Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1534/11.7TMLSB-A.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: RAPTO INTERNACIONAL DE MENORES
REGULAMENTO CE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/26/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - A Convenção de Haia de 25.10.1980 sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças tem por objectivo assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado-Contratante ou aí retidas indevidamente.
II - O fim visado é a restauração efectiva, o mais rápido possível, da situação precedente ao rapto ou retenção ilícita.
III - A retenção de uma criança por um dos progenitores num Estado-Membro sem o consentimento do outro progenitor, com quem partilha as responsabilidades parentais, constitui retenção ilícita ao abrigo do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho de 27.11.2003.
IV - O tribunal onde a criança está retida deve ordenar o imediato regresso da mesma, limitando ao estritamente necessário as excepções previstas na al. b) do art. 13º do Regulamento, o qual prevê que a criança deve sempre regressar
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.
O Ministério Público, por apenso aos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, instaurou a presente acção especial visando o regresso à Bélgica da menor A...
A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese:
A A…a é filha de B… e de C…, ambos portugueses, casados entre si em 17.12.2008.
Desde o ano de 2006 que residem na Bélgica, país que consagra que o poder paternal cabe a ambos os progenitores unidos pelo matrimónio.
No dia 4.6.2011, a progenitora viajou para Portugal com a menor, com regresso previsto decorridas cerca de 3 semanas, mas no dia 16.07.2011 informou o marido que não regressaria à Bélgica nem faria regressar a filha.
O progenitor participou os factos à Autoridade Central Belga e solicitou à Direcção Geral de Reinserção Social as diligências indispensáveis com vista ao regresso da menor à Bélgica.
Ouvida a requerida, pronunciou-se no sentido da menor não ser afastada de si, visto ser “a que apresenta melhores condições e porque se pretende evitar colocar a menor numa situação intolerável sujeitando-a a perigos de ordem física e psíquica, caso regresse à Bélgica”. Arrolou testemunhas.
Face ao teor da contestação, o tribunal recorrido ordenou a notificação do progenitor para exercer o contraditório, o qual se pronunciou no sentido de ser determinado o regresso imediato da menor à Bélgica, e foi solicitada avaliação à situação daquele pelos competentes serviços.
Foi, posteriormente, ordenada a elaboração de relatório social sobre as condições de vida da menor.
Juntos os relatórios, o MP emitiu parecer mantendo o peticionado.
Foi, então, proferida decisão que determinou o regresso imediato da menor à Bélgica e ao domicílio do progenitor.

Não se conformando com a decisão, dela apelou a requerida, tendo no final das respectivas alegações formulado as seguintes conclusões, que se reproduzem:
. Veio o Tribunal A quo, de forma incompreensível, determinar o regresso imediato à Bélgica e ao domicílio do progenitor, da menor A...
. Por motivos indecifráveis, tal sucedeu antes de terem sido notificadas a mãe da menor, ou a sua representante legal e, naturalmente, muito antes de a decisão transitar em julgado.
. Com efeito, esta foi surpreendida na sua residência (onde é público e notório que reside) pela presença de agentes de autoridade mandatados para recolher a menor, a fim de a fazer levar até seu pai, na Bélgica.
. Não se compreende ou aceita o que possa ter justificado que esta decisão tenha sido executada antes mesmo de se ter sido dado hipótese de defesa à mãe da menor.
. Sem ter sido aceite ouvir as testemunhas arroladas por aquela.
. Tal decisão, desprovida de razão ou bom senso, é amplamente fundamentada num relatório social elaborado no território da Bélgica onde se faz fé nas palavras do pai da menor e de alguns amigos e colegas de trabalho que muito certamente não terão presenciado quaisquer discussões entre o casal, alias, muito certamente mal conhecem a mãe da menor, uma vez que esta desconhece por completo quem são os ditos:
. Em primeiro lugar, porque a requerida raramente saia de casa pelo facto de ter de tomar conta da filha de ambos,
. E em segundo lugar, porque como a larga maioria das discussões entre casais, era entre quatro paredes longe dos olhares e ouvidos alheios.
. Ao invés, o relatório social elaborado pela Segurança Social portuguesa faz uma análise ao próprio comportamento da criança referindo o seguinte: “A menor (…) denota acentuada hiperactividade e deficit de concentração comportamental, o que sugere que a criança (s)e encontre sob efeito traumático das cenas de violência ocorridas entre os progenitores” (negrito nosso)
. Importa referir que na realidade o relatório social português é o que aqui verdadeiramente importa uma vez que a menor sempre viveu com a sua mãe, registando-se notório afecto recíproco.
. Ocorre que, por razões que a razão desconhece, o Tribunal A quo em momento algum se pronuncia sobre o conteúdo do relatório social português, nem tampouco se pronuncia sobre as conclusões aí apresentadas: “(…) a menor deverá permanecer junto da progenitora sob risco de vir a sofrer consequências físicas e psíquicas inestimáveis caso viesse a ser retirada do enquadramento familiar em que está integrada” (negrito nosso)  resultando pois que a decisão é nula por omissão de pronúncia sobre questões que deveria conhecer, e por a mesma não ter sido sustentada no acervo probatório ao dispor do processo (artigo 668º n.º1 d) do Código de Processo Civil)
. A entrega da menor ao seu pai e afastamento face a sua mãe, a manter-se, acarretará para ela indubitavelmente um sofrimento, que porá em risco a sua estabilidade emocional e afectiva, reflectindo-se necessariamente no seu normal desenvolvimento.
. Tal situação traduz-se, objectiva e inequivocamente, na verificação da situação de risco grave para a criança, a que alude a alínea b) do artº 13º da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças de 25 de Outubro de 1980, mas a desconsideração dos meios de prova coligidos no processo levou a decisão diversa, senão vejamos:
. A Convenção “teve por fim proteger a criança no plano internacional dos efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícita e estabelecer formas que garantam o regresso imediato da criança ao estado de residência habitual, bem como assegurar a protecção dos direitos de visita, não é menos verdade que foram razões inerentes à salvaguarda dos interesses superiores das crianças que estiveram na base do estabelecimento das excepções à aplicação do regime de recondução das mesmas para o país onde se encontravam antes da actuação ilegítima, isto é, foram essas razões que estão na base da previsão deste artº 13º, em particular, da alínea b) do mesmo” (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22.02.2005).
. Ora, como pode ser tomada decisão diversa, ao arrepio da Lei e dos meios probatórios constantes dos autos?
. Mais, o que pode justificar a urgência desta decisão, sustentada em pressupostos tão precários e com a multiplicidade de factos que apontam em sentido contrário?
. A mãe da menor não está foragida, é conhecida de todos a sua localização.
. Nunca a mãe da menor fez o menor esforço para esconder a filha, a sua própria localização nem pode ser posto em causa o tremendo esforço racional e comprovado que tem feito para legal e legitimamente ficar com a guarda da menor.
. Então cumpre apurar por que motivo foi entendido pelo Tribunal A quo conferir a este processo semelhantes contornos de urgência, algo que terá de ser respondido, e que sustenta o pedido para o recurso ter efeito suspensivo (só assim se reduzirão as consequências nefastas da decisão “a quo”).
. Vem o Tribunal A quo considerar provados os pontos 23, 24 e 25, que salvo melhor opinião não podem ser considerados provados.
. O pai da menor não juntou qualquer documento que comprovasse a inscrição da menor numa creche.
. Mais uma vez faz-se fé na palavra do pai da menor.
. Como pode ser considerado provado que o progenitor diligenciou para obter ajuda familiar para recolha da menor na cresce? Que familiar? Qual o nome desse familiar? Falou-se com essa pessoa? Sob juramento?
. Na realidade o pai da menor não tem qualquer apoio familiar na Bélgica.
. Mais se dirá, no que se refere ao facto número 26, que um teste toxicológico de despiste de consumo de drogas, em nada prova factos ocorridos há um ano, ainda para mais, note-se, uma vez que a Requerida NUNCA o acusou de consumo de drogas, mas sim de consumo excessivo de álcool.
. Vem o Tribunal A quo considerar provado no ponto 20, que o pai da menor reside num T2. Na realidade vem o relatório social dizer que é uma casa com 2 quartos, uma cozinha, uma varanda e uma casa de banho, isto é na realidade um T1 pois não tem uma sala.
. Não entendemos com base em que provas, deu o Tribunal A quo como provado o ponto 28, verificado que a assistente social não conseguiu contactar qualquer vizinho e os “depoimentos” junto aos autos não dispõem de tradução certificada nem tampouco foram prestados perante qualquer autoridade judicial sob juramento.
. Toda a produção de prova testemunhal foi indeferida pelo Tribunal A quo, não obstante, valorou as cartas apresentadas pelos amigos do pai da menor.
. Teria sido certamente muito fácil a mãe da menor apresentar cartas de todas as pessoas que arrolou se soubesse que iriam ser valoradas.
. Muito teriam a escrever sobre a falta de idoneidade do pai da menor.
. Assim, dir-se-á que não se compreende ou tão pouco se aceita que uma decisão desta envergadura tenha sido executada antes mesmo de se ter notificado a mãe da menor.
. Logo, sem a decisão ter transitado em julgado.
. Sem ter sido dada hipótese de defesa àquela, em violação clara e inequívoca do contraditório previsto no artigo 3º do CPC pois foi decidida uma questão sem ter sido ouvida a mãe da menor:
. Aliás, conforme decorre do preâmbulo do CPC: “como dimensão do princípio do contraditório, que ele envolve a proibição da prolação de decisões surpresa, não sendo lícito aos tribunais decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente haja sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
. Para que se perceba o alcance da violação deste princípio básico, o próprio processo foi bloqueado no CITIUS da representante legal da mãe da menor, tendo sido violados em absoluto os direitos de defesa desta.
. É certo que o mesmo artigo 3º dispõe no seu número 2 que, excepcionalmente poderão ser tomadas decisões sem ser ouvida a parte.
. Mas em primeiro lugar tratam-se de situações excepcionais e não por todo e qualquer motivo.
. Em segundo lugar, o motivo dessa excepcionalidade não foi devidamente invocado, e deveria tê-lo sido.
. E em terceiro lugar não é justificado, pois todos sabem onde reside a menor com a sua mãe (incluindo o pai da menor), então porquê? O que justifica este atropelamento tão evidente dos direitos da parte?
. Mais, houve igualmente violação da igualdade entre as partes, nos termos do artigo 3º A do CPC, por ter sido conferido um tratamento diferenciado às mesmas, sobretudo no que à apreciação das provas diz respeito.
. Como é possível que uma decisão tão grave tenha sido tomada sem terem sido ouvidas as testemunhas da mãe da menor, mas tendo sido consideradas as cartas juntas pelo pai da menor?
. Como é possível que tenha sido considerado o relatório social belga, mas não o relatório social elaborado pela Segurança Social portuguesa?
. Como é possível ter sido conferida uma natureza urgente a esta decisão quando todos sabiam a localização da menor, e da sua mãe?
. Assim, deve a sentença judicial ser considerada nula, por nos termos do artigo 668º n.º1 d) do CPC ser omissa na pronúncia de questões que o Tribunal “A quo” deveria conhecer em face dos factos invocados e dos meios de prova coligidos.
. Caso assim não se entenda, deve a sentença judicial ser considerada nula por não especificar fundamentos de facto que justifiquem a mesma, uma vez que o acervo probatório do processo aponta no sentido oposto do da decisão, tendo sido inclusive considerados provados factos que não encontram sustento nos meios de prova invocados. Tudo em violação do disposto no artigo 668º n.º 1 b) do CPC.
. Caso o Tribunal assim não se considere, deverá a sentença ser substituída por outra que ordene a permanência da menor em território português junto da sua mãe, por violar o princípio da igualdade ao terem sido consideradas as provas do pai da menor como as cartas, mas não da mãe da menor como o relatório social da segurança social portuguesa.
. Caso assim não se entenda, deverá a sentença ser substituída por outra que ordene a permanência da menor em território português junto da sua mãe, por violação do princípio do contraditório, uma vez que a decisão foi executada sem ter sido ouvida a menor ou a mãe da menor (artigo 3º do CPC);
. Caso assim não se entenda, deve a decisão recorrida ser substituída por outra que ordene a permanência da menor em território português junto da sua mãe que melhor defenderá os seus superiores interesses.
O progenitor contra-alegou, propugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
O tribunal recorrido proferiu despacho no sentido de não se verificarem as nulidades da sentença invocadas.
QUESTÕES A DECIDIR.
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente (art. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC) as questões a apreciar são:
a) da nulidade da sentença;
b) da reapreciação da decisão sobre a matéria de facto;
c) da verificação da situação de risco grave para a menor.
d) da violação dos princípios do contraditório e da igualdade processual.
Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
O tribunal recorrido considerou demonstrados os seguintes factos:
1. A… nasceu a 29 de Novembro de 2009, na freguesia de…, em Lisboa, filha de B…e de C….
2. Os pais da menor viviam juntos na Bélgica desde finais de 2005, tendo casado entre si no dia 17 de Dezembro de 2008.
3. Viviam na Rua, …, Bruxelas.
4. A progenitora saiu da Bélgica a 4 de Junho de 2011, com destino a Portugal, acompanhada pela menor, para permanecer junto dos familiares maternos e realização de uns exames, com o conhecimento e consentimento do progenitor, por um período não superior a três semanas.
5. A 16 de Junho de 2011 a progenitora comunica ao progenitor que não pretende regressar à Bélgica, nem pretendia fazer regressar a menor.
6. O progenitor entrou com uma queixa nas autoridades policiais belgas a 28 de Junho de 2011 por rapto da filha.
7. O progenitor pediu a 14 de Julho de 2011 a intervenção da autoridade central da Bélgica, ao abrigo da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia a 15 de Outubro de 1980 e do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003, pedindo o regresso da criança ao território belga.
8. O progenitor entrou com um pedido de divórcio e de regulação provisória das responsabilidades parentais a 19 de Julho de 2011 no Tribunal de Primeira Instância de Bruxelas, o qual correu termos sob o n.º 2011/1424/C, tendo sido proferida sentença urgente a 27 de Julho de 2011, à revelia da progenitora, na qual se autorizou o requerente a residir separado da requerida na antiga casa de morada de família; se ordenou o regresso imediato da criança ao território belga; proibiu a Requerida de sair do território belga com a criança comum, sem o acordo prévio e escrito do Requerente; confiou a administração dos bens e a autoridade parental da criança comum exclusivamente ao seu progenitor; confiou o alojamento principal da criança ao Requerente e reservou a decisão sobre o direito ao contacto pessoal da Requerida com a criança.
9. A decisão proferida foi notificada à progenitora em 3 de Agosto de 2011.
10. Em 5 de Agosto de 2011 foi interposta, neste juízo e secção, pelo Ministério Público, acção de regulação das responsabilidades parentais da menor A... omitindo-se, no requerimento inicial, que tinha sido interposta acção com o mesmo objecto no Tribunal da Bélgica.
 11. Na realização da conferência de pais que teve lugar no dia 11 de Agosto de 2011, estavam presentes ambos os progenitores, a quem foram tomadas declarações, tendo a progenitora juntado cópia, não certificada, da decisão proferida no Tribunal de Primeira Instância de Bruxelas.
12. Nos autos principais foi fixado um regime provisório que fixou a residência da menor junto da progenitora, com visitas do progenitor à menor durante os dias 12 a 14 de Agosto, período em que o progenitor iria permanecer em Portugal e ordenando-se a junção da cópia certificada com nota de trânsito em julgado, da decisão provisória proferida no Tribunal de Primeira Instância de Bruxelas.
13. Após a propositura da presente acção de regresso, por despacho proferido a 20 de Setembro de 2011 o processo de regulação das responsabilidades parentais foi suspenso face ao disposto no art.º 16º da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia a 15 de Outubro de 1980.
14. A 15 de Dezembro de 2011, conhecendo da oposição deduzida pela progenitora, o Tribunal de Primeira Instância de Bruxelas confirma a decisão provisória proferida, conferindo ao progenitor a autoridade parental e a administração dos bens da criança em exclusivo, devendo no entanto consultar a progenitora em todas as decisões que digam respeito à orientação escolar, religiosa e filosófica da menor, fixando-se a residência da menor junto do progenitor.
15. A mãe da menor recusa-se a regressar a Bruxelas com a filha, tendo resultado goradas as diligências realizadas pela autoridade central com vista ao regresso voluntário da menor.
16. A menor reside actualmente na casa dos avós maternos, sita na Travessa, n.º – 1º,  Lisboa, numa casa de tipologia T2, bem cuidada e organizada.
17. A progenitora alega estar a desenvolver actividade profissional num “call center” desde o início do presente ano, auferindo o equivalente ao ordenado mínimo nacional.
18. Vive com o apoio dos avós maternos, os quais têm rendimentos mensais de cerca de €1.500,00.
19. O progenitor trabalha num bar de sumos a tempo inteiro, pelo qual é responsável, de segunda a sexta, com folgas ao fim de semana, com um horário de trabalho diurno que termina às 19h30m.
20. Reside num apartamento de tipologia T2, onde dispõe de um quarto equipado para receber a menor, com uma pequena cama-parque e brinquedos e bonecas adequados à idade da criança.
21. A habitação encontra-se limpa e ordenada, equipada com sistemas de segurança para os armários e dispondo de artigos de higiene e de alimentação adequados à idade da menor.
22. O progenitor não tem qualquer processo pendente nas autoridades policiais ou judiciárias na Bélgica.
23. O progenitor desde o dia 10 de Julho de 2011 que inscreveu a menor numa creche situada na Av…., 0000 Bruxelas tendo assegurado a reserva de lugar.
24. Esse equipamento infantil termina às 18h30m, tendo o progenitor diligenciado para obter ajuda familiar uma vez que termina o seu horário de trabalho às 19h30m necessitando do apoio da ALE de F... para a recolha da menor e entrega no domicílio.
25. A menor está inscrita na escola pré-escolar … em F....
26. O progenitor realizou testes médicos para despiste de consumo de álcool e substâncias estupefacientes, o qual resultou negativo.
27. O progenitor é considerado na comunidade onde está inserido onde é visto como um bom profissional, responsável, calmo, dedicado à família e à filha.
28. Os vizinhos, amigos e colegas de trabalho que com o mesmo convivem nada têm a apontar à sua idoneidade moral, nunca o tendo visto embriagado ou sob o efeito de drogas, ou identificado no mesmo qualquer comportamento desadequado.
29. A fls. 298 e 299 foi junto documento emitido pela Autoridade Central da Bélgica descrevendo o sistema de ajuda voluntária e de ajuda forçada para protecção dos menores, garantindo a adopção das medidas adequadas a assegurar a protecção da menor A..., em caso de eventual regresso da menor ao território belga.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Começar-se-á por referir que não existiram “motivos indecifráveis”, nem violação do princípio do contraditório, para que tenha sido determinado o regresso imediato da menor à Bélgica e ao domicílio do progenitor antes da apelante e da sua mandatária terem sido notificadas da decisão e antes do trânsito em julgado da mesma.
Existiram sim razões legais, devidamente justificadas, para que tal tenha acontecido, nomeadamente, a natureza e urgência do processo em causa, o efeito de eventual recurso [1] e a posição da apelante (que se recusou a regressar voluntariamente à Bélgica), que determinou o cumprimento da decisão por mandados e a notificação da mesma à apelante no momento do cumprimento daqueles, ponderado o disposto nos arts. 2º e 11º, 1º parágrafo da Convenção de Haia e art. 11º, nº 3 do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho de 27.11.2003, como melhor se explicará.
            Por outro lado, ao contrário do alegado pela apelante, à mesma foi dada hipótese de defesa, tendo apresentado contestação, articulado pronunciando-se sobre o alegado pelo progenitor e foi realizado relatório social às suas condições de vida como pela mesma requerido, o qual foi ponderado, também como melhor se explicará.
            Feitas estas considerações preliminares, apreciemos.
            Invoca a apelante a nulidade da sentença, quer por omissão de pronúncia, nos termos do art. 668º, nº 1, al. d) do CPC, quer por “não justificar fundamentos de facto que justifiquem a mesma, uma vez que o acervo probatório do processo aponta no sentido oposto do da decisão, tendo inclusive considerados provados factos que não encontram sustento nos meios de prova indicados. Tudo em violação do disposto no art. 668º, nº 1, al. b) do CPC”.
            Dispõe o art. 668º, nº1 do CPC que “é nula a sentença quando: … b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; … d) o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar …”.
Relativamente à segunda das nulidades invocadas (a da al. b)), resulta claro das alegações de recurso e das conclusões que o que está em causa é a discordância da apelante relativamente aos factos dados por assentes pelo tribunal recorrido e a análise dos elementos de prova que aquele tribunal fez, o que não se confunde com a nulidade invocada que respeita, apenas, à omissão (absoluta) dos fundamentos de facto.
Analisada a sentença recorrida, verifica-se que, efectivamente, não ocorreu tal omissão, tendo o tribunal recorrido especificado, de forma clara, os factos que teve por assentes, pelo que não se verifica a invocada nulidade (sem prejuízo de se apreciar as razões de discordância da apelante quanto à factualidade apurada).
E também não se verifica a 1ª das nulidades invocadas - de omissão de pronúncia.
A nulidade referida “está em correspondência directa com o 1º período da 2ª alínea do artigo 660º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. A nulidade que examinamos, resulta da infracção do referido dever” (Alberto dos Reis, in CPC Anotado, Vol. V., pág. 142).
Como refere Antunes Varela, in RLJ, ano 122, pág. 112, “não pode confundir-se de modo nenhum, na boa interpretação da alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto e de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão”.
Também, Alberto dos Reis ensinava, in loc. cit., pág. 143, que “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
E como se escreve no Ac. do STJ de 06.05.04, P. 04B1409, in www. dgsi.pt, “ ... terá o julgador que identificar, caso a caso, quais as questões que lhe foram postas e que deverá decidir. .... E se, eventualmente, o juiz, ao decidir das questões suscitadas, tem por assentes factos controvertidos ou vice-versa, qualifica juridicamente mal uma determinada questão, aplica uma lei inapropriada ou interpreta mal a lei que devia aplicar, haverá erro de julgamento, mas não nulidade por omissão de pronúncia”.
No caso, a sentença recorrida não deixou de apreciar todas as questões que lhe foram colocadas pelas partes (MP [2] e requerida [3]) e que se impunha ponderar no processo em apreço.
O facto do tribunal não se pronunciar sobre um determinado elemento de prova junto aos autos  – o relatório social feito pela Seg. Soc. [4] –, ou de não ter ouvido as testemunhas arroladas pela apelante, consubstancia, quanto muito, eventual erro de julgamento na apreciação da prova produzida, ou omissão de diligências, que não se confunde com a nulidade invocada.
Não padece, pois, a sentença recorrida das nulidades invocadas.
Analisemos, agora, a impugnação da factualidade dada como provada, no que respeita aos pontos 20, 23, 24, 25, 26 e 28 da fundamentação de facto supra, mostrando-se cumprido o disposto no art. 685º-A, nº 1 do CPC.
No que à factualidade constante do ponto 20 da fundamentação de facto supra respeita, refere a apelante que a casa onde o pai da menor reside é um T1 e não um T2 como aí se refere pois não tem sala, parecendo pretender que se altere em conformidade o referido ponto.
Embora tal questão se nos afigure irrelevante para a questão de mérito, tendo em conta o relatório social efectuado na Bélgica [5], altera-se o mencionado ponto da fundamentação de facto, que passa a ter a seguinte redacção: “Reside num apartamento com dois quartos, uma cozinha, uma varanda e uma casa de banho, estando um dos quartos equipado para receber a menor, com uma pequena cama-parque e brinquedos e bonecas adequados à idade da criança”.
Entende a apelante que os factos constantes dos pontos 23, 24 e 25 da fundamentação de facto supra não podem ser considerados como provados, uma vez que não foi junto qualquer documento que comprovasse a inscrição da menor numa creche, nem se falou com qualquer familiar que confirmasse a sua disponibilidade para ajudar o pai da menor após a recolha da mesma na creche, tendo-se o tribunal recorrido baseado, apenas, nas declarações do pai da menor.
A factualidade dada como provada sob os mencionados pontos resultou, efectivamente, apenas das declarações do pai da menor, tendo-se o mesmo prontificado a juntar prova documental do declarado (quanto à inscrição na creche e na Ale de F...), se se entendesse necessário, o que nunca foi feito [6].
Sem prejuízo da irrelevância de tal factualidade no processo em concreto [7], afigura-se-nos que, efectivamente, não se deverá ter a mesma por assente, à falta de comprovação por qualquer meio de prova, não sendo suficiente as declarações do pai da menor nesse sentido.
Eliminam-se, pois, os pontos 23, 24 e 25 da fundamentação de facto supra.
Quanto ao ponto 26 da fundamentação de facto, sustenta a apelante que um teste toxicológico de despiste de consumo de drogas em nada prova factos ocorridos há um ano, sendo certo que aquela nunca acusou o pai da menor de consumo de drogas, mas de consumo excessivo de álcool.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, afigura-se-nos que a apelante não impugna a factualidade dada como provada, limitando-se a tecer considerações sobre a mesma e sobre a sua eventual relevância.
Reproduzindo o mencionado ponto a documentação junta aos autos de fls. 269 a 271, nada há a alterar, não se verificando qualquer erro de julgamento.
Finalmente, quanto à factualidade reproduzida sob o ponto 28 da fundamentação de facto, entende a apelante que o mesmo não deveria ter sido dado como provado, uma vez que a assistente social não conseguiu contactar qualquer vizinho e os “depoimentos” juntos aos autos não dispõem de tradução certificada nem tão pouco foram prestados perante qualquer autoridade judicial sob juramento.
Quanto à tradução dos referidos “depoimentos”, não é de pôr em causa a mesma, uma vez que foi feita por entidade competente [8].
Já quanto à sua relevância, se nos afigura duvidoso, de facto, ter os mesmos em consideração, uma vez que se trata de declarações prestadas sem qualquer controlo judicial.
Assim sendo, elimina-se o ponto 28 da fundamentação de facto supra.
Assentes os factos, analisemos da bondade da decisão, posta em causa pela apelante que invoca a violação do princípio da igualdade das partes, bem como a verificação de uma situação de risco grave para a menor, com o seu regresso.
A presente acção especial que visava o regresso da menor A... à Bélgica foi intentada pelo MP no âmbito da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis de Rapto Internacional de Crianças concluída em Haia a 25.10.1980 e ratificada pelo Estado Português através do DL. 33/83 de 15.05, por a mãe da A... a reter indevidamente em Portugal.
Na apreciação das questões colocadas na presente acção há-de atentar-se, pois, ao estipulado na referida Convenção, completado pelas disposições do Regulamento nº 2201/2003 do Conselho da União Europeia de 27.11.2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, nomeadamente o estipulado no art. 11º [9], disposições estas que prevalecem sobre as da Convenção em matérias abrangidas pelo Regulamento (art. 60º do Regulamento).
Como escrevem Helena Bolieiro e Paulo Guerra in A Criança e a Família – Uma Questão de Direito(s), a págs. 437, “as normas da Convenção visam um processado expedito para fazer cessar uma situação ilícita de retirada de uma criança, com base na ideia de que há efeitos prejudiciais dessa retirada. Tal imposição visa evitar a legitimação, contra os interesses da criança, de comportamentos dos progenitores, com condutas contrárias às decisões assumidas de guarda e, sobretudo, independentemente da questão de fundo, fazer retornar, de forma célere e expedita, a criança a quem foi retirada”.
É inquestionável o carácter célere que é (que tem de ser) atribuído a este tipo de processos [10].
O fim visado é a restauração efectiva, o mais rápido possível, da situação precedente ao rapto ou retenção ilícita [11].
A Convenção reproduz no seu artigo 1º os seus objectivos (principais), de acordo, aliás, com o constante do respectivo Preâmbulo [12].
Mas para além destes, pode dizer-se que tem um objectivo suplementar – de que, em certas circunstâncias definidas, a situação própria da criança deva ser tida em conta, nomeadamente o interesse superior da criança -, e um objectivo implícito – o de que o mérito das questões relativas à custódia deve ser feita pelas autoridades competentes do Estado onde residia a criança habitualmente antes de ser transferida [13].
A par destes objectivos, surpreende-se, ainda, uma dimensão preventiva da Convenção – tendo em vista dissuadir os pais de situações de rapto ou retenção ilícita -, e de respeito mútuo pelas decisões dos Estados Contratantes.
Ponderados os objectivos da Convenção, reforçados pelo Regulamento [14], analisemos o caso em apreço.
Como concluiu o tribunal recorrido, a situação em apreço configura uma situação de retenção ilícita.
De acordo com o disposto no artigo 3º da Convenção “a deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando: a) Tenha sido efectivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção; e b) Este direito estiver a ser exercido de maneira efectiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido”.
Por seu turno, no art. 2º do Regulamento entende-se por “deslocação ou retenção ilícita de uma criança”, a deslocação ou retenção de uma criança quando: a) Viole o direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado-Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção; e b) No momento da deslocação ou retenção, o direito de guarda estivesse a ser efectivamente exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse estar a sê-lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção. Considera-se que a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, por força de uma decisão ou por atribuição de pleno direito, decidir sobre local de residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade parental”.
A menor A..., nascida em 11.2009, vivia com os pais, casados entre si, na Bélgica.
No dia 4.06.2011, veio com a mãe para Portugal, para passar um período não superior a 3 semanas, o que ocorreu com o conhecimento e consentimento do pai.
Porém, em 16.06.2011, a mãe comunicou ao pai que não regressaria à Bélgica, bem como não faria regressar a menor, com o que o pai discorda, tendo pedido a intervenção da autoridade central da Bélgica para assegurar o regresso da menor àquele território.
Quer nos termos da lei belga – arts. 373º e 374º, nº 1 do CC Belga [15] -, quer nos termos da lei portuguesa - art. 1901º, nº 2 do CC -, o exercício das responsabilidades parentais [16] cabia a ambos os pais, pelo que não podia a mãe alterar, unilateralmente e contra a vontade do pai, a residência (habitual) da menor, tornando-se a retenção da mesma em Portugal, a partir do momento em que a mãe participou tal facto ao pai e este discordou, indevida.
Acresce que o tribunal de Bruxelas, competente para o efeito – art. 10º do Regulamento – [17] determinou que a A... devia ficar a residir com o pai, ordenando o seu regresso a Bruxelas.
Face ao que se deixa dito, dúvidas não restam de que estamos perante uma situação de retenção indevida a determinar o regresso imediato da A... à Bélgica, face ao pedido formulado nesse sentido através da Autoridade Central Belga.
Porém, como já supra se deixou referido, visando salvaguardar o superior interesse da criança, não deixou a Convenção de prever situações em que o Estado a que é requerido o regresso da criança possa proferir decisão de recusa de regresso.
Tais situações estão previstas no art. 13º da Convenção, que dispõe, no que ora importa, que “Sem prejuízo das disposições contidas no artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigado a ordenar o regresso da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar: … b) Que existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável”.
Da simples leitura do referido artigo ressaltam, desde logo, 2 conclusões, a saber: por um lado, é à pessoa que se opõe ao regresso que cumpre alegar e provar a existência do referido risco ou situação intolerável; por outro lado, o risco há-de ser grave ou a situação intolerável.
No caso em apreço, e salvo o devido respeito, a apelante não logrou fazer prova do por si alegado, e que, apenas em parte, poderia enquadrar-se no normativo em questão.
Em primeiro lugar é preciso sublinhar que esta alínea do artigo 13º da Convenção comporta uma excepção à regra do regresso imediato e a sua aplicação só é justificada em casos específicos que denotem gravidade [18].
A interpretação que os vários países contratantes têm feito deste artigo são mais ou menos restritas, tendo-se entendido que a criança fica sujeita a situações de risco grave ou numa situação intolerável em casos de maus tratos, abuso sexual, regresso a países situados em zonas de conflito, de guerra ou de fome.
Embora não sejam apenas estas as situações em que haverá aplicação do mencionado artigo, servem para ponderar o “nível” de gravidade que está em causa.
Concretamente, o que a apelante invocou foi a tendência do pai da menor para o consumo excessivo de álcool e o seu carácter violento (embora apenas alegadamente direccionado para a apelante), e, por outro lado, que o afastamento da criança da mãe acarretaria consequências físicas e psíquicas inestimáveis para a menor.
Quanto ao invocado carácter alcoólico e violento do pai [19], nenhuma prova foi feita sobre o mesmo.
Alega a apelante que o tribunal ao indeferir a audição das testemunhas por si arroladas e ao tomar em consideração as declarações das testemunhas apresentadas pelo pai, violou o princípio da igualdade processual, coarctando-lhe a possibilidade de fazer prova do alegado.
Não lhe assiste, porém, razão.
O tribunal recorrido indeferiu a inquirição quer das testemunhas arroladas pela apelante quer das arroladas pelo pai da menor [20].
Mas o que é um facto, é que a apelante se conformou com o referido despacho [21], não podendo, agora, vir pôr o mesmo em causa [22].
Quanto às consequências físicas e psíquicas para a menor do afastamento da mãe, salvo o devido respeito, não sufragamos o entendimento da apelante.
Como o tribunal recorrido referiu, em causa nos presentes autos não está, nem podia estar, uma decisão sobre a guarda da menor [23].
A Convenção só equaciona a possibilidade de recusa de regresso se se provar que “existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável”.
O afastamento da mãe, com quem tem uma relação de afecto, trará, necessariamente, consequências psicológicas, como é natural, mas nada resulta dos autos [24], no sentido de se poder afirmar que tais consequências serão graves, inultrapassáveis, pondo em perigo a saúde psicológica da menor ou colocando-a numa situação intolerável.
Por outro lado, se o tribunal Belga determinou o regresso da menor é porque reconhece que o mesmo se faria em segurança e salvaguardava dos seus interesses, não se podendo esquecer que confirmou tal decisão conhecendo da oposição deduzida pela apelante.
Por tudo o que se deixa dito conclui-se que não se verifica a situação de risco invocada pela apelante, bem tendo decidido o tribunal recorrido ao determinar o regresso da menor à Bélgica.
Por último não se pode deixar de fazer referência ao disposto no artigo 11º, nº 4 do Regulamento que dispõe que “o tribunal não pode recusar o regresso da criança ao abrigo da alínea b) do artigo 13º da Convenção de Haia de 1980, se se provar que foram tomadas medidas adequadas para garantir a sua protecção após o regresso”, o que se mostra verificado no caso.


            DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
                                                           *
Lisboa, 2012.06.26

Cristina Coelho
Maria João Areias
Luís Lameiras
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[1] Que sempre seria de efeito meramente devolutivo – neste sentido confrontar o Ac. do STJ de 5.11.2009, P. 1735/06.0TMPRT.S1, rel. Cons. Maria dos Prazeres Beleza, in www.dgsi.pt.
[2] Regresso da menor à Bélgica no âmbito da Convenção e Regulamento indicados.
[3] Situação de excepção a determinar a retenção da menor em Portugal.
[4] Sempre se dizendo que o tribunal não tinha de se pronunciar sobre o mesmo, sendo certo que o ponderou ao dar a factualidade como provada.
[5] No qual se baseou o tribunal recorrido.
[6] Ver fls. 231.
[7] A referida factualidade só seria relevante se a mãe da menor tivesse vindo invocar, o que não fez, que o pai não tinha quaisquer possibilidades de ter a menor consigo, por não lhe ser possível (economicamente ou por outros motivos) assegurar o seu acompanhamento enquanto trabalhasse, do que poderia resultar uma situação risco para a menor. Repare-se que, ao contrário, a própria apelante alega, na contestação que o pai da menor, para tomar conta dela, necessita de a entregar aos cuidados de um colégio ou a outra pessoa – fls. 68.
[8] Atente-se que as “declarações” foram juntas na língua original – fls. 249 a 267 – e a sua tradução foi efectuada, como a da restante documentação, pela Autoridade Central da Bélgica – fls. 274 a 287. [9] Cfr. o considerando (17) do Preâmbulo do Regulamento (CE) nº 2201/2003.
[10] Atente-se no disposto nos artigos 2º e 11º da Convenção, bem como no estipulado no art. 11º, nº 3 do Regulamento.
[11] Cfr. o art. 12º.
[12] Estipula o artigo 1º da Convenção que a mesma “tem por objecto: a) Assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente; b) Fazer respeitar de maneira efectiva nos outros Estados Contratantes os direitos de custódia e de visita existentes num Estado Contratante”.
[13] Com interesse ver o site www.incadat.com.
[14] Como referem Helena Bolieiro e Paulo Guerra, na ob. cit., pág. 476, “este Regulamento veio colmatar algumas lacunas existentes na Convenção de 1980, …” e “… cria regras que visam a resolução do rapto de crianças no seio da comunidade europeia, desencorajando a sua prática e garantindo, se tal vier a acontecer, um rápido regresso da criança ao seu EM de origem”.
[15] Dispõe o art. 373º que “Vivendo juntos, o pai e a mãe exercem conjuntamente o poder paternal sobre os filhos. Em relação a terceiros de boa fé, tanto o pai como a mãe são considerados agir com o acordo um do outro quando cada um deles realiza um acto relativo ao poder paternal, sob reserva das excepções previstas na lei. Na falta de acordo, o pai ou a mãe pode recorrer a uma decisão do tribunal de menores. O tribunal pode autorizar o pai ou a mãe a agir isoladamente para um ou vários actos determinados”. E o art. 374º que “1. Se o pai e a mãe não viverem juntos, o exercício do poder paternal continua a ser conjunto e será aplicável a presunção prevista no segundo parágrafo do artigo 373º. …” – fls. 52.
[16] Nas quais se insere o de decidir sobre a residência dos filhos – ver, também, o artigo 5º, al. a) da Convenção.
[17] Não podendo, sequer, o tribunal português dar andamento à acção de regulação das responsabilidades parentais instaurada pela apelante em Portugal – art. 16º da Convenção.
[18] Para além das excepções serem limitadas, devem ser apreciadas casuisticamente. Como referem Helena Bolieiro e Paulo Guerra, na ob. cit., pág. 439, “serão, no entanto, casos excepcionais que, por isso, devem ser julgados com todo o cuidado”.
[19] Que, a comprovar-se, e de forma reiterada e indiscriminada, poderia constituir uma situação que acarretasse um risco grave da menor ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica.
[20] E se deu como provada a factualidade constante do ponto 28 da fundamentação de facto (que foi eliminado) com base nas declarações escritas juntas aos autos pelo pai da menor, não menos verdade é que tal factualidade era irrelevante, pois era à apelante que cumpria fazer prova do alegado carácter daquele.
[21] Recorrível nos termos do art. 691º, nºs 2, al. i) e 5 do CPC.
[22] Sobre esta questão, embora abordada sobre outro prisma, cfr. o Ac. da RC de 22.06.2010, P. 786/09.7T2OBR-A.C1, rel. Desemb. Emídio Costa, in www.dgsi.pt.
[23] Ponderando-se a quem devia ficar confiada, na salvaguarda dos seus interesses, pelo que sempre teria de improceder o pedido formulado em último lugar pela apelante nas suas conclusões de recurso.
[24] Nem do relatório social elaborado em Portugal, cujas conclusões, diga-se, assentam apenas nas declarações da mãe e restante família materna, e do contacto com a menor, sem que tenham sido efectuados quaisquer testes psicológicos.