Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2210/12.9TASTB-L.L1-9
Relator: MARIA DO CARMO FERREIRA
Descritores: MEDIDA DE COACÇÃO
ALTERAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS
PROVA
REEXAME DAS MEDIDAS DE COACÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO
Sumário: I- Se previamente ao despacho que reaprecia a medida de coacção de prisão preventiva antes fixada, a arguida se pronuncia no sentido da verificação da alteração dos pressupostos daquela medida e requer diligências de prova, deve o Tribunal apreciar tais questões naquele despacho de reexame.

II- Omitindo o despacho essa apreciação, padece o mesmo de falta de fundamentação conducente à irregularidade prevista no artigo 123 do C.P.P. e do conhecimento oficioso do Tribunal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 9ª.Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO.

                   F..., identificada nos autos supra referenciados, não se conformando com o despacho que, mantendo a medida de coacção de prisão preventiva, não lhe satisfez o pedido de substituição dessa medida de coacção de prisão preventiva, pela medida de obrigação de permanência na habitação, vem do mesmo interpor recurso.

                                                   **

                   Por requerimento, a arguida/recorrente requereu ao Tribunal que, a quando do reexame a que se refere o artigo 213 do C.P.P. lhe alterasse a medida de prisão preventiva, substituindo-a pela obrigação de permanência na habitação.

                   

           Sobre a reapreciação da medida de coacção de prisão preventiva fixada à arguida, recaíu o despacho judicial proferido em 27/10/2015, constante de fls. 3 destes autos, que de seguida se transcreve.

“Ponderando o disposto nos artigos 202°, n° 1, a), 204°, proémio e alíneas b) e c), 212°, n° 3, "a contrario" e 213° do Código de Processo Penal, sem perder de vista a doutrina do Acórdão do tribunal da Relação de Lisboa de 08/07/2004, pesquisado em www.dgsi.pt e o acórdão do tribunal Constitucional n° 147/2000, de 21/03, sendo certo que os arguidos F..., P… e M… não alegaram factualidade suscetível de determinar atenuação das exigências cautelares a assegurar, conclui-se, em conformidade com o parecer do Magistrado do Ministério Público, pela subsistência dos pressupostos que determinaram a aplicação da medida de coação máxima, pelo que determino que P…, M…, F... e R… continuem a aguardar a tramitação superveniente do processo sujeitos a prisão preventiva.”


***

Discordando do ali decidido, a arguida vem, como se disse, interpôr recurso daquele despacho, formulando as conclusões:

(transcrevem-se)    

       Como já defendido no requerimento de 15/10/2015:
1- A medida de coação de prisão preventiva não pode continuar a ser aplicada à arguida, porque:
- Viola o artigo 28° n° 2 da C.R.P. e artigo 5° da Convenção europeia dos direitos do homem
- Sendo a medida de coação prisão preventiva de carácter excecional só pode ser aplicada quando outra menos gravosa não possa ser aplicada, nos termos do artigo 193° do C.P.P. que, no seu n° 3 privilegia a aplicação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação em detrimento da medida de coação prisão preventiva quando aquela se mostre capaz de garantir os mesmos efeitos práticos cautelares.
- Como referido no n° 4 do citado artigo 193° a medida de coação não deve prejudicar o exercício dos direitos fundamentais e atento ao volume de páginas e documentos que compõem o processo, a medida de coação de permanência na habitação mostra-se mais adequada para permitir o equilíbrio entre as medidas cautelares e o direito à defesa visto pela perspectiva da igualdade de "armas" a que a arguida tem direito. (o processo principal comporta já mais de 10.000 páginas e mais de 110 apensos que se traduziram em mais de 150.000 páginas de apensos.)

- Não há no processo nenhuma prova de que a medida de coação de permanência na habitação não é adequada, nomeadamente, quando até se possa invocar perigo de fuga; que não se aceita, porquanto a medida foi pensada e ajusta-se a um controlo efectivo dos movimentos dos arguidos que pudessem tentar a fuga, nomeadamente através da pulseira electrónica ou da colocação de agente policial à porta da arguida e aqui permitam-se o desabafo, os custos da última situação referida não podem pesar na decisão porque também não estão a pesar noutros processos acima referidos.

2- Constituindo a manutenção da prisão preventiva uma notória violação da C.R.P. e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, não é aceitável o princípio de que decisão anterior constitui caso julgado desde que se mantenham os pressupostos de facto de decisão anterior. Como já referido quando é dado ao juiz o poder dever de em cada três meses fazer uma reavaliação das medidas de coação aplicadas tem toda a liberdade, desde que fundamentada a decisão, de alterar decisão anterior, sua ou de qualquer outro magistrado para repor e garantir os direitos constitucionais que estejam a ser violados.

3- Não há notoriamente matéria nos autos que sustentem a medida de coação da prisão preventiva nesta fase processual e os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade impõem uma medida de coação diversa, que no caso, no mínimo deve ser alterada para a obrigação de permanência na habitação conforme o previsto no artigo 201° do C. P.P. com a aplicação dos meios de controlo à distância previstos no n° 3 do mesmo artigo.

4- A arguida aceita que lhe seja feita a perícia sobre a personalidade prevista no n° 4 do artigo 213°, bem como seja elaborado um relatório pelos serviços de reinserção social com vista a que seja aferida a condição da arguida aguardar os ulteriores termos do processo em detenção domiciliária em casa da sua mãe que vive sozinha e já com alguma idade que se sentiria mais confortada com a presença da filha do que saber que está em prisão preventivas em estabelecimento prisional.

5- A Meretíssima Juíza, que proferiu o despacho de manutenção da prisão preventiva podia e devia ponderar se os pressupostos que suportaram decisão anterior são ajustados à realidade processual actual e no caso de não concordar por entender que outra medida de coação menos gravosa seria adequada deveria aplica-la independentemente de haver ou não alteração de matéria de facto, dando assim, verdadeira aplicabilidade ao disposto no artigo 213° n° 1 do C.P.P. que não obriga o decisor a conformar-se com decisão anterior, nomeadamente se for notório que a manutenção da prisão preventiva viola a CRP, porquanto há outra medida menos gravosa que pode e deve ser aplicada e não o está a ser, porque em matéria de aplicação de medidas de coação que são por natureza de carácter transitório, não deve funcionar o princípio do caso julgado.

6- Ao fundamentar que a prisão preventiva se deve manter por estarem preenchidos os pressupostos do artigo 204° alíneas b) e c) do C.P.P. a decisão excluiu dos pressupostos o perigo de fuga.

7- Na atual fase processual não há perigo de perturbação do inquérito, até porque se avizinha o início do julgamento; como, em função da natureza dos crimes de que está pronunciada, não há possibilidade da continuação da actividade criminosa e não há perturbação da ordem e tranquilidade publica, nomeadamente porque se trata de uma figura não publica, incapaz de ter relevo junto da imprensa,

8- Pelo que se requer a alteração da medida de coação de prisão preventiva pela medida de coação de prisão domiciliária prevista no artigo 201° do C.P.P.

9- Esta medida de coação pode ser aplicada juntamente com outras, nomeadamente com a obrigação de entrega prévia do passaporte e proibição de contacto com outros arguidos do processo.                                                                              

             

A estas alegações respondeu o MºPº. na 1ª.Instância, nos termos que constam de fls. 19 a 36 destes autos, concluindo como se transcreve:

a) Foi aplicada (e bem) à arguida a medida de coacção— prisão preventiva.

b ) Indiciam os autos, fortemente, a prática pela arguida dos denunciados crime de:
- fraude fiscal qualificada;
- Corrupção activa;
- favorecimento pessoal;
- associação criminosa;
- receptação;
- branqueamento de capitais;

c) A arguida pretende que lhe seja aplicada uma medida de coacção menos gravosa.

         d ) Não tem razão a arguida ora recorrente

        e) A decisão que manteve a arguida sujeita à medida de coacção — prisão preventiva é justa, adequada, proporcional e respeitadora dos princípios fundamentais constantes na CRP e no CPP.

         f) Pelo que a decisão deve ser mantida nos seus precisos termos.

                                              **

 Foi cumprido o disposto no art. 416 do CPP, tendo a Sr.ª Procuradora Geral Adjunta emitido parecer no sentido da adesão com o alegado pelo Mº.Pº. na 1ª.Instância.

Corridos os vistos, em conferência, cumpre decidir.

II- MOTIVAÇÃO.

   Como resulta do enunciado supra, não está em causa o despacho que decretou a prisão preventiva da recorrente, mas aquele que a manteve posteriormente ao abrigo do disposto no artigo 213 -1 do C.P.P.

Basicamente, a recorrente alega que, na fase processual em que se encontram agora os autos ( já foi proferida pronúncia, aguardando-se a fase do julgamento), já se não verifica o perigo da perturbação do inquérito, da continuação da actividade criminosa ou de perturbação da ordem e tranquilidade públicas e, ainda que se possa verificar o perigo de fuga, este pressuposto ficaria suficientemente acautelado com a substituição com a medida de permanência na habitação com vigilância.


***

      Antes de atentar no caso em concreto, cumpre tecer algumas considerações de ordem jurídica explicativas da decisão que a seguir tomaremos.

As medidas de coacção e de garantia patrimonial “são meios processuais de limitação da liberdade pessoal ou patrimonial dos arguidos e outros eventuais responsáveis por prestações patrimoniais, que têm por fim acautelar a eficácia do procedimento, quer quanto ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias" (Germano Marques da Silva Curso de Processo Penal III).

Estabelece a nossa lei o princípio da legalidade das medidas de coacção e de garantia patrimonial querendo isto dizer que estas medidas são apenas aquelas que na lei estão enumeradas taxativamente.

A aplicação destas medidas obedece a certos princípios tais como os da necessidade, proporcionalidade e adequação. Ou seja "as medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas" (art 193 n° 1 do C.P.P).
Para a aplicação de uma das medidas de coacção, com excepção do termo de identidade e residência deve verificar-se a existência de pelo menos
um dos requisitos estabelecidos no art. 204 do Código Processo Penal e, também, um dos requisitos de que depende a aplicação de cada uma das referidas medidas. A prisão preventiva tem natureza excepcional, uma vez que não pode ser decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei – art. 28 nº 2 da Constituição, ou seja, só deve ser aplicada quando as restantes medidas de coacção forem consideradas inadequadas ou insuficientes.

             Uma vez aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, obriga a lei ao reexame da verificação dos pressupostos que fundamentaram a sua aplicação, de forma oficiosa e no prazo de 3 meses e nos momentos referidos na alínea b)do artigo 213-1 do C.P.P., sem prejuízo ainda de o arguido e o Mº.Pº. o requererem, e o Juíz o declarar, quando se verificar atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua aplicação, conforme regula o disposto no artigo 212 nºs. 3 e 4 do C.P.P.

Nesta situação, conforme ensina Germano Marques da Silva- Curso de Processo Penal, II, pág. 345: “ Importa promover que não seja puramente formal, de mero calendário, e por isso que o arguido deva juntar aos autos todos os elementos que possam contribuir para ilidir ou enfraquecer os indícios sobre a necessidade da manutenção da medida”. Refere ainda o autor, na obra citada que: “As medidas de coacção só devem manter-se enquanto necessárias para a realização dos fins processuais que legitimam a sua aplicação ao arguido e, por isso, podem ser revogadas ou substituídas por outras mais ou menos graves sempre que se verifique alteração das circunstâncias que determinaram a sua aplicação.”

                Da jurisprudência deste Tribunal, e a propósito, citamos: “Tratando-se de despacho que procede ao reexame dos pressupostos de anterior decisão, o dever de fundamentação reporta-se às circunstâncias que possam levar à alteração dos pressupostos dessa anterior decisão que constituem o objecto de reexame, pois que só essa alteração constitui objecto do despacho de reexame-Proc. nº. 355/09.1JAAVR-B.C1 18-11-2009.”

“Como tem sido entendimento constante, a decisão que impõe a prisão preventiva, apesar de não ser definitiva, é intocável e imodificável enquanto não se verificar uma alteração, em termos atenuativos, das circunstâncias que a fundamentaram, ou seja, enquanto subsistirem inalterados os pressupostos da sua aplicação- Ac.R.Porto, de 21 de Junho de 2006, relatado por Isabel Celeste Alves Pais Martins.

Conforme vem sendo sustentado pela jurisprudência “vidé Ac. TC de 30/07/2003, proferido no P.º 485/03, publicado no DR II Série de 04/02/2004 e pela própria Relação de Lisboa, vidé Ac. TRL de 13/10/2004, proferido no P.º 5558/04-3) e, bem assim, do STJ em Acórdão datado de 07/01/1998 in BMJ 473, pág. 564, a saber: “A decisão que impõe a prisão preventiva apesar de não ser definitiva, é intocável e imodificável enquanto subsistirem os pressupostos que a ditaram, isto é enquanto não houver alteração das circunstâncias que fundamentaram a prisão preventiva”.

Consigna-se que, conforme vem sendo orientação jurisprudencial deste TRL, a decisão que determina a prisão preventiva, se não for objecto de recurso ou, tendo-o sido, mas mantida nos seus precisos termos, adquire força de caso julgado, sem prejuízo do princípio “rebus sic stantibus” condição a que, pelas continuas variações do seu condicionalismo, estão sujeitas às medidas de coacção. Tal significa que: «enquanto não ocorrerem alterações fundamentais na situação existente à data em que foi determinada a prisão preventiva, não pode o tribunal reformar essa decisão, sob pena de instabilidade jurídica decorrente de julgados contraditórios», é o que se propugna no Ac. TRL de 14/8/09, sumariado em www.dgsi.pt e Ac. TRL de 3/2/93, in CJ Ano 28, 1, 247 e de 15/3/00, in CJ Ano 25, 2  235 e Ac. TRL de 4/11/04, In CJ Ano 29, 5, 128 e do STJ de 24/1/96 in DR I/S-A de 14/3/96 e de 7/1/98, in BMJ473, 564.([1])

          No entendimento doutrinário e jurisprudencial ([2]) exemplificado supra, que tem a nossa adesão, vejamos o caso em apreço.

      No despacho recorrido entendeu-se que os arguidos, nomeadamente, a recorrente, “…não alegaram factualidade suscetível de determinar atenuação das exigências cautelares a assegurar.” (o sublinhado é nosso).

No entanto, os autos mostram que a arguida, em 16 de Outubro de 2015, juntou aos autos um articulado, cuja certidão encontramos nas fls. 67 a 71 destes autos, no qual refere: “… tendo sido notificada para dizer o que tiver por conveniente quanto à medida de coacção de prisão preventiva a que se encontra sujeita para efeitos do disposto no artigo 213 do C.P.P., (sublinhado nosso) vem dizer o seguinte:”. A final deste articulado refere que pretende e consente em que lhe seja feita perícia sobre a personalidade e relatório do IRS com vista a aferir das condições da aplicação da substituição pela prisão pela permanência na habitação, nos termos do artigo 201 do C.P.P. porque considera que a fase processual e o seu comportamento prisional mostrarão que se verificam alterações em relação aos pressupostos da aplicação da prisão preventiva.

Sobre estas questões, o despacho recorrido nada diz, não deixando assim perceber se indeferiu as diligências requeridas e qual a fundamentação dessa eventual recusa. Sobre a substituição da prisão para permanência na habitação também nada é dito no despacho.

           Sendo certo que são os factos relativos aos fortes indícios da verificação dos ilícitos em causa, praticado nas circunstâncias descritas nos autos que revelam o tipo de personalidade da arguida ([3]) haveria sempre que ajuizar se efectivamente ocorreram as invocadas alterações que possam levar à ponderação de saber se a substituição da prisão preventiva pela de permanência na habitação com vigilância electrónica se não compadeceria com a disciplina que a arguida teria de manter para um cumprimento da medida proposta, isto é se a medida do art.º 201.º, do C.P.P. não se adequa agora ao afastamento dos perigos que motivaram a aplicação da prisão preventiva, uma vez que tal pedido foi formulado no requerimento que a arguida juntou ao abrigo do disposto no artigo 213 nº. 4 do C.P.P. (cfr certidão de fls. 67 a 71 destes autos).

A jurisprudência exemplificada nos Ac da R.C. de 5/2/2014 e da R.Lx de 25/5/2005, da R.G. de 11/1/2010, publicados no site da PGDL e da R.P. de 2/5/2001 –CJ.3,224, tem vindo a decidir no sentido da não obrigatoriedade da audição do arguido e da requisição de diligências antes da pronúncia sobre o reexame dos pressupostos da prisão preventiva, (caso o Tribunal entenda inexistir utilidade das mesmas) o que, naturalmente não significa que o arguido o não possa requerer e o Tribunal o não tenha que apreciar, deferindo ou recusando o meio de prova, e o alegado, com a devida fundamentação. É que como decorre do disposto no artigo 61 g) do C.P.P., 98 do C.P.P. e do artigo 32 da C.R.P., o direito de defesa do arguido passa pelos meios de prova e pelas exposições que entenda deverem ser produzidas quando estiverem em causa decisões que o afectem, nomeadamente na sua liberdade. Ora, no caso, tratando-se de uma decisão reportada às circunstâncias que possam levar à alteração dos pressupostos da decisão anterior, pois é este o objecto desta decisão, era essencial que o Tribunal se pronunciasse sobre a verificação da existência dessas alterações que (contrariamente ao que se diz no despacho) foram invocadas pela arguida.

Assim, omitindo pronúncia sobre as questões colocadas, o despacho incorre em falta de fundamentação, pois se é certo que a lei não exige o mesmo rigor de fundamentação ao despacho que reaprecia a medida de coacção e ao que a apreciou, no caso em apreço a fundamentação deveria ter ido mais além daquilo que dela consta uma vez que a arguida foi previamente  notificada para se pronunciar, pronunciou-se no sentido de que existem circunstâncias que alteram no seu entender os pressupostos do perigo de fuga e da continuação da actividade delituosa, e isso foi indevidamente ignorado no despacho. Levando por isso a uma falta de fundamentação que, sem regime específico (como acontece com a sentença- artº. 379 do C.P.P.) origina uma irregularidade que determina a invalidade do acto, nos termos do disposto no artigo 123 1 e 2 do C.P.P., do conhecimento oficioso deste Tribunal.

III- DECISÃO.

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 9ª Secção Criminal desta Relação de Lisboa em declarar a invalidade do despacho recorrido, ordenando-se a sua reparação em conformidade com o acima exposto.

Sem custas.

(Acórdão elaborado e integralmente revisto pela relatora – art.º 94º, nº 2 do CPP)

Lisboa, 28/01/2016

Maria do Carmo Ferreira

Cristina Branco     

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[1] Veja-se, entre outros, o Ac. do TRL, proferido no P.º n.º 1322/05, 3.ª Secção, Relator Clemente Lima, sumário acessível www.pgdl.pt: “…a decisão que impõe a prisão preventiva, apesar de não ser definitiva, é intocável e imodificável enquanto subsistirem os pressupostos que a ditaram, isto é, enquanto não houver alteração das circunstâncias que a justificaram”.

No mesmo sentido, Acs. da Relação do Porto de 7 de Jan.98, no B.M.J. n.º 473, pág. 564 e de 18Nov.92, na C.J. ano XVII, tomo 5, pág.255 e da Relação de Lisboa de 22Jun.04 (proc. 4909/04-5, 5.ª Secção, Desembargadora Ana Sebastião “I – Decorre do preceituado nos artigos 212.º e 213.º do Código de Processo Penal que a decisão que aplica a prisão preventiva é inatacável enquanto não ocorrerem alterações significativas nos pressupostos em que a mesma assenta. Por isso, a eficácia do caso julgado da decisão que a aplica, dada a particular natureza das exigências que a justificam e a presunção de inocência do arguido, não é absoluta, dependendo da rigorosa manutenção dos pressupostos da respectiva decisão – Rebus sic stantibus. II – O tribunal não pode, pois, pronunciar-se acerca das questões relativas a tais pressupostos que tenha anteriormente apreciado, pois o seu poder jurisdicional esgotou-se com tal apreciação, fora do condicionalismo do art.º 212.º, n.º 1, a) e b) e n.º 3, do Código de Processo Penal” .
[2] A jurisprudência citada encontra-se acessível em www.dgsi.pt.
[3] Uma vez que não se mostra junto qualquer relatório social ou perícia sobre a personalidade, embora a mesma tenha declarado pretender submeter-se a tal diligência no seu requerimento.