Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21543/17.1T8LSB.L1-7
Relator: DIOGO RAVARA
Descritores: ARRENDAMENTO
MORTE DO LOCATÁRIO
TRANSMISSÃO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: · O regime transitório consagrado no art. 57º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, na redação que lhe foi conferida pela Lei Lei n.º 31/2012 de 14-08, prevê apenas uma transmissão do direito ao arrendamento por morte do arrendatário.
· Se por morte do primitivo arrendatário o direito ao arrendamento já se havia transmitido para a mãe do réu, tal óbito extingui o contrato de arrendamento, por caducidade (art. 1051º, al. d) do Código Civil).
· As normas do art. 57º do NRAU, na redação referida em I- não violam o princípio constitucional da igualdade (art. 13º da CRP).
· Por que ilícita, culposa, e geradora de danos na esfera jurídica do autor, a permanência ilícita do réu depois de caducado o contrato de arrendamento confere àquele o direito a uma indemnização, correspondente ao valor locativo mensal do locado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
A., contribuinte fiscal nº 127... intentou a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra B., contribuinte fiscal nº 122..., formulando os seguintes pedidos:
· declarar-se que o Autor é titular do direito de propriedade sobre a fracção autónoma identificada no artº 1º desta petição;
· declarar-se a caducidade do contrato de arrendamento por morte da locatária, nos termos do disposto na al. d) do art. 1051º do C.C.;
· condenar-se o Réu a devolver ao Autor essa fracção autónoma;
· condenar-se o Réu no pagamento de € 1.200,00 por mês, desde Março de 2017 até efectiva entrega da fracção por ele ocupada, a que deverão acrescer juros de mora contados à taxa legal;
·  (…).”
Para tanto alegou, em síntese, que é proprietário de uma fracção autónoma de edifício constituído em propriedade horizontal; que em 24-07-1954 tal fracção foi dada de arrendamento a AG; e que por falecimento deste o arrendamento se transmitiu para a sua cônjuge, Srª RG, e que em maio de 2017, teve conhecimento do falecimento desta.
Mais sustenta que com o falecimento da arrendatária o contrato de arrendamento caducou, mas que, não obstante o réu, filho da falecida, continua a ocupar o locado, sem qualquer título que o habilite a tal.
Finalmente argumenta que a fração em apreço “tem o valor locativo não inferior a € 1.200,00/mês”.
Citado o réu, o mesmo contestou, invocando as exceções de ilegitimidade ativa e passiva, por o autor ser casado e ele mesmo viver em união de facto, não tendo a ação sido intentada também pela cônjuge do autor, nem haver sido demandada a sua companheira.
Mais sustenta que desde data anterior ao falecimento da sua mãe ocupa a posição de arrendatário da fração dos autos, por ser ele quem desde há mais de 8 anos paga as rendas e vem custeando despesas de reparação do locado.
Mais sustenta que o locado não tem o valor locativo que o autor lhe atribui.
O autor respondeu às exceções, pugnando pela improcedência da exceção de ilegitimidade ativa, e anunciando a intenção de deduzir incidente de intervenção principal passiva, o que veio a fazer, requerendo a intervenção de BB., a fim de a mesma passar a figurar nos presentes autos, na qualidade de ré.
Tal incidente foi admitido, tendo a chamada sido citada como ré, sem que tenha contestado.
Posteriormente foi proferido despacho dispensando a realização de audiência prévia, seguido de despacho saneador, bem como de despachos delimitando o objeto do litígio, e enunciando os temas de prova, agendando a audiência final, e admitindo a prova requerida.
Realizada a audiência final, veio a ser proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Tendo em atenção as considerações expendidas e as normas legais citadas, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:
· Declarar a caducidade do contrato de arrendamento por morte da inquilina RG;
· Declarar que o Autor é o proprietário da fracção autónoma designada pela letra “C” correspondente ao 1.º andar do prédio urbano sito ..., freguesia de Alvalade, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 3... da freguesia de São Sebastião da Pedreira e inscrito na matriz predial urbana de Alvalade sob o artigo ..., e consequentemente condenar o Réu e a Interveniente principal a reconhecerem aquele direito e a restituírem ao Autor, completamente livre e desocupada, a referida fracção;
· Condenar os Réus no pagamento de indemnização pelos prejuízos sofridos - privação de uso – no valor de € 400,00 (quatrocentos Euros) mensais, desde Março de 2017 até à efectiva restituição pelos Réus e entrega ao Autor do local reivindicado, ao que será descontado os valores entretanto pagos pelo Réu e a que acresce juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento.”
Inconformados com tal sentença, vieram os réus interpor recurso, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:

· A douta sentença recorrida não só não fez à adequada e justa ponderação dos factos de acordo com os elementos fornecidos pelo processo como não fez a boa aplicação do direito competente, que imporiam decisão diferente;
· A douta decisão também não cumpre o previsto e estatuído no Nº 1 do Art. 154 Nº 4 do Art. 607, ambos do CPC, mormente porque não esta fundamentada, de facto e, especialmente de direito, sendo tal injunção um imperativo;
· Se é certo que o Tribunal, nos termos do disposto no Art. 608 Nº 5 do CPC é inteiramente livre na apreciação da prova que as partes trazem aos autos, respondendo segundo a sua convicção, acerca de cada facto, tal principio tem excepção em função e consequência da prova tabelada e legal, não olvidando o poder não arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas;
· Mal vai a douta decisão recorrida quando, considerando a matéria de facto dado como provada, ou seja, de que o recorrido «teve conhecimento que a arrendatária tinha falecido em Agosto de 2016» e de que «há mais de oito anos que o R. paga as rendas”, tendo presente processo sido instaurado em 410.2017, não considera encontra-se precludido o prazo de caducidade previsto e estatuído no Nº 1 do Art. 1085 do Cod. Civil, que é de um ano desde que o recorrente alega ter tomado conhecimento do facto que serve de fundamento à sua resolução, para suscitar, como suscita e invoca a resolução do contrato.
· É face à lei em vigor ao tempo em que ocorram os factos fundamentadores da caducidade e não face à lei vigente ao tempo da celebração do contrato que deve ser apreciada aquela;
· Mal vai a douta decisão recorrida quando decidiu como decidiu em sede de transmissão do arrendamento, dado que, não tendo sido dado como provado que à data da aquisição do prédio pelo recorrido, RG não fosse e seja a arrendatária primitiva em relação aos recorrentes, até porque refere expressamente que a mesma era a anterior arrendatária;
· Nada obstaculiza a que, tendo sido dado como provado-que é recorrente que, há mais de oito anos, desde o ano de 2009, que paga as rendas, que o recorrido recebe, habitando o imóvel onde nasceu, foi e está reconhecido, tacitamente, pelo mesmo, que aquele é o arrendatário;
· A declaração de vontade do recorrido, como manifestação tácita do reconhecimento da aceitação do recorrente como arrendatário resulta, concludentemente, da factualidade assente.
· O disposto no Art. 26 do NRAU que regula o regime de transmissão por morte dos contratos de arrendamento habitacionais deve ser conjugado com a disposição transitória prevista no Nº 8 do Art. 14 da Lei 13/2019 que prevê expressamente que nos contratos de arrendamento habitacional cujo arrendatário à data da entrada de vigor desta referida lei, ou seja, 31 de Janeiro de 2018, resida há mais de 20 anos no locado, o senhorio só pode opor-se à renovação ou proceder à denúncia com os fundamentos estabelecidos no Art. 1101 al. b) do Código Civil, o que não é o caso.
· Se não fosse ou seja pela citação para os presentes autos, não saberiam os recorrentes da determinação do recorrido, não havendo assim interpelação para a entrega ou não do imóvel, não alcançam os mesmos, mesmo no âmbito da equidade, quais os critérios seguidos e sua base legal para se apurar que o valor pela alegada não fruição do imóvel se reconduzisse e tivesse como premissa o alegado valor considerado como, locativo de € 400 por mês e não outro.”
O réu apresentou contra-alegações, em cuja motivação pugnou pela improcedência do recurso e consequente confirmação da sentença recorrida.

II- QUESTÕES A DECIDIR
Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do C PC).
Não obstante, está vedado a este Tribunal o conhecimento de questões  que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Assim sendo as questões essenciais a decidir são as seguintes:
· Se a sentença é nula – Conclusão B);
· Se ocorreu a caducidade do direito de fazer cessar o contrato de arrendamento (art. 1085º do CC) - Conclusões D) e E);
· Se o réu deve considerar-se arrendatário do imóvel dos autos, seja por assunção ex novo dessa qualidade, seja por transmissão da mesma – Conclusões F) a I);
· Se é devida a indemnização peticionada pelo autor e como deve a mesma ser calculada – Conclusão J).

III- OS FACTOS
A sentença sob recurso considerou a seguinte factualidade:
Factos provados:
· A aquisição do direito real de propriedade sobre a fracção autónoma designada pela letra “C” correspondente ao 1.º andar do prédio urbano sito ..., freguesia de Alvalade, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... da freguesia de São Sebastião da Pedreira e inscrito na matriz predial urbana de Alvalade sob o artigo ..., encontra-se inscrita, desde 4 de Abril de 1991, na titularidade do Autor A., casado com FH, no regime de separação.
· A referida fracção fora dada de arrendamento pelo primitivo proprietário a AG, em 24 de Julho de 1954, pela renda mensal de Esc. 900,00.
· À data da aquisição do prédio pelo Autor, ocupava a posição de arrendatária RG, mulher do anterior arrendatário, sendo a renda mensal de € 83,15.
· O Autor teve conhecimento que a arrendatária tinha falecido em Agosto de 2016.
· Facto que nunca lhe foi comunicado pelos herdeiros.
· O filho da arrendatária, ora Réu, continua a ocupar o local arrendado.
· A fracção tem 95 m2 de área bruta privativa, é um T5, situada junto à Avenida de Roma.
· A fracção tem o valor patrimonial tributário de € 56.140,00 determinado no ano de 2015.
· O Réu nasceu na fracção e sempre lá viveu.
· Há mais de oito anos que o Réu paga as rendas.

Factos não provados:
· Que o valor locativo da fracção é de € 1.200,00.

IV- OS FACTOS E O DIREITO
Estabelecidas as questões suscitadas na apelação cuja apreciação importará fazer, cumprirá então que sobre elas nos debrucemos, respeitando no seu conhecimento a ordem de precedência lógica.

A – Da nulidade da sentença – Conclusão B);
Sustentou o recorrente que “A douta decisão não cumpre o previsto e estatuído no Art. 154 e nº 4 do Art. 607, ambos do CPC, mormente porque não está fundamentada, de facto e, especialmente de direito, sendo tal injunção um imperativo”.
Não retira o recorrente qualquer consequência desta afirmação; contudo, é sabido que nos termos do disposto no art. 615º, nº nº 1, al. b) é nula a sentença que “não especifique os fundamentos de facto e de direito, que justificam a decisão”.
Muito embora não seja claro que fosse intenção do recorrente invocar esta nulidade, o certo é que correspondendo a mesma a uma consequência possível das suas afirmações, cremos que se impõe verificar se a mesma ocorre.
Nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, al. b) do CPC, a sentença é nula “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Tal vício emerge, pois da violação do dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrado no art. 208º, nº 1 da Constituição da República, e no art. 154º, do CPC.
Estabelece o nº 1 deste último preceito que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”.
E acrescenta o nº 2 do mesmo artigo que “a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.
Esta disposição indicia que o dever de fundamentação das decisões judiciais conhece diferentes graus, consoante o tipo de decisão a proferir e a sua complexidade.
O grau máximo da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais é o que norteia a elaboração de sentença em ação contestada (art. 607º, nºs 3 e 4 do CPC), sendo a lei processual menos exigente no caso das ações não contestadas (vd. art. 567º, nº 3 do CPC), nas decisões relativas aos incidentes da instância e procedimentos cautelares (arts. 295º e 365º, nº 2 do mesmo Código), e nos despachos interlocutórios em que não tenha sido deduzida oposição e a questão a proferir seja manifestamente simples (art. 154º, n.º 2 do CPC).
Não obstante, não será qualquer infração ao dever de fundamentação que configura a nulidade em apreço.
Com efeito, a doutrina e a jurisprudência têm salientado com insistência que tal vício só se verifica em situações de falta absoluta ou total ininteligibilidade da indicação das razões de facto e de Direito que justificam a decisão e não também quando tais razões constem da sentença, mas de tal forma que pela sua insuficiência, laconismo ou mediocridade, se deve considerar a fundamentação deficiente.
Com efeito, já ALBERTO DOS REIS, ensinava que «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.»
Por outro lado, como bem salientou TOMÉ GOMES , «(…) a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adotada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. / A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão7.»
No mesmo sentido se pronunciou o ac. STJ de 26-04-1995 (Raul Mateus), CJ 1995 – II, p. 58, no qual o Supremo sublinhou que “(...) no caso, no aresto em recurso, alinharam-se, de um lado, os fundamentos de facto, e, de outro lado, os fundamentos de direito, nos quais, e em conjunto se baseou a decisão. Isto é tão evidente que uma mera leitura, ainda que oblíqua, de tal acórdão logo mostra que assim é. Se bons, se maus esses fundamentos, isso é outra questão que nesta sede não tem qualquer espécie de relevância.”
Em sintonia com tal entendimento vd. ac. STJ 15-12-2011 (Pereira Rodrigues), p. 2/08.9TTLMG.P1  onde se sustentou que o vício da nulidade da sentença por falta de fundamentação não ocorre em situações de escassez, deficiência, ou implausibilidade das razões de facto e/ou direito indicadas para justificar a decisão, mas apenas quando se verifique uma total falta de motivação que impossibilite o escrutínio das razões que conduziram à decisão proferida a final.
No fundo, como lapidarmente se consignou no sumário do ac. STJ 02-06-2016 (Fernanda Isabel Pereira), p. 781/11.6TBMTJ.L1.S1, “Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento.”
E porque assim é, concluímos, como fez o ac. RL 17-05-2012 (Gilberto Jorge), p. 91/09.9T2MFR.L1-6, em cujo sumário se pode ler que “A não concordância da parte com a subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou com a decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença (…)”.
No caso vertente, resulta do já exposto que o recorrente alegou, na al. B) das suas conclusões, de forma vaga e conclusiva que a sentença recorrida “não está fundamentada de facto e, especialmente de direito”. Esta afirmação corresponde textualmente ao que verteu na motivação do recurso, com uma subtil diferença: aqui afirma o recorrente que a sentença recorrida “não está totalmente fundamentada, de facto e, especialmente de direito”.
Da simples leitura da sentença recorrida decorre que no seu capítulo II-, sob a epígrafe “FUNDAMENTAÇÃO” foram consignados os factos provados e não provados (subcapítulos com as epígrafes “DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA e MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA”), bem como consignada a motivação da decisão sobre matéria de facto (subcapítulo com a epígrafe “FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO), após o que, ao longo de cerca de 11 páginas (no capítulo
Com a epígrafe “ENQUADRAMENTO JURÍDICO”) a Mmª Juíza a quo discorreu sobre o mérito da causa, enunciando as razões de Direito que considerou sustentarem a decisão do pleito.
Nesta conformidade, e recordando também que só a absoluta falta de indicação das razões de facto e/ou de Direito em que a sentença se funda são suscetíveis de configurar a nulidade a que nos vimos reportando, concluímos, sem necessidade de outras considerações, que no caso vertente tal nulidade não se verifica.

B – Da caducidade do direito de fazer cessar o contrato de arrendamento ou invocar a sua cessação (art. 1085º do CC) - Conclusões D) e E);
Sustentou o recorrente, nas als. D) e E) das suas conclusões:
“D)   Mal vai a douta decisão recorrida quando, considerando a matéria de facto dado como provada, ou seja, de que o recorrido «teve conhecimento que a arrendatária tinha falecido em Agosto de 2016» e de que «há mais de oito anos que o R. paga as rendas”, tendo presente processo sido instaurado em 410.2017, não considera encontra-se precludido o prazo de caducidade previsto e estatuído no Nº 1 do Art. 1085 do Cod. Civil, que é de um ano desde que o recorrente alega ter tomado conhecimento do facto que serve de fundamento à sua resolução, para suscitar, como suscita e invoca a resolução do contrato.
E)    É face à lei em vigor ao tempo em que ocorram os factos fundamentadores da caducidade e não face à lei vigente ao tempo da celebração do contrato que deve ser apreciada aquela;”.
O art. 1085º do Código Civil tem por epígrafe “caducidade do direito de resolução, estabelecendo o nº 1 deste preceito que “a resolução (do contrato de arrendamento) “deve operar dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, sob pena de caducidade”.
Estabelece o art. 1079º do CC que o arrendamento urbano cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei.
O acordo das partes acha-se regulado no art. 1082º, a resolução nos arts. 1047º a 1050º e 1083º a 1087º, e a denúncia nos arts. 1099º a 1103º; ao passo que o regime da caducidade consta dos arts. 1051º a 1056º, 1105º a 1107º, e 1131º do mesmo código.
No caso vertente, o autor invocou e exerceu o direito de ver reconhecida judicialmente a cessação do contrato de arrendamento do imóvel, mas o fundamento que invocou para tal cessação foi a caducidade e não a resolução – cfr. art. 12º da petição inicial.
Foi esta a causa de cessação do contrato de arrendamento dos autos verificada na sentença recorrida, como se pode ler na sua fundamentação, máxime a fls. 72 v a 73 v. em capítulo intitulado “Da caducidade do contrato de arrendamento e da restituição do locado”.
Nesta conformidade, não se descortina, nem o recorrente explica, por que razão seria aplicável à situação dos autos a norma do art. 1085º, nº 1 do CC, que rege sobre situações em que é invocada a cessação do contrato de arrendamento fundada na resolução.
Seja como forma, o certo é que esta norma consagra uma causa de caducidade do direito de invocar a cessação do contrato de arrendamento.
Como é sabido, a caducidade constitui uma exceção perentória, cujo conhecimento depende da sua prévia invocação pela parte a quem aproveita, exceto nos casos em que versa sobre direitos indisponíveis – arts. 303º, e 333º do CC, sendo o primeiro aplicável ex vi do nº 2 do segundo.
E, em conformidade com tal norma de natureza substantiva, estatui o art. 579º do CPC que o tribunal (só) “conhece oficiosamente das exceções perentórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado”.
Por outro lado, estatui o art. 573º, nº 1 do CPC que “toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado”. E acrescenta o nº 2 que “Depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes, e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente.”
Trata-se do chamado princípio da concentração da defesa.
Deste princípio decorre que, não tendo o réu e ora recorrente invocado a exceção de caducidade do direito do autor em invocar a caducidade do contrato de arrendamento referente ao imóvel dos presentes autos, ficou precludida a possibilidade de invocar tal meio de defesa em momentos ulteriores do processo.
Neste sentido, sustentando que a falta de invocação, na contestação, da exceção de prescrição na contestação faz precludir a possibilidade de o fazer em momento ulterior do processo, cfr. acs. RL 28-04-2009 (João Aveiro Pereira), p. 10773/2008-1, e RE de 15-12-2016 (Isabel Imaginário), p. 1639/11.4TBTMR.E1.
Não tendo essa exceção sido invocada na contestação, e não se fundando a mesma em factos supervenientes, nem sendo de conhecimento oficioso, não podia o recorrente vir invocá-la pela primeira vez em sede de recurso, nem este Tribunal deve dela tomar conhecimento.
Como salientou o ac. STJ 17-11-2016 (Ana Luísa Geraldes), p. 861/13.3TTVIS.C1.S2, sendo uma exceção que não é de conhecimento oficioso invocada apenas em sede de alegações de recurso, não pode a Relação dela conhecer, por força do já referido princípio da concentração da defesa; e tal modo de proceder não constitui violação do direito de defesa e de acesso aos tribunais consagrado no art. 20º da Constituição da República.
No caso vertente, é manifesto que na contestação o réu e ora recorrente não invocou esta exceção, e que só o fez na motivação de recurso.
Assim sendo, não pode este Tribunal apreciar tal exceção.

C – Da qualidade de arrendatário do imóvel dos autos – Conclusões F) a I);
Nos presentes autos veio o autor alegar ser proprietário de determinado imóvel e invocar a cessação do contrato de arrendamento que celebrou com o primitivo arrendatário e relativamente ao qual a posição de arrendatário se havia transmitido para a mãe do réu, sustentando que o mesmo contrato se extinguiu, por caducidade, com o falecimento da referida senhora.
Pede pois que o Tribunal declare que ele autor é proprietário do mesmo imóvel,  que declare a caducidade do contrato de arrendamento e bem assim que condene o réu a devolver o mesmo imóvel, visto que este ali permanece, recusando-se a desocupá-lo.
Como já se referiu, uma das formas de cessação do contrato de arrendamento é a caducidade (art. 1079º do CC).
Tal caducidade pode verificar-se por morte do locatário (art. 1051º do CC), exceto se ocorrer a transmissão da posição de arrendatário (arts. 1107º e 1113º do CC).
Verificando-se a caducidade do contrato, caso o locado se mostre ilegitimamente ocupado por terceiro, pode o senhorio que seja proprietário do mesmo intentar ação de reivindicação, nos termos previstos no art. 1311º do CC.
Com efeito estabelece o art. 1311º, nº 1 do CC que “o proprietário pode exigir de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.”
O citado preceito tem por epígrafe “acção de reivindicação”, e rege sobre uma forma de tutela judicial do direito de propriedade com raízes na res vindicatio do direito romano justinianeu .
Como salientam PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA  “são dois os pedidos que integram e caracterizam a reivindicação: o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio), por um lado, e a restituição da coisa (condemnatio) por outro. Só através destas duas finalidades, previstas no n.º 1, se preenche o esquema da acção de reivindicação (…)”.
A fisionomia dos dois pedidos típicos desta ação de tradição milenar traduzem igualmente os contornos da sua causa de pedir: Ela será integrada pelos factos que consubstanciam a titularidade do direito de propriedade pelo autor, e a posse ou detenção que o réu exerce sobre a coisa reivindicada.
No caso vertente, o autor cumulou os pedidos típicos da ação de reivindicação com um pedido de declaração expressa da caducidade do contrato de arrendamento que vigorou entre si e a falecida mãe do réu [pedido cuja natureza é de qualificar como simples apreciação, nos termos do art. 10º, nº 3, al. a) do CPC], e com um pedido de condenação do réu a pagar-lhe uma indemnização por ocupação indevida do imóvel dos autos.
No caso em apreço, o Tribunal a quo considerou, na sentença recorrida, que se acha demonstrado que o autor é proprietário do imóvel reivindicado e que o réu não demonstrou ser titular de qualquer direito ou situação jurídica que o habilite a ocupá-lo, razão pela qual o condenou a restituí-lo ao autor.
Mais precisamente, considerou o Tribunal a quo que o contrato de arrendamento foi dado de arrendamento pelo primitivo proprietário a AG, e que por morte deste a posição de arrendatário se transmitiu para RG, mãe do réu; mas que por falecimento desta não ocorreu nova transmissão da posição de arrendatário, antes o contrato se extinguiu por caducidade.
Para tanto discorreu como segue:
“O contrato de arrendamento em litígio foi outorgado em 24 de Julho de 1954 e teve por objecto a fracção autónoma designada pela letra “C” correspondente ao 1.º andar do prédio urbano sito em Lisboa, na Travessa ... e destinava-se a habitação do arrendatário.
Debate-se o Réu que nasceu na fracção e que há mais de oito anos paga as rendas. Tais factos implicam a transmissão do arrendamento?
Como o Regime de Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, entrou em vigor em 15 de Novembro de 1990, trata-se de um contrato de arrendamento celebrado antes da vigência do RAU.
A transmissão, por morte do inquilino, do contrato de arrendamento em litígio é regida pelo Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006 de 27 de Maio, nomeadamente pelas normas transitórias previstas no Capítulo II do Título II para os contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU, em virtude do NRAU ter entrado em vigor em 28 de Junho de 2006, ser aplicável, por força do disposto no seu artigo 59.º, n.º 1, aos contratos de arrendamento subsistentes nesta data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias, ter revogado, através do seu artigo 60.º, n.º 1, expressamente, o RAU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, com todas as alterações subsequentes, salvo nas matérias referidas nos artigos 26.º e 28.º do NRAU, e por nestes artigos do NRAU se prever, expressamente, o regime de transmissão, por morte do inquilino, dos contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU e na vigência deste.
Assim sendo e como o primitivo inquilino, AG faleceu, o mesmo foi transmitido para a sua mulher RG, falecida em Agosto de 2016, por conseguinte na vigência do NRAU, a transmissão do contrato de arrendamento em litígio, por morte do inquilino, rege-se pelas disposições transitórias conjugadas dos artigos 26.º, n.º 2, 27.º, 28.º e 57.º, n.ºs 1 a 4, do NRAU.
Provou-se que o Réu viveu desde sempre com a inquilina RG, no locado.
Mais se provou que o Réu não comunicou a morte de sua mãe.
Estes comprovados factos, à luz das supracitadas normas transitórias do NRAU, são insuficientes para a transmissão para o Réu da posição de inquilino no contrato de arrendamento em litígio.
Na verdade, o artigo 57.º, n.º 1 do NRAU não prevê a transmissão por morte no arrendamento para habitação nos casos de pessoas que vivessem em economia comum há mais de um ano.
Não estando o Réu em nenhuma das situações previstas no artigo 57.º do NRAU caducou o contrato de arrendamento, com a morte da arrendatária, RG.
E, não se tendo transmitido o contrato de arrendamento por morte do inquilino, e não havendo convenção escrita das partes em contrário, por força do disposto na alínea d) do artigo 1051.º do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, o litigado contrato de arrendamento para habitação caducou, em Agosto de 2016, data do falecimento da inquilina RG, por a caducidade constituir causa legal de extinção imediata do contrato de arrendamento e operar ipso jure ou ope legis e, por conseguinte, extinguir o contrato de arrendamento sem necessidade de qualquer declaração das partes ou do tribunal nesse sentido.
(…)”
Idêntica questão foi muito recentemente apreciada por este Tribunal e Secção, no acórdão de 23-10-2018 (Carlos Oliveira), p. 657/14.5TBFUN.L1 (inédito), que o signatário subscreveu na qualidade de adjunto, e cuja argumentação seguiremos muito de perto.
Conforme resulta da factualidade provada, em 1954 o imóvel reivindicado foi dado de arrendamento pelo então proprietário do mesmo a AG.
Resulta igualmente da factualidade provada que AG foi casado com RG, mãe do autor.
Mais se apurou que quando o autor adquiriu o imóvel dos autos a inquilina do mesmo era a senhora RG, mãe do autor, pelo que se conclui que às partes primitivas do contrato sucederam o autor, na qualidade de senhorio,  por efeito da aquisição do locado, nos termos do disposto no art. 1057º do CC; e a mãe do réu, na qualidade de inquilina, por ser a cônjuge sobreviva do primitivo arrendatário.
Não assiste por isso qualquer razão aos recorrentes, quando sustentam que não foi “dado como provado que à data da aquisição do prédio pelo Recorrido, RG não fosse e seja a arrendatária primitiva em relação aos recorrentes”.
Note-se que quanto a esta, muito embora se desconheça a data concreta em que ocorreu a transmissão da posição de arrendatário, a verdade é que quer o Código Civil na sua versão originária, quer o RAU, quer novamente o Código Civil (na sequência da entrada em vigor do NRAU) prevêm a possibilidade de, por morte do inquilino, a posição de arrendatário se transmitir para o/a seu/sua cônjuge sobrevivo/a, ou filhos/as – vd. arts. 1111º do CC (redação anterior ao RAU), 85.º n.º 1 al. a) do RAU, 57 do NRAU (disposição transitória a que aludiremos adiante), e 1106º, nº 1, al. a) do CC (redação revista pelo NRAU).
Posteriormente, em agosto de 2016, também a mãe do réu faleceu, facto que nenhum dos seus herdeiros (aí se incluindo o autor, seu filho) comunicou ao autor.
Ora, relativamente aos descendentes, a solução legal foi diversas vezes alterada.
Com efeito, na redação do CC que antecedeu a entrada em vigor do RAU estabelecia o art. 1111º, nºs 3, al. b) e 4 deste preceito que falecendo o inquilino o arrendamento não caducaria se lhe sobrevivesse cônjuge ou, na falta deste descendentes, pelo que neste caso o arrendamento se transmitiria a estes. Note-se que estas disposições previam expressamente a possibilidade de ocorrerem duas transmissões da posição de arrendatário: a primeira do/a primitivo/a inquilino/a para o/a seu/sua cônjuge sobrevivo/a, e a segunda para o/a descendente/a.
Mais tarde, na vigência do RAU, esta solução manteve-se, agora consagrada no art. 85º, nºs 1 a 3.
Posteriormente, o NRAU veio de novo regular esta matéria de novo no CC, agora no art. 1106º n.º 1 do referido código.
Contudo, esta disposição legal não se aplica ao caso dos autos, visto que o art. 27º do NRAU estabelece expressamente que relativamente aos contratos para fins habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do RAU se aplicam as disposições constantes do Capítulo II do NRAU, aqui se incluindo o art. 57º, que tem por epígrafe “transmissão por morte”.
Porém, relativamente a este, não é aplicável a redação que lhe foi conferida pela Lei nº 13/2019, de 12-02, por a mesma ter sido publicada e entrado em vigor muito depois do decesso da falecida mãe do réu, e posteriormente à propositura da presente ação (que teve lugar em 04-10-2017), sendo certo que das disposições transitórias da Lei 13/2019 não resulta coisa diversa.
Dispunha o art. 57º, nº 1, al. e) do NRAU, na sua versão original (Lei n.º 6/2006), que o arrendamento para habitação não caducava “por morte do primitivo arrendatário” quando a este lhe sobrevivesse: filho maior de idade, que com ele vivesse há mais de um ano, portador de deficiência de grau comprovado de incapacidade superior a 60%”.
Por outro lado, o n.º 4 do mesmo preceito estatuía que a transmissão a favor do filho do primitivo arrendatário verificava-se ainda por morte daquele a quem tivesse sido transmitido o direito ao arrendamento nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 ou nos termos do número anterior.
Neste contexto, o filho do inquilino falecido poderia adquirir a qualidade de arrendatário, quer diretamente, numa primeira transmissão, caso não existissem nenhuma das pessoas identificadas nas alíneas a) a c) do n.º 1 do art. 57º do NRAU (v.g.: cônjuge, unido de facto ou ascendente), que sobre ele tinham preferência legal (Art. 57º n.º 2 do NRAU), quer indiretamente, ou por segunda transmissão, na sequência da morte duma das pessoas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 1 e n.º 3 do Art. 57º.
Contudo, este preceito veio a ser profundamente alterado pela Lei n.º 31/2012 de 14-08, a qual entrou em vigor 90 dias após a sua publicação, isto é, em 14-11-2012.
É particularmente relevante que na nova redação da al. e) do n.º 1 do art. 57º do NRAU desapareceu a menção ao requisito da maioridade do filho. O n.º 2 do art. 57º manteve a sua redação anterior e relativamente aos descendentes, foi aditado um n.º 6, que se aplica ao caso previsto na al. d) do n.º 1, especificando-se que nessa eventualidade (da sobrevivência de filho menor, ou maior até 26 anos com frequência no ensino superior) o contrato ficaria submetido ao NRAU nas condições aí estabelecidas.
Mas a alteração mais significativa reside na supressão da regra do “duplo grau de transmissibilidade do direito ao arrendamento” para os descendentes que anteriormente era estabelecido no n.º 4 do art. 57º do NRAU, pois atualmente tal regra só é aplicável aos ascendentes sobrevivos.
E não obstante a Lei nº 79/2014, de 19-12 tenha alterado novamente este preceito, manteve intocados os traços de regime acima referidos, ou seja, manteve-se a supressão da segunda transmissão do arrendamento.
Neste contexto, e regressando ao caso dos autos, resta concluir que por efeito do falecimento da mãe do réu a posição de arrendatário não se transmitiu para este porque a falecida já tinha sucedido naquela posição ao primitivo arrendatário, seu marido, inexistindo, à data do decesso da mãe do réu, qualquer disposição legal que previsse uma segunda transmissão do contrato.
Poderia contudo objetar-se que tal conclusão conduziria a um tratamento menos favorável que o decorrente da aplicação do art. 1106º n.º 1 al. c) do CC, e como tal implicaria uma violação do princípio da igualdade, consagrado no art. 13º da Constituição da República, na medida em que este permitiria a transmissão do direito ao arrendamento para habitação em caso de morte do arrendatário quando lhe sobreviva “pessoa que com ele vivesse em economia comum há mais de um ano”, só não se aplicando tal regra por se tratar de contrato de arrendamento celebrado em data anterior à entrada em vigor do RAU.
Contudo, cremos que tal entendimento não colhe, porque as duas situações não são iguais, nem sequer equiparáveis.
Com efeito, o art. 1106º do CC, na redação que lhe foi conferida pelo DL n.º 6/2006 de 23/3, e posteriormente alterado pela Lei n.º 31/2012 de 14/8, aplica-se aos contratos de arrendamento mais recentes, os quais foram outorgados num momento em que o arrendamento urbano já não se achava limitado pela rigidez do regime anterior, à luz do qual os contratos de arrendamento urbano, especialmente os destinados para habitação constituíam vínculos rígidos de duração multigeracional.
Nessa medida, a evolução legislativa foi claramente no sentido de aligeirar o rigor e rigidez do regime do arrendamento vinculístico.
É  por isso à luz destas considerações que devemos encarar as regras consagradas no art. 57º do NRAU, as quais visam obviar a uma excessiva prorrogação da vigência dos contratos outorgados antes da entrada em vigor do RAU e do NRAU, reduzindo os casos de transmissão do arrendamento a situações justificadas por especiais razões assistenciais.
No caso vertente, o réu não se enquadra em nenhuma dessas situações, não se descortinando qualquer razão para crer que se encontra em situação semelhante àquela em que se encontraria caso o contrato de arrendamento dos autos tivesse sido celebrado na vigência do RAU.
Basta referir que caso tivesse sido outorgado na vigência do RAU, a renda teria sido fixada de acordo com as regras do mercado, e com toda a certeza não seria de € 83,15, como no caso sucede; o contrato seria outorgado por prazo não superior a 5 anos; e não ficaria sujeito a renovação automática, obrigatória e forçada ….
Estas as razões pelas quais cremos que os diferentes regimes se aplicam a situações diferentes, pelo que as diferenças entre os mesmos não violam o princípio da igualdade, nomeadamente na sua vertente da igualdade material (tratar de forma diferente o que é diferente, na medida dessa diferença).
Neste sentido, cfr. acs. RL 15-12-2011 (Roque Nogueira), p. 129/10.7TBFUN.L1-7; RL 02-05-2013 (Ilídio Sacarrão Martins), p. 5583/07.1TBCSC.L1-8; de 07-11-2013 (Vítor Amaral), p. 1486/10.0TVLSB.L1-6; de 05-12-2013 (Vítor Amaral), p. 546/10.2YXLSB.L1-6, e RL 09-12-2015 (Olindo Geraldes), p. 396/14.7TVLSB-A.L1-2.
Aliás, diga-se, o Tribunal Constitucional teve a oportunidade de apreciar, em sede de fiscalização sucessiva concreta a questão da inconstitucionalidade do art. 57º do NRAU quando aplicável aos contratos celebrados na vigência do RAU, tendo decidido não julgar tal preceito inconstitucional – vd. ac. TC nº 196/2010 (Cura Mariano), p. 1030/09.
Sustentaram contudo os réus e ora recorrentes que o facto de ser o réu quem paga as rendas do locado há mais de oito anos configura um reconhecimento da sua posição jurídica de arrendatário.
Sucede porém que muito embora tenha resultado provado que há mais de oito anos o réu paga as rendas (ponto 10- dos factos provados), não consta da factualidade provada que os recibos sejam emitidos em seu nome, e muito menos que o autor saiba quem vem pagando as rendas.
Ora, como também não se provou de que forma as rendas eram pagas, do facto acima referido só poderia extrair-se alguma conclusão se tal pagamento fosse efetuado por uma forma que implicasse algum tipo de contacto entre autor e réu, ou que permitisse ao autor saber quem estava a pagar as rendas.
Não sendo esse o caso, concluímos que daqui não se pode concluir pelo reconhecimento tácito da qualidade de inquilino, como pretendem os recorrentes.
Termos em que se conclui que o contrato de arrendamento dos autos não se transmitiu para o réu nem este alguma vez ocupou a posição de arrendatário, improcedendo por isso as conclusões F) a I).
Assim sendo, o réu é detentor do locado sem título legítimo oponível ao autor, proprietário do imóvel, razão pela qual inexiste fundamento que obste à procedência do pedido de condenação dos réus a restituí-lo.
D - Da indemnização pela privação do uso do locado – Conclusão J)
Na petição inicial sustentou o autor que o comportamento do ré, decorrente da inobservância da obrigação de restituir o locado o impediu de “obter dele o seu justo rendimento, pelo menos desde março de 2017, uma vez que os herdeiros teriam seis meses para entregar o locado”.
Esta pretensão foi parcialmente acolhida pelo Tribunal a quo que veio a condenar os réus “no pagamento de indemnização pelos prejuízos sofridos – privação de uso – no valor de € 400”.
Tal decisão fundou-se nas seguintes razões de Direito:
 “Do pedido de condenação em indemnização correspondente ao valor locativo:
Dispõe o artigo 1045.º do Código Civil, nos seus números 1 e 2, que se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida; acresce que logo que se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.
Todavia, a restituição da coisa locada findo o contrato constitui uma obrigação do locatário, como decorre do artigo 1038.º, alínea i) do Código Civil - o que é uma consequência da natureza temporária da locação (artigo 1022.º do mesmo Código). A previsão do artigo 1045.º está em correlação com aquela disposição legal, ali se prevendo a indemnização devida pelo locatário se a coisa locada não for restituída logo que finde o contrato - essa indemnização é a devida pelo locatário, por aquele que tinha a obrigação de restituir a coisa findo o contrato.
Ora, no caso que nos ocupa, embora o contrato haja cessado (por caducidade, como vimos), o Réu não é (ou foi) locatário do imóvel.
Não estamos, pois, no âmbito da previsão do artigo 1045.º do Código Civil, nem mesmo por interpretação extensiva a situação dos autos sendo a tal reconduzível.
Como entendido no Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, de 1 de Junho de 2004 (disponível em www.dgsi.pt), “concebendo-se nesse dispositivo legal um caso de indemnização de natureza claramente contratual, o mesmo só poderá ter aplicação quando esteja em causa a falta de restituição da coisa locada, por quem no respectivo contrato, já findo, tinha a posição de locatário, a quem nesse mesmo contrato assumia a posição de locador.
Estando assente no princípio do sinalagma e no equilíbrio das prestações convencionadas, este mesmo dispositivo legal assegura que a manutenção entre as partes de uma situação idêntica à convencionada, continue a proporcionar ao locador, enquanto o objecto do arrendamento lhe não for restituído, aquilo que pelo contrato, já findo, lhe seria devido.
E, pela mesma razão, está excluída a possibilidade da sua aplicação analógica, dada a inexistência de qualquer acordo celebrado com o ocupante ilegítimo”.
No mesmo sentido decidiram o Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, de 6 de Fevereiro de 2007 e o Acórdão do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, de 13 de Novembro de 2007 (disponível em www.dgsi.pt).
 Efectivamente, a razão de ser da norma do artigo 1045.* é a de que o convencionado no contrato terminado continuaria a ser uma referência, baseando-se no pressuposto de que a renda, resultando da auto-regulação das partes, representaria o justo valor do lucro cessante derivado da indisponibilidade da coisa locada.
No caso dos autos, todavia, estamos à margem daquele campo, tendo a responsabilidade do Réu para com o Autor natureza extracontratual.
Pelo que, nada obstaria a que o mesmo fosse condenado no pagamento de uma indemnização pelo atraso na restituição do imóvel com base nas disposições referentes à responsabilidade civil extracontratual, não sendo aplicáveis os valores fixados no artigo 1045.º do Código Civil.
De qualquer modo, atento o preceituado no artigo 1053.º do Código Civil a restituição do prédio só poderia ser exigida passados seis meses sobre o facto que determinara a caducidade, ou seja logo que se completaram seis meses sobre o óbito da arrendatária.
A partir daí, não tendo a fracção sido restituída, é necessário analisar se se encontram reunidos os pressupostos que determinam a obrigação de indemnizar fundada em responsabilidade extracontratual, consoante previsto no artigo 483.º do Código Civil.
Assim, encontramo-nos perante uma acção ilícita do Réu – a retenção da casa contra a vontade do Autor, violando o seu direito de propriedade – acção essa, pelo menos, culposa.
É que, conforme resulta do n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
De acordo com o preceituado nos artigos 562.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil, visa-se, “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, aí se compreendendo, “não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”, sendo a indemnização “fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”, tendo “como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”, devendo o tribunal julgar “equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos.
Ao manter ilicitamente a ocupação do imóvel pertencente ao Autor, face à caducidade do contrato de arrendamento celebrado com o primitivo arrendatário e posteriormente a mãe do Réu, por força do falecimento desta, frustrou o Réu, o direito do Autor de fruir o aludido bem, dele retirando as vantagens e benefícios inerentes, nomeadamente, as rendas advenientes da sua colocação no mercado de arrendamento.
Para tanto, é necessário que o Autor prove a verificação dos prejuízos?
Esta questão pressupõe a ponderação sobre a reparabilidade do dano da privação do uso, cuja solução não tem sido unívoca, quer na doutrina, quer na jurisprudência, com maior incidência a propósito da responsabilidade civil automóvel.
Os mesmos argumentos e valores podem ser aduzidos às situações decorrentes da violação do direito de propriedade e derivadas da prática de facto ilícito.
Na verdade, a clivagem jurisprudencial não se limita à qualificação da natureza do dano de privação do uso, como dano não patrimonial ou patrimonial, posto que mesmo quando se aceita a sua natureza patrimonial, existe divergência.
É que, para uma corrente de opinião, basta, para que seja reparável, a demonstração do não uso do bem atingido, já que a indemnização é quase co-natural a essa mesma privação, defendendo-se que a simples privação do uso é causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que pode servir de base à determinação da indemnização, constituindo ainda a opção pelo não uso uma manifestação dos poderes do proprietário, também afectado pela privação do uso (ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, TEMAS DA RESPONSABILIDADE CIVIL – INDEMNIZAÇÃO DO DANO DA PRIVAÇÃO DO USO, Almedina e também para LUÍS MENEZES LEITÃO, DIREITO DAS OBRIGAÇÕES, Volume I, página 317, o simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano”).
Considerou-se, designadamente, no Acórdão do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, de 12 de Janeiro de 2010 (www.dgsi.pt) que: "O proprietário privado por terceiro do uso de uma coisa tem, por esse simples facto e independentemente da prova cabal da perda de rendimentos que com ela obteria, direito a ser indemnizado por essa privação, indemnização essa a suportar por quem leva a cabo a privação em causa. A privação do uso (...) constitui um dano indemnizável, por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao proprietário optar livremente entre utilizá-lo ou não, porquanto a livre disponibilidade do bem é inerente àquele direito constitucionalmente consagrado (art. 62.° da CRIP)” (em sentido idêntico, Acórdãos do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, de 28 de Maio de 2009, de 28 de Setembro de 2011, de 6 de Maio de 2008 e de 8 de Maio de 2013, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
Para outra corrente, é insuficiente essa demonstração, sendo ainda necessária a prova de um autónomo ou específico dano patrimonial.
Como se defendeu no Acórdão do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, de 18 de Novembro de 2008 que: “A mera privação do uso de um imóvel, decorrente de ocupação ilícita, por ofensiva do direito de propriedade do reivindicante (art° 1305° n°1 do CC), não confere a este, sem mais, direito a indemnização em «quantum» correspondente ao do apurado valor locativo daquele, ou outro, mesmo apelando às regras da equidade, ao autor, antes, sopesados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual que pretende efectivar e o exarado nos artes 342° n°1, 483° n°1, 487°, 562° a 564° e 566°, todos do CC, cumprindo alegar e provar facticidade donde ressaltem danos consectários da mora na restituição da coisa sua pertença”.
Como se defendeu no Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, de 11 de Outubro de 2012, a privação do uso de um bem é susceptível de constituir, por si, dano patrimonial, visto que se traduz na lesão do direito real de propriedade correspondente, assente na exclusão de uma das faculdades que é lícito ao proprietário gozar, de acordo com o preceituado no artigo 1305.° do Código Civil, isto é, o uso e fruição da coisa.
A supressão dessa faculdade, impedindo o proprietário de extrair do bem todas as suas utilidades constitui, juridicamente, um dano que tem uma expressão pecuniária e que, como tal, deverá ser passível de reparação.
Refere-se, no Acórdão do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, de 22 de Janeiro de 2013, “É inquestionável que, enquanto a posse intitulada subsistir, os direitos plenos de uso, fruição e disposição de que o proprietário goza, nos termos do art° 1305° CC, ficam fortemente limitados, não podendo ser exercidos na sua plenitude; e estando demonstrado que os réus tinham plena consciência de que o gozo dos imóveis tinha um determinado valor (tanto assim que, celebrando os contratos de arrendamento, se dispuseram a pagar uma renda), afigura-se justo e razoável quantificar o correspondente dano da privação do uso no valor locativo dos imóveis que o autor logrou provar. Se a lei expressamente reconhece ao senhorio o direito a indemnização pelo atraso na restituição da coisa, findo o contrato, mesmo que em concreto nenhum dano se comprove – art.º 1045° CC - indemnização essa que tem por base o valor da renda estipulada, nenhuma razão se vislumbra para que num caso essencialmente análogo como é o presente não se proceda de igual modo; efectivamente o “atraso na restituição da coisa” é aqui a “ocupação ilícita”, conduta cuja anti juridicidade se apresenta tão ou mais evidente do que naquela disposição legal.”.
Aliás, ainda que se considerasse que seria inaplicável o regime da responsabilidade civil, por inexistência, em concreto, de um dano reparável inerente à privação do uso – o que se não entende – ainda assim se justificaria o apelo ao instituto do enriquecimento sem causa, na esteira dos Acórdãos do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, de 23 de Março de 1999 e de 26 de Maio de 2009.
No caso dos autos, ficou provado que o Réu deixou de ter título que legitimasse a sua permanência no imóvel pertencente ao Autor, assim o impedindo de extrair do bem todas as suas utilidades.
Posto isto, não restam dúvidas que o Réu deve ressarcir o Autor, pelo impedimento que este teve de fruir do imóvel.
Resta apenas apurar qual o montante da indemnização devida.
O Autor não logrou fazer prova do valor locativo da fracção, mas ficou provado que o imóvel é uma fracção com uma área bruta privativa de 95 m2, tipologia T5, situado junto da Avenida de Roma.
Também ficou provado que a fracção tem o valor patrimonial tributário de € 56.140,00 determinado no ano de 2015.
Como já ficou acima referido, nos termos do artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil, “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
Sempre que a lei determina que o caso concreto seja resolvido, segundo a equidade, pressupõe, necessariamente, que o julgador não está, nesses casos, subordinado aos critérios normativos fixados na lei, mas antes a razões de conveniência, oportunidade, principalmente de justiça concreta, em que a equidade se funda”.
Com efeito, o comando do normativo legal em análise funda-se na consideração da impossibilidade do apuramento e fixação de um valor exacto dos danos a indemnizar, sendo inaplicável quando o dano não foi alegado, nem provado, porquanto os juízos de equidade não suprem a inexistência de factos reveladores do dano ou prejuízo reparável derivado do facto ilícito, «lato sensu», porque o referido suprimento só ocorre em relação ao cálculo do respectivo valor em dinheiro.
Porém, o tribunal não deve poder recorrer a um juízo equitativo, fora dos casos em que a lei o estabelece como regra, como acontece com a hipótese do artigo 494.*, enquanto for possível a fixação do montante da indemnização, nos termos gerais, pois que a disposição do n.* 3, do artigo 566.*, ambos do Código Civil, funda-se em que, para o caso da indemnização em dinheiro, se for impossível a fixação do valor exacto dos danos a indemnizar, esse facto não deve excluir a efectivação do direito de indemnização, que será, então, estabelecido, equitativamente, em face das circunstâncias do caso concreto.
Com efeito, o poder de fixação equitativa do dano não é absoluto, porquanto o tribunal deve ponderar as especificidades do caso concreto e atender ao montante que,  por via de regra, terão atingido, nessas circunstâncias, os danos causados ao lesado, pelo que bem pode acontecer que, não obstante esta latitude de actuação do tribunal, não se hajam obtido elementos para formar o juízo equitativo, com o prudente arbítrio que a lei recomenda.
Neste enquadramento, preceitua o artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.
Deste modo, se a impossibilidade de averiguação do valor real dos danos depende da falta de elementos, sendo certo que ainda não é determinável o seu montante, a opção entre o disposto no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e o artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil, deriva do juízo que, face às circunstâncias concretas, se possa formular sobre a maior ou menor probabilidade da futura determinação de tal valor, consistindo uma hipótese típica dessa não probabilidade a de se não vir a fazer na liquidação a prova do valor exacto do dano, com prevalência da equidade, ou, na hipótese oposta, com preferência da liquidação posterior.
Encontrando-se acertada a existência de um dano indemnizável, mas não o montante exacto do mesmo, a fixação da indemnização, segundo critérios de equidade, só será de excluir se não for possível ao tribunal, por total carência de elementos, determinar os limites dentro dos quais se deve fazer a avaliação, ou seja, quando o tribunal não puder estabelecer o exacto montante do dano, sendo, no entanto, ainda possível que o autor possa avançar com outros elementos para esse fim, isto é, quando não esteja esgotada ou, razoavelmente, seja de prognosticar esse cenário, quanto ao apuramento dos elementos com base nos quais o seu montante haja de ser determinado, remetendo, então, o tribunal o autor para uma liquidação posterior para concretizar, definitivamente, a indemnização.
 Na petição inicial, o Autor pede que o Réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 1.200,00 por mês desde Março de 2017, pela privação do uso da fracção, com base no seu alegado valor locativo, valor esse que o Autor não logrou fazer prova.
No entanto, ficou provado que o imóvel é uma fracção com uma área bruta privativa de 95 m2, tipologia T5, situado junto da Avenida de Roma.
Também ficou provado que a fracção tem o valor patrimonial tributário de € 56.140,00 determinado no ano de 2015.
Ora, face a esses factos dados como provados, julga-se existir elementos suficientes para recorrer-se à equidade para fixação da indemnização pela privação do uso do imóvel.
Assim, é necessário ter em atenção o valor patrimonial tributário atribuído em 2015 que foi fixado em € 56.140,00 (valor bastante baixo para a cidade de Lisboa e o bairro em causa nos autos). É verdade que a lei da procura e oferta nada tem haver com as regras de cálculo do valor patrimonial de um imóvel, mas esse valor patrimonial tributário tem em consideração vários critérios objectivos que auxiliam na sua determinação.
Assim, temos o valor base dos prédios edificados, a área bruta de construção mais a área excedente de implantação, o coeficiente de afectação, o coeficiente de qualidade e conforto e o coeficiente de vetustez.
Esse valor patrimonial tributário é a base de cálculo, caso seja necessário proceder à actualização das rendas, nos termos do NRAU. Assim, os senhorios podem aumentar até 1/15 avos do valor patrimonial do imóvel – este valor não é o da compra da casa, nem da escritura, nem do valor real de mercado, mas sim o determinado pelas Finanças e que também é usado para calcular o IMI.
Sendo certo que este critério não é aplicável directamente no caso dos autos, também é certo que o Autor não logrou fazer prova do valor real de mercado para arrendamento da fracção e nem sequer alegou qual o fim a que se destina a fracção (venda, arrendamento, alojamento local, habitação própria, etc...).
Deste modo, aplicando esse critério, o Tribunal entende fixar o valor locativo da fracção em causa nos autos em € 400,00, o que resulta ser um pouco mais dos € 311,88, que corresponde a 1/15 de € 56.140,00 / 12 meses.
Este valor (€ 400,00) é devido desde Março de 2017 (seis meses após o falecimento da arrendatária e tal como peticionado pelo Autor) até à data da entrega da fracção. A esse valor mensal deverá ser descontado o valor que entretanto o Réu está a pagar.
A esse valor acresce os juros de mora, calculados à taxa legal (4%), que serão devidos desde a citação (sendo certo que o Autor não indica na petição inicial o momento a partir do qual peticiona os juros vencidos e vincendos), nos termos do artigo 805.º, n.º 3 – 2.ª parte, do Código Civil.“.
Concordamos inteiramente com este entendimento, razão pela qual pouco mais nos resta que aderir ao mesmo, confirmando, também nesta parte, a decisão recorrida.
Não obstante, sempre acrescentaremos duas notas adicionais.
A primeira para dizer que ao contrário do sustentado pelos recorrentes, não cremos que no caso se impusesse a demonstração de interpelação dos réus para restituir o imóvel, na medida em que a obrigação de indemnizar resulta da inobservância do ónus de informar o senhorio do falecimento da inquilina do locado, sendo certo que a própria lei fixa o prazo de cumprimento da obrigação de desocupar o locado (art. 1053º do CC).
Nesta medida, a mora não depende de interpelação, porque decorre da inobservância de uma obrigação com prazo certo (art. 805º, nº 2, al. a) do CC).
A segunda nota diz respeito ao montante da indemnização.
Concordando este coletivo de juízes com o critério decisório adotado, importa ainda sublinhar que estando em causa um andar com a tipologia T5, com uma área bruta privativa de 95 m2, e situado na Avenida de Roma, afigura-se inegável que atribuir ao dano da privação do uso deste imóvel o valor mensal de € 400 em caso algum pode ser considerado excessivo.
Aliás arriscaríamos mesmo dizer que caso a fixação do montante deste dano fosse relegada para o competente incidente de liquidação, muito provavelmente o mesmo seria quantificado em montante consideravelmente superior.
Termos em que se conclui pela total improcedência do presente recurso.

V- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o presente recurso parcialmente procedente, e em consequência:
· Não tomar conhecimento do objeto do presente recurso, na parte referente à exceção de caducidade referida nas als. D) e E) das conclusões de recurso.
· No mais, julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
Lisboa, 2 de julho de 2019

Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa