Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6201/20.8T8ALM.L1-4
Relator: PAULA SANTOS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
DOCÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I – A lei teve em consideração as especificidades das funções de docência do ensino superior e entendeu justificar-se um tratamento diferenciado destes trabalhadores em face das características de “serviço público” que reconhece a tais funções, e que pressupõem a autonomia científica e pedagógica do docente, o que tem implicações no modo de acesso à docência.
II – Aos docentes dos estabelecimentos de ensino superior público, privado e cooperativo, exige-se habilitações e graus legalmente exigidos para o exercício das funções da categoria subjectiva.
III – Cumpre na contratação dos docentes do ensino superior ter em atenção as especificidades próprias da actividade, pelo que o contrato de trabalho respectivo é um contrato especial, apesar de a lei ainda não ter definido o regime de contratação em causa.
IV - As exigências científicas e pedagógicas da docência universitária não se compadecem com as regras rígidas do Código do Trabalho, no que respeita aos requisitos para a contratação a termo, que são incompatíveis com a obrigatoriedade de obtenção de graus académicos como condição para a progressão na carreira de docente do ensino superior.
V – À contratação de docentes do ensino superior são aplicáveis as regras que resultam da Lei 62/2007, de 10 de Setembro – Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior – Decreto-Lei 16/94, de 22 de Janeiro  - Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo – Decreto-Lei 448/79, de 13 de Novembro – Estatuto da Carreira Docente Universitária – e, no caso particular da Ré, a Portaria 80/2018, de 19 de Março.
VI – É válido o contrato a termo celebrado para a categoria de assistente convidado, se o mesmo não reúne os requisitos para poder progredir na carreira docente universitária como professor catedrático, associado ou auxiliar.
 (Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
AAA, instaurou a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma de processo comum, contra BBB, pedindo se 
a) declare que a Autora presta a respectiva actividade por conta, a favor e sob as ordens e direcção da Ré mediante o pagamento de uma retribuição mensal desde 1 de Setembro de 2012 inclusive, mediante um contrato de trabalho sem termo;
b) declare que o contrato a que alude a alínea anterior subsiste, não se verificando a respectiva caducidade.
c) condene o Réu a pagar à Autora todas as remunerações que esta deixou de auferir desde 1 de Outubro de 2020 até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no presente processo, bem como na reintegração no seu posto de trabalho com a antiguidade que lhe corresponder à data.
Para o efeito alega, que em 01 de Setembro de 2012, mediante acordo escrito, obrigou-se a ministrar, por conta, a favor e sob as ordens e direcção da Ré, a disciplina
de medicina dentária conservadora I, de acordo com os horários aprovados pela mesma Ré e as respectivas necessidades de serviço; o local de trabalho situava-se nas instalações da Ré; o número de horas semanal seria de 7 horas; o contrato foi celebrado pelo prazo de seis meses, com início de vigência em 1 de Setembro de 2012 e termo em 28 de Fevereiro de 2013, e caducava automaticamente no seu último dia útil, não ficando sujeito a renovação nem para tal sendo necessário a sua denúncia verbal ou por escrito por qualquer das partes; auferiria a retribuição semestral global,
incluindo subsídio de alimentação (sujeitos aos descontos e retenções legais), de €3.298,00 , acrescida de proporcionais de subsídio de férias e de Natal; foi estabelecido que as faltas seriam descontadas na remuneração, aí se incluindo as faltas às reuniões do conselho científico, aos juris das provas orais e à vigilância das provas escritas, mais se estabelecendo que as faltas não justificadas constituíam
fundamento de rescisão do contrato; este contrato foi sucessivamente renovado até 1 de Março de 2019; durante o período compreendido entre as datas referidas, desenvolveu a respectiva actividade para a Ré utilizando os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes a esta - computador, impressora, telefone fixo, material de escritório, tais como papel e canetas -, utilizando o mail de serviço que lhe foi atribuído, cumprindo o horário inicialmente de 7 e posteriormente de 14 horas semanais, que era fixado pela Ré, estando obrigada ao dever de assiduidade, sendo que, em caso de ausência tinha que comunicar tal facto, e seguindo as orientações e instruções que lhe eram transmitidas; em Agosto de 2019 a Ré comunicou que “fazia cessar” o contrato de trabalho por caducidade com efeitos reportados a 31 de Agosto de 2020; não obstante terem sido celebrados sucessivos contratos a termo certo, os mesmos consubstanciam um contrato sem termo, não só pelo decurso do limite de renovações previsto na alínea b) do art.º 147º do Código do Trabalho, mas também por falta das menções previstas no art.º 141º do mesmo diploma.
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Foi realizada audiência de partes, não sendo possível a sua conciliação.
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Citada, a Ré contestou, o que fez por excepção, invocando a prescrição do direito invocado, e a caducidade da acção. Impugna os factos alegados pela Autora.
Conclui
A) Nestes termos e nos mais de Direito e sem deixar de invocar o douto suprimento perante V. Exa, deverá julgar procedente uma das exceções perentórias aduzidas e, consequentemente, absolver a Ré dos pedidos,
B) Caso assim não decida, então, por falta de fundamento legal e de prova, deve julgar os pedidos da Autora totalmente improcedentes.
C) Ainda, se requer a condenação da Autora como litigante de má e no pagamento de justa indemnização à Ré pelo valor das despesas, incluindo honorários dos seus advogados, a determinar logo que possível.
D) Sem prescindir, sendo o despedimento da A. considerado ilícito, o que por mera cautela se equaciona, ser a Ré condenada apenas ao pagamento dos diferenciais entre os salários de tramitação e todos os valores que a Autora passou a receber com a cessação do contrato de trabalho e que não receberia se fosse o despedimento, conforme resulta do disposto na alínea a), do n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho.”
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A Autora respondeu, concluindo pela improcedência das excepções invocadas.
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Foi dispensada a realização da audiência prévia.
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Foi proferido despacho saneador que conheceu da validade e regularidade da instância e julgou improcedentes as excepções invocadas.
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Foi realizado julgamento com observância do legal formalismo.
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A sentença julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.
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Inconformada, a Autora interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que (…)
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A Ré contra-alegou, concluindo nas suas alegações que
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A Ré recorreu subordinadamente, concluindo nas suas alegações que
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O Ministério Público não emitiu parecer.
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Os autos foram aos vistos aos Ex.mos Desembargadores Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir
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II – Objecto
Considerando as conclusões de recurso apresentadas, que definem o seu objecto, cumpre decidir
Recurso Principal
- se entre Autora e Ré vigorou um contrato de trabalho a termo;
-se a Autora foi despedida ilicitamente;
- em caso afirmativo, das legais consequências.
Recurso Subordinado/ampliação do objecto do recurso – do interesse em agir.
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III- Fundamentação de Facto
Factos Provados
São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância
1. Por acordo escrito de 1 de Setembro de 2012, constante de documento particular, a Autora obrigou-se a ministrar, por conta, a favor e sob as ordens e direcção da Ré, com a categoria de assistente convidada, a disciplina de medicina dentária conservadora I, cabendo-lhe exercer tais funções em conformidade com os estatutos, regulamentos e instruções da Ré, bem como assegurar o regular funcionamento das aulas e exames que lhe fossem atribuídos, de acordo com os horários aprovados pela mesma Ré e as respectivas necessidades de serviço, conforme documento junto a fls.10, e que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
2. O local de trabalho situava-se nas instalações da Ré.
3. Foi mais convencionado que o número de horas semanal seria de 7 horas.
4. O contrato foi celebrado pelo prazo de seis meses com início de vigência em 1 de Setembro de 2012 e termo em 28 de Fevereiro de 2013, conferindo direito aos proporcionais de subsídio de férias e Natal, bem como ao respectivo subsídio de refeição, na proporção do tempo de trabalho prestado.
5. Estabeleceu-se ainda que, findo o prazo de vigência, o contrato caducava automaticamente no seu último dia útil, não ficando sujeito a renovação nem para tal sendo necessário a sua denúncia verbal ou por escrito por qualquer das partes.
6. Ficou também convencionado que à Autora cabia elaborar o sumário das aulas e exames na aplicação informática da secretaria on line, no mesmo dia em que fossem ministradas, elaborar as provas escritas, participar na vigilância das respectivas avaliações de conhecimentos e proceder aos respectivos registos administrativos, de acordo com o calendário estabelecido pelos conselhos científicos para cada ano lectivo, nomeadamente as épocas de recurso, podendo ainda ser incumbida de participar na vigilância das provas escritas da respectiva área científica e outras áreas para o qual fosse convocada, e nos júris das provas orais de outras disciplinas da respectiva área científica.
7. Foi igualmente convencionado que a Autora auferiria a retribuição semestral global, incluindo subsídio de alimentação (sujeitos aos descontos e retenções legais) de €3.298,00 acrescida de proporcionais de subsídio de férias e de Natal.
8. Foi por último estabelecido que as faltas seriam descontadas na remuneração, aí se incluindo as faltas às reuniões do conselho científico, aos júris das provas orais e à vigilância das provas escritas, mais se estabelecendo que as faltas não justificadas constituíam fundamento de rescisão do contrato.
9. Por acordo escrito de 1 de Março de 2013, constante de documento particular, a Autora obrigou-se a ministrar, por conta, a favor e sob as ordens e direcção da Ré, com a categoria de assistente convidada, a disciplina de medicina dentária conservadora II, cabendo-lhe exercer tais funções em conformidade com os estatutos, regulamentos e instruções da Ré, bem como assegurar o regular funcionamento das aulas e exames que lhe forem atribuídos, de acordo com os horários aprovados pela mesma Ré e as respectivas necessidades de serviço, conforme documento junto a fls.12, e que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
10. O local de trabalho situava-se nas instalações da Ré.
11. Foi mais convencionado que o número de horas semanal seria de 7 horas.
12. O contrato foi celebrado pelo prazo de seis meses com início de vigência em 1 de Março de 2013 e termo em 31 de Agosto de 2013, conferindo direito aos proporcionais de subsídio de férias e Natal, bem como ao respectivo subsídio de refeição, na proporção do tempo de trabalho prestado.
13. Foi igualmente convencionado que a Autora auferiria a retribuição semestral global, incluindo subsídio de alimentação (sujeitos aos descontos e retenções legais) de € 3.523,98 acrescida de proporcionais de subsídio de férias e de Natal.
14. Por acordo escrito de 1 de Setembro de 2013, constante de documento particular, a Autora obrigou-se a ministrar, por conta, a favor e sob as ordens e direcção da Ré, com a categoria de assistente convidada, a disciplina de medicina dentária conservadora I, cabendo-lhe exercer tais funções em conformidade com os estatutos, regulamentos e instruções da Ré, bem como assegurar o regular funcionamento das aulas e exames que lhe forem atribuídos, de acordo com os horários aprovados pela mesma Ré e as respectivas necessidades de serviço.
15. Com o período de 1 de Setembro de 2013 e a terminar em 28 de Fevereiro de 2014.
16. Por acordo escrito de 1 de Março de 2014, constante de documento particular, a Autora obrigou-se a ministrar, por conta, a favor e sob as ordens e direcção da Ré, com a categoria de assistente convidada, a disciplina de medicina dentária conservadora II, cabendo-lhe exercer tais funções em conformidade com os estatutos, regulamentos e instruções da Ré, bem como assegurar o regular funcionamento das aulas e exames que lhe forem atribuídos, de acordo com os horários aprovados pela mesma Ré e as respectivas necessidades de serviço, conforme doc. junto a fls.14, e que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
17. Sendo a remuneração de € 3.532,98.
18. Por acordo escrito de 1 de Setembro de 2014, constante de documento particular, a Autora obrigou-se a ministrar, por conta, a favor e sob as ordens e direcção da Ré, com a categoria de assistente convidada, a disciplina de medicina dentária conservadora I, cabendo-lhe exercer tais funções em conformidade com os estatutos, regulamentos e instruções da Ré, bem como assegurar o regular funcionamento das aulas e exames que lhe forem atribuídos, de acordo com os horários aprovados pela mesma Ré e as respectivas necessidades de serviço.
19. Por acordo escrito de 1 de Março de 2015, constante de documento particular, a Autora obrigou-se a ministrar, por conta, a favor e sob as ordens e direcção da Ré, a disciplina de medicina dentária conservadora II, cabendo-lhe exercer tais funções em conformidade com os estatutos, regulamentos e instruções da Ré, bem como assegurar o regular funcionamento das aulas e exames que lhe forem atribuídos, de acordo com os horários aprovados pela mesma Ré e as respectivas necessidades de serviço.
20. Por acordo escrito de 1 de Setembro de 2015, constante de documento particular, a Autora obrigou-se a ministrar, por conta, a favor e sob as ordens e direcção da Ré, com a categoria de assistente convidada, a disciplina de medicina dentária conservadora I, cabendo-lhe exercer tais funções em conformidade com os estatutos, regulamentos e instruções da Ré, bem como assegurar o regular funcionamento das aulas e exames que lhe forem atribuídos, de acordo com os horários aprovados pela mesma Ré e as respectivas necessidades de serviço, conforme documento junto a fls.66, e que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
21. No referido contrato, o período de vigência iniciou-se a 1 de Setembro de 2015 e terminou em 29 de Fevereiro de 2016, sendo a remuneração de € 6.150,90, e passando o horário semanal para 14 horas.
22. Por acordo escrito de 1 de Março de 2016, constante de documento particular, a Autora obrigou-se a ministrar, por conta, a favor e sob as ordens e direcção da Ré, com a categoria de assistente convidada, a disciplina de medicina dentária conservadora II, cabendo-lhe exercer tais funções em conformidade com os estatutos, regulamentos e instruções da Ré, bem como assegurar o regular funcionamento das aulas e exames que lhe forem atribuídos, de acordo com os horários aprovados pela mesma Ré e as respectivas necessidades de serviço.
23. Por acordo escrito de 1 de Setembro de 2016, constante de documento particular, a Autora obrigou-se a ministrar, por conta, a favor e sob as ordens e direcção da Ré, com a categoria de assistente convidada, a disciplina de medicina dentária conservadora I, cabendo-lhe exercer tais funções em conformidade com os estatutos, regulamentos e instruções da Ré, bem como assegurar o regular funcionamento das aulas e exames que lhe forem atribuídos, de acordo com os horários aprovados pela mesma Ré e as respectivas necessidades de serviço, conforme documento junto a fls.68 e que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
24. Com o período de vigência a iniciar em 1 de Setembro de 2016 e a terminar em 28 de Fevereiro de 2017, sendo a remuneração de €6.150,90 para 14 horas.
25. Por acordo escrito de 1 de Março de 2017, constante de documento particular, a Autora obrigou-se a ministrar, por conta, a favor e sob as ordens e direcção da Ré, com a categoria de assistente convidada, a disciplina de medicina dentária conservadora II, cabendo-lhe exercer tais funções em conformidade com os estatutos, regulamentos e instruções da Ré, bem como assegurar o regular funcionamento das aulas e exames que lhe forem atribuídos, de acordo com os horários aprovados pela mesma Ré e as respectivas necessidades de serviço, conforme documento junto a fls.70 e que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
26. Com o período de vigência de 1 de Março de 2017 a 31 de agosto de 2017, sendo a remuneração de €6.150,90 para 14 horas semanais.
27. Por acordo escrito de 1 de Setembro de 2017, constante de documento particular, a Autora obrigou-se a ministrar, por conta, a favor e sob as ordens e direcção da Ré, com a categoria de assistente convidada, a disciplina de medicina dentária conservadora I, cabendo-lhe exercer tais funções em conformidade com os estatutos, regulamentos e instruções da Ré, bem como assegurar o regular funcionamento das aulas e exames que lhe forem atribuídos, de acordo com os horários aprovados pela mesma Ré e as respectivas necessidades de serviço conforme documento de fls.72, e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
28. Com o período de vigência de 1 de Setembro de 2017 a 28 de Fevereiro de 2018, sendo a remuneração de € 6.212,43 para 14 horas
29. Por acordo escrito de 1 de Março de 2018, constante de documento particular, a Autora obrigou-se a ministrar, por conta, a favor e sob as ordens e direcção da Ré, com a categoria de assistente convidada, a disciplina de medicina dentária conservadora II, cabendo-lhe exercer tais funções em conformidade com os estatutos, regulamentos e instruções da Ré, bem como assegurar o regular funcionamento das aulas e exames que lhe forem atribuídos, de acordo com os horários aprovados pela mesma Ré e as respectivas necessidades de serviço, conforme documento de fls.74, e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
30. Com o período de vigência a iniciar em 1 de Março de 2018 e a terminar em 31 de agosto de 2018, sendo a remuneração de €6.212,43 para 14 horas.
31. Por acordo escrito de 3 de Setembro de 2018, constante de documento particular, a Autora obrigou-se a ministrar, por conta, a favor e sob as ordens e direcção da Ré, com a categoria de assistente convidada, a disciplina de medicina dentária conservadora I, cabendo-lhe exercer tais funções em conformidade com os estatutos, regulamentos e instruções da Ré, bem como assegurar o regular funcionamento das aulas e exames que lhe forem atribuídos, de acordo com os horários aprovados pela mesma Ré e as respectivas necessidades de serviço, conforme documento de fls.77, e que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
32. Com o período de vigência a iniciar em 1 de Setembro de 2018 e a terminar em 28 de Fevereiro de 2019, sendo a remuneração de €6.212,43 para catorze horas semanais.
33. Por acordo escrito de 1 de Março de 2019, constante de documento particular, a Autora obrigou-se a ministrar, por conta, a favor e sob as ordens e direcção da Ré, com a categoria de assistente convidada, a disciplina de medicina dentária conservadora II, cabendo-lhe exercer tais funções em conformidade com os estatutos, regulamentos e instruções da Ré, bem como assegurar o regular funcionamento das aulas e exames que lhe forem atribuídos, de acordo com os horários aprovados pela mesma Ré e as respectivas necessidades de serviço, conforme documento de fls.82, e que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
34. Com o período de vigência a iniciar em 1 de Março de 2018 e a terminar em 31 de Agosto de 2018, sendo a remuneração de €6.212,43 para 14 horas semanais.
35. A Autora desenvolveu a respectiva actividade, nos termos expostos, para a Ré, utilizando os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes a esta - computador, impressora, telefone fixo, material de escritório, tais como papel e canetas -, utilizando o mail de serviço que lhe foi atribuído, cumprindo o horário, inicialmente de 7 e posteriormente de 14 horas semanais, que era fixado pela Ré, estando obrigada ao dever de assiduidade, sendo que, em caso de ausência, tinha que comunicar tal facto, e seguir as orientações e instruções que lhe eram transmitidas.
36. Por missiva datada de 5 de Agosto de 2019, a Ré comunicou a cessação do contrato de trabalho por caducidade, com efeitos reportados a 31 de Agosto de 2019, conforme comunicação de fls. 36 v, e que se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
37. Os contratos de trabalho docente a termo e a tempo parcial do primeiro semestre destinavam-se à docência da unidade curricular ou disciplina de Medicina Dentária Conservadora I, os do segundo semestre destinavam-se à docência de outra unidade – Medicina Dentária Conservadora II.
38. A Ré comunicou à Autora a existência de ratios de professores doutorados que teria de cumprir.
39. A Autora é titular de uma licenciatura com mestrado integrado.
40. A Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), acreditou o referido Curso ou Ciclo de Estudos de Medicina Dentária condicionalmente durante um ano.
41. Impondo, para além do mais, “o reforço do corpo docente nas áreas fundamentais, de modo a cumprir os rácios legais”.
42. A Ré comunicou à Autora e outros docentes da necessidade de cumprir os rácios supra referidos e recomendou que se candidatassem a doutoramento.
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Factos Não Provados
A primeira instância considerou não provado que a A. comprometeu-se com a Ré que iria concluir o doutoramento, o que nunca aconteceu.
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IV – Apreciação do Recurso
Pretende a Autora se declare que entre si e a Ré vigorou um contrato de trabalho sem termo, tendo a mesma sido despedida ilicitamente, com as legais consequências.
Resulta da matéria de facto que a Autora celebrou com a Ré 14 contratos de trabalho a termo certo, entre 1 de Setembro de 2012 e 1 de Março de 2019 (pontos 1, 9, 14, 16, 19, 20, 22, 23, 25, 27, 29, 31 e 33 dos factos provados), tendo trabalhado para a Ré como assistente convidada até 31 de Agosto de 2019. Ministrava as disciplinas de medicina dentária conservadora I e II.
A Ré é uma Cooperativa de ensino superior.
A primeira instância, depois de considerar nula a estipulação do termo aposto nos contratos celebrados entre as partes, de acordo como disposto no CT, passando, de acordo com este regime jurídico, o contrato a não ter termo, e estando-se, portanto, ante a comunicação da sua caducidade (ponto 36 da matéria de facto), perante um despedimento ilícito com as legais consequências, concluiu que o regime aplicável in casu não é, afinal, o do Código do Trabalho, mas o previsto em legislação especial. Assim, diz-se na sentença que “No entanto, as regras gerais supra referidas poderão ter, no entanto, especificidades em regimes especiais.
Na situação em presença cumpre apreciar se a natureza jurídica da Ré, e a circunstância do contrato de trabalho se referir ao exercício da função docente em ensino superior, implica a existência de regime especial.
(…)
Os assistentes não podem – tal como já não podiam à data em que as partes subscreveram (em 04.12.1998) o primeiro dos contratos em causa – permanecer no exercício das suas funções se no termo das renovações legalmente previstas não tiverem obtido as habilitações necessárias para o acesso à categoria seguinte, que é aquela que lhes permite, verificados determinados requisitos, o acesso à “nomeação definitiva”.
(…)
Dai que nessa linha de entendimento se considere que as normas do regime laboral comum que regulam a celebração de contratos a termo, consignando “(..) apertados requisitos de ordem substancial e formal”, não se mostrem aptas “ (..) a abarcar situações em que o contrato de trabalho, pela natureza da prestação que constitui o seu objecto, não pode, sob pena de inviabilização dos fins que prossegue e de frustração dos interesses que protege, ter duração indeterminada”.
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Regressando ao caso em apreço, e considerando que a Autora foi contratada e exerceu funções da categoria de assistente convidada, tal como é expressamente referido nos contratos de trabalho celebrado entre as partes.
Considerando a equiparação prevista no art.º 52.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro, e os requisitos próprios da carreira docente do ensino superior associados à progressão académica, cumpre apreciar se seria admissível a constituição de vínculo de assistente convidado a título definitivo.
Neste ponto, a remissão contratual para a categoria em causa, como aliás resulta do designação da categoria, remete para um vínculo temporário. Assim é também na sua substância.
A carreira académica tem como vínculo definitivo a categoria professores catedráticos e associados (art.º 19.º, n.º 1, do Estatuto da Carreira Docente Universitária). Sendo que, nos termos do art.º 40.º e 41.º, os opositores do concurso têm de ser doutores.
Ora, nestes termos a constituição de um vínculo de assistente convidado será sempre a termo. No que se refere à validade do termo aposto é de recordar a conclusão do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-06-2015, processo n.º 868/12.8TTVNF.P1.S1, já citado:
“Por outro lado, como se referiu, a contratação de assistentes sem a qualificação de mestre ou doutor – como é o caso da autora – é sempre, por imperativo legal, de duração limitada, pelo que se configura uma situação objetiva excecional que, logo à partida, para além de permitir compreender e justificar os motivos subjacentes à estipulação do prazo pelas partes, se revela dificilmente compatível com a regulamentação geral desta matéria.
Concluindo-se, assim, que não era exigível a inserção de qualquer justificação adicional no primeiro contrato celebrado entre as partes, não se subscreve – ao contrário do decidido pelas instâncias – que ele tenha ficado sem termo, nem, consequentemente, que sejam nulas todas as cláusulas insertas nos contratos posteriores em matéria de prazo (conclusão a que chegou a decisão recorrida com base na pretensa nulidade do termo constante do primeiro contrato).”
Sendo que o douto aresto pronuncia-se ainda quanto à consequência da celebração de contratos a termo para lá do limite legal: “No tocante aos demais, o acórdão recorrido considerou que – a partir dessa fronteira –se configurava um quadro de exercício profissional sem habilitações suficientes e, consequentemente, de nulidade contratual, invocando para tanto o disposto nos art.ºs 4.º da LCT, 113.º, n.º 1, do CT/2003, e 117.º, n.º 1, do CT/2009.”
Voltando ao caso em apreço a tutela pretendida pela Autora cifra-se na declaração de que o contrato de trabalho a tempo parcial foi celebrado sem termo. Pedido que é cumulado com o pedido de reintegração e de retribuições intercalares.
Nestes termos verifica-se que não poderá proceder o pedido da Autora, na estrita medida que não poderia o tribunal reconhecer um vínculo sem termo de assistente convidado.
Vejamos
A questão fundamental para a apreciação da causa consiste na determinação do regime jurídico aplicável aos contratos de trabalho a termo resolutivo certo celebrados entre a Autora e a Ré.
O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou em situações idênticas à presente, reconhecendo a dificuldade de concretização desse regime. Como se afirma no aresto deste tribunal de 25-06-2014[1]São conhecidas as dificuldades de monta que se deparam quando se pretende caracterizar o contrato de docência, em particular no que diz respeito ao ensino superior, e encontrar a disciplina jurídica adequada à realização dos fins que tal contrato tem em vista, sem pôr em causa, por um lado, a subsistência das instituições que, em colaboração ou em substituição do Estado, prosseguem a satisfação de um interesse colectivo — subsistência que depende, necessariamente, de altos padrões de qualidade dos serviços oferecidos, e menos da quantidade dos mesmos — e sem, por outro lado, deixar de salvaguardar os interesses dos prestadores da actividade de docência, no âmbito de um convénio em que figuram como trabalhadores por conta de outrem.
A Ré é um estabelecimento de ensino superior cooperativo, que segue as regras do ensino superior privado. É a entidade instituidora do IUEM (artigo 4º do Decreto Lei 155/2017 de 28 de Dezembro). Este diploma legal operou a alteração do reconhecimento de interesse público da Ré (artigo 1º a).
A Portaria 80/2018 de 19 de Março registou os Estatutos do IUEM, determinando que este instituto “é um estabelecimento de ensino superior universitário, não integrado, privado, oficialmente reconhecido de interesse público através do Decreto-Lei n.º 155/2017, de 28 de dezembro, e integrado no sistema educativo, instituído pela EM-CES, CRL.” (artigo 1º) e acrescentando que “O IUEM rege-se pela legislação aplicável ao ensino superior, pelos presentes estatutos e pelos regulamentos internos, com as especificidades próprias do ensino superior não estatal.” (artigo 4º). E define como princípios fundamentais (artigo 5º) “O IUEM garante a liberdade de ensinar, aprender e investigar e considera a pesquisa científica indissociável da docência.” E com a missão (artigo 6º) de “1 - O IUEM é uma instituição orientada para a criação, transmissão e difusão da cultura, do saber e da ciência e tecnologia, através da articulação do estudo, do ensino, da investigação e do desenvolvimento experimental.
2 - O IUEM tem como objetivo a qualificação de alto nível dos portugueses, a produção e difusão do conhecimento, bem como a formação cultural, tecnológica e científica dos seus estudantes, num quadro de referência internacional, privilegiando a melhoria das condições de saúde dos cidadãos.”
Quanto à actividade docente, dispõem os seguintes preceitos
Artigo 42.º Princípios fundamentais - 1 - A atividade docente desenvolvida no IUEM prossegue as finalidades e os objetivos do sistema educativo português como expressão do interesse nacional em matéria de educação e cultura, devendo ser exercida e avaliada: (…)”
Artigo 43.º Exercício da docência - A docência é exercida em conformidade com o disposto no estatuto do IUEM e no regulamento da atividade docente, aprovado pela entidade instituidora, ouvidos o Reitor e os Conselhos Científico e Pedagógico.
Artigo 44.º Admissão - 1 - O ingresso do corpo docente é feito por convite, podendo também ser por concurso, de acordo com as exigências legais em vigor para o exercício de idênticas funções no ensino superior universitário público.
2 - O recrutamento por concurso e a seleção dos candidatos far-se-ão de acordo com as regras definidas pelo Conselho Científico.
3 - No processo de admissão atender-se-á às habilitações e à experiência científica, pedagógica e profissional dos docentes.
4 - A contratação de pessoal docente é feita mediante contrato de trabalho ou de prestação de serviços, podendo os contratos de trabalho serem realizados em regime de tempo integral (com e sem dedicação exclusiva) ou de tempo parcial.
Artigo 47.º Carreira docente - 1 - As categorias profissionais dos docentes no IUEM são paralelas às do ensino universitário público, nos termos da legislação em vigor e com as necessárias adaptações ao ensino superior particular e cooperativo, sem prejuízo de, posteriormente, vir a ser definida uma carreira docente própria.
2 - Para a progressão na carreira atender-se-á às qualificações académicas, ao mérito, à avaliação do exercício da atividade docente e à disponibilidade no quadro, nos termos definidos na lei e em regulamento.
(…)”
Atentemos agora no regime jurídico das instituições de ensino superior, aprovado pela Lei 62/2007, de 10 de Setembro, e que regula “designadamente a sua constituição, atribuições e organização, o funcionamento e competência dos seus órgãos e, ainda, a tutela e fiscalização pública do Estado sobre as mesmas, no quadro da sua autonomia.” (artigo 1º nº1), aplicando-se a todos os estabelecimentos de ensino superior, ressalvando o disposto nos artigos 179.º[2] e 180.º[3] (nº2)
Artigo 2.º Missão do ensino superior - 1 - O ensino superior tem como objectivo a qualificação de alto nível dos portugueses, a produção e difusão do conhecimento, bem como a formação cultural, artística, tecnológica e científica dos seus estudantes, num quadro de referência internacional.
2 - As instituições de ensino superior valorizam a actividade dos seus investigadores, docentes e funcionários, estimulam a formação intelectual e profissional dos seus estudantes e asseguram as condições para que todos os cidadãos devidamente habilitados possam ter acesso ao ensino superior e à aprendizagem ao longo da vida.
3 - As instituições de ensino superior promovem a mobilidade efectiva de estudantes e diplomados, tanto a nível nacional como internacional, designadamente no espaço europeu de ensino superior.
4 - As instituições de ensino superior têm o direito e o dever de participar, isoladamente ou através das suas unidades orgânicas, em actividades de ligação à sociedade, designadamente de difusão e transferência de conhecimento, assim como de valorização económica do conhecimento científico.
5 - As instituições de ensino superior têm ainda o dever de contribuir para a compreensão pública das humanidades, das artes, da ciência e da tecnologia, promovendo e organizando acções de apoio à difusão da cultura humanística, artística, científica e tecnológica, e disponibilizando os recursos necessários a esses fins.
Artigo 4.º Ensino superior público e privado - 1 - O sistema de ensino superior compreende:
a) O ensino superior público, composto pelas instituições pertencentes ao Estado e pelas fundações por ele instituídas nos termos da presente lei;
b) O ensino superior privado, composto pelas instituições pertencentes a entidades particulares e cooperativas.
2 - Nos termos da Constituição, incumbe ao Estado a criação de uma rede de instituições de ensino superior públicas que satisfaça as necessidades do País.
3 - É garantido o direito de criação de estabelecimentos de ensino superior privados, nos termos da Constituição e da presente lei.
(…)
Artigo 6.º Instituições de ensino universitário - 1 - As universidades, os institutos universitários e as demais instituições de ensino universitário são instituições de alto nível orientadas para a criação, transmissão e difusão da cultura, do saber e da ciência e tecnologia, através da articulação do estudo, do ensino, da investigação e do desenvolvimento experimental.
2 - As universidades e os institutos universitários conferem os graus de licenciado, mestre e doutor, nos termos da lei.
3 - As demais instituições de ensino universitário conferem os graus de licenciado e de mestre, nos termos da lei.
Artigo 9.º Natureza e regime jurídico – (…)3 - As entidades instituidoras de estabelecimentos de ensino superior privados são pessoas colectivas de direito privado, não tendo os estabelecimentos personalidade jurídica própria.
4 - As instituições de ensino superior privadas regem-se pelo direito privado em tudo o que não for contrariado pela presente lei ou por outra legislação aplicável, sem prejuízo da sua sujeição aos princípios da imparcialidade e da justiça nas relações das instituições com os professores e estudantes, especialmente no que respeita aos procedimentos de progressão na carreira dos primeiros e de acesso, ingresso e avaliação dos segundos.
5 - São objecto de regulação genérica por lei especial as seguintes matérias, observando o disposto na presente lei e em leis gerais aplicáveis:
(…)
j) O regime do pessoal docente das instituições privadas;
6 - Como legislação especial, a presente lei e as leis referidas no número anterior não são afectadas por leis de carácter geral, salvo disposição expressa em contrário.
Artigo 11.º Autonomia das instituições de ensino superior – (…)3 - Face à respectiva entidade instituidora e face ao Estado, os estabelecimentos de ensino superior privados gozam de autonomia pedagógica, científica e cultural.
4 - Cada instituição de ensino superior tem estatutos próprios que, no respeito da lei, enunciam a sua missão, os seus objectivos pedagógicos e científicos, concretizam a sua autonomia e definem a sua estrutura orgânica.
5 - A autonomia das instituições de ensino superior não preclude a tutela ou a fiscalização governamental, conforme se trate de instituições públicas ou privadas, nem a acreditação e a avaliação externa, nos termos da lei.
Relativamente ao corpo docente, dispõe esta lei
Artigo 47.º - Corpo docente das instituições de ensino universitário - 1 - O corpo docente das instituições de ensino universitário deve satisfazer os seguintes requisitos:
a) Preencher, para cada ciclo de estudos, os requisitos fixados, em lei especial, para a sua acreditação; (…)
Artigo 52.º Corpo docente dos estabelecimentos de ensino superior privados - 1 - Aos docentes do ensino superior privado deve ser assegurada, no âmbito dos estabelecimentos de ensino em que prestam serviço, uma carreira paralela à dos docentes do ensino superior público.
2 - O pessoal docente dos estabelecimentos de ensino superior privados deve possuir as habilitações e os graus legalmente exigidos para o exercício de funções da categoria respectiva no ensino superior público.
Artigo 53.º - Regime do pessoal docente e de investigação das instituições privadas - O regime do pessoal docente e de investigação das instituições privadas é aprovado por decreto-lei.
Artigo 119.º Princípios gerais - 1 - Cada instituição de ensino superior pública deve dispor dos meios humanos necessários ao desempenho das suas atribuições, sem prejuízo da contratação externa de serviços.
2 - Cabe às instituições de ensino superior públicas o recrutamento e promoção dos seus docentes e investigadores, bem como do restante pessoal, nos termos da lei.
3 - O regime do pessoal docente e de investigação é definido em lei especial.
Cumpre considerar ainda o disposto no Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei 16/94 de 22 de Janeiro, em cujo preâmbulo se diz que “ (…)O reconhecimento do ensino particular e cooperativo manifesta-se de modo inequívoco no valor normativo conferido pelo Estado aos graus atribuídos por estes estabelecimentos de ensino, ou seja, no paralelismo de regimes com o ensino superior público. O valor normativo dos graus, independentemente das escolas que os concedam, permite um enquadramento global do sistema de ensino superior e demonstra o interesse público que subjaz à existência do ensino superior particular e cooperativo.
(…)
Deste modo, precisa-se que o âmbito de aplicação do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo é constituído pelas escolas fundadas por entidades particulares ou cooperativas a que seja reconhecido interesse público. E, em consonância, que o reconhecimento desse interesse público, com importantes consequências quanto ao regime a que ficam submetidas essas escolas, resulta da sua inserção na rede escolar - conceito em que necessariamente se devem integrar os estabelecimentos de ensino superior, públicos ou privados, e a Universidade Católica.
(…)
Por outro lado, o funcionamento das instituições de ensino superior fundadas por entidades particulares e cooperativas igualmente supõe paralelismo com o ensino público no domínio fundamental da composição do corpo docente e do respectivo regime de docência.
As opções agora vertidas buscam alcançar a veracidade quanto à efectiva composição e disponibilidade dos docentes do ensino superior particular e cooperativo através do recurso a critério de igualdade de exigência com o ensino superior público: a razão entre o número de alunos e o número de docentes habilitados com os graus de mestre ou doutor.
(…)
Do mesmo modo, estabelece-se que as instituições de ensino superior particular e cooperativo são objecto de avaliação da qualidade científica e pedagógica em termos comuns ao ensino superior público.
(…)
A harmonização prática entre o princípio da liberdade de aprender e de ensinar e as incumbências colocadas ao Estado em matéria de ensino superior determinam e justificam a intervenção legislativa para assegurar que os estabelecimentos de ensino superior particular alcancem padrões de qualidade científica e pedagógica indispensáveis para manter o respeito público, que é o suporte da sua autonomia e da sua liberdade.
Deste modo, a política a definir para o ensino superior particular e cooperativo, assente em critérios científicos e pedagógicos paralelos ao ensino superior público, encontra na exigência de qualidade o seu fundamento de acção.”
Relativamente ao corpo docente
Artigo 23.° Habilitações -1 - As categorias dos docentes do ensino superior particular ou cooperativo devem ser paralelas às categorias de docentes reconhecidas no ensino superior público.
2 - O pessoal docente dos estabelecimentos de ensino superior particular ou cooperativo de interesse público deverá possuir as habilitações e graus legalmente exigidos para o exercício de funções da categoria respectiva no ensino superior público.
Artigo 24.° Regimes - 1 - O regime de contratação do pessoal docente para ministrar ensino nos estabelecimentos de ensino superior particular ou cooperativo consta de diploma próprio.
2 - O diploma a que se refere o número anterior estabelece o regime de contrato de trabalho dos docentes, bem como as condições em que se poderá recorrer ao contrato de prestação de serviços.
Artigo 25.° Carreira docente - 1 - Aos docentes do ensino superior particular ou cooperativo de interesse público deverá ser assegurada, no âmbito dos estabelecimentos em que prestam serviço, uma carreira paralela à dos docentes do ensino superior público.
2 - Dos estatutos dos estabelecimentos de ensino consta, nos termos do diploma a que se refere o artigo anterior, o regime da carreira docente próprio de cada estabelecimento, contendo, nomeadamente, a definição dos direitos e deveres do pessoal docente, a definição das carreiras e as regras de avaliação e progressão na carreira.
O Estatuto da Carreira Docente Universitária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 448/79, de 13 de Novembro, e objecto de alteração, entre outras, pelo Decreto-Lei 205/2009, de 31 de Agosto, em cujo preâmbulo se afirma “(…)No que respeita às universidades, o actual estatuto da carreira docente desde logo contribuiu decisivamente para a criação das condições para o desenvolvimento científico moderno em Portugal, ao inscrever a investigação científica como elemento central da carreira universitária e ao consagrar condições de dedicação exclusiva dos seus docentes.
Contudo, o próprio desenvolvimento científico do País e a formação e atracção de recursos humanos altamente qualificados, designadamente aqueles habilitados com o grau de doutor, vieram permitir que a universidade portuguesa nivele, doravante, os seus critérios de recrutamento, selecção e promoção pelas boas práticas internacionais.
(…)
Destacam-se na revisão da carreira docente universitária operada pelo presente decreto-lei:
O doutoramento como grau de entrada na carreira e a abolição das categorias de assistente e assistente estagiário;
(…)
A garantia da autonomia pedagógica e científica, através da introdução de um estatuto reforçado de estabilidade no emprego (tenure) para os professores catedráticos e associados;
(…)
A título excepcional, e apenas quando os concursos fiquem desertos ou se apresente um número insuficiente de candidatos, prevê-se a possibilidade de contratar assistentes convidados, em tempo integral, e apenas por um período máximo de quatro anos, acentuando, assim, a necessidade de doutoramento, e de concurso, como regra para a prestação de serviço a tempo integral em instituições universitárias.
Com o presente decreto-lei, entrega-se à autonomia das instituições de ensino superior a regulamentação relativa à gestão do pessoal docente, simplificam-se procedimentos administrativos obsoletos e definem-se os princípios da avaliação do desempenho, periódica e obrigatória, de todos os docentes.
Eliminam-se os mecanismos de transição automática entre categorias, sem prejuízo da introdução de um regime transitório para os que actualmente dele beneficiavam, tendo em consideração a normal duração dos programas de doutoramento e as condições asseguradas pelo Estatuto para a sua preparação.
O elevado grau de exigência de que se reveste a carreira docente universitária mantém-se e reforça-se nesta revisão. Um período experimental na entrada na carreira, isto é, após doutoramento e concurso para professor auxiliar, de cinco anos segue a prática internacional e a experiência consolidada em Portugal, sendo ainda necessário face à desejada permeabilidade com a carreira de investigação científica e com a realidade paralela, em instituições de investigação, de contratos de cinco ou seis anos conformes à duração de projectos e programas de investigação, tal como expressamente previsto no actual Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei 59/2008, de 11 de Setembro.
De igual forma, para os professores catedráticos e associados que não tivessem anteriormente um contrato por tempo indeterminado, é fixado um período experimental de um ano. (…)”
Artigo 1.º Objecto - 1 - O Estatuto da Carreira Docente Universitária, adiante designado por Estatuto, aplica -se ao pessoal docente das universidades, institutos universitários e escolas universitárias não integradas em universidade, que adiante se designam por instituições de ensino superior.
Artigo 2.º - (Categorias) - As categorias do pessoal docente abrangido por este diploma são as seguintes:
a) Professor catedrático;
b) Professor associado;
c) Professor auxiliar;
d) Assistente; (revogado pelo Dec.Lei 2005/2009)
e) Assistente estagiário. (revogado pelo Dec.Lei 2005/2009)
Artigo 3.º (Pessoal especialmente contratado) - 1 - Além das categorias enunciadas no artigo anterior, podem ainda ser contratadas para a prestação de serviço docente individualidades, nacionais ou estrangeiras, de reconhecida competência científica, pedagógica ou profissional, cuja colaboração se revista de interesse e necessidade inegáveis para a instituição de ensino universitário em causa.
2 - As individualidades referidas no número precedente designam-se, consoante as funções para que são contratadas, por professor convidado, assistente convidado ou leitor, salvo quanto aos professores de estabelecimentos de ensino superior estrangeiros, que são designados por professores visitantes.
Artigo 12.º (Recrutamento de assistentes) - 1 - Os assistentes são recrutados de entre assistentes estagiários com, pelo menos, dois anos de exercício na categoria ou de entre outras individualidades que obedeçam, em ambos os casos, a uma das seguintes condições:
a) Terem concluído, com aproveitamento, numa Universidade portuguesa, em especialidade adequada à disciplina ou grupo de disciplinas para que são propostos, um curso de mestrado, em termos a regulamentar, ou outro que lhe seja legalmente equivalente;
b) Terem concluído, com aproveitamento, numa Universidade estrangeira, em domínio adequado à disciplina ou grupo de disciplinas para que são propostos, um curso de mestrado, ao qual, a seu pedido, tenha sido concedida equivalência nos termos legalmente previstos;
c) Terem obtido aprovação nas provas de aptidão pedagógica e capacidade científica reguladas nos artigos 53.º a 60.º
2 - O recrutamento é feito mediante proposta fundamentada da comissão do conselho científico do grupo ou departamento respectivo, que deverá ser aprovada pelo conselho científico da escola funcionando em plenário ou, havendo-a, em comissão coordenadora.
Artigo 32.º Contratação de assistentes convidados - 1 - Os assistentes convidados são contratados a termo certo e em regime de dedicação exclusiva, de tempo integral ou de tempo parcial, nos termos da lei e de regulamento a aprovar por cada instituição de ensino superior.
2 - A contratação em regime de dedicação exclusiva, de tempo integral ou de tempo parcial igual ou superior a 60 %, só pode ter lugar quando aberto concurso para categoria da carreira este tenha ficado deserto ou não tenha sido possível preencher todos os lugares postos a concurso por não existirem candidatos aprovados em número suficiente que reunissem as condições de admissão a esse concurso.
3 - Em regime de dedicação exclusiva ou de tempo integral, o contrato e as suas renovações não podem ter uma duração superior a quatro anos, não podendo ser celebrado novo contrato nesses regimes entre a mesma instituição de ensino superior e a mesma pessoa.
4 - Aos assistentes convidados em regime de dedicação exclusiva ou de tempo integral deve ser assegurada a participação em programas de investigação da instituição de ensino superior em que prestam serviço ou de outra instituição de ensino superior ou de investigação.
Artigo 37.º Condições dos concursos - 1 - Os concursos para recrutamento de professores catedráticos, associados e auxiliares são internacionais e abertos para uma área ou áreas disciplinares a especificar no aviso de abertura.
Artigo 41.º (Opositores ao concurso para professor associado) - Ao concurso para recrutamento de professores associados podem candidatar-se os titulares do grau de doutor há mais de cinco anos.
O que resulta desde logo da análise articulada destes dispositivos legais é que a lei teve em consideração as especificidades das funções de docência do ensino superior, e entendeu justificar-se um tratamento diferenciado destes trabalhadores, em face das características de “serviço público” que lhe reconhece (cfr. art.º 42º da Portaria 80/2018 de 19 de Março, art.º 2º, 4º nº2 e 6º nº1 da Lei 62/2007 de 10 de Setembro e 23º nº2 do Decreto Lei 16/94 de 22 de Janeiro), que pressupõe a autonomia científica e pedagógica do docente, o que tem implicações no modo de acesso à docência, seja no modo de recrutamento seja na progressão na carreira.
Assim, e apesar de a Ré ser uma instituição superior constituída em forma de cooperativa, estando sujeita ao direito privado, está também sujeita aos princípios constitucionais inerentes à administração pública, tais como a prossecução do interesse público, exigindo-se aos docentes dos estabelecimentos do ensino superior, seja ele público, particular ou cooperativo, habilitações e graus legalmente exigidos para o exercício de funções da categoria respectiva no ensino superior público (cfr art.º 23.º do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo), imposição que não pode ser ignorada, pese embora a circunstância de a lei ainda não ter ainda definido o regime de contratação daqueles.
Não se está, quando se trata da contratação de assistentes convidados, perante o mesmo nível de exigência que é imposto pelo Código do Trabalho no artigo 140º quanto à motivação da necessidade da contratação a termo, não se impondo a verificação de situações tipificadas – cfr. artigos 44º nº1 e 4 da Portaria 80/2018, de 19 de Março, e 32º nº1 do Decreto-lei 448/79 de 13 de Novembro.
Assim, o legislador considerou que o contrato de docência do ensino superior deveria conter especificidades inerentes às especificidades próprias da actividade desenvolvida. Trata-se, portanto, de um contrato de trabalho especial, cujo regime não está definido em diploma próprio apesar de estar prevista a publicação de tal diploma (cfr. artigos 47º nº1 da Portaria 80/2018, 53º e 119º nº3 da Lei 62/2007 e 24º nº1 do Decreto-Lei 16/94).
A Ré afirma que o facto de esse diploma nunca ter sido publicado não significa que se aplique automaticamente o regime previsto nas leis 62/2007 (Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior) e 448/79 (Estatuto da Carreira Docente Universitária).
Nos termos do artigo 9º do CT “[A]o contrato de trabalho com regime especial aplicam-se as regras gerais deste código que sejam compatíveis com a sua especificidade”.
Ora, as exigências científicas e pedagógicas da docência universitária não se compadecem com as regras rígidas do Código do Trabalho, no que respeita aos requisitos para a contratação a termo, que são incompatíveis com a obrigatoriedade de obtenção de graus académicos como condição para a progressão na carreira de docente do ensino superior.
Os diplomas legais que tutelam o ensino superior e que supra referimos, apontam para que sejam aplicadas aos contratos de docência do ensino superior privado, para o que ao caso interessa, as regras previstas nesses diplomas.
Assim, a Portaria 80/2018, de 19 de Março, no artigo 4º determina que a Ré rege-se, nomeadamente, pela legislação aplicável ao ensino superior, para além dos estatutos aprovados pela própria Portaria, pelos regulamentos internos, com as especificidades próprias do ensino superior não estatal. O artigo 44º nº1 define que o ingresso no corpo docente é feito de acordo com as exigências legais em vigor para o exercício de idênticas funções no ensino superior universitário público. O artigo 47º dispõe que as categorias profissionais dos docentes da Ré são paralelas às do ensino universitário público, com as necessárias adaptações ao ensino superior particular e cooperativo (sem prejuízo de, posteriormente, vir a ser definida uma carreira docente própria). A Lei 62/2007, de 10 de Setembro – Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior – aplica-se a todos os estabelecimentos de ensino superior, com as excepções que dela constam e onde não cabe a Ré (artigo 1º nº2), e de acordo com o seu artigo 9º nº4, as instituições de ensino superior privado regem-se pelo direito privado, sem prejuízo da sua sujeição aos princípios da imparcialidade e da justiça nas relações das instituições com os professores, especialmente no que respeita aos procedimentos de progressão na carreira. E o nº 5 desse preceito define que o regime do pessoal docente das instituições privadas é objecto de regulação genérica por lei especial, mas a Lei 62/2007 e as leias especiais aplicáveis não são afectadas por leis de carácter geral, salvo disposição expressa em contrário (nº6). E o artigo 52º dispõe que aos docentes do ensino privado deve ser assegurada uma carreira paralela à dos docentes do ensino público. O Decreto Lei 16/94, de 22 de Janeiro – Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo – como manifestação de princípio, proclama o paralelismo com o ensino superior público e o interesse público que subjaz ao ensino particular e cooperativo (vide preâmbulo e artigo 23º). O artigo 25º determina que a carreira dos docentes do ensino privado deve ser paralela à dos docentes do ensino superior público. O Decreto Lei 448/79, de 13 de Novembro – Estatuto da Carreira Docente Universitária – estabelece o princípio da necessidade de doutoramento e de concurso para a prestação de serviço a tempo integral em instituições universitárias, eliminando-se os mecanismos de transição automática entre categorias.
Do exposto resulta que, atentas as similitudes entre a docência do ensino superior privado e público, mormente por via dos valores que subjazem a ambos os ensinos, o regime jurídico aplicável aos contratos celebrados por docentes que integram o ensino privado e cooperativo deve ser encontrado nos diplomas que vimos referindo e não no Código do Trabalho, excepto quando as normas deste não colidirem com as daqueles.
Como referimos, o Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou acerca da questão sub judice, em situações muito similares à presente
Assim
- acórdão de 25-11-2009 – Processo 301/07.7TTAVR.C1.S1 – numa acção em que a Autora pretendia lhe fosse reconhecido que se encontrava vinculada por contrato de trabalho por tempo indeterminado, sendo que exercia numa universidade privada as funções de assistente, pode ler-se no sumário: “I – A relação jurídica de emprego no ensino superior privado, tendo por objecto o exercício de funções docentes, insere-se em actividade desenvolvida por instituições que «gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira», prosseguindo «a elevação do nível educativo, cultural e científico do país», submetida a «adequada avaliação da qualidade do ensino» (artigo 76.º, n.º 1 e n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).
II - Em aspectos fundamentais, o vínculo emergente do contrato de docência no ensino superior afasta-se da relação laboral comum, ao ponto de princípios basilares da relação laboral, como o da segurança e estabilidade no emprego, haverem de ser encarados, na sua concretização regulamentar, numa óptica que não pode deixar de ter presentes os especiais contornos em que se desenvolve a actividade contratada, em ordem à realização das finalidades inseridas no programa que constitui o objecto do contrato, perspectiva essa à qual não pode ser alheio o asseguramento da efectivação, na prática, da autonomia universitária, em particular, no que às vertentes estatutária, científica e pedagógica diz respeito.
III - O exercício de tais funções, em que predomina acentuadamente a autonomia técnica e, pois, uma acentuada margem de liberdade de actuação, pressupondo um alto grau de confiança na obtenção de determinados resultados e implicando a sujeição a determinados requisitos de qualificação, nível de desempenho e qualidade de resultados, em cada um dos patamares que constituem a carreira docente, temporalmente circunscritos, confere ao respectivo contrato, na sua génese e essência, duração limitada.
IV - As normas do regime laboral comum que, visando salvaguardar a garantia de segurança e estabilidade no emprego, consignada no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, regulam a celebração de contratos por tempo determinado e consignam, para tanto, apertados requisitos de ordem substancial e formal, dirigem-se à generalidade das actividades em que pode existir uma relação laboral, cuja precariedade se mostra justificada por razões conjunturais ou de política de fomento do emprego.
V - Esse regime não se mostra apto a abarcar situações em que o contrato de trabalho, pela natureza da prestação que constitui o seu objecto, não pode, sob pena de inviabilização dos fins que prossegue e de frustração dos interesses que protege, ter duração indeterminada.
É a seguinte a fundamentação deste acórdão, que aqui citamos dada a sua clareza em termos que não nos expressaríamos melhor: “Também António José Moreira — “O Contrato de Docência”, em Minerva - Revista de Estudos Laborais, III, 4 (2004), pp. 9/26 — alude ao problema, sob o prisma daquele princípio constitucional, traçando as características típicas de tal convenção que a distinguem, em aspectos essenciais, do comum contrato de trabalho. Escreve este autor:
«[...] os docentes estão sujeitos a um sistema de progressão dependente da obtenção de graus académicos. Se admitíssemos, por mera hipótese, que perante a resolução do Contrato de Docência o tribunal viesse a determinar a reintegração dum docente por errado recurso ao art.º 436.º-1 b) do C.T., estar-se-ia a promover uma de duas coisas: ou que o docente poderia ser reintegrado sem ocupação, contra-senso para quem assim aplicasse o clássico Direito do Trabalho onde ainda parece estar consagrado o direito de ocupação efectiva do trabalhador — art.º 122.º b); ou, então, que haveria que atribuir serviço ao docente reintegrado, e seria o órgão jurisdicional a entidade que, em última instância, distribuía o serviço ao docente nas universidades e demais estabelecimentos, violando a autonomia científica e pedagógica destes, podendo mesmo provocar a sua extinção. [...]
Por outro lado, o poder de direcção, se dele se puder falar nos Contratos de Docência, confinar-se-á ao pagamento da remuneração e à verificação dos seus pressupostos. No demais valida as deliberações da entidade instituída, numa perspectiva formal, deliberações que têm, em muitos casos, a participação dos docentes, e, sempre, a dos seus representantes.»
A propósito do regime jurídico aplicável, observa o mesmo autor que «não tem qualquer sentido a aplicação do princípio da estabilidade no emprego nos moldes concebidos mais recentemente pela ciência do Direito do Trabalho, na medida em que é incompatível com a obrigatoriedade de obtenção de graus académicos por parte dos docentes», que «a renovação destes e a idoneidade científica e pedagógica das universidades, inter alia, não se compadecem com visões igualitaristas, proteccionistas a todo o transe», e que não é «minimamente defensável admitir o referido princípio no sector privado e cooperativo quando o regime a aplicar aos docentes das universidades públicas faz depender o vínculo contratual de sucessivas prestações de provas, subsistindo até à agregação a possibilidade de pôr termo ao contrato administrativo de provimento, a termo por natureza».
Enfim, conclui, «tendo em conta um particular tipo de confiança que se supõe existir e de exigir aos docentes, que não seria desajustado integrar algumas lacunas através do recurso ao regime jurídico do contrato em comissão de serviço, constante dos art.ºs 244.º e ss. do Código do Trabalho, nomeadamente no que concerne à estabilidade, admitindo a chamada à liça do art.º 334.º do Código Civil para situações abusivas de reduções de cargas horárias com a inerente redução de remuneração».
Estas considerações auxiliam a compreensão das razões por que, em aspectos fundamentais, a relação de emprego no ensino superior privado se afasta da relação laboral comum, ao ponto de princípios basilares da relação laboral, como o da segurança e estabilidade no emprego, haverem de ser encarados, na sua concretização regulamentar, numa óptica que não pode deixar de ter presentes os especiais contornos em que se desenvolve a actividade contratada, em ordem à realização das finalidades inseridas no programa que constitui o objecto do contrato, perspectiva essa à qual não pode ser alheio o asseguramento da efectivação, na prática, da autonomia universitária, em particular, no que às vertentes estatutária, científica e pedagógica diz respeito.
Trata-se de uma relação inserida em actividade que prossegue «a elevação do nível educativo, cultural e científico do país», submetida a «adequada avaliação da qualidade do ensino» (artigo 76.º, n.º 1 e n.º 2, da Constituição), relação cuja permanência está indissociavelmente ligada a um alto grau de confiança na obtenção de determinados resultados, por via do desempenho de funções em que predomina acentuadamente a autonomia técnica e, pois, uma acentuada margem de liberdade de actuação.
Neste plano de consideração, a sujeição do exercício de funções docentes a determinados requisitos de qualificação, nível de desempenho e qualidade de resultados, em cada um dos patamares que constituem a carreira docente, temporalmente circunscritos, confere ao contrato, na sua génese e essência, duração limitada, o que, de algum modo, face ao que se deixou dito, levanta dúvidas sobre a adequação das normas do regime que, visando salvaguardar a garantia de segurança e estabilidade no emprego, regulam a celebração de contratos por tempo determinado, consigna, para tanto, apertados requisitos de ordem substancial e formal.
Dirige-se tal regime à generalidade das actividades em que pode existir uma relação laboral, cuja precariedade se mostra justificada por razões conjunturais ou de política de fomento do emprego, mas não se revela apto a abarcar todas, designadamente aquelas em que o contrato de trabalho, pela natureza da prestação que constitui o seu objecto, não pode, sob pena de inviabilização dos fins que prossegue e de frustração dos interesses que protege, ter duração indeterminada — caso do regime especial do contrato desportivo, obrigatoriamente de duração limitada —, ou podendo tê-la, a extinção do contrato por vontade do empregador não pode estar sujeita ao rigor das regras gerais que, reflectindo o princípio da segurança no emprego, a condicionam — casos do contrato em comissão de serviço e do contrato de serviço doméstico.
Certo é que o legislador, reconhecendo embora a inadequação do regime comum para disciplinar o contrato de docência no sector privado do ensino superior — no n.º 2 do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 271/89, de 19 de Agosto, estatuiu-se que «o regime laboral dos docentes do ensino superior particular constatará de diploma próprio», estatuição reiterada, por outras palavras, no artigo 24.º do EESPC —, não cuidou, ainda, de definir em diploma próprio a necessária disciplina.
Mas, como se observou no Acórdão deste Supremo de 27 de Maio de 2009 (Documento n.º SJ200905270034354, em www.dgsi), em processo em que se discutia a aplicação a docente do ensino privado do regime remuneratório do ensino público, «o simples facto de o legislador anunciar, no diploma que aprovou o novo Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, o propósito de vir a consignar em diploma próprio o “regime de contratação do pessoal docente para ministrar ensino nos estabelecimentos de ensino superior particular ou cooperativo”, significando o reconhecimento da necessidade de um regime especial — no sentido de contemplar particularidades inerentes à actividade em causa, mas diferente do estatuído para o ensino público — não implica, todavia, que, enquanto tal não suceder, deva considerar-se afastada a aplicação às relações laborais em causa, designadamente em matéria de retribuição, dos princípios e normas do regime geral do contrato individual de trabalho, não podendo, por conseguinte, considerar-se que existe uma lacuna de previsão, entendida esta expressão no sentido da inexistência de normas potencialmente aplicáveis ao exercício da actividade de docência, em regime de contrato individual de trabalho».
(…)”
Também o acórdão de 25-06-2015[4], citado na sentença, refere no seu sumário: “I –  Com o Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, aprovado pelo DL n.º 14/94, de 22/1, o legislador – reconhecendo o interesse público que lhe está subjacente e consagrando o paralelismo do seu regime com o do ensino superior público, mormente no “domínio fundamental da composição do corpo docente e do respetivo regime de docência” – teve o propósito de enquadrar o ensino particular e cooperativo no sistema global do ensino superior, apenas “com as adaptações que a natureza das instituições exige”, integrando-os na mesma “rede escolar”.
II –   Estabeleceu-se, assim, no mesmo Estatuto, o paralelismo das categorias dos docentes do ensino superior particular ou cooperativo com as reconhecidas no ensino superior público, devendo aqueles possuir as habilitações e graus legalmente exigidos para o exercício das correspondentes funções por parte destes docentes (art.ºs 23.º e 25.º).
III –  O art.º 24.º, n.º 1, do sobredito Estatuto, estipula que o regime de contratação do pessoal docente para ministrar ensino nos estabelecimentos de ensino superior particular ou cooperativo consta de diploma próprio, o qual não foi publicado até ao presente, no mesmo sentido dispondo o art.º 9.º, n.º 5, j), do Regime jurídico das instituições de ensino superior, aprovado pela Lei n.º 62/2007, de 10/9.
(…)
V –  Embora o legislador reconheça a necessidade de criar um regime especial de contratação do pessoal docente para o ensino nos estabelecimentos de ensino superior particular ou cooperativo, a contratação de docentes pode efetuar-se, entretanto, através de típicos contratos de trabalho ou de prestação de serviço, de acordo com a vontade, necessidade e/ou interesses das partes, ou ainda nos termos previstos nos respetivos regulamentos internos, quando estes existam, ao abrigo dos art.ºs 5.º, 17.º, 18.º e 25º do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo.
VI – Uma vez que a contratação de assistentes sem a qualificação de mestre ou doutor é sempre, por imperativo legal, de duração limitada, ela nunca pode ter lugar no quadro do contrato de trabalho por tempo indeterminado.
VII – Estando demonstrado que a autora celebrou contratos de docência no ensino superior com a R., ao abrigo dos Estatutos e regulamentos em vigor nos estabelecimentos de ensino da R., cuja aplicação resulta do regime legal vigente, mas também, enquanto produto da sua autonomia privada, do livremente estipulado pelas partes, não tendo aquela obtido, no período de tempo legalmente previsto, habilitação suficiente para poder exercer as suas funções, existe impedimento legal relativamente ao exercício pela mesma das funções em causa, o que implica a nulidade dos contratos celebrados depois do prazo permitido pela lei.”
Sufragamos o entendimento destes arestos, pelas razões que supra referimos.
Estabelecido que está o regime jurídico aplicado ao presente caso, cumpre atentar que o ingresso no corpo docente da Ré é feito por convite ou por concurso, de acordo com as exigências legais em vigor para o exercício de idênticas funções no ensino superior universitário público (artigo 44º nº1 da Portaria 80/2018). E nos termos do nº4 deste preceito legal, a contratação é feita mediante contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviços, podendo os contratos de trabalho serem celebrados em regime e tempo integral ou parcial.
Em particular, os assistentes convidados são contratados a termo certo e em regime de dedicação exclusiva, seja a tempo integral ou parcial, nos termos da lei ou dos regulamentos a aprovar por cada instituição de ensino superior.
Um dos requisitos do contrato é que, se em regime de dedicação exclusiva ou de tempo integral, o contrato e as suas renovações não podem ter uma duração superior a 4 anos, não podendo ser celebrado novo contrato nesses regimes entre a mesma instituição de ensino superior e a mesma pessoa (artigo 32º nº3 da Lei 448/79, não estando provada a dedicação exclusiva).
A lei não prevê qualquer limitação para as situações, como a da Autora, que celebrou contratos a tempo parcial inferior a 60% (artigo 32º nº2).
A Autora sempre teve a categoria de assistente convidada, e, por isso, e acertadamente, foi contratada a termo, pois não reuniu os requisitos para poder progredir na carreira docente universitária (como professora catedrática, associada ou auxiliar)
Pelas razões que vimos expondo, os contratos celebrados entre a Autora e a Ré são válidos, quer quanto à sua admissibilidade quer quanto ao motivo pelo qual assim foram celebrados, e que resulta de todos os contratos ao referirem a categoria da Autora. Na verdade, nestes casos de contratação de docentes universitários com a categoria de assistentes convidados, as partes não têm a faculdade de escolher o modo da contratação . É certo que o artigo 44º da Portaria 80/2018, de 19 de Março, refere como formas de admissão no corpo docente, o convite e o concurso, mas também refere que tal será “de acordo com as exigências legais em vigor para o exercício de idênticas funções no ensino superior universitário público”. E o que é certo é que o Estatuto da Carreira Docente Universitária determina que os assistentes são convidados mas não acedem a uma carreira de docente com contrato sem termo sem se sujeitarem a um concurso público (artigo 37º), que segue as regras inscritas nos artigos 37º a 62º do Decreto-Lei 448/79 de 13 de Novembro, o que, aliás, era do conhecimento da Autora (factos 38 e 42).
Portanto, in casu, não está em causa a observância dos procedimentos para a contratação da Autora como assistente convidada, que não merecem qualquer reparo, mas a observância e a necessidade dessa observância, de um concurso público para a sua admissão como docente de carreira com um contrato sem termo.
Em face do exposto, concluímos como a primeira instância, citando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de  25-06-2015[5]Por outro lado, como se referiu, a contratação de assistentes sem a qualificação de mestre ou doutor – como é o caso da autora – é sempre, por imperativo legal, de duração limitada, pelo que se configura uma situação objetiva excecional que, logo à partida, para além de permitir compreender e justificar os motivos subjacentes à estipulação do prazo pelas partes, se revela dificilmente compatível com a regulamentação geral desta matéria.
Concluindo-se, assim, que não era exigível a inserção de qualquer justificação adicional no primeiro contrato celebrado entre as partes, não se subscreve – ao contrário do decidido pelas instâncias – que ele tenha ficado sem termo, nem, consequentemente, que sejam nulas todas as cláusulas insertas nos contratos posteriores em matéria de prazo (conclusão a que chegou a decisão recorrida com base na pretensa nulidade do termo constante do primeiro contrato).”
Ou seja, a lei não prevê que os docentes de carreira seja contratados a termo e que os docentes convidados sejam contratados sem termo, nem que se possa operar  a conversão automática dos contratos de docentes convidados para contratos de docentes de carreira.
Soçobra assim, inteiramente, o peticionado pela Autora de ver reconhecida a existência de um contrato de trabalho sem termo, de ser reintegrada e ver pagas as retribuições intercalares.
***
Recurso Subordinado
A Ré recorre subordinadamente, pretendendo que seja aditada a sentença recorrida, “de forma a obviar a omissão de pronúncia.”
Em concreto, pretende que este tribunal se pronuncie sobre a “verificada impossibilidade superveniente absoluta e definitiva de a ora recorrida prestar o seu trabalho e de a cooperativa recorrente o receber, o que impos e motivou a caducidade do contrato entre ambos.”
Considera que ocorreu a causa de caducidade a que se refere o artigo 343º b) do CT, com referência ao artigo 90º do C.Civil, e em consequência de o trabalhador não se poder fazer substituir no cumprimento da prestação laboral a que se vinculou, conforme o disposto no artigo 791º do C.Civil.
A parte só tem legitimidade para interpor recurso subordinado, caso tenha ficado vencida na acção (artigo 633º nº1 do CPC), o que não aconteceu no presente caso, em que a acção foi julgada improcedente, e absolvida a Ré do pedido.
Verdadeiramente, o que a Ré pretendeu foi ampliar o objecto do recurso, o que, embora manifestando-se de forma desadequada, não impede que dele conheçamos (artigo 193º nº 3 do CPC).
De acordo com o disposto no artigo 636º do CPC, sob a epígrafe “Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido
1 - No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
2 - Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas. (…)”
Ou seja, embora a parte não tenha legitimidade para recorrer, porquanto não decaiu na acção, “pode não ser de todo indiferente para a manutenção do resultado expresso através da decisão recorrida o modo como o tribunal a quo a fundamentou se acaso vierem a ser acolhidos pelo tribunal ad quem questões suscitadas pelo recorrente. Neste caso, se porventura fosse vedado ao requerido a possibilidade de promover a ampliação do objecto do recurso, poderia ver-se definitivamente prejudicado num momento em que já não teria capacidade para reagir.”[6]
Ante a percepção deste risco, a lei consagrou esta solução de permitir que, nas contra-alegações, o requerido possa pedir que sejam reapreciados determinados fundamentos da acção.
No presente caso, porém, a sentença foi confirmada, pelo que não cumpre decidir acerca da ampliação do objecto do recurso, que perdeu pertinência, face ao resultado do recurso principal, que improcedeu.
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V – Decisão
Face a todo o exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar totalmente improcedente o presente recurso de apelação interposto por AAA, mantendo integralmente a sentença recorrida.
Decide-se ainda convolar o recurso subordinado em ampliação do objecto do recurso, julgando-a improcedente.
***
Custas do recurso principal a cargo da Apelante.
Custas da ampliação do objecto do recurso a cargo da Apelada.
Registe e notifique.
Lisboa, 15-12-2022
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Albertina Pereira
Leopoldo Soares
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[1] Processo 3098/08.0TTLSB.L1.S1.
[2] Ensino superior público especial.
[3] Universidade Católica e outros estabelecimentos canónicos.
[4] Processo 868/12.8TTVNF.P1.S1
[5]
[6] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pág. 90.