Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17657/20.9T8LSB-A.L1-2
Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA
Descritores: COMPETENCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A competência internacional dos Tribunais portugueses corresponde à medida de jurisdição do conjunto daqueles Tribunais relativamente a Tribunais estrangeiros.
II. Em matéria de competência internacional dos Tribunais portugueses os regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais aplicáveis prevalecem relativamente às normas processuais do direito nacional decorrentes dos artigos 62.º e 63.º do CPCivil, sem prejuízo de pacto privativo atributivo de jurisdição celebrado entre as partes e processualmente operante.
III. O artigo 62.º do CPCivil consagra três critérios alternativos de atribuição de competência internacional dos Tribunais portugueses: o critério da coincidência, alínea a), o critério da causalidade, alínea b), e o critério da necessidade, alínea c).
IV. A competência internacional do tribunal deve ser apreciada e decidida em função do pedido e da causa de pedir deduzida na petição inicial.
V. Estando em causa a imagem, nome e características próprias do A., cidadão português, aspetos esses que são difundidos por todo o mundo, designadamente em Portugal, através de videojogos produzidos pela R., com sede nos EUA, importa conferir aos Tribunais portugueses competência internacional em função do apontado critério da causalidade.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I.
RELATÓRIO.
Neste processo comum de declaração, o A., TS, cidadão português, residente na República do Cazaquistão, demanda a R., ELECTRONIC ARTS INC, com sede na Califórnia, Estados Unidos da América, pedindo que a R. seja condenada:
«[A] pagar ao Autor, a título de indemnização por danos patrimoniais de personalidade, pela utilização indevida da sua imagem e do seu nome, a quantia de €24.000,00 (vinte e quatro mil euros), de capital, acrescida dos juros vencidos (…) e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal (…)»;
«[A] pagar ao Autor montante nunca inferior a €5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido, também, dos juros vencidos (…) e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal (…)».
Como fundamento do seu pedido o A. alegou, em síntese, que é futebolista profissional, ao passo que a R. é uma empresa líder no entretenimento digital interativo que produz e comercializa os jogos denominados FIFA, FIFA MANAGER FIFA, e FIFA ULTIMATE TEAM – FUT, os quais fazem uso da imagem, nome e características pessoais do A., sem autorização deste.
Alegou também que tais jogos são vendidos e difundidos em Portugal, e em todo o mundo, termos em que conclui serem afetados os seus direitos de personalidade.
A R. apresentou contestação, além do mais arguindo a incompetência internacional dos tribunais portugueses.
O A. deduziu resposta à contestação, sustentando a competência internacional dos tribunais portugueses.
Em 10.10.2021, o Juízo Local Cível de Lisboa proferiu decisão que no aqui relevante tem o seguinte teor:
«Assim, haverá que concluir, como se conclui, que:
1- Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º do CPC (art.º 59.º do CPC);
2- O país de origem da R (país em que tem a sua sede e no qual terá operado o desenvolvimento do jogo) são os Estados Unidos, inexistindo instrumento internacional que regule a matéria da distribuição de competência internacional entre ordenamentos;
3- Estando em causa a alegada prática de acto ilícito em ambiente digital rege a al. b) do artigo 62.º do CPC, que dispõe que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, quando tiver sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;
4- O referido preceito deverá ser interpretado no sentido de que a expressão “facto que integra a causa de pedir”, em caso de jogo em ambiente digital, divulgado e comercializado em vários Estados, deve ser interpretada no sentido de que a parte que alega a lesão poder intentar a acção de indemnização contra a empresa que desenvolve o jogo ou nos órgãos jurisdicionais do Estado do lugar de estabelecimento da empresa que desenvolve o jogo, competentes para reparar a integralidade dos danos resultantes da difamação, ou nos órgãos jurisdicionais de cada Estado em que a publicação foi divulgada - em suporte material - e onde o lesado alega ter sofrido um atentado à sua imagem, competentes para conhecer apenas dos danos causados no Estado do tribunal onde a acção foi proposta com base na divulgação do jogo em suporte material (por aplicação analógica da Jurisprudência do acórdão TJUE de 7 de Março de 1995, Shevill);
5- Quando esteja em causa a violação de direito à obtenção de licenciamento da exploração de imagem, em jogo colocado em linha, “(…) o impacto de um conteúdo colocado em linha sobre os direitos de personalidade de uma pessoa pode ser mais bem apreciado pelo órgão jurisdicional do lugar onde a pretensa vítima tem o centro dos seus interesses, a atribuição de competência a esse órgão jurisdicional corresponde ao objectivo de boa administração da justiça (…)” (por aplicação analógica da Jurisprudência do acórdão TJUE de 25 de Outubro de 2011, eDate Advertising GmbH).
Pelos fundamentos expostos, os elementos de conexão relevantes para a atribuição da competência do presente Tribunal são os previstos nas alíneas b) (localização de alegados danos em Portugal, quer pela difusão de suportes materiais, quer de acessos “on line”) e c) do artigo 62.º do CPC (interesse da boa administração da justiça, decorrente do facto de o A ter o seu centro de interesses profissional, em ambiente digital, localizado em Portugal- espaço EU)».
Inconformada com tal decisão, a R. dela recorreu, apresentando as seguintes conclusões:
«a) O presente recurso impugna o despacho de 10.10.2021, que (e citando) “…conclui pela competência internacional do presente Tribunal à luz de um enquadramento próprio com base na análise dos precedentes do TJUE…”.
b) A decisão em crise considerou verificados “…os elementos de conexão relevantes para a atribuição da competência do presente Tribunal (…) previstos nas alíneas b) (localização de alegados danos em Portugal, quer pela difusão de suportes materiais, quer de acessos “on line”) e c) do artigo 62.º do CPC (interesse da boa administração da justiça, decorrente do facto de o A ter o seu centro de interesses profissional, em ambiente digital, localizado em Portugal- espaço EU).”.
c) Mais se referindo no despacho tratar-se de “…aplicação analógica da Jurisprudência do (…) TJUE…” (sic), ao mesmo passo que expressamente se estabeleceu ser inaplicável, in casu, o direito da UE ou qualquer outro instrumento de direito internacional.
d) A recorrente discorda in totum do sentido decisório e respetiva fundamentação, considerando violados, entre outros, os seguintes princípios e normas jurídicos:
(i) Princípio do dispositivo, princípio da soberania dos Estados, princípio da harmonização dos interesses da comunidade internacional, princípio da justiça e da sua efetivação;
(ii) Artigos 5.º, n.º 1 e 62.º, alíneas b) e c), 607.º, n.º 3 e 4, 613.º, n.º 3 e 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), todos do CPC.
(iii) Artigos 483.º e 496.º do Código Civil.
e) O despacho revidendo afirmou – nesta parte com inteiro acerto – serem inaplicáveis ao caso sub judice quaisquer instrumentos normativos internacionais, assim afastando a aplicação do Direito da UE.
f) Não aplicar direito da UE deverá significar não o considerar sob nenhum prisma, inclusive a jurisprudência que o TJUE possa produzir a respeito de normas europeias, em matérias como a competência internacional.
g) O regulamento UE 1215/2012 relativo à competência judiciária dos tribunais dos Estados Membros da União Europeia determina, nos termos do respetivo art.º 6.º20, que o mesmo apenas se aplica quando o requerido tenha sede no território da UE.
h) O autor afirma, no art.º 2.º da sua petição inicial, que a ré tem atividade apenas nos EUA, Canadá e Japão, além de indicar como sede da ré o território norte-americano.
i) Os factos relevantes, para apreciação da competência internacional, são os estabelecidos na petição inicial, a qual não invoca – e nesta parte acertadamente – que a ré tem a sua sede no território da UE.
j) Circunstancialismo que torna, por isso, inaplicável o referido regulamento, assim como qualquer norma jurídica de direito da UE e respetiva jurisprudência, a este respeito.
k) A incompetência internacional deverá assim ser apreciada apenas à luz do quadro legal estabelecido na fonte interna, precisamente o art.º 62.º do CPC.
l) O tribunal a quo, ao referir que é inaplicável instrumento normativo internacional e ao decidir com base em normas europeias, inquinou a decisão de nulidade, por contradição – art.º 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC.
m) Nulidade que expressamente se arguiu e que determina, per se, a revogação da decisão proferida, impondo a necessidade de reanálise da questão em apreço porque devem ser afastadas as normas europeias ou qualquer interpretação ao abrigo das mesmas, incluindo-se a denominada “…aplicação analógica de jurisprudência do TJUE…”.
n) O CPC contém norma especificamente destinada – art.º 62.º – a dilucidar esta matéria, estabelecendo, pela positiva, todos os casos em que os tribunais portugueses podem avocar a competência para dirimir litígios que, de alguma forma, assumam uma natureza plurilocalizada, o que torna sempre ilegal o recurso a qualquer norma diversa daquela de fonte interna.
o) A decisão impugnada, ao fundamentar o seu sentido decisório no recurso na aplicação analógica de jurisprudência do TJUE, incorreu na prática de outra nulidade, uma vez que torna a decisão ininteligível porque, não só não são aplicáveis normas europeias, como não há lugar à aplicação analógica de jurisprudência.
p) Nulidade que se arguiu para todos os devidos efeitos legais, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, alínea c) in fine do CPC e que, uma vez declarada, à imagem da nulidade já acima invocada, impõe a necessidade de reanálise da questão em apreço, ao abrigo do art.º 62.º e nos termos da detalhada argumentação que a ré avançou na sua contestação.
q) Afastada a aplicação das normas de direito da UE, cumpre notar que o Tribunal a quo entendeu, como critério determinante para a atribuição de competência e à luz de um “enquadramento próprio”, que o autor tem o seu centro de interesses profissional, em ambiente digital, em Portugal e que foi feita a alegação de danos no nosso território, pela difusão de suportes materiais e acessos online.
r) Conceito de “centro de interesses”, abordado na decisão objeto de recurso, cuja aplicação decorre do processo de integração por aplicação analógica de “precedentes do TJUE”, i.e., da aplicação do inaplicável direito da União Europeia.
s) Para apreciar a competência relevam unicamente apenas os factos invocados na petição inicial, sendo assim relevantes, na perspetiva da questão do centro de interesses, apenas as seguintes alegações factuais:
(i) O autor é um cidadão de nacionalidade portuguesa, nascido na Guiné-Bissau;
(ii) Atualmente, o autor tem a sua atividade profissional no Cazaquistão, representando o clube FC Taraz;
(iii) No passado, o autor jogou na Seleção Nacional de Portugal nos escalões juvenis, bem como na Seleção da Guiné-Bissau, e ainda em outros clubes Portugueses;
(iv) o Autor esteve vinculado aos seguintes clubes e nas seguintes épocas:
• 2020 - Taraz Cazaquistão
• 2019/20 - Astra Giurgiu Roménia
• 2018/19 - Ittihad Alexandria Egipto
• - Sundowns África do Sul
• 2017/18 - Levadiakos FC Grécia
• 2016/17 - Levadiakos FC Grécia
• 2015/16 - União Madeira Portugal
• - Sanliurfaspor Turquia
• 2014/15 - CSKA Sofia Bulgária
• 2013/14 - CSKA Sofia Bulgária
• 2012/13 - Dag and Red Inglaterra
• - Barnsley Inglaterra
• 2011/12 - Northampton Town Inglaterra
• - Liverpool Inglaterra
• 2010/11 - Liverpool Inglaterra
• 2009/10 - Liverpool Inglaterra.
t) Nenhum outro facto, seja na petição inicial, seja em qualquer outro articulado do autor, foi alegado com relevância ou conexão territorial, para a apreciação em causa.
u) O autor não carreou para os autos qualquer facto concreto que preencha o conceito de centro de interesses em Portugal.
v) O autor também não alegou factos relativos à concretização de danos em toda a petição inicial e muito menos que tais danos ocorrem em Portugal.
w) Com alusão ao nosso país, o único facto alegado pelo autor a este respeito é o de que é um cidadão português, nacionalidade que, nos termos do art.º 62.º do CPC, em nada releva para a apreciação da competência internacional.
x) A decisão do tribunal introduziu, inovatoriamente, não só o conceito de “…centro de interesses em ambiente digital…”, como ficcionou factos que não se mostram carreados, sob nenhuma forma, para os autos.
y) Factos inexistentes que o tribunal artificialmente estabeleceu e utilizou para alicerçar as suas conclusões de direito, assim suportando o “enquadramento próprio” da decisão em crise.
z) Enquanto facto fundamental para a análise da competência internacional na perspetiva do tribunal a quo – acaso esse conceito de fonte europeia fosse relevante, o que, como se viu, não é –, exigia-se a alegação, efetiva e suportada em factos, de um centro de interesses em Portugal, na petição inicial, pressuposto inexistente em todas as peças dos autos.
aa) A decisão do tribunal a quo, ao assumir existir um centro de interesses e uma alegação de danos como tendo ocorrido em Portugal, baseou a sua decisão em factualidade não invocada pelo autor e sem indicar em que factos concretos sustentou tais conclusões.
bb) Como se refere no já acima citado acórdão do TRC:
“…Deve ser assim considerada “toda a factualidade alegada como causa de pedir, sem necessidade de sobre a mesma ser produzida prova”, o que não significa que o tribunal erija em causa de pedir conclusões e alegações das partes (…) misture factos com alegações conforme resulta (…) e daí parta para a apreciação da excepção em apreço.”.
cc) Continuando-se no mesmo aresto:
“O tribunal deve apreciar os factos, alegados pela A., integradores da causa de pedir, mas não as conclusões e muito menos as que determinam, em maior ou menor medida, o resultado da decisão a tomar pelo juiz da causa (…).
Ora, (…) mantém-se o entendimento de que “em sede de fundamentação de facto (…), a enunciação da matéria de facto deve ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas ou de excessos de adjetivação.”
dd) No caso destes autos, a decisão objeto de recurso, ao assentar em factos essenciais não alegados pelo autor, nem estabelecidos como provados na decisão, incorreu na prática de dupla nulidade por excesso de pronúncia e falta de fundamentação de facto – alíneas b) e d) do art.º 615.º, n.º 1 do CPC.
ee) Nulidades que, uma vez declaradas, determinam a revogação da decisão proferida e a necessidade de reanálise da questão em apreço, nos estritos termos do art.º 62.º do CPC, sem prejuízo de, mesmo improcedendo as nulidades invocadas, subsiste erro de julgamento na apreciação da incompetência internacional.
ff) Incompetência internacional para a qual, se convoca a factualidade relevante da petição inicial:
Quanto ao autor:
(i) O autor refere ser jogador de futebol, nascido na Guiné Bissau (artigo n.º 3 petição inicial).
Quanto à ré:
(ii) A ré é uma sociedade norte-americana, com sede no Estado da Califórnia, nos Estados Unidos da América;
(iii) A ré dedica-se à exploração, distribuição e venda de jogos, sendo que o autor não alega que a ré o faz em Portugal (artigo n.º 1 e 2 da petição inicial);
(iv) O autor refere que “…a ré conta com várias subsidiárias, entre as quais se destaca, na Europa, a EA Swiss Sàrl…” (artigo n.º 2 da petição inicial), o que evidencia que a ré não atua em Portugal ou, sequer, na Europa;
Quanto ao facto ilícito imputado à ré:
(v) Em parte alguma da petição inicial, o autor afirma que a ré vende, em Portugal, os jogos FIFA e FIFA MANAGER, chegando mesmo a reconhecer, quanto a versões antigas dos jogos que os mesmos são comercializados por terceiros (artigos n.º 27.º e 38.º da petição inicial).
(vi) A compra efetuada pelos mandatários do autor foi à empresa “CEX Complete Entertainment Exchange Unipessoal Lda.”, com sede no Porto e não à ré, sendo que na fatura de compra nem sequer constam os jogos que o autor refere como incluindo a sua imagem (artigo n.º 39 da petição inicial e Doc. n.º 15 junto com a p.i.).
(vii) Nenhum dano é alegado ou concretizado, pelo autor, na petição inicial, como ocorrendo em Portugal.
gg) A alínea a) do art.º 62.º do CPC consagra o princípio da coincidência com as regras de competência territorial: neste caso, como se refere na sentença, estamos perante uma ação de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, cuja competência territorial se define no art.º 71.º, n.º 2 do CPC.
hh) O lugar do alegado facto ilícito – tal como definido pelo autor na petição inicial: inclusão da sua imagem nos jogos FIFA – não ocorre em Portugal.
ii) É o próprio autor quem declara, no já identificado art.º 2.º da petição inicial, que a ré apenas comercializa os jogos nos EUA, Canadá e Japão, não tendo qualquer atividade no resto do mundo, incluindo Portugal.
jj) Não basta, neste contexto, dizer que foram alegados factos praticados em território nacional com base na afirmação que os jogos FIFA são vendidos em todo o mundo, incluindo Portugal.
kk) Quando é o próprio autor (e bem) quem menciona que a ré não tem atividade em Portugal, o que significa que a ré não pratica qualquer ato integrador da causa de pedir relativa à invocada utilização não autorizada da imagem do autor no nosso país (nem os factos alegados na petição inicial ou os documentos juntos, em tese, serão aptos a tal).
ll) Inexistindo, por isso à luz da alínea a) do art.º 62.º e 71.º, n.º 2, ambos do CPC, elemento de conexão com a ordem jurídica portuguesa, tendo-se por não verificado o elemento de conexão da alínea a) – neste sentido acórdãos do TRP de 18.03.1999, Proc. n.º 9831155 e TRE de Évora de 10.03.2010, Proc. n.º 524/09.4TBLGS-A.E1.
mm) Quanto ao fator de conexão, consagrado sob a alínea b) do art.º 62.º, não foi alegada a prática de factos, pela ré, ou a ocorrência de quaisquer danos, em território nacional, relativos à causa de pedir ou algum facto aqui territorialmente localizado que a integre.
nn) O autor não avançou, na sua petição inicial, qualquer ato praticado, pela ré, em território nacional. Pelo contrário, afirmou no art.º 2.º desse articulado que a ré apenas tem atividade nos EUA, Japão e Canadá.
oo) Não foi também concretizado qualquer dano sofrido pelo autor em território nacional.
pp) Acresce que, in casu, nem a comercialização dos jogos, nem os alegados danos do autor devem ser tidos como factos constitutivos ou essenciais da causa de pedir que assumam uma conexão relevante com Portugal, para efeitos de estabelecimento da competência internacional do Tribunal para os efeitos do art.º 62.º, b) do CPC.
qq) A comercialização plurilocalizada dos jogos não pode ser tida como um fator distintivo no contexto da causa de pedir e que atribua relevância suficiente para a afirmação da competência dos nossos tribunais.
rr) Como refere o acórdão do TRL de 08.10.2020, proc. 3231/19.6T8CSC.L1-2, “…para que se estabeleça a competência internacional dos tribunais portugueses é necessário que os factos materiais localizados em Portugal sejam relevantes e caraterísticos do facto jurídico e que, de entre a massa de factos que constituem a causa de pedir, tenham sido praticados em Portugal factos suficientes que justificam a conexão da ação com a ordem jurídica portuguesa.”.
ss) Em ação totalmente idêntica a esta, o acórdão já identificado do TRC afirma o seguinte:
“Dito de outra forma: não é o local, ou um dos locais onde essa divulgação ocorre que confere a competência internacional aos tribunais portugueses, por não se poder afirmar que o dano ocorreu em Portugal. Não é o local, ou um dos locais onde o jogo é vendido ao consumidor final que constitui o elemento relevante para atribuição da competência internacional, mas antes o local onde o referido jogo foi criado e posto em circulação, por ser nesse local que ocorreram os factos constitutivos do direito invocado pelo A.”.
tt) Da factualidade alegada na petição inicial, os factos relevantes para a causa de pedir do autor prendem-se, fundamentalmente, com a inclusão não autorizada da sua imagem nos jogos FIFA, o que, reconhecidamente, não ocorre em território nacional.
uu) A alegação do autor, em articulado posterior à petição inicial, acerca da ocorrência de danos globalmente e, por isso, também em Portugal não permite colmatar a falta de alegação de quaisquer danos no nosso país, por três motivos: (i) apenas a factualidade constante da petição inicial é relevante para a averiguação da competência, (ii) a alegação genérica de que o dano ocorre também em todos os locais onde o jogo é vendido não consubstancia uma alegação concreta da localização dos danos em Portugal e (iii) a alegação de que o dano ocorre em todo o mundo e logo também em Portugal não traduz uma conexão suficiente ou relevante com a jurisdição portuguesa.
vv) Daí que se conclua, inexistindo alegação factual sobre a causa de pedir ou qualquer facto que a integre praticado em Portugal, que não se verifica o fator de conexão previsto na alínea b) do art.º 62.º do CPC.
ww) Idêntica conclusão é alcançada pela aplicação do critério da necessidade constante da alínea c) do mesmo normativo: o autor não alegou na petição inicial, nem na resposta à contestação, onde se pronunciou expressamente sobre este ponto, qualquer razão de facto ou de direito que, mesmo em abstrato, seja idónea a densificar o conceito de dificuldade apreciável para o autor na propositura da ação no estrangeiro.
xx) Ao contrário do que se refere na decisão revidenda, o interesse da boa administração da justiça será sempre maximizado quando mais próximo o tribunal se situar do lugar onde o alegado facto ilícito ocorreu e não forçando essa proximidade pela criação de “…um centro de interesses profissional, em ambiente digital, em Portugal…”, conceito particularmente ininteligível uma vez que nos autos não consta qualquer alegação a um centro virtual ou informático de interesses do autor em Portugal.
yy) Não foi alegado ou sequer demonstrado pelo autor, como lhe competia, que os tribunais de outras jurisdições nacionais não se considerem competentes para o presente pleito ou quaisquer outras impossibilidades reais e objetivas.
zz) Sem qualquer concretização ou indiciação factual concreta sobre a referida dificuldade apreciável na propositura de ação no estrangeiro, não existem nos autos quaisquer motivos que permitam concluir pela verificação da alínea c) do art.º 62.º do CPC.
aaa) O Tribunal a quo infringiu diretamente o regime estabelecido no artigo 62.º do CPC.
bbb) Devendo por isso, além de declaradas as nulidades acima arguidas, ser revogada a decisão em crise e substituída por outra que declare a incompetência internacional dos tribunais portugueses para o presente litígio.
Nestes termos requer a V. Exas., face a tudo o que foi supra alegado, se dignem conceder provimento ao recurso, revogando a decisão sindicada e proferindo acórdão no sentido adrede pugnado».
O A. contra-alegou, sustentando a manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.
II.
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pela Recorrente, não havendo questões que este Tribunal deva oficiosamente apreciar, no presente recurso está em causa apreciar e decidir:
. Da nulidade por falta de fundamentação,
. Da nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão,
. Da nulidade por ininteligibilidade da decisão,
. Da nulidade por excesso de pronúncia,
. Da (in)competência internacional do tribunal recorrido.
Assim.
III.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A factualidade a considerar na motivação de direito é a que consta do relatório deste acórdão, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
IV.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Da nulidade por falta de fundamentação da decisão recorrida.
(Conclusões q) a ee) das alegações de recurso).
Nesta sede, invocando o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPCivil, a Recorrente alegou, em suma, que a decisão recorrida «ao assentar em factos essenciais não alegados pelo autor, nem estabelecidos como provados na decisão, incorreu na prática de (…) nulidade por falta de fundamentação».
Vejamos.
Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPCivil, «[é] nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (…)».
Sob pena de nulidade, exige-se, pois, que a sentença esteja minimamente motivada de facto e de direito, sendo nula tão-só aquela em que falte de todo em todo tal motivação.
A fundamentação escassa ou deficiente ou incorreta não constituem causas de nulidade da decisão. 
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, volume I, edição de 2020, página 763, no que ora está em causa a sentença é nula quando ocorre «(…) a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente e ainda menos o putativo desacerto da decisão (…)».
No caso em apreço.
A decisão recorrida não se limita a determinar a competência internacional do Tribunal recorrido. Tece considerações jurídicas nessa matéria e apresenta aquilo que tem como sendo as respetivas conclusões.
Vista assim a decisão recorrida é manifesto que a mesma não carece de fundamentação.
Pode dela discordar-se.
Pode entender-se que a mesma é insuficiente.
Não pode é referir-se que a decisão de facto está infundamentada, termos em que inexiste a suscitada nulidade.
Improcede, pois, nesta sede a pretensão recursiva da Recorrente.

2. Da nulidade por oposição entre fundamentos e decisão.
(Conclusões e) a m) das alegações de recurso).
O artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPCivil dispõe que a sentença «é nula» quando «[os] fundamentos estejam em oposição com a decisão».
Em causa está a desconformidade entre a motivação da decisão e o dispositivo desta.
Trata-se de contradição nos termos da decisão em si mesma, entre as suas premissas e decisão proferida.
Com refere Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume II, edição de 2019, página 436, em causa está «um vício lógico da sentença: o juiz elegeu deliberadamente determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio para extrair uma dada conclusão; só que esses fundamentos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto a esse, isto é, existe contradição entre os fundamentos e a decisão (…). Não se trata de um qualquer simples erro material (…) mas de um erro lógico-discursivo em termos de obtenção de um determinado resultado – contradição ou oposição real».
Na situação vertente.
A R. alegou que a decisão do tribunal recorrido está em contradição com os respetivos fundamentos na medida em que referiu ser inaplicável instrumento normativo internacional e acabou por decidir com base em normas europeias.
Ora, da decisão recorrida não se constata tal contradição.
O tribunal recorrido aplicou ao caso o artigo 62.º, alíneas b) e c), do CPCivil, levando, contudo, em conta dois acórdãos do TJUE que invocou na matéria em causa.
Sendo discutível a consideração in casu daqueles acórdãos, entende-se que tal não legítima, contudo, assacar à decisão recorrida a nulidade em causa.
Improcede, pois, também aqui o presente recurso.

3. Da nulidade por ininteligibilidade da decisão,
(Conclusões n) a p) das alegações de recurso).
Nesta sede a Recorrente alega que a decisão recorrida é ininteligível por fundamentar o seu sentido decisório no recurso à aplicação analógica de jurisprudência do TJUE.
Procedem aqui as considerações feitas a propósito da alegada contradição entre fundamentação e decisão.
A inteligibilidade de um texto corresponde à compreensibilidade do mesmo.
É inteligível o que se compreende.
Ora, pode considerar-se incorreta, imprópria, desajustada a «aplicação analógica [in casu] da jurisprudência» de dois acórdãos do TJUE.
Compreende-se, contudo, a sua invocação no contexto discursivo da decisão recorrido, sendo que, em todo o caso, a declarada competência internacional do Tribunal recorrido encontra-se fundamentada de forma inteligível e só a falta de tal inteligibilidade acarretaria a nulidade da decisão recorrida.
Improcede igualmente nesta sede o presente recurso.

4. Da nulidade por excesso de pronúncia.
(Conclusões q) a ee) das alegações de recurso).
Nesta sede, a Recorrente alegou, em resumo, que a decisão recorrida «ao assentar em factos essenciais não alegados pelo autor, nem estabelecidos como provados na decisão, incorreu na prática de (…) nulidade por excesso de pronúncia».
Apreciemos.
O artigo 615.º n.º 1, alínea d), do CPCivil dispõe que «[é] nula a sentença quando o juiz (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Ou seja, o Juiz está limitado ao pedido, causa de pedir e matéria de exceção invocadas pelas partes, salvo quanto a questões de que deva conhecer por ofício próprio.
Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, edição de 2019, página 737, «[n]ão podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de excepções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608-2), é nula a sentença em que o faça».
«É também nula a sentença que, violando o princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objetiva da instância (…) não observe os limites impostos pelo art. 609-1, condenando ou absolvendo em (…) objeto diverso do pedido».
In casu.
A decisão recorrido apreciou e decidiu a competência internacional do Tribunal recorrido.
Tal questão havia sido suscitada pela R. na sua contestação.
Nestes termos, não se vislumbra que tenha havido excesso de pronúncia nos termos indicados.
A circunstância da Recorrente considerar descomedidos, insuficientes, deficientes ou incorretos os argumentos da decisão recorrido, não justificam que se possa assacar à mesma o pretendido excesso de pronúncia.
Improcede também aqui o presente recurso.

5. Da competência internacional do Tribunal.
(Conclusões a) a d) e ff) a bbb) das alegações de recurso).
A competência internacional dos Tribunais portugueses corresponde à medida de jurisdição do conjunto daqueles Tribunais relativamente a Tribunais estrangeiros.
Como refere Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume I, edição de 2010, «[a] competência internacional traduz-se na fracção do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto em face dos tribunais estrangeiros, relativamente às causas que tiverem qualquer elemento de conexão (substantiva ou adjectiva) com ordens jurídicas estrangeiras». 
Segundo o disposto no artigo 59.º do CPCivil, «[s]em prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º».
Nos termos do apontado preceito legal, em matéria de competência internacional dos Tribunais portugueses os regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais aplicáveis prevalecem relativamente às normas processuais do direito nacional decorrentes dos artigos 62.º e 63.º do CPCivil, sem prejuízo de pacto privativo ou atributivo de jurisdição celebrado entre as partes e processualmente operante.
Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, edição de 2018, páginas 144 a 146, «[a]lém de receberem competência dos art.ºs 62, 63 e 94, para o qual o preceito (…) remete, os tribunais portugueses recebem-na também de regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais que, no seu campo específico de aplicação, prevalecem sobre as normas processuais portuguesas, nomeadamente sobre as normas reguladoras da competência internacional constantes do Código (…)»
«Os critérios dos art.ºs 62 e 63 definem a competência internacional com origem legal dos tribunais portugueses. Mas, por vezes, tais critérios têm natureza supletiva, sendo permitido às partes convencionarem a competência de um ou mais tribunais para apreciação da causa. (…)».  
Na situação em apreço, o direito da União Europeia não é aplicável, inexiste instrumento internacional a considerar, as partes nada convencionaram em matéria de competência internacional e o referido artigo 63.º do CPCivil não tem aplicação, termos em que importa considerar tão-só o artigo 62.º daquele diploma legal.
Segundo o disposto no artigo 62.º do CPCivil, «[o]s tribunais portugueses são internacionalmente competentes: a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa; b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram; c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real».
Consagram-se naquele preceito legal três critérios alternativos de atribuição de competência internacional dos Tribunais portugueses: o critério da coincidência, alínea a), o critério da causalidade, alínea b), e o critério da necessidade, alínea c).
Segundo o critério da coincidência os Tribunais portugueses são internacionalmente competentes se forem territorialmente competentes para a ação em função das regras processuais portuguesas.
Conforme refere Isabel Alexandre, Direito Processual Civil Internacional I, edição de 2021, página 220, «(…) segundo este critério, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando das regras sobre a competência interna em razão do território decorra que a ação pode ser proposta num tribunal situado no território nacional (…)».
O critério da causalidade confere competência internacional aos Tribunais portugueses quando em território nacional tenha sido cometido o facto ou algum dos factos que fundamenta a causa de pedir.
Como referem Castro Mendes e Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, volume I, edição de 2022, páginas 278 e 279, «[p]or força do critério da causalidade, a competência internacional dos tribunais portugueses resulta de ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção ou algum dos factos que integram essa causa petendi (art.º 62.º, al. b)). A causa de pedir é o ato ou o facto jurídico que individualiza a pretensão material ou o direito potestativo alegado pelo autor, pelo que, para que os tribunais portugueses sejam competentes segundo o critério da causalidade, é necessário que, pelo menos, um dos factos que integram a causa de pedir tenha sido praticado em Portugal (…). A prática em Portugal de um facto complementar ou concretizador não chega para atribuir competência aos tribunais portugueses».
O critério da necessidade atribui competência internacional aos tribunais portugueses em função da impossibilidade de o autor efetivar o seu direito de outro modo que não seja a propositura da ação em Tribunal português ou da dificuldade considerável que a propositura da ação em Tribunal estrangeiro representa para o autor, sendo que neste caso exige-se uma conexão relevante, pessoal ou real, entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa.
Com referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, volume I, edição de 2020, página 99, «[a] al. c) contém uma cláusula de salvaguarda tendente a evitar que, atenta a impossibilidade de ordem prática e jurídica (…) ou a grave dificuldade na instauração da ação num tribunal de outro Estado, o direito em causa pudesse ficar sem tutela efetiva (…). Concretiza o princípio da necessidade, mas a atribuição da competência aos tribunais nacionais exige uma forte conexão com a ordem jurídica portuguesa (…), seja de ordem pessoal (…), seja de natureza real (…)».
Em termos gerais, importa afirmar ainda que a competência internacional do tribunal deve ser apreciada e decidida em função do pedido e da causa de pedir deduzida na petição inicial.
Neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.03.2019, processo n.º 13688/16.1TBPRT.P1.S1, «a aferição do pressuposto processual da competência, nomeadamente da competência em razão da nacionalidade, deve ser equacionada em função dos contornos da pretensão deduzida tal como se encontra configurada na petição inicial. Se assim é noutros tipos de competência, por maioria de razão o será na competência internacional, uma vez que a respectiva legislação condiciona o exercício da função jurisdicional dos tribunais portugueses e a infracção das suas regras determina a incompetência absoluta do tribunal e implica a absolvição do réu da instância [art.ºs 96.º, al. a), 97.º e 99.º, n.º 1, todos do CPC). Assim sendo, constituindo uma condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa através de uma decisão de procedência ou de improcedência, a apreciação desta excepção dilatória terá de ser ajuizada à luz do pedido e da causa de pedir formulados pelo autor na petição inicial».
In casu.
Na presente ação o A., cidadão português, pretende a condenação da R. no pagamento de uma indemnização, por alegada responsabilidade civil extracontratual daquela.
Na sua petição inicial, alega que é futebolista profissional, ao passo que a R., sediada nos Estados Unidos da América, produz e comercializa os jogos de vídeo FIFA, FIFA MANAGER FIFA e FIFA ULTIMATE TEAM – FUT, nos quais faz uso da imagem, nome e características pessoais do A., sem autorização deste.
Alegou também que tais videojogos são vendidos e difundidos em Portugal, e em todo o mundo, termos em que concluiu serem afetados os seus direitos de personalidade.
A causa de pedir sub judice é, assim, complexa.
Ora, estando em causa a imagem, nome e características próprias do A., cidadão português, aspetos esses que são difundidos por todo o mundo, designadamente em Portugal, através de videojogos produzidos pela R., com sede nos EUA, importa conferir aos Tribunais portugueses competência internacional em função do apontado critério da causalidade.
A difusão em Portugal da imagem, nome e caraterísticas do A., cidadão português, nos videojogos da R., constitui factualidade relevante que integra a causa de pedir da presente ação, pelo que mostra-se preenchido o indicado critério da causalidade.
A circunstância de o facto gerador do dano, alegadamente a lesão de direitos de personalidade do A., cidadão português, estar associado a diversos Estados, desde logo aos EUA, enquanto produtor e comercializador dos videojogos, mas também a todos ou quase todos os Estados do mundo, pois que os jogos são aí também adquiridos e usados, com ofensa com dos alegados direitos de personalidade, coloca em causa a aplicação do indicado critério da coincidência, face à pluralidade de lugares onde o facto [ilícito] ocorreu», na expressão do artigo 71.º, n.º 2, in fini do CPCivil.
Enfim, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.05.2022, processo n.º 3853/20.2T8BRG.G1, em situação similar à dos autos, «(…) não há razões para que, a coberto do critério da causalidade admitido pelo artigo 62.º, b), do Código de Processo Civil, não se considerem os tribunais portugueses competentes para julgar esta ação (…)».
«Esta conclusão não constitui de forma alguma o reconhecimento de uma competência exorbitante, uma vez que releva uma conexão suficientemente forte entre o caso e o Estado Português, justificativa da intervenção dos seus tribunais, assim como não fere qualquer interesse legítimo da empresa demandada, uma vez que, atenta a comercialização global dos videojogos por si produzidos, é expetável que possam ocorrer litígios com eles relacionados em qualquer parte do globo, em que sejam chamados a intervir os órgãos jurisdicionais locais, além de que a sua estrutura organizacional, atenta a sua dimensão, sempre lhe permitirá, sem excessivas dificuldades, produzir as provas que entenda necessárias em Portugal».
Tal jurisprudência tem sido uniformemente seguida pelo nosso Supremo Tribunal em situações similares à dos autos, como sucedeu nos respetivos Acórdãos de 07.06.2022, processos n.ºs 4157/20.6T8STB.E1.S1 e 24974/19.9T8LSB.L1.S1, 23.06.2022, processo n.º 3239/20.9T8CBR-A.C1.S1, 27.09.2022, processo n.º 637/20.1T8PRT.P1.S1, 13.10.2022, processo n.º 1014/20.0T8PVZ.P1.S1, de 10.11.2022, processo 1579/20.6T8PVZ.P1.S1 e processo n.º 17046/20.5T8LSB.L1.S1, 15.12.2022, processo n.º 3731/21.8T8BRG.G1.S1, e 10.01.2023, processo n.º 996/21.9T8PVZ.P1.S1.
Sem desconhecer posição diversa na matéria em causa, como a de Miguel Teixeira de Sousa no seu blog, em posts de  15.07.2022 e 06.02.2023, como se refere naquele acórdão do nosso Supremo Tribunal de 15.12.2022, a posição uniforme seguida na «jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça no tratamento destas situações, com ausência de posição discordante, não pode, nos termos do disposto no art.º 8.º, n.º 3 do código civil, deixar de ser tido em conta para garantir uma interpretação e aplicação uniformes do direito a pessoas que, nas mesmas circunstâncias, com a mesma nacionalidade, residência e profissão se arrogam atingidas nos seus direitos de personalidade pela mesma ré, com o mesmo modo de actuação».
Os Tribunais portugueses são, pois, internacionalmente competentes para a causa.
Embora a Recorrente alegue que tal entendimento viola princípios e normas do ordenamento jurídico português, sem, contudo, explicitar o respetivo alcance que tem por violado, não é esse o entendimento deste Tribunal da Relação de Lisboa, no seguimento da posição que tem sido seguida uniformemente no Supremo Tribunal de Justiça.
Improcede, pois, o seu recurso. 
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Quanto às custas do recurso.
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, o recurso é considerado um «processo autónomo» para efeito de custas processuais, sendo que a decisão que julgue o recurso «condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, in casu improcede a pretensão da Recorrente.
Na relação jurídico-processual recursiva a Recorrente configura-se como parte vencida, pois a improcedência do recurso é-lhe desfavorável.
Nestes termos, as custas do recurso devem ser suportadas pelo Recorrente, incluindo naquelas tão-só as custas de parte, conforme artigos 529.º, n.º 4, e 533.º do CPCivil, assim como 26.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais.
V. DECISÃO  
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso, mantendo-se, pois, a decisão recorrida.
Custas, na vertente de custas de parte, pela Recorrente.

Lisboa, 2 de março de 2023
Paulo Fernandes da Silva
Pedro Martins
Inês Moura