Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1651/21.5T8BRR.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
DESPEDIMENTO
COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/25/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I.–Nos contratos de trabalho a termo certo o trabalhador ilicitamente despedido tem direito, no mínimo, às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo do contrato, se este ocorrer antes do trânsito em julgado da sentença, englobando tais retribuições as retribuições salariais mas também as restantes importâncias que teria auferido até ao final do contrato, nelas se incluindo a compensação que receberia se o contrato tivesse cessado, no seu termo, por caducidade.

II.–Tais valores são apurados nos termos do disposto no art.º 393/2, do Código do Trabalho.

III.–Não pode ser rejeitada liminarmente a reconvenção em que o trabalhador pede o valor correspondente à compensação, porque estão em causa ainda efeitos decorrentes do despedimento e não concorrência de causas de cessação do contrato de trabalho.


(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


A.–Impugnação Judicial de Regularidade e Licitude do Despedimento n.º

I.–A)-Autora (designado abreviadamente também por A.) e recorrente: AAA
Ré (R.): BBB

Não tendo havido acordo na audiência de partes, a R. apresentou articulado de motivação em que alegou, em síntese, que a Autora violou o dever de respeito para com o gerente da Ré, e pediu a sua absolvição do pedido.

A Autora contestou a ação na qual alegou que o procedimento disciplinar é inválido, que não foram cumpridos os requisitos legais impostos à nota de culpa, que não há justa causa para o despedimento.Mais deduziu reconvenção relativamente à compensação pela caducidade do contrato de trabalho, no valor de € 798. E a final pediu a declaração de ilicitude do despedimento e que a R. seja condenada a pagar-lhe
a)-Indemnização pela cessação ilícita do contrato no montante de € 6650;
b)-€ 798 a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho;
c)-Juros de mora sobre as supra referidas quantias à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

A Ré respondeu e juntou o original do procedimento disciplinar.

Notificada para se pronunciar, a trabalhadora optou pela indemnização em substituição da reintegração.
*

Saneados os autos o Tribunal a quo julgou a ação parcialmente procedente e decidiu:
a)-Condenar a Ré no pagamento à Autora de uma indemnização pela ilicitude do despedimento no montante de € 1905;
b)-Condenar a Ré no pagamento à Autora – em sede de liquidação - das retribuições que esta deixou de auferir desde 31.08.2021 até trânsito em julgado da presente decisão, deduzidas as seguintes quantias, a liquidar em incidente próprio:
a.- Quantias que a Autora tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento;
b.- Subsídio de desemprego eventualmente atribuído à Autora no período referido em b), devendo a Ré entregar essa quantia à segurança social.
c)-Condenar a Ré a entregar à Segurança Social todos os montantes auferidos pela Autora a título de subsídio de desemprego, em apurar em sede de liquidação.
d)-Condenar a Ré no pagamento à Autora dos juros moratórios vincendos desde o trânsito em julgado quanto ao montante referido em a), ate efetivo e integral pagamento.
*

A A., representada pelo DM do MºPº, não se conformou e recorreu, concluindo:
(…)
*

A R. não contra-alegou.

Foram colhidos os competentes vistos.
*

II–
A)–É sabido e tem sido jurisprudência uniforme a conclusão de que o objecto do recurso se limita em face das conclusões insertas nas alegações do recorrente, pelo que, em princípio, só abrange as questões aí contidas, como resultado aliás do disposto nos artigos 635/4, 639/1 e 2, 608/2 e 663 do CPC.
Deste modo o objecto do recurso consiste em saber se é admissível a reconvenção, a decisão da matéria de facto merece a censura que lhe é feita, e as consequências da ilicitude do despedimento da Autora.
*

Da matéria de facto
Insurge-se a A. porquanto a sentença não deu como assente que o contrato se renovou por mais um ano, em 1.7.21, conforme alegara no art.º 10º da contestação, o que poderá ser causa de nulidade da sentença por omissão de pronuncia.
Ora, é claro que esta matéria tem uma dimensão de direito, sabendo-se que o contrato foi celebrado por um ano, em 1.7.20, e que apenas em 2.8.21  a R. comunicou à A. a instauração de um procedimento disciplinar, pelo que o contrato se renovou nos termos do disposto no art.º 149/2 1ª parte, do Código do Trabalho.
No entanto, outro período poderia ter sido acordado, pelo que nada obsta a tal aditamento, cuja dimensão factual a R. não pôs em crise, o que se fará infra a cheio na al. b) dos factos assentes.
*
*

São estes os factos assentes nos autos:

A.–A 01.07.2020 foi celebrado entre as partes um contrato nos termos do qual a Autora se obrigou a prestar, sob ordens, direção, e fiscalização da Ré, as funções correspondentes à categoria profissional de cozinheira, durante 40 horas semanais distribuídas por 5 dias de semana e dois dias de descanso semanal rotativo, mediante a retribuição de € 635.
B.–O referido contrato foi celebrado sob condição resolutiva pelo período de um ano “devido a acréscimo excecional de atividade da empresa, devido a um aumento excecional de utentes acamados, e daí se encontrar a reunir condições necessárias para um bom funcionamento dos serviços prestados”  e renovou-se em 1.7.21 por igual período  de um ano.

C.–A 02.08.2021 a Ré comunica à Autora:
“Assunto: Procedimento disciplinar (envio de nota de culpa)
Exma. Senhora
Na sequência dos eventos que se registaram ao longo do primeiro e último ano de trabalho, em que foram constantes e insistentes a prática dos factos elencados na Nota de Culpa em anexo, a empresa decidiu instaurar-lhe procedimento disciplinar.
Com efeito, serve a presente para lhe enviarmos a respetiva nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos e que consubstanciam infrações disciplinares graves pelo que é nossa intenção proceder ao seu despedimento com justa causa, suspendendo-se de imediato e preventivamente, o seu Contrato de trabalho, sem perda de retribuição, nos termos do art. 354.º do Código do Trabalho, dado que estamos em crer que a sua presença iria perturbar o desenvolvimento do Processo.
(…)”

D.–Nos termos da Nota de Culpa:
 (…)
1. A Empresa é titular de um estabelecimento comercial na … que consta de uma casa de Repouso, … para idosos.
2. Em 1 de julho de 2020 a empresa admitiu ao seu serviço, mediante Contrato de Trabalho, a trabalhadora agora arguida, que, sob a sua autoridade e direção, exerce as funções de Cozinheira.
3. A trabalhadora tem o seguinte horário de trabalho: das 10h00 às 19h30m com um intervalo de uma hora e trinta minutos para refeição.
4. E recebe o salário base de 635,00€ (…)
5. Sucede que desde o fim do período experimental e perante instruções ou exigências da sócia e gerente da empresa, a trabalhadora usa expressões e gestos inapropriados, nomeadamente levantando os braços e vozeirando (…) não se meta no assunto que isto não é nada consigo (…)
6. (…) Vá lá mas é para o … que lá é que está bem (…)
7. Sucede que, trata, igualmente as suas colegas de trabalho, de forma humilhante e agressiva, continua e persistentemente.
8. O que tem provocado nas colegas de trabalho e na entidade patronal um profundo desagrado e mau estar nas relações com a trabalhadora.
9. Que se revela mal-educada e sem maneiras perante a Entidade Patronal e restantes colegas, constante e insistentemente, o que gera mau ambiente numa instituição que é referência na sua zona.
10. Com as condutas supra referidas a trabalhadora arguida (i) desrespeitou e não tratou com urbanidade e probidade a sua superior hierárquica e empregadora, (ii) não realizando o seu trabalho com zelo e diligência, (iii) não cumpriu as ordens e instruções dadas pelo empregador respeitantes à execução e disciplina no trabalho, e (iv) não respeitou as colegas de trabalho, violando várias das regras e deveres previstos no Código do Trabalho.
11. Ao mesmo tempo com a sua conduta, a trabalhadora (i) desobedeceu a ordens dadas pela responsável hierarquicamente responsável (ii) violou direitos e garantias dos trabalhadores da empresa (iii) provocou repetidamente, conflitos com outros trabalhadores da empresa, assumindo comportamentos que, pela sua gravidade e consequências, tornaram impossível a subsistência da relação de trabalho, constituindo justa causa do despedimento, nos termos do n.º 1 e 2, do artigo 351.º do Código do Trabalho.
(…)

E.–A 30.08.2021 a Ré profere e remete à Autora a seguinte decisão relativamente ao procedimento disciplinar:
Assunto: Procedimento disciplinar (CONCLUSÃO)
Exma. Senhora
Na sequência do Processo disciplinar que lhe foi instaurado e ouvidas as testemunhas que infra se indicam, conclui-se pela improcedência da relação laboral entre as Partes.
Nestes termos, O Contrato de trabalho outorgado entre as partes considera-se findo com efeitos a partir de 31 de Agosto de 2021, sendo, nesta data, colocado à sua disposição todos os créditos a que tem direito pela cessação do contrato de Trabalho.
Foram ouvidas as seguintes testemunhas:
-
Conclui-se, pelos depoimentos ouvidos e registados pelo Despedimento com Justa Causa.
O Instrutor
(…)
*
*

De Direito

I.–Da reconvenção

O Tribunal a quo decidiu esta questão previamente e do seguinte modo:
"(...) Nos termos do disposto no art. 98.º-L n.º 3 do Código de Processo do Trabalho:
3- Na contestação, o trabalhador pode deduzir reconvenção nos casos previstos no n.º 2 do artigo 274.º do CPC, bem como para peticionar créditos emergentes do contrato de trabalho, independentemente do valor da acção.

A remissão supra referida deve ser entendida como sendo feita para o atual art. 266.º do Código de Processo Civil.
Nos termos do n.º 2 deste preceito:
2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos:
a)- Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b)- Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c)- Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d)- Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.

Tem sido discutida na doutrina e na jurisprudência a questão de saber se, no âmbito do disposto no art. 98.º-L n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, a reconvenção abrange necessariamente todas as consequências da ilicitude do despedimento (nomeadamente a reintegração e os salários intercalares) ou se apenas está em causa o que não seja consequência imediata da invalidade do despedimento gerada pela ilicitude.

Da leitura conjugada do regime atinente às consequências da falta de apresentação de articulado motivador por parte da entidade empregadora ou de contestação por parte do trabalhador (art. 98.º J. n.º 3 do Código de Processo do Trabalho) parece resultar, interpretação com a qual concordamos, que a reconvenção apenas é exigida para os pedidos que extravasam as consequências legais da declaração ilícita do despedimento, sendo elas a reintegração/indemnização em substituição da reintegração e o pedido de pagamento dos salários intercalares.

Efetivamente, quanto a estes, o tribunal terá sempre que conhecer no âmbito da sua função jurisdicional, independentemente de ser peticionado, como resulta da leitura do preceito ora referido.

Já no que tange ao demais peticionado, o seu conhecimento por parte do tribunal está dependente da alegação dos factos que os integram, sendo estes emergentes do facto que serve de fundamento à ação.

Assim, o facto jurídico que serve de fundamento à defesa é a ilicitude da cessação do contrato de trabalho; o facto jurídico que serve de fundamento ao pedido reconvencional é a caducidade do contrato de trabalho.

Ora inexistindo qualquer identidade entre a ilicitude do despedimento e o decurso do prazo para cessação do contrato, é de indeferir liminarmente a reconvenção (pois efetivamente não é possível cumular o pedido de indemnização pela cessação do contrato por despedimento ilícito com uma compensação pelo seu termo em virtude de uma não renovação)".

Vejamos.

O ponto fundamental está em saber se é possível, como pretende a A., receber uma indemnização pelo despedimento, por ter sido ilicitamente despedida, e depois uma compensação pela cessação, já que a declaração de ilicitude acarretaria que tudo voltasse ao mesmo, como defende.

Qual o escopo da indemnização? Há que distinguir a existência de dois tipos de ressarcimento, socorrendo-nos das normas que regula a cessação dos contratos celebrados por tempo indeterminado, por serem mais claras e paradigmáticas:
a)-a compensação, que visa ressarcir o trabalhador dos vencimentos que deixou de perceber indevidamente com a cessação indevida decretada unilateralmente pelo empregador - leia-se, o despedimento ilícito (art.º 390 do CT) -, e que receberia normalmente (e também o empregador receberia a correspondente atividade, que não recebeu por motivos imputáveis a ele mesmo, empregador, pelo que a mora do credor nesta parte não releva);
b)-a indemnização de antiguidade, que visa reintegrar o trabalhador dos danos que sofre com a perda de antiguidade que resulta da cessação daquele convénio laboral, e que por isso só tem lugar em substituição da consequência normal que é a reintegração (art.º 391, CT).

Podem existir ainda outros danos, nomeadamente não patrimoniais, suscetíveis de encontrar arrimo legal no art.º 389/1/a do Código do Trabalho. Estes danos não são típicos, podendo amiúde inexistir, pelo menos em termos que mereçam a tutela do Direito, sabido como é que tudo tende a ser temporário, incluindo as relações laborais.

Passando ao contrato a termo, temos que a indemnização prevista no art.º 393/2/a tem um escopo mais vasto, abrangendo em conjunto o acima referido e até uma compensação pela precariedade do vínculo.

Assim, e provados que sejam os factos pertinentes, tal norma prevê o seu ressarcimento.  

Ora, o puntum saliens aqui reside em saber o ressarcimento pode englobar seja a indemnização calculada de acordo com o valor das retribuições seja a compensação.

É sabido que a declaração de ilicitude do despedimento leva a que o mesmo, por inválido, como que deixe de existir de direito retroativamente, de modo a que, para a ordem jurídica é como se nunca tivesse tido lugar. De aí que o trabalhador receba os salários de tramitação como se sempre tivesse laborado, e, mais importante ainda, seja reintegrado como se nunca tivesse saído.

Considerando que a indemnização prevista no art.º 393/2/a do CT não se reconduz ao simples ressarcimento da antiguidade, e que estabelece um mínimo ("não deve ser inferior", na redação do preceito) a conclusão a tirar é que o pagamento das retribuições não esgotará tudo o que é devido pela cessação do contrato.

Neste sentido escreve Pedro Furtado Martins, in A Cessação do Contrato de Trabalho, 4ª ed., 561, que deverão ser pagos tais salários mas também "a compensação que a lei associa à caducidade por verificação do termo, nos moldes estabelecidos nos art.º 344/2 e 345/4". E mesmo que o termo ocorra após a decisão (rectius o trânsito em julgado) "fará também sentido acrescentar o valor da compensação que o trabalhador receberia caso o contrato terminasse em razão da verificação do termo" (idem, 562).

Também assim tem entendido a jurisprudência. P. ex., o ac de 25-03-2019 da Relação do Porto (acórdãos disponíveis em www.dgsi.pt) decidiu que "Declarada a ilicitude de despedimento no caso de contrato de trabalho a termo, para além da indemnização prevista no art. 393º, nº 2, al. a), do Código do Trabalho, é devida a compensação por caducidade prevista no art. 344º, nº 2, do mesmo Código, se esta tiver ocorrido antes da decisão que declara a ilicitude do despedimento", mais acrescentando, em sede de fundamentação, que importa "saber se a trabalhadora pode pedir a compen-sação por caducidade prevista no art. 344º, nº 2, do Código do Trabalho, no caso, como o vertente, de se declarar que ocorreu despedimento ilícito da mesma, com a condenação consequente na indemnização prevista no art. 393º, nº 2, al. a), do Código do Trabalho. (...) Afigura-se ser de responder afirmativamente. Conforme refere João Leal Amado, em Contrato de Trabalho, À luz do novo Código do Trabalho, 2009, pág. 430, «A declaração de ilicitude/invalidade do despedimento reconstituirá a relação jurídico-laboral que o empregador tentou, sem êxito, dissolver. Mas essa reconstituição apenas valerá até à verificação do evento resolutivo a que as partes haviam subordinado a extinção do contrato. O contrato cessará então aquando da verificação do termo, por caducidade, pelo que o empregador, exonerado embora da obrigação reintegratória e da alternativa obrigação indemnizatória, deverá, todavia, ser condenado a pagar ao trabalhador uma compensação pela caducidade do contrato, por força dos arts. 344º, nº 2, e 345º, nº 4, do CT.» Efectivamente, não se compreenderia que não se admitisse a compensação no caso de declaração de despedimento ilícito, que tem como consequência primordial a manutenção da relação jurídico-laboral, presumindo-se embora que, pelo despedimento, o empregador manifestou a sus intenção de não renovação do contrato a termo.

No mesmo sentido veja-se Carlos Mateus, A ilicitude da cessação do contrato de trabalho a termo, na Revista Verbo Jurídico de Novembro de 2000".

Também a Relação de Coimbra decidiu, no aresto de 14.11.2013, que "III–Nos contratos de trabalho a termo, o trabalhador ilicitamente despedido tem, no mínimo, direito às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo do contrato, se este ocorrer antes do trânsito em julgado da sentença, englobando tais retribuições não só as retribuições salariais propriamente ditas, mas também todas as outras importâncias que o trabalhador teria auferido até ao final do contrato, nelas se incluindo a compensação que receberia se o contrato tivesse cessado, no seu termo, por caducidade. IV–Esse valor de indemnização pelo despedimento é um valor mínimo, pelo que a atribuição de um valor superior depende da prova de concretos danos patrimoniais e não patrimoniais que o justifiquem", referindo na fundamentação que "seguimos os fundamentos e a posição do Ac. da Relação do Porto de 26-01-2004 (Relator: Sousa Peixoto), in www.dgsi.pt, proc. 0316548, também citado na sentença recorrida, traduzida no respectivo sumário: «I- Nos contratos de trabalho a termo, o trabalhador ilicitamente despedido têm direito às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo do contrato, se este ocorrer antes da sentença. II-Aquelas retribuições englobam não só as retribuições salariais propriamente ditas, mas também todas outras importâncias que o trabalhador teria auferido até final do contrato, nelas se incluindo a compensação que receberia se o contrato tivesse cessado, no seu termo, por caducidade».  (...) Na verdade, tal como nos arestos citados, entendemos que a intenção do legislador foi repor o trabalhador pelo menos na situação que teria se não tivesse sido despedido e, por isso, o valor das retribuições que aquele deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo do contrato também inclui o montante da compensação a que teria direito no termo do contrato. Se não ocorresse o despedimento ilícito sempre ele teria direito, para além das retribuições propriamente ditas, à referida compensação pela caducidade".

Assim, e em bom rigor, não pode dizer-se que ao demandar o valor correspondente à compensação a A. está a querer ressarcir-se duas vezes, uma pela cessação ilícita e outra pelo que seria a cessação regular do contrato, já que tal é concebível ainda em sede de ressarcimento pelo despedimento ilícito.

Deste modo, não pode manter-se a decisão recorrida, porquanto a reconvenção era admissível à luz do art.º 98-L/3 do Código de Processo do Trabalho.
*

Das consequências do despedimento

A indemnização foi fixada nos autos tendo em atenção o disposto no art.º 390 do CT, decidindo o Tribunal a quo a R. numa indemnização de antiguidade de 1905,00 €, bem como em salários intercalares, deduzindo o aliunde perceptumnos termos gerais do art.º 390, contra o que se insurge a recorrente, entendendo que não pode ser inferior ao previsto no art.º 393 do Código do Trabalho.

Com razão, porquanto é esta a norma, que consagra, como se viu, um valor mínimo - o das retribuições devidas até ao transito da decisão, ou, se for posterior ao termo do contrato, à data em que este termo ocorre (no caso, 01.07.2022). O que, no final de maio de 2022, atinge 5.985,o0 €.

A isto acresce, pelas razões acima expostas, a compensação devida pela cessação do contrato, de 798,00 €  (665,00 € x 18 x 2 anos) (atente-se para o valor retributivo mínimo em 2021 de 665,00, que em 2020 era de 635,00).
*

A condenação em juros, não posta em crise, mantém-se, por referencia aos valores da alínea b), que infra se exarará.
Termos em que procede o recurso.
*
*

III.–
Pelo exposto, este Tribunal julga o recurso procedente, altera a decisão da matéria de facto nos termos aditados a cheio na al. b) dos factos provados, e a decisão de direito nos seguintes termos:
a)-declara ilícito o despedimento da A.;
b)-condena a R. a pagar à Autora as retribuições que esta deixou de receber até ao transito da decisão definitiva, com o limite temporal máximo de 30.06.2022, as quais, no fim de maio de 2022 ascendem a cinco mil novecentos e oitenta e cinco mil euros (5.985,00 €), e ainda a quantia de setecentos e noventa e oito euros (798,00 €) a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho;
c)-condena a R. a pagar à A. os juros moratórios vincendos desde o transito em julgado sobre as quantias aludidas em b) até efetivo e integral pagamento.
Custas do recurso e da ação pela R. 



Lisboa, 25 de maio de 2022



Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega



Decisão Texto Integral: