ao seu maior ou menor acerto a ponderar em sede diversa.
Quanto à arguida omissão de pronúncia, no concerne à questão suscitada da competência do Tribunal para conhecer da providência deduzida, temos que a decisão recorrida, como já acima vimos, considerou ser a jurisdição dinamarquesa a competente para tanto, indicando os fundamentos de facto e de direito do juízo formulado.
Ora se o julgador não estava obrigado a apreciar todos os argumentos que em sentido contrário pudessem ser apontados pelas partes, nomeadamente os aduzidos pela Agravante, nem estava vinculado às suas alegações no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, certo é que o não atendimento da competência do Tribunal a quo na consideração do pacto de jurisdição convencionado no contrato celebrado, afasta, de forma implícita, o entendimento que seria o melhor situado para a efectivação da providência, e assim o competente para o seu conhecimento.
Dessa forma, não se mostra, também, verificada a nulidade de omissão de pronúncia arguida, podendo sim configurar-se a existência de um erro de julgamento, que não cabe em tal âmbito conhecer, antes se prendendo com o mérito da pretensão formulada pela Recorrente no presente recurso.
Da factualidade
Para tanto releva, tal como se considerou na decisão sob recurso, o seguinte factualismo:
- A requerente e a requerida subscreveram o acordo de vontade sob a epígrafe “acordo de franchising”, nos termos do qual a requerida concedeu à requerente um franchising para gerir uma Lego Wear Shop num local aprovado por aquela, bem como para comercializar e vender os seus produtos enquanto retalhista, de acordo com o conceito no seio do território e utilizar os direitos de propriedade nesse conceito;
- Na cláusula 23 consta o seguinte: Qualquer litígio que surja entre as partes relativamente ao presente Acordo, à sua interpretação ou às relações estabelecidas em virtude do mesmo, e que não possa ser resolvido através de negociações conduzidas de boa fé, deverá ser submetido ao Tribunal Marítimo e de Comércio de Copenhaga enquanto tribunal de primeira instância competente para deliberar;
- A requerente constitui a favor da requerida garantia bancária irrevogável no montante máximo de €140.000 prestada pelo Banco Internacional de Crédito, com o n.º D.16042, visando cobrir as importações de roupa, acessórios e outros artigos para crianças, vencidos ou em dívida por parte da requerente mediante a recepção de uma carta de reclamação dirigida à entidade bancária por escrito e numa mensagem devidamente autenticada remetida por qualquer instituição bancária agindo em vosso nome, na qual se declare não ter sido efectuado o pagamento referente às importações anteriormente enunciadas e fazendo-se acompanhar dos seguintes documentos:
1) duplicado ou fotocópia da(s) facturas(s) não liquidada(s).
2) duplicado ou fotocópia dos documentos de transporte indicando Portugal como país de destino.
3) Uma declaração atestando que a A. […] Lda. não cumpriu as suas obrigações relativas aos pagamentos.
A garantia é válida por um período de tempo indeterminado, salvo em caso de comunicação escrita, com um aviso prévio de pelo menos 60 (sessenta) dias e enviada através de correio registado indicando que a nossa responsabilidade perante vós ao abrigo da garantia irá cessar, não produzindo mais quaisquer efeitos.
Do direito
Como se sabe a competência do tribunal, como medida da sua jurisdição (3), constitui um pressuposto processual, de cuja verificação depende o seu dever de conhecer da pretensão apresentada pelo autor ou requerente, sendo aferida em função dos termos em que a mesma é formulada, quer em termos objectivos, isto é, atendendo ao tipo de providência solicitada ou ao direito que se visa tutelar, quer em termos subjectivos, na consideração da identidade das partes (4), não dependendo de outros pressupostos processuais, bem como da oposição ou contestação deduzida, maxime do deferimento ou procedência do que foi solicitado em juízo (5).
Também não se questiona a possibilidade de o tribunal de um Estado exercer funções jurisdicionais que ultrapassem as respectivas fronteiras, sendo assim transnacionais, nem que as normas que atribuem tal competência internacional sejam de natureza interna, mas também de fonte supraestadual.
Concretizando, diz-nos o art.º 65, do CPC, que a competência internacional dos tribunais portugueses, em relação aos estrangeiros, depende da verificação de alguma das circunstâncias ali discriminadas, enunciando-se os designados critérios de atribuição de tal competência.
Assim, temos o critério do domicílio do réu, pelo qual o tribunal português é o competente sempre que o réu tenha domicílio no território nacional (6), considerando-se domiciliada em Portugal a pessoa colectiva cuja sede estatutária ou efectiva aqui se localize ou tenha sucursal, agência, filial ou delegação, n.º1, alínea a) e n.º2; o critério da coincidência previsto na alínea b) do n.º1, que atribui competência ao tribunal português, sempre que a acção possa ser proposta em Portugal segundo as regras de competência territorial portuguesas; o critério da causalidade, determinando a competência dos tribunais portugueses se praticado no seu território o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram, alínea c) do n.º1; e ainda o critério da necessidade, alínea d) também do n.º1, caso em que serão igualmente da competência dos tribunais portugueses, as situações em que o direito invocado não possa tornar-se efectivo (impossibilidade absoluta e relativa (7)), senão por meio de acção proposta em território português, ou porque a propositura no estrangeiro constitui dificuldade apreciável para o autor, no sentido de manifesta, e a apreciar em termos de razoabilidade à luz dos princípios da boa fé (8), desde que entre o objecto do litígio e ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
Ressalva, contudo, o n.º1, o que se acha estabelecido em tratados, convenções e regulamentos comunitários, referindo-se (9) a sua prevalência sobre as normas internas da regulação da competência em termos internacionais, na consideração dos ditames constitucionais, art.º 8 da CRP.  
No âmbito do direito internacional convencional, vigorando na ordem interna enquanto vincular o Estado Português, n.º2, do art.º 8, da CRP, e porque o caso sob análise se patenteia estarmos perante um litígio privado, internacional, possivelmente conectando as ordens jurídicas portuguesa e dinamarquesa, releva a Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968 Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, à qual aderiu o Reino da Dinamarca em 9 de Outubro de 1978, sendo aprovada em Portugal, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 34/91, de 30 de Outubro, entrando em vigor no nosso país em 1.7.1992 (10).
Segundo o preceituado no art.º 2 da Convenção, se o réu tiver domicílio ou sede num Estado signatário, aí deverá ser demandado, tal regra poderá contudo ser afastada quando os tribunais do outro Estado sejam competentes por força de outros critérios especiais, art.º 3, nomeadamente o previsto no art.º 5, n.º1, no qual se prevê que o requerido com domicílio no território de um Estado Contratante pode ser demandado num outro Estado Contratante, em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida.
 Dispõe, por sua vez o art.º 17 da Convenção que se as partes tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado Contratante têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência exclusiva, mais se referindo que esse pacto de jurisdição deve ser celebrado por escrito ou verbalmente ou em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si, ou no comércio internacional.
Estamos, assim, perante um encontro de vontades, igualmente admissível nos termos do art.º 99, do CPC, também com a exigência da forma escrita ou confirmada por escrito, em nome da necessária segurança jurídica, em termos da sua existência, clareza e precisão do consentimento das partes (11).
Presente este quadro legal, sumariamente esboçado, temos que a Agravante, como Requerente, veio pedir a suspensão da garantia bancária contratada a favor da Requerida junto de um Banco português, solicitando que a aquela se abstenha de a accionar, sendo a entidade bancária notificada de tal suspensão.
Invoca que a garantia em causa foi prestada no âmbito de um contrato de franchising que celebrou com a Requerida, e que esta resolveu, apesar de ser ela quem o incumpriu sistematicamente, quer em termos das obrigações assumidas no contrato, quer no concerne aos deveres gerais decorrentes dos princípios da boa fé na negociação e execução dos contratos, bem como das disposições legais destinadas à protecção de interesses particulares.
Ora, a tal contrato, no qual o produtor de bens ou serviços concede a outrem, mediante contrapartidas, a comercialização dos seus bens, através da utilização da marca e demais sinais distintivos do primeiro e conforme plano, métodos e directrizes, por este último prescritas e concretizadas pelos conhecimentos tecnológicos assistência regular do mesmo (12), tem sido entendido que é aplicável o regime modelo do contrato de agência, previsto no DL 178/86 de 3 de Julho (com as posteriores alterações) (13), prevendo-se no seu art.º 38 que aos contratos ali regulados, e que se desenvolvam exclusiva ou preponderantemente em território nacional, só será aplicável legislação diversa da portuguesa, no que respeita ao regime da cessação, se a mesma se revelar mais vantajosa.
Existindo a discussão se esta norma de protecção do agente, no caso da cessação do contrato, reveste a natureza de norma de aplicação imediata ou necessária a uma relação privada de direito internacional, independentemente do funcionamento das normas de conflito, caso exista a conexão legalmente exigida (14), certo é que não pode ser esquecido, no que agora nos cumpre apreciar que, no contrato em referência, subscrito pelas partes, se fez consignar, na cláusula 23ª, que qualquer litígio que surgisse entre as partes relativamente ao mesmo contrato, à sua interpretação ou às relações estabelecidas em virtude do mesmo, deveria ser submetido ao Tribunal Marítimo e de Comércio de Copenhaga enquanto tribunal de primeira instância competente para deliberar.
É certo que a Agravante questiona a validade de tal cláusula, como pacto atributivo de jurisdição, desde logo à luz do art.º 17 da Convenção de Bruxelas, por ausência, da sua parte, de consentimento prévio e expresso para o efeito, referindo a inexistência de discussão prévia, reportando-se à forma como teria sido apresentado para ser assinado, inviabilizando qualquer negociação, que assim afectaria o assentimento dado.
Mas também, porque no caso sob análise se estaria no âmbito de um quadro negocial padronizado, a cláusula em questão enfermaria de nulidade nos termos do art.º 19, g) do regime legal das cláusulas contratuais gerais, DL 446/85, de 25 de Outubro (e posteriores alterações), porquanto o estabelecimento do foro competente envolveria graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justificassem, considerando a desproporção de recursos económicos das partes, e as dificuldades por demais acrescidas para a Recorrente, numa situação processual em que a prova testemunhal a produzir será em língua portuguesa e por residentes em Portugal.
Da mesma forma, a validade da cláusula estaria afectada nos termos do art.º 99, do CPC, por falta de interesse sério de ambas as partes, ou de uma delas, pois trazia graves inconvenientes para outra, isto é, para a Agravante.
Aqui chegados, importa atender que se está em sede de procedimento cautelar, visando, tão só, a composição provisória de um litígio, quando a mesma se mostre necessária para assegurar a utilidade da decisão a proferir, e se venha a atingir a efectiva tutela jurisdicional da pretensão do requerente, a que está associada a ideia de instrumentalidade, no sentido de dependência da acção através da qual tal tutela se concretiza, numa decorrente adequada celeridade e estruturação simplificada do processado, com a formulação de um juízo de verosimilhança sobre a existência do direito que se pretende acautelar, em termos assim, necessariamente sumários.
Ora, como facilmente se depreende, a presente providência cautelar não se configura como o meio adequado para se poder apurar, nas múltiplas vertentes, toda a realidade necessária para a compreensão e definição da questão nas diversas ópticas apresentadas, antes se impondo que a determinação do tribunal competente para o respectivo conhecimento se faça, em termos sumários, com recurso ao que para tal tipo de processo se prevê nos normativos referidos que regem a atribuição da competência internacional.
Com efeito, consigna-se no art.º 24 da Convenção de Bruxelas, que as medidas cautelares previstas na lei de um Estado Contratante possam ser requeridas às autoridades judiciais desse Estado, mesmo que por força da presente convenção, um tribunal de outro Estado Contratante seja competente para conhecer da questão de fundo.
Compreende-se que assim seja, já que a celeridade inerente ao carácter urgente do procedimento, e à decorrente averiguação sumária dos pressupostos necessários para tanto não se compadece com as delongas normais com uma discussão complexa que deverá ser reservada para a sede própria, isto é, para a acção principal.
Deste modo, e independentemente da validade do pacto de atribuição de competência, não estava vedado à Recorrente solicitar ao Tribunal Português, isto é, ao Tribunal a quo, o decretamento da providência requerida, no atendimento de tal artigo 24, da Convenção de Bruxelas, ultrapassando a conexão territorial prevista na alínea c) do n.º1, do art.º 83, sendo certo que não  se mostra afastada a competência internacional dos tribunais portugueses, face ao critério da causalidade, art.º 65, n.º1, ambos do CPC.
Conclui-se, assim, que o Tribunal a quo – 11ª Vara Cível de Lisboa, 2ª Secção, é o competente para o conhecimento da providência cautelar, não podendo manter-se a decisão sob recurso, que consequentemente deve ser revogada e substituída por outra que determine o seu normal prosseguimento, sem que tal signifique, sublinhe-se, a atribuição de competência para apreciar a acção principal.

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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao agravo, e assim revogar a decisão recorrida, julgando competente internacionalmente o tribunal recorrido para conhecer o presente procedimento cautelar.
Custas a final.
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Lisboa, 13 de Março de 2007

Ana Resende
Dina Monteiro
Luís Espírito Santo



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1.-Cfr. Ac. STJ de 9.2.2006, in www.dgsi.pt, no seguimento de um entendimento maioritariamente aceite.

2.-Cfr. a título de exemplo o Ac. STJ de 12.3.2002, in www.dgsi.pt.

3.-Cfr. Ac. STJ de 15.1.04, que citando Miguel Teixeira de Sousa, in A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, Lisboa, 1994, fls. 30, diz que O tribunal é competente para o julgamento de certa causa quando os critérios determinativos da competência lhe atribuem a medida de jurisdição que é a suficiente e adequada para essa apreciação.

4.-Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pag. 90 e segs.

5.-Cfr. Acórdão do STJ de 4.3.1997, in CJSTJ, tomo 1, pag. 125 e seguintes.

6.-Salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro.

7.-Cfr. Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, volume I, pag. 133.

8.-Cfr. Obra e Autores referenciados na nota supra.

9.-Cfr. Ac. STJ de 12.6.97, in BMJ 468, pag. 324, 12.02.04, 03.03.05 e 29.06.05, in www.dgsi.pt.

10.-A Convenção de Bruxelas, bem como a Convenção de Lugano, esta in DR. 1ª - Série A, Suplemento de 30.10.1991, que praticamente a reproduz alargando-a aos Estados que integram a EFTA, foram substituídas relativamente aos Estados que integram a União Europeia, pelo Regulamento n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, aplicável desde o dia 1 de Março de 2002, com exclusão do Reino da Dinamarca, relativamente ao qual se mantém a vigência da Convenção de Bruxelas.

11.-Cfr. Ac. STJ de 1.7.1999, in www.dgsi.pt.

12.-Cfr. A. Pinto Monteiro, in Contrato de Agência, pag. 52 e segs.

13.-Na parte que não colida com o regime do contrato de franchising, clausulado nos termos do art.º 405, do CC, Cfr. Ac. STJ de 9.1.2007, in www.dgsi.pt.

14.-Abílio Neto in Contratos Comerciais, pag. 123, pronuncia-se afirmativamente, referenciando em sentido diverso, como mero afloramento do princípio do tratamento mais favorável, Moura Ramos, in Aspectos recentes do direito internacional privado português, pag. 12.