Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1037/12.2TVLSB.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: BOA-FÉ
CULPA IN CONTRAHENDO
CONDENAÇÃO ILÍQUIDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1ª-A boa fé consiste, em geral, no comportamento honesto e consciencioso, na lealdade de se conduzir, e tem no caso do artigo 227º do Código Civil, um sentido vincadamente ético, ao contrário do que sucede em muitos outros casos em que o seu significado (ético) se esgota numa situação psicológica muito simples e fácil de definir.
2ª-O nº 1 do artigo 227º do Código Civil refere-se, sucessivamente, à observância das regras da boa fé, tanto nos preliminares (fase negociatória) como naformação(fase decisória) do contrato.
3ª-A ruptura das negociações não implica necessariamente a violação das regras da boa fé; por isso não se pode concluir que só pelo facto de ter havido ruptura houve má fé de quem rompeu eventuais negociações. A simples entrada em negociações não pode ser tida como idónea para criar na outra parte uma convicção séria e fundada de conclusão do contrato. Haverá uma simples esperança de que tal suceda.
4ª-Só existe responsabilidade pré contratual quando no decurso das negociações preliminares uma das partes assumiu um comportamento que razoavelmente criou na outra parte a convicção de que o contrato se formaria, assim a predispondo a acções ou omissões que não teria adoptado se não tivesse aquela conclusão como certa.
5ª-Tal confiança na conclusão do contrato deve ser alicerçada em dados concretos e inequívocos, analisados mediante critérios de consciência e senso comum ou prática corrente.
6ª-Os danos ressarcíveis por culpa in contrahendo demonstram que a responsabilidade pré-contratual por ruptura das negociações preparatórias actua nos limites do interesse negativo (dano de confiança), em vez de conexionar-se com o interesse positivo (dano de cumprimento
7ª-Só é possível deixar para liquidação a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora provada a sua existência, não existam elementos para fixar o montante, nem sequer recorrendo à equidade.
8ª- Provando-se apenas que o autor causou prejuízos ao réu de montante não concretamente apurado, não fornecendo o processo elementos para determinar o objecto ou a quantidade da condenação, a única solução jurídica é proferir condenação ilíquida, não sendo caso de recorrer a juízos de equidade nos termos do artigo 566º nº 3 do Código Civil, pois os factos provados não fornecem os limites legais exigíveis para aplicar esse conceito.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa



I - RELATÓRIO:



A... e M... intentaram acção ordinária contra L..., A... e C..., Lda, pedindo a condenação solidária dos réus a pagarem aos autores a quantia global de € 207.506,30, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, bem como dos lucros cessantes posteriores ao quinto ano que se liquidarem em execução de sentença.

Em síntese, alegaram que no final de 2009, os autores acordaram com a ré L... e com o réu A..., este por si e como sócio-gerente da sociedade, 3ª ré, a exploração, em conjunto e partes iguais, do estabelecimento comercial pertencente a esta e situado na Travessa da ..., nº 3, em Lisboa. Ficou convencionado que os autores e a 1ª ré iriam adquirir a totalidade do capital da sociedade, no valor de 120 mil euros, durante 10 anos, à razão de € 1.000,00 mensais. Iniciada a exploração do bar, os autores fizeram obras, adquirindo equipamentos e mercadorias, e suportaram o custo total de € 21.173,00. Em Janeiro de 2011 os autores assumiram a qualidade de fiadores no contrato de arrendamento celebrado pela sociedade ré de um armazém sito na Rua da Atalaia, 202, em Lisboa. A 1ª ré adquiriu uma quota da sociedade, pelo valor de € 6.000,00, que pagou ao 2º réu. Para fazerem face às despesas do bar, os autores contraíram dois empréstimos bancários, a título pessoal, no valor total de € 30.000,00. Em 22.03.2011, a 1ª ré fechou o bar, impedindo os autores de lá entrar e de recolher os seus bens pessoais, de valor não inferior a € 2.000,00. Os autores têm direito a ser indemnizados pelos prejuízos sofridos com a actuação dos réus, no valor de € 97.506.30, a título de danos patrimoniais, € 100.000,00 de lucros cessantes, e € 10.000,00 por danos não patrimoniais, bem como as receitas frustradas com a expectativa de exploração posteriores ao quinto ano, a liquidar em execução de sentença.

O réu A... apresentou contestação, em que se defende essencialmente por impugnação e pede a absolvição do pedido.

A 1ª ré, por si, e na qualidade de gerente da 3ª ré, contestou por impugnação, dizendo, em resumo, que nunca existiu uma sociedade irregular entre os autores e a ré. Se os autores comprovarem o valor do suposto empobrecimento, as rés disponibilizam-se para ressarcir os autores, desde que efectuada a respectiva compensação de valores locupletados pelo autor A... Pugnam pela improcedência da acção e absolvição do pedido.

Os autores replicaram pugnando pela procedência da acção.

Foi proferida SENTENÇA que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu os réus do pedido.

Não se conformando com a sentença, dela recorreram os autores, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

1ª- Na audiência prévia, de tentativa de conciliação reconhecem os réus que devem os autores ser pago um valor pelo investimento que estes puseram na abertura do bar.
2ª- Acordando ambas as partes que o valor seria de € 52.000,00 a serem entregues pelos réus aos autores.
3ª- Não restam dúvidas que existiu desde o início um acordo verbal de entre ambos os autores e ambos os réus, nada foi reduzido a escrito.
4ª- Não foram os autores que criaram expectativas nenhumas, nem foram os réus que com a sua actuação os fizerem crer nessas expectativas futuras.
5ª- Após as declarações de todas as testemunhas não nos restam dúvidas de que os sócios eram a L... o A... e a I..., apresentavam-se como tal, aos familiares, amigos e vizinhos de negócio.
6ª- Também não restam dúvidas de que foi o autor A... que custeou todas as obras, aquisição de maquinaria e equipamentos, bem como stock para o bar funcionar.
7ª- O réu declara que não investiu qualquer dinheiro nestas alterações nem na reposição do stock inicial para a possível abertura e funcionamento do bar.
8ª- Afirma a ré em sede de contestação que o A... quis contrair um empréstimo, julgava a ré que era para a ajudar e como a mesma a titulo pessoal não o consegui pois a sua folha de ordenado não o permitia, e concordou que A... o solicitasse, pois a sociedade lhe ressarcia.
9ª- Era o autor que contratava os empregados e geria tudo o que estava relacionado com o bar, fornecedores, contabilidade, fiscalizações, entre outros assuntos.
10ª- Que o réu A... nada sabia sobre o funcionamento do bar, nem qual a sua facturação ou lucro.
11ª- Ficou provado que foram os autores que entraram com o dinheiro inicial, bem como ficou provado que apenas foram reembolsados do valor de € 5.285,00.
12ª- Ficou provado que o bar tinha lucro que nos primeiros oito meses de laboração, a facturação rondou os € 68.000,00.
13ª- Que desta facturação, não resultou lucro.
14ª- Que foi de todo impossível que os autores ao longo dos 11 meses de laboração tivessem recuperado os valores investidos, no seu total de € 40.000,00.
15ª- Que ao fim de seis meses, o autor falou com o réu sobre o atraso do contrato de cedência, pois já tinham pago € 6.000,00 e os 5% respectivos desse valor teriam que passar para um dos três, ao que o A... propôs resolver já a situação do A... e passou a quota do A... para a L....
16ª- Que o réu A... propôs a uma testemunha um negócio idêntico ao que aqui foi declarado pelos autores, um trespasse ao longo dos anos.
17ª- Que ao réu A... era e foi pago o valor de €1.000,00 por mês, durante os 11 meses em que os autores estiveram a frente do negócio.
18ª- Bem como ficou provado que o valor dos referidos empréstimos foram creditados na conta pessoal do autores e que foi desta mesma conta que transferiu e pagou aos fornecedores, bem como todo o valor do empréstimo foi usado, única e exclusivamente para o negócio do bar.
19ª- No momento em que foi vedado o acesso aos autores no bar, estes nunca mais lá voltaram a entrar, nem nunca foram compensados por todo o que ali tinham investido, tal como ficou provado através dos depoimentos dos autores e de testemunhas, o encargo com os empréstimos ficou por conta e responsabilidade dos autores, que em 2015 liquidaram um deles, sendo que o outro somente acabará de ser pago em 2017.
20ª- Não lhes foi entregue os bens pessoais que lá deixaram e que solicitaram a sua entrega através de carta enviada aos réus, onde descriminaram tudo o que pretendiam que lhes fosse devolvido, bem como o valor que lá tinham investido em equipamentos, nem qualquer equipamentos lhes foi devolvido apesar de os réus terem afirmada que tudo o que foi comprado eram desnecessário ao funcionamento do bar.
21ª- No entender do recorrente, e com base em toda a prova que foi recolhida em sede de audiência e que supra se expõe, para ser feita justiça devem os réus ser condenados no pagamento do peticionado pelos autores, sendo estes reembolsados de todo o investimento que fizeram no negócio.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir

II - FUNDAMENTAÇÃO.

A) Fundamentação de facto.

Mostra-se assente a seguinte matéria de facto:

1º-Em 2009, o réu A... detinha na sociedade 3ª ré, C..., Lda, uma quota de € 4.750,00, tendo A... uma quota de € 250,00, conforme certidão permanente de fls. 16 a 19.
2º-Na prática, o réu A... detinha 95% do capital da sociedade, da qual era o único gerente.
3º-A sociedade ré era arrendatária do prédio sito na Travessa da Cara, nº 3-A, em Lisboa, onde explorou um estabelecimento comercial até cerca do ano de 2006.
4º-A partir de 1 de Abril de 2010, a 1ª ré reabriu o estabelecimento, com o acordo do réu A..., aí passando a explorar um bar sob a designação comercial “Tacão Pequeno” até ao dia 22 de Março de 2011.
5º-A exploração do bar foi feita com o trabalho dos autores e da 1ª ré, que abriram uma conta conjunta, com o nº 2173013241400, da Agência do Cais do Sodré da Caixa Geral de Depósitos.
6º-A 1ª ré transferiu, no dia 18.03.2011, desta conta bancária, o montante de € 4.000,00, conforme documento de fls. 20.
7º-Em 12.11.2010, a quota na sociedade de A... foi transmitida a favor da 1ª ré, que foi designada gerente, conforme certidão permanente de fls. 16 a 19.
8º-Em Janeiro de 2011, a sociedade ré tomou de arrendamento um armazém na Rua da Atalaia, 202, em Lisboa, assumindo os autores a qualidade de fiadores, conforme contrato de fls. 21 a 23.
9º-As instalações do bar estavam degradadas e em mau estado de conservação, conforme é ilustrado pelas fotografias de fls. 348 a 356 e de 360 a 363.
10º-Nos preliminares da abertura do bar, foram feitas obras de pintura do interior e remodelação em montante pecuniário não apurado, custeado pelos autores.
11º- Foi instalado no bar o equipamento descrito na factura de fls. 156, no valor indicado de € 9.908,56, que foi pago pelo autor, bem como o stock de bebidas necessário para a abertura do estabelecimento, em montante não apurado.
12º-Os autores contraíram dois créditos bancários, um na COFIDIS, e outro na CGD, no total de € 30.000,00, que têm sido amortizados mensalmente através de débito na conta bancária nº 2173.010967.730 da Caixa Geral de Depósitos, conforme extractos de fls. 63 a 91.
13º-Os autores fizeram também alguns pagamentos de despesas do bar através da sua conta pessoal nº 264-10.001552.0 do Montepio Geral, conforme extractos de fls. 42 a 59.
14º-Em 19.06.2010, nas instalações do bar, o autor prestou declarações na qualidade de responsável do estabelecimento, perante a Direcção de Finanças de Lisboa, conforme expediente de fls. 160 a 162.
15º-Para estarem mais perto do bar, os autores tomaram de arrendamento uma casa sita na Rua ..., nº ...., em Lisboa, pela renda mensal de € 525,00, conforme contrato de fls. 194 a 196.
16º-No dia 22.03.2011, a ré L... fechou o bar, colocou um cadeado na porta e impediu os autores de lá entrar.
17º-Os autores ficaram desgostosos e irritados.
18º-O bar tinha muita clientela e proporcionava lucros que, durante o período da sua exploração, permitiram adquirir e armazenar mercadorias no valor de € 10.000,00 e pagar a cada um dos autores um salário mensal na ordem de € 400,00.
19º-Nos primeiros oito meses de laboração, a facturação rondou os € 68.000,00.
20º-Posteriormente, a ré L... reiniciou a exploração do estabelecimento.
21º-Os autores escreveram a cada um dos réus as cartas de fls. 32 a 38, que os destinatários receberam, para resolverem a bem o diferendo, não tendo obtido qualquer resposta.
22º- Ficaram alguns bens pessoais dos autores nas instalações do bar, em valor não apurado.
23º-A 1ª ré, em 30.04.2012, não mantinha créditos por regularizar inscritos na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, de fls. 130 a 131.
24º-A ré sociedade foi confrontada com uma acção de despejo com o processo 1976/09.8YXLSB no 8º Juízo Cível de Lisboa, cujo desfecho foi a desistência do pedido.
25º-O réu A... não autorizou a remodelação e alterações feitas no bar pelo autor.
26º-O autor não apresentou contas dos pagamentos que realizou em nome da sociedade.

B) Fundamentação de direito.

As questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável por força do seu artigo 5º nº 1, em vigor desde 1 de Setembro de 2013, são as seguintes:
- Responsabilidade civil pré-contratual;
- Os danos dos autores.

RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL.

Discute-se na presente acção, como questão jurídica fundamental, a de saber se a ruptura das negociações por parte dos réus foi idónea para os constituir em responsabilidade perante os autores, como estes defendem, ou se, pelo contrário, como se deixou dito na sentença recorrida, nenhuma responsabilidade têm os réus perante os autores.

Concretizando.

A questão fundamental respeita ao apuramento da eventual responsabilidade pré contratual dos apelados, pois os autores, ora apelantes, pretendem ser indemnizados dos prejuízos causados e dos lucros perdidos, com base na responsabilidade civil dos réus, que não cumpriram a promessa de lhes cederem as quotas da sociedade já constituída, a C..., Lda., que se dedica à exploração do estabelecimento comercial denominado «Tacão Pequeno», em instalações arrendadas, no prédio sito na Travessa da ..., nº..., em Lisboa.

Os autores aludem ao acordo verbal que teria sido firmado com a ré e o réu, este na dupla qualidade de único gerente e sócio maioritário da sociedade identificada, com vista à aquisição em conjunto pelos autores e pela 1ª ré das quotas da sociedade. Como se tratou de uma mera combinação verbal, que não foi reduzida a escrito, afigura-se que na perspectiva dos autores será imputável aos réus a responsabilidade civil pré-contratual, com base na qual adquiriram expectativas de adquirir em partes iguais com a ré, de forma progressiva e gradual, a totalidade do capital social da sociedade.

Para que a acção proceda, importa que os réus tenham actuado de má fé, censuravelmente, com abuso da sua liberdade negocial, frustrando expectativas legítimas dos autores, traindo a confiança em si depositada.

Nos termos do artigo 342º nº 1 do Código Civil incumbe às autoras a prova de que a ré actuou ilicitamente, ao romper o processo negocial.

A teoria da culpa in contrahendo, esboçada inicialmente para casos de conclusão de contratos inválidos, veio depois a ser ampliada por forma a gerar responsabilidade individual em dois outros grupos de casos: o de não conclusão de contratos após o início de negociações e o da conclusão de um contrato válido e eficaz mas de cujas negociações surgiram danos a indemnizar[1].

O artigo 227º do Código Civil, sob a epígrafe “culpa na formação dos contratos”, preceitua no seu nº 1 que, quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.

Antunes Varela ensina que este artigo não se contenta com a proclamação, que poderia ser meramente platónica, do princípio da boa fé na reparação e formação do contrato, consagra ainda a responsabilidade pré-contratual do contraente faltoso[2].
Almeida Costa, a propósito da demarcação das fases fundamentais no caminho percorrido pelos contratantes, ensina que a orientação que predomina define duas, a saber:
a) Uma fase negociatória, integrada pelos actos preparatórios realizados sem marcada intenção vinculante, desde os primeiros contactos das partes até à formação de uma proposta contratual definitiva;
b) Uma fase decisória, constituída por duas declarações de vontade vinculativas, quer dizer, a proposta e a aceitação do contrato.

A própria lei traduz esta separação. O nº 1 do artigo 227º do Código Civil refere-se, sucessivamente, à observância das regras da boa fé, tanto nos preliminares ( fase negociatória) como na formação ( fase decisória) do contrato.[3]

Como escreveu Baptista Machado  “com a protecção da confiança não se visa de forma alguma garantir propriamente a confiança ou compromisso (expresso ou implícito), no sentido de efectuar juridicamente esse compromisso, mas apenas resolver um problema de responsabilidade pelos danos que surgem ou surgiram da violação de tal compromisso quando de facto o promissário viesse a sofrer danos com essa violação”. [4]

A ruptura das negociações não implica necessariamente a violação das regras da boa fé; por isso não se pode concluir que só pelo facto de ter havido ruptura houve má fé de quem rompeu eventuais negociações.

A simples entrada em negociações não pode ser tida como idónea para criar na outra parte uma convicção séria e fundada de conclusão do contrato. Haverá uma simples esperança de que tal suceda.

Diferente é a situação quando no decurso das negociações preliminares uma das partes assumiu um comportamento que razoavelmente criou na outra parte a convicção de que o contrato se formaria, assim a predispondo a acções ou omissões que não teria adoptado se não tivesse aquela conclusão como certa.

Tal confiança na conclusão do contrato deve ser alicerçada em dados concretos e inequívocos, analisados mediante critérios de consciência e senso comum ou prática corrente[5].

Também Menezes Cordeiro, depois de salientar que nas negociações se têm, para com a outra parte, deveres de protecção, de informação e de lealdade e de distinguir nesta última categoria os devedores de sigilo, de cuidado e de actuação consequente, atribui a este último o seguinte conteúdo: “ ... não se deve, de modo injustificado e arbitrário, interromper uma negociação em curso, salvo, como é natural, a hipótese de a contraparte, por forma expressa ou por comportamento concludente, ter sido avisada da natureza precária dos preliminares a decorrer”. [6]

A obrigação de indemnização por culpa na formação dos contratos, qualquer que seja o facto típico que a justifique e além das suas particularidades, depende da produção de um dano e da existência dos demais elementos constitutivos da responsabilidade civil.[7]

E o mesmo autor continua, a págs. 68 : “ É bem de ver que um profissional não pode razoavelmente esperar que todos os contactos iniciados com a  sua clientela levem a resultados positivos, dado que a condução das negociações faz parte da actividade económica a que se dedica, envolvendo de certo modo um risco, cujas incidências estão previstas e cobertas por “gastos gerais” ... Portanto, a confiança criada aos profissionais pelas negociações mostra-se normalmente mais reduzida; e a existência de um dano ressarcível será frequentes vezes muito difícil de admitir”.

A boa fé consiste, em geral, no comportamento honesto e consciencioso, na lealdade de se conduzir; e tem, no caso do artigo 227º do Código Civil, um sentido vincadamente ético, ao contrário do que sucede em muitos outros casos em que o seu significado (ético) se esgota numa situação psicológica muito simples e fácil de definir[8].

Importa ainda salientar que se distingue, em matéria de obrigação de indemnização, entre o interesse negativo ou da confiançae o interesse positivo ou do cumprimento.

“ Quando se atende ao interesse negativo, é ressarcível o dano resultante de violação da confiança de uma das partes na probidade e lisura do procedimento da outra por ocasião dos preliminares da formação do contrato. Quer dizer, encara-se o prejuízo que o lesado evitaria se não houvesse, sem culpa sua, confiado em que, durante as negociações, o responsável cumpriria os específicos deveres a elas inerentes e derivados do imperativo da boa fé, maxime convencendo-se que a manifestação de vontade deste entraria no mundo jurídico tal como esperava, ou que tinha entrado correcta e validamente.

O interesse positivo, pelo contrário, reconduz-se aos danos que decorrem do não cumprimento do contrato ou do seu cumprimento defeituoso ou tardio. Trata-se da violação das respectivas prestações típicas ou principais, que podem, aliás, ser acompanhadas de deveres secundários ou, inclusive, laterais.

Entendidos nestes moldes o dano da confiança (in contrahendo) e o dano de cumprimento (in contractu), inculca-se que a responsabilidade pré-contratual por ruptura das negociações preparatórias actua nos limites do interesse negativo, em vez de conexionar-se com o interesse positivo”[9].

Também Galvão Teles ensina que “ a responsabilidade pré-contratual tem por objecto os danos negativos – os danos que o interessado sofreu por ter deixado de ver satisfeito o seu interesse negativo (...).Não são de indemnizar os danos positivos, os decorrentes da violação do contrato, por que este não chegou a nascer ou, pelo menos, a nascer provido de eficácia. Não está em causa a responsabilidade pelo não cumprimento (incluindo o cumprimento defeituoso ou tardio) porque aí viola-se uma obrigação contratual e não pré-contratual”[10].

Conforme salientado no Acórdão do STJ de 16-12-2010[11], as regras da boa fé consagradas no referido preceito significam que, nas negociações preliminares e preparatórias do contrato, as partes se devem comportar como pessoas de bem, com correcção e lealdade; pelo que, se alguém inicia e prossegue negociações, criando na outra parte expectativas de negócio, mas com o propósito de as romper ou de não fechar o contrato, ou formando no decurso dessas negociações tal propósito de forma arbitrária, dessa maneira defraudando a confiança que a outra parte tenha formado na celebração deste, deve indemnizar os prejuízos que causa.

Contudo, o sentido ético subjacente ao conceito de boa fé neste âmbito, traduzido na obrigação de cumprimento de vários deveres (de informação, lealdade e honestidade, entre outros), tem de assumir enquadramento num contexto em que a regra é a da plena liberdade negocial e, nessa medida, só os comportamentos intoleravelmente ofensivos do sentido ético-jurídico (juízo próximo do exigido para o abuso de direito) deverão merecer censura jurídica em termos de responsabilizar o respectivo prevaricador.

Por conseguinte, a avaliação dessas situações terá necessariamente de resultar de uma análise circunstanciada do caso concreto levando em conta a fase (mais ou menos avançada) das negociações, o tipo de negócio e os interesses em jogo, a qualidade das partes e os usos gerais do comércio jurídico.

Cabe agora aplicar estas noções aos factos.

Antes, porém, importa saber se os factos provados caracterizam a existência de um negócio concreto em adiantado desenvolvimento e já na fase decisória que permita justamente aos autores confiar, ou mesmo ter a certeza, na efectiva e definitiva celebração de um contrato de cessão de quotas na mencionada sociedade.

Dispõe o artigo 342º nº1 do C. Civil que, àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado, competindo a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado àquele contra quem a invocação é feita (nº 2 do mesmo artigo).

Incumbia, assim, aos autores demonstrar a existência do acordo verbal quanto à aquisição futura e progressiva das quotas da sociedade, prova essa que não lograram alcançar, tal como não demonstraram que mensalmente iam fazendo os correspondentes pagamentos ao réu A....

A matéria apurada permite concluir que os autores trabalharam no bar em conjunto com ré, no período temporal de 1.04.2010 até esta assumir a gerência e tornar-se sócia, em 12.11.2010, com a aquisição da quota de 5%. A partir daí, os autores continuaram a trabalhar no bar, até que o estabelecimento foi encerrado em 22.03.2011, pela ré, que colocou um cadeado na porta e impediu-os de lá entrar – Cfr. factos provados sob os nºs 4 e 16.

Pode-se desde já concluir que todos esses factos e circunstâncias não caracterizam a existência de um negócio concreto em adiantado desenvolvimento e já na fase decisória que permita aos autores confiar, ou mesmo ter a certeza, na efectiva e definitiva celebração do contrato de cessão de quotas.

Nesta parte, confirma-se improcedência da acção contida na sentença recorrida, embora pelos motivos que acabam de ser expostos.

OS DANOS DOS AUTORES.

Alegaram os autores que sofreram danos com a actuação dos réus, que peticionam, concluindo a sentença pela sua improcedência.

Cumpre decidir.

Os factos mais relevantes sobre esta matéria são os seguintes:

- As instalações do bar estavam degradadas e em mau estado de conservação, conforme é ilustrado pelas fotografias de fls. 348 a 356 e de 360 a 363 – (9º).
- Nos preliminares da abertura do bar, foram feitas obras de pintura do interior e remodelação em montante pecuniário não apurado, custeado pelos autores – (10º).
- Foi instalado no bar o equipamento descrito na factura de fls. 156, no valor indicado de € 9.908,56, que foi pago pelo autor, bem como o stock de bebidas necessário para a abertura do estabelecimento, em montante não apurado (11º).

Sobre esta matéria é de realçar a tomada de posição dos réus na Acta de Audiência Prévia de 31 de Março de 2014 (fls 398), onde ficou escrito que “ pelos mandatários das partes foi requerido que seja dada sem efeito a presente audiência, sine die, uma vez que têm sérias intenções de chegar a acordo no sentido de redução do pedido para o montante de € 52.000,00, e ser por ora condição da transacção que o pagamento seja feito a pronto, sendo certo que, para isso os RR terão de contrair empréstimo bancário. Neste seguimento, solicitam o prazo de 30 dias para comprovar nos autos o pedido de empréstimo, mais se comprometendo a, posteriormente, juntar a decisão do banco”.

Ora, da prova produzida resultaram danos apurados no montante de € 9.908,56 (facto provado sob o nº 11) e outros de montante não apurado (factos provados sob os nºs 10º e 11º).

O princípio geral da obrigação de indemnização fixado no artigo 562º do CC é o da reconstituição natural da situação pelo devedor que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

Por outro lado há que ter em conta o nexo de causalidade.

Dispõe o artº 563º que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Os réus são responsáveis pelos pagamentos aos autores desses danos, pois os autores têm direito a serem indemnizados pelos danos suportados (artº 798º CC).

Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados - Código Civil artigo 566º nº 3.

O artigo 609º nº 2 do C.P.Civil estabelece que “ se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”
           
À primeira vista, parece existir colisão de normas entre esta disposição e a do mencionado nº 2 do artigo 661º do C.P.Civil[12]. Mas tal colisão é apenas aparente, porque só depois de esgotadas todas as possibilidades daquele juízo equitativo na própria acção de indemnização é que, sem prejuízo de o mesmo poder vir a ser formulado (com mais elementos) em execução de sentença, se deverá optar por esta[13].

A este propósito escreveu Lopes do Rego[14]:

“ Relativamente ao regime constante do nº 2 deste artigo, constituía entendimento uniforme que a condenação no que se liquidasse em execução de sentença não dependia da circunstância de ter sido formulado pedido genérico, podendo o tribunal emitir tal condenação quando – provando-se os pressupostos da existência ou titularidade do direito invocado – o tribunal não conseguisse alcançar o objecto preciso ou a quantidade, estando consequentemente impossibilitado de proferir decisão condenatória específica ( cfr. Ac.STJ de 29.1.98, in BMJ 473, pág. 445).

Por outro lado – e no domínio das acções indemnizatórias – só seria possível deixar para liquidação em execução de sentença a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais se provou a sua existência, embora não existam elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo exacto, ainda que com recurso à equidade (cfr Acs STJ de 29.2.00, in CJ I/00, pág. 118 e de 7.10.99, in BMJ 490, pág. 412 e da Rel. in CJ I/00, pág.7).

Afigura-se que estas conclusões permanecerão, no essencial, válidas face à actual redacção do preceito, apenas importando notar que a condenação genérica que, naqueles termos, for proferida em acção declarativa será liquidada no âmbito do processo declaratório findo”.

Ora, partindo da factualidade dada como assente que os bens têm valor pecuniário, embora não concretamente apurado – factos provados sob o nº 10º e 11º -, não é possível recorrer à equidade ao abrigo do nº 3 do artigo 566º do  Código Civil e fixá-los em determinada quantia, devendo a determinação do seu valor ser relegada para ulterior liquidação, nos termos do artigo 609º nº 2 do CPC.

CONCLUSÕES:

1ª-A boa fé consiste, em geral, no comportamento honesto e consciencioso, na lealdade de se conduzir, e tem no caso do artigo 227º do Código Civil, um sentido vincadamente ético, ao contrário do que sucede em muitos outros casos em que o seu significado (ético) se esgota numa situação psicológica muito simples e fácil de definir.
2ª-O nº 1 do artigo 227º do Código Civil refere-se, sucessivamente, à observância das regras da boa fé, tanto nos preliminares (fase negociatória) como na formação (fase decisória) do contrato.
3ª-A ruptura das negociações não implica necessariamente a violação das regras da boa fé; por isso não se pode concluir que só pelo facto de ter havido ruptura houve má fé de quem rompeu eventuais negociações. A simples entrada em negociações não pode ser tida como idónea para criar na outra parte uma convicção séria e fundada de conclusão do contrato. Haverá uma simples esperança de que tal suceda.
4ª-Só existe responsabilidade pré contratual quando no decurso das negociações preliminares uma das partes assumiu um comportamento que razoavelmente criou na outra parte a convicção de que o contrato se formaria, assim a predispondo a acções ou omissões que não teria adoptado se não tivesse aquela conclusão como certa.
5ª-Tal confiança na conclusão do contrato deve ser alicerçada em dados concretos e inequívocos, analisados mediante critérios de consciência e senso comum ou prática corrente.
6ª-Os danos ressarcíveis por culpa in contrahendo demonstram que a responsabilidade pré-contratual por ruptura das negociações preparatórias actua nos limites do interesse negativo (dano de confiança), em vez de conexionar-se com o interesse positivo (dano de cumprimento
7ª-Só é possível deixar para liquidação a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora provada a sua existência, não existam elementos para fixar o montante, nem sequer recorrendo à equidade.
8ª-Provando-se apenas que o autor causou prejuízos ao réu de montante não concretamente apurado, não fornecendo o processo elementos para determinar o objecto ou a quantidade da condenação, a única solução jurídica é proferir condenação ilíquida, não sendo caso de recorrer a juízos de equidade nos termos do artigo 566º nº 3 do Código Civil, pois os factos provados não fornecem os limites legais exigíveis para aplicar esse conceito.

III - DECISÃO:

Atento o exposto, confirma-se a sentença recorrida no tocante à questão da responsabilidade pré-contratual, julgando-se, nesta parte, improcedente a apelação.
Quanto ao resto, julga-se parcialmente procedente a apelação condenando os réus a pagar aos autores a quantia de € 9.908,56, acrescida daquela que for ulteriormente liquidada nos termos do artigo 609º nº 2 do Código de Processo Civil.
Custas pelos apelantes e apelados na proporção do vencimento.


Lisboa, 14/1/2016


Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Octávia Viegas


[1]Almeida e Costa, “ Responsabilidade Civil por Ruptura das Negociações Prepreparatórias de um Contrato”, em anotação ao Ac. do STJ de 5.02.1981, in RLJ Ano 116º, pág. 101.
[2]Das Obrigações em Geral, 2ª edição, 1973, vol. I, pág. 25, anot. 1.
[3]Almeida e Costa, “ Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações Preparatórias de um Contrato”, Coimbra Editora, 1984, pág. 49.
[4]RLJ, Ano 117º, pág. 321.
[5]Almeida Costa, RLJ Ano 116º, pág. 152.
[6]Da Boa Fé no Direito Civil, vol. I, pág. 583.
[7]Almeida e Costa ob cit na anotação 3, pág. 53.
[8]P.Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, 3ª edição, Vol. I pág. 216.
[9]Almeida e Costa ob cit na anotação 3, pág. 73 e 74. Em sentido contrário, Vaz Serra, in RLJ Ano 110º pág. 276.
[10]Direito das Obrigações, 1997, Coimbra, pág. 77.
[11]www.dgsi.pt, processo nº 44/07.1TBGDL.E1.S1
[12]Actual 609º nº 2.
[13]Ac  STJ de 6.3.1980, in BMJ 295º-369.
[14]Comentário ao Código de Processo Civil, Vol I, 2ª edição, 2004, pág. 553.
Decisão Texto Integral: