Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3859/18.1T8SNT.L1-8
Relator: ANA PAULA NUNES DUARTE OLIVENÇA
Descritores: IMÓVEL
COMPRA E VENDA
COMODATO
VÍCIOS NA COISA VENDIDA
DIREITOS DO COMODATÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. A responsabilidade extracontratual resulta da violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem.
2. A responsabilidade contratual, embora subordinada aos pressupostos comuns a todas as formas de responsabilidade – acto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano -, resulta da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei.
3. Para se optar por uma ou outra das modalidades da responsabilidade civil é fundamental que o autor tenha alegado factos constitutivos susceptíveis de serem integrados numa ou noutra destas modalidades de responsabilidade civil;
4. À relação estabelecida entre vendedor e comprador, é alheio o comodatário, não podendo este último opôr ao vendedor os direitos que assistem ao comprador, verificados que sejam vícios na coisa vendida.»
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

1.Relatório
AA, viúva, residente na Rua… e,
BB divorciado, residente na Rua …vêm
instaurar e fazer seguir contra,
CC, sociedade comercial por quotas com o NIPC e sede na Rua, a presente Acção Declarativa de Condenação sob a Forma de Processo comum pedindo a condenação da Ré nos seguintes termos:
«a) Pagar ao A., a quantia de €20.110,50 (vinte mil cento e dez euros e cinquenta cêntimos) referente à reparação dos defeitos existentes no imóvel;
b) Condenar-se a pagar o montante de €3.784,05 (três mil setecentos e oitenta e quatro mil euros e cinco cêntimos) referente a danos patrimoniais sofridos pelos Demandantes;
c) Condenar-se a pagar o montante de €6.000,00 (seis mil euros) título de danos morais sofridos pelos Demandantes,
Todos estes valores acrescidos de juros de mora que se vencerem à taxa legal, desde a data de citação dos Demandados até integral pagamento;
d) Custas Judiciais.»
Para tanto alegam, em síntese:
Os Autores são mãe e filho e respectivamente, legítima proprietária e comodatário da fracção autónoma designada pela letra “J” correspondente ao quarto e quinto piso, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua….., concelho de Cascais;
A Ré é uma empresa comercial que se dedica à compra e venda de imóveis, que os adquire, por vezes reabilita, para posteriormente vender;
A Primeira Autora, no ano de 2016, decidiu adquirir um imóvel que pudesse servir às necessidades de espaço do Segundo Autor, já que este aguardava o nascimento de mais um filho pelo que, no terceiro trimestre de 2016, os Autores viram publicitado no site da internet da Agência “ERA –Imobiliária” o imóvel referido, onde era anunciada a venda na modalidade de “Chave na Mão” de um “Duplex” integralmente renovado, com cozinha parcialmente equipado (com micro-ondas, forno e placa eléctrica, estores eléctricos), e uma garagem (com portão eléctrico) na Cave.
Os AA. visitaram o imóvel, e por considerar que servia às suas necessidades após um período de negociações com a Ré, acordaram no preço de compra e data da outorga da escritura de compra e venda e entrega do imóvel;
Em 29 de Setembro de 2016 foi celebrado escritura de compra e venda, tendo nessa data sido entregue as chaves do imóvel à primeira autora;
A autora celebrou em 8 de Outubro de 2016 contrato de comodato com o segundo autor, cedendo-lhe gratuitamente o total uso e fruição do imóvel;
Aquando da compra e venda e celebração do contrato de comodato referente ao imóvel, o segundo autor e a sua companheira residiam em móvel arrendado, tendo denunciado o contrato de arrendamento, que terminaria então no mês de Novembro por forma a dar cumprimento ao prazo de aviso prévio e com a devida calma organizarem as mudanças;
Nos meses de Outubro diligenciou o segundo autor pela contratação dos serviços de água, luz e gás para que no mês de Novembro se mudasse em definitivo para a sua nova residência;
Quando organizava as mudanças, foram detectadas pequenos defeitos desconformidades com o inicialmente anunciado pelo Réu:
-a placa vitrocerâmica, estava partida numa das pontas;
-pelo simples facto de ter accionado o fornecimento de água para o imóvel e sem sequer fazer uso do mesmo, deparou-se com uma inundação na cozinha;
-a pintura do imóvel apresentava deficiências não compatíveis com o natural desgaste,
-existiam sinais de humidade nas paredes contiguas ao exterior;
-os estores, quando accionados, oscilavam fortemente nos corredores;
-a caixilharia apresentava deficiências no encaixe e isolamento já que era visível a entrada de água proveniente das chuvas.
O segundo autor alertou o réu para a existências das referidas desconformidades de imediato e acordaram que seriam efectuadas as reparações e correcções das deficiências observadas e trocado o equipamento danificado;
Nesse intuito e com esse objectivo, entre Outubro e Novembro compareceu no imóvel uma equipa designada pelo Réu, encarregue de proceder à reparação dos defeitos até então encontrados;
O decurso das obras reparação pela equipa contratada pelo Réu foi pautada por sucessivos incumprimentos de horários, faltas, lenta e errónea execução, vendo-se o segundo Autor forçado a adiar os seus planos de mudança para o mês de Dezembro já que não via qualquer evolução nos trabalhos de reparação;
No mês de Dezembro, diligenciaram efectivamente pela mudança;
Frustrando-se, contudo, a plena fruição do imóvel, devido à continuação dos trabalhos de reparação, podendo o segundo autor constatar e observar a falta de rigor e eficácia na execução das reparações que resultou na subsistência e até agravamento dos vícios e das desconformidades iniciais;
O Réu, anuindo sempre à reparação dos danos, continuou recorrendo sempre aos serviços da equipa que teria sido responsável pela remodelação do imóvel e das reparações iniciais, equipa que constantemente incumpria os horários, datas acordadas para se deslocar ao imóvel a fim de fazer as reparações ou quando aí se deslocava não procedia à reparação de forma diligente e eficiente, pelo que os defeitos não só permaneciam, como ainda se agravaram de tal modo que dificultava a instalação no imóvel,
Por fim, ainda com trabalhos por executar, deixaram de aparecer.
O 2º A. viu-se forçado a regressar imóvel que tinha arrendado adiando desocupação do imóvel;
O 2º A. aguardou que a Ré procedesse à reparação dos defeitos do imóvel, que lhe foram reportados em Outubro de 2016 até ao mês de Fevereiro de 2017 o que não veio a suceder.
Devido ao agravamento progressivo dos defeitos o segundo autor decidiu solicitar um diagnóstico imobiliário a fim de ter conhecimento integral das deficiências do imóvel, suportando o custo da realização do mesmo;
O Relatório apontou vários defeitos no imóvel, tendo-se concluído que não era aconselhável a permanência no imóvel até reparação dos mesmos.
Aquando da entregue do imóvel supra citado aos Autores havia sido garantido que o mesmo havia sofrido extensa e total remodelação, não só de paredes e pavimentos como das canalizações, redes de escoamento, de esgotos e eléctricas e que por se tratar de um imóvel “chave na mão” se encontrava pronto a habitar.
O Réu demonstrou sempre total disponibilidade para diligenciar no sentido das reparações necessárias e de assumir a sua responsabilidade, mas com o recurso ao serviço da equipa que alegadamente havia remodelado o imóvel e intervencionado aquando da descoberta e denuncia das desconformidades iniciais ao que o segundo autor não acedeu.
O Réu não disponibilizou nem diligenciou pela substituição da equipa nem apresentou qualquer solução ao segundo autor,
Não se opôs quando o segundo autor lhe informou que iria então contratar terceira pessoa para proceder à reparação do imóvel pois não podia mais ficar privado do seu uso.
O segundo autor solicitou então um orçamento para as reparações e bem assim uma peritagem à parte eléctrica, visto que ainda subsistia o curto-circuito no imóvel resultando da mesma que era necessário intervencionar o imóvel na sua totalidade;
Face à ausência de resposta da Ré o segundo autor dá início às obras de eliminação dos defeitos em Março, terminando as mesmas em Maio do ano de 2017, tendo os autores suportado integralmente o custo da mesma, isto é, €20.110.50;
Durante a execução dos trabalhos, o segundo autor teve que permanecer no imóvel locado, incorrendo numa despesa mensal de €400,00;
E bem assim os custos com os serviços de água, luz e gás do imóvel apesar de não lá residir;
O imóvel pelo Réu vendido, seria a casa de morada de família do segundo Autor, sendo que os vícios e defeitos apurados impedia a habitabilidade do imóvel, constituinte um risco à integridade física de quem lá residisse.
De Novembro de 2016 a Maio de 2017 suportou encargos com o arrendamento de uma casa;
A existência dos defeitos e vícios do imóvel causaram ao autor diversos prejuízos financeiros e provocou neles forte desgosto.
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Devidamente citada, a Ré apresentou contestação.
Arguiram a excepção de caducidade do direito dos AA. e admitem que embora só a 1ªAutora tenha outorgado a escritura, desde o início, que foi o 2º Autor, seu filho, a intervir na negociação da compra e venda e no desenrolar posterior das relações.
Mais dizem que os AA. visitaram diversas vezes o imóvel em causa e inspeccionaram-no minuciosamente tendo constatado que se tratava de um imóvel já com alguma idade e tendo tido conhecimento da existência dos “defeitos” que vêm  agora alegar, os quais eram perfeitamente visíveis e mais não são, na sua maioria, mais que pequenas imperfeições.
O legal representante da R., depois de questionado pelos AA., informou que as canalizações e a rede eléctrica não tinham sido intervencionadas e que sendo o imóvel antigo poderiam as mesmas já não estar conformes;
Em face da situação do imóvel, tanto as imperfeições detectadas nas visitas realizadas como o facto de estar em causa um imóvel já com alguma idade em que não se teria intervencionado as canalizações e a rede eléctrica, os AA. exigiram ao legal representante da R. que baixasse o valor de venda do imóvel, ao que este acedeu;
Os AA. ficaram, assim, com uma margem de €60.000,00 para acautelar todas as obras necessárias;
Mesmo que os AA. tivessem, em teoria, direito ao que peticionam, no que não se concede, sempre estariam a agir em abuso de direito;
Os AA. estão a peticionar obras que bem entenderam fazer, e que foram feitas à total revelia da R.;
Não estava em causa a realização de obras urgentes pelo que, os AA. não poderiam ter promovido a realização das obras em causa e consequentemente não podem agora vir exigir o seu pagamento à R.;
No mais defende-se por impugnação.
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Para de aferir da necessidade de realização da audiência prévia, determinou-se a notificação dos autores para responderem à matéria de excepção invocada pela ré, apresentando, se necessário, o requerimento probatório relativamente à resposta à excepção.
Os AA. apresentaram resposta.
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Foi dispensada a audiência prévia.
Foi proferido despacho saneador, fixou-se o objecto do litígio e os temas da prova.
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Realizou-se a audiência final.
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Foi proferida sentença que a final decidiu e pela improcedência da excepção de caducidade e de cujo dispositivo consta:
« III. Dispositivo
Em face do exposto, julga-se a presente acção declarativa de condenação com forma de processo comum parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:
Condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de €7.797,50 pelo custo das obras de reparação necessárias na fracção autónoma de que a autora é proprietária e o autor comodatário.
Condena-se a ré a pagar aos autores, credores solidários, o pagamento da quantia de €246,00 a título de despesas com vistoria do imóvel.
Condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de €2000,00 (dois mil euros) a título de danos morais.
Condena-se a ré a pagar juros de mora à taxa supletiva prevista para as relações civis desde a citação até integral pagamento, contados sobre as quantias atrás referidas.
Absolve-se a ré do demais pedido pelos autores.»
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Não se conformando com a decisão, dela vem recorrer a R., alinhando as seguintes conclusões:
«I. O Autor não era parte no contrato (compra e venda) celebrado com a Ré, pelo que, de acordo com o regime da responsabilidade contratual e, mais em concreto, de acordo com a subespécie da mesma referente à compra e venda de coisa defeituosa, não podia o mesmo exigir da Ré o cumprimento ou indemnização por incumprimento de um contrato do qual não foi parte e com base num direito (propriedade) que também não adquiriu posteriormente.
II. O contrato de comodato entre a Autora e o Autor em nada altera a situação, isto porque o mesmo tem eficácia apenas inter partis, ou seja, o mesmo não tem eficácia perante a Ré que nele não participou.
III. O que acima se disse em nada se altera por o Tribunal a quo ter qualificado a responsabilidade da Ré como tratando‐se de compra e venda de bens de consumo, pois que tal também não permitia ao Tribunal a quo ter condenado no pagamento de qualquer quantia a alguém estranho à relação contratual, como é o Autor.
IV. Pois que, à luz do que dispõe o artigo 2º do Decreto‐Lei nº 24/96, de 31/7 é a Autora, enquanto adquirente do direito de propriedade do imóvel, que se enquadra na definição de CONSUMIDOR, sendo que o Autor não foi parte no contrato de compra e venda, e por conseguinte não se tem, nem se pode ter, por CONSUMIDOR, para efeitos da aplicação da protecção conferida pelo Decreto‐Lei nº 24/96, de 31/7.
V. Assim, é exclusivamente conferida à Autora, designada para o efeito da aplicação daquele regime jurídico, como consumidora, a possibilidade a exercer conforme os direitos aí previstos, conforme resulta do disposto nos artigos 12º, nº 1 (Direito à Reparação dos Danos) e do artigo 13º, alínea a) (Legitimidade activa) do supra citado Decreto‐Lei nº 24/96.
VI. Pelo que, o Tribunal a quo violou o regime da responsabilidade contratual e ainda, e de forma grosseira, o disposto nos artigos 2º, nº 1, 12º, nº 1, 13º, alínea a) do Decreto‐Lei nº 24/96, de 31 de Julho, conforme adiante melhor se demonstrará, impondo‐o que a sentença seja revogada e substituída por outra que absolva a Ré do 1º, 2º e 3º pedidos em que foi condenada (pagar ao segundo Autor: a quantia de €7.797,50 para o ressarcir do custo das obras de reparação, a quantia de €246,00 a título de vistoria do imóvel e por fim da quantia de €2.000,00 a título de danos morais.
VII. Não podia o Tribunal a quo ter condenado no pagamento do custo (€246,00) do diagnóstico ao imóvel solicitado pelo Autor, pois que resulta da matéria dada como provada (atentando‐se nos factos 11., 12., 13., 14., 19. 20., 21., 22., 25., 26., 27., 28., 29., 30., 32) que, no caso, o segundo Autor (comodatário) quer mesmo antes da escritura, quer após, sozinho se apercebeu dos defeitos do imóvel, sendo que a maioria deles era visíveis
(vejam‐se as diversas fotografias que o Autor juntou para evidenciar os defeitos), e que os reportou à Ré solicitando a sua reparação.
VIII. Por outro lado, foi a empresa que o segundo Autor convidou a orçamentar a reparação que identificou os trabalhos a realizar, bem como o seu custo e não a empresa que realizou o diagnóstico imobiliário.
IX. Tudo isto conjugado permite facilmente concluir, em primeiro lugar, que este “diagnóstico imobiliário” foi um acto/despesa totalmente desnecessário e, por último lugar, que nem com um grande esforço de interpretação se pode ter comum uma “despesa necessária para repor a conformidade do bem” porque em nada contribuiu, nem indirectamente para a remoção dos defeitos.
X. Ao enquadrar esta despesa ao abrigo do artigo 4.º, do DL 67/2003, de 08.04, consequentemente condenando a Ré a ressarcir os Autores dessa quantia despendida, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação daquele
preceito legal, enquadrando uma despesa que como é bom de ver não tem cabimento no conceito de despesa necessária para repor a conformidade do bem e violou ainda o previsto no artigo 12.º, n.º 1, do Decreto‐Lei nº 24/96.
XII. Caso o presente recurso não proceda quanto à matéria alegada no ponto III) do presente articulado, o que apenas por mero dever de cautela e de zelo no patrocínio se equaciona, então sempre se terá que considerar que a indemnização arbitrada (€2.000,00) pelos danos morais sofridos pelo segundo Autor (comodatário) é manifestamente desproporcional quer ao tipo de danos considerados, à sua extensão, duração temporal e a culpabilidade da Ré, critérios a que se deve atender quando se fixa, como no caso, uma indemnização com base na equidade (cfr. os artigos 496.º, n.º 3, e 494.º do Código Civil)
XIII. Acresce que tal indemnização é superior ao montante fixado pela jurisprudência em casos similares, sendo que, como é sabido, um dos critérios a atender na fixação de uma indemnização com base na equidade é os valores anteriormente atribuídos por situações similares, por forma a que não seja violado o princípio da igualdade.
XIV. Ora, em face dos factos dados como provados, a situação durou por um curto espaço de tempo, teve uma intensidade reduzida e os únicos danos dados como provados foram o “desânimo e tristeza” sentidos pelo Autor, o que, convenhamos, está no limiar da gravidade prevista no artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil.
XV. Acresce que o Tribunal a quo não teve em consideração os factos dados como provados que diminuem a culpabilidade da Ré (sendo esse, como vimos, um dos critérios previsto no artigo 494.º do Código Civil).
Assim, mais em concreto, não foi tido em devida consideração que a Ré anuiu e promoveu, num primeiro momento, a reparação dos defeitos (cfr. o ponto 33 do elenco de factos dados como provados) e não se opôs, como podia, a que as reparações fossem realizadas diretamente pelo Autor (cfr. os pontos 38 e 39 do elenco de factos dados como provados) e ainda que o preço de venda do imóvel (€150.000,00) foi inferior em mais de €60.000,00 ao preço anunciado e ao preço de mercado para um imóvel semelhante na zona (cfr. os pontos 48 e 49 do elenco de factos dados como provados).
XVI. Termos em que sempre deverá ser reduzido o montante da indemnização atribuída ao Autor por danos não patrimoniais por se considerar a mesma desproporcional.
XVII. Quanto à condenação na obrigação de juros, também andou mal a sentença em recurso, na medida em que não podem ser devidos juros de mora desde a citação em relação aos danos patrimoniais porquanto que o seu montante foi fixado com recurso às regras equidade, o que como é bom de ver impede que se fixem juros desde a citação, antes devendo, apenas, ser fixados juros desde a data da notificação da Sentença.
XVIII. Também não podiam ter sido fixados juros de mora desde a citação em relação ao montante da indemnização referente ao valor da reparação dos defeitos que a Ré foi condenada a pagar ao Autor, pois que,
embora não se refira expressamente na Sentença, o valor pelo qual foi condenada a pagar não teve por base prova do valor concreto dos danos sofridos, mas antes a fixação do seu valor de acordo com as regras equidade
(ou seja, foi fixado o valor do dano de acordo com o previsto no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil).
XIX. Pelo que, também aqui é aplicável o que acima vimos, ou seja, não podia o Tribunal a quo ter condenado no pagamento de juros desde a citação em relação a um montante que fixa de acordo com as regras da equidade.
XX. Acresce ainda que, sendo que os valores em causa fixados de acordo com as regras da equidade estávamos perante montantes ilíquidos, sobre os quais, como é sabido, não se vencem juros de mora até serem liquidados na Sentença, nos termos do previsto no 803.º, 3, do Código Civil, até porque no caso em apreço a fonte da responsabilidade não é a responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco.
XXI. Assim sendo, o tribunal a quo ao ter decidido condenar em juros de mora desde a citação em relação aos montantes acima referidos violou o previsto nos artigos 494.º, 496.º, 566.º, n.º 3, e 806.º, n.º 3, do Código Civil.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Ex.ªs, doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e em consequência deverá a decisão proferida ser revogada e substituída por outra que absolva a Ré de todos os pedidos nos quais foi condenada.
Fazendo‐se desta forma a costumada JUSTIÇA!!!»                       
*
Pelos AA. foram apresentadas contra-alegações, tendo concluído como segue:
«1. Salvaguardando, sempre com o devido respeito por opinião contrária, entende-se não assistir qualquer razão à Recorrente em nenhuma das questões por eles suscitadas e segmentos impugnados.
2. Na verdade, a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer crítica pelos motivos aduzidos pelos Recorrentes, sendo certo que a respectiva decisão se mostra correcta e amplamente fundamentada.
3. De facto, o Tribunal recorrido apreciou devidamente os factos, tendo-os subsumido à prova realizada em audiência de julgamento, bem como ao Direito foi aplicado de forma exemplar, refletindo ainda um apurado rigor técnico-jurídico e uma enorme preocupação na aplicação criteriosa do direito ao caso concreto.
4. Pelo que, com a devida vénia, aqui se dá como integralmente reproduzida a Sentença em análise.
5. Não obstante, e porque o dever de patrocínio assim o exige, importa oferecer as seguintes considerações.
6. A factualidade descrita e considerada provada pelo tribunal a quo foi construída nos termos legais, previstos no n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, e alicerçada nas regras de experiência e na livre convicção do Meritíssimo Tribunal.
7. Os factos dados como provados encontram-se amplamente demonstrados, quer documentalmente quer testemunhalmente, não subsistindo quaisquer dúvidas de que os mesmos ocorreram, a causa e as consequências dos mesmos.
8. A douta decisão de primeira instância encontra-se muitíssimo bem fundamentada, tanto de facto como de direito, no que é a indicação dos factos provados, não provados, exame crítico das provas, processo de formação da convicção, a valorização dos diversos elementos probatórios alicerçada nas regras da experiência e adequados juízos de normalidade e não em presunções legais, não se perfilando a violação de qualquer regra lógica ou ensinamento da experiência comum.
9. Sendo correcto o enquadramento legal dado aos mesmos.
10. De facto, e como de resto aceitam a recorrente, a responsabilidade dos recorrentes enquadra-se na Lei da Defesa do Consumidor.
11. Como ensina o STJ em acórdão proferido no processo 1594/14.9TJVNF.2G1.S2 “É consumidor aquele que adquirir bens ou serviços para satisfação de necessidades pessoais e familiares (uso privado) e para outros fins que não se integrem numa actividade económica levada a cabo de forma continuada, regular e estável. 4. O conceito tem assim subjacente a necessidade de protecção da parte débil economicamente ou menos preparada tecnicamente.”» (in www.dgsi.pt).
12. Desde logo resulta como provado e aceite e aqui inquestionado pela Ré que “A Primeira Autora, no ano de 2016, decidiu adquirir um imóvel que pudesse servir às necessidades de espaço do Segundo Autor, já que este aguardava o nascimento de mais um filho.”
13. Facto que era do conhecimento da Ré e bem assim que toda a relação negocial e após a celebração da escritura foi sempre feita entre a Ré e o segundo autor, pois o bem em transacção seria para ele e para o seu agregado familiar.
14. Naturalmente, e apesar de o contrato de compra e venda se ter celebrado entre a primeira Autora e a Ré, o bem visava servir os interesses do segundo autor: que foi quem visitou o imóvel e o escolheu para sua residência, tendo a primeira autora apenas suportado o custo da sua compra! E nesse acto esgotado a sua intervenção e recursos financeiros, restando ao
segundo autor custear as reparações que pela Ré não foram feitas.
15. Nem a primeira autora nem o segundo autor se dedicam à compra para revenda de imóveis; nem se tratou a compra deste imóvel de um projecto de investimento! O mesmo foi adquirido para servir os interesses de uma família em expansão – a família do segundo autor.
16. Regressando aos ensinamentos do STJ, no douto acórdão já indicado: Em face destas definições, afigura-se-nos que estamos na presença de um conceito de consumidor em sentido estrito, sendo dois os elementos que delimitam a respetiva noção: o elemento relacional (sujeito de uma relação jurídica de consumo) e o elemento teleológico (aquisição de bens ou serviços para fins não profissionais).
Na jurisprudência, adotando o mesmo conceito restrito, vem-se entendendo que «O conceito de consumidor constante da fundamentação do AUJ, ou seja, de utilizador final, com o significado comum do termo, que utiliza os andares para seu uso próprio e não com escopo de revenda, corresponde ao conceito restrito adotado pelo ordenamento jurídico português.»
Concluímos – agora com mais propriedade – que a norma em causa deve considerar-se como tendo o seu campo de aplicação restrito aos consumidores ou, precisando, aos promitentes-compradores não profissionais ou comerciais, sendo este o seu campo material de aplicação.”
17. A qualidade de consumidor advém não da posição contratual mas da finalidade do bem.
18. Como sublinha Calvão da Silva, tem subjacente a "ideia básica do consumidor como parte fraca, leiga, profana, a parte débil economicamente ou menos preparada tecnicamente de uma relação de consumo concluída com um contraente profissional, uma empresa.
19. a ratio do direito do consumo repousa na assimetria formação-informação-poder, com desvantagem para o consumidor; a sua aplicação não pode nem deve conduzir à protecção especial de (…) alguém que, conquanto formalmente actue in casu na veste de consumidor, materialmente seja pessoa dotada de competência técnico-profissional".
20. Nessa senda este é tanto quanto a primeira autora consumidor, devendo o mesmo ser ressarcido dos danos que teve de suportar.
21. Assim, considerando que é aceite pelos recorrentes que se encontra preenchidos os demais requisitos que compõem a lei da defesa dos consumidores.
22. Não obstante, por força do disposto no artigo 493.º n.º 1 do Código Civil, recairia sempre nestes a obrigação de indemnizar os autores.
23. A respeito, dispõe o artigo 564.º que “O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”.
24. Mais estatuindo no seu número 2 que “Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.”
25. Face à prova produzida e ao supra alegado, não resultaria possível outra condenação que não à que chegou o tribunal a quo, isto é, de relegar para incidente de liquidação, sujeito a prova, a quantificação da indeminização pelos danos patrimoniais.
26. Assistindo igualmente aos autores o direito de serem indemnizados pelos danos não patrimoniais, nos termos do artº 496º nº1 do Código Civil.
27. Danos esses que, pela própria natureza das coisas só poderá consistir em facultar um substituto pecuniário,
28. Assim, segundo critérios de equidade, em que haverá de atender: “(…)ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e titular da indemnização; às flutuações do valor da moeda, etc (…) deve ser proporcionado à gravidade do dano tomando em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”; (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I volume, Coimbra Editora, 1987, pág. 501) devem ser calculados os danos não patrimoniais.
29. Ora, olhando aos danos não patrimoniais que sofreram os autores pela actuação da Ré e bem assim as suas características e condições pessoais, a compensação só poderá pecar por defeito.
30. Ora, se a casa de cada um é o seu reduto inviolável, qualquer dano que afecte essa comodidade dos seus donos/comodatários, no seu reduto, com a gravidade com que afectou os autores, bem se compreenderá a gravidade do dano moral e a magreza de qualquer compensação fixada.
31. Pelo que, por improcederem de facto e de direito as conclusões a que chegaram os Recorrentes, deve, pois, sem qualquer margem para dúvidas, ser mantida a decisão do tribunal a quo.
32. Não devem por tudo o exposto merecer provimento as conclusões formuladas pelos recorrentes.
V. Venerandos, porém, julgarão com a habitual JUSTIÇA!»
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O recurso foi admitido em 1ª instância, e mostrando-se cumpridos os vistos legais, cabe apreciar e decidir.
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2. Objecto do recurso e questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art.ºs 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº 3 do mesmo Código).
No caso, as questões que importa decidir são as seguintes:
a) Se em face da causa de pedir poderá a Ré ser condenada a pagar ao Autor na qualidade de comodatário, indemnização pelos danos sofridos em face da alegada venda de coisa defeituosa ao comodante;
b) Decidida positivamente a precedente questão, cumpre decidir da medida da indemnização.
3. Fundamentação de Facto
Não tendo sido impugnada a matéria de facto fixada em 1ª instância, a seguir se elencará na forma tomada nessa sede:
«1. Os Autores são mãe e filho e respectivamente, legítima proprietária e comodatário da fracção autónoma designada pela letra “…” correspondente quarto e quinto piso, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …..
2. A Ré é uma empresa comercial que se dedica à compra e venda de imóveis, para posteriormente vender.
3. A Primeira Autora, no ano de 2016, decidiu adquirir um imóvel que pudesse servir às necessidades de espaço do Segundo Autor, já que este aguardava o nascimento de mais um filho.
4. Assim, em data que agora não pode precisar, mas certamente no terceiro trimestre de 2016, os Autores viram publicitado no site da internet da Agência “ERA Imobiliária” o imóvel descrito em 1.
5. Após um período de negociações entre Autores e Réu, acordaram no preço de compra e data da outorga da escritura de compra e venda e entrega do imóvel.
6. Em 29 de Setembro de 2016 foi celebrado escritura de compra e venda, tendo nessa data sido entregue as chaves do imóvel.
7. Foi anunciado a intervenção nos equipamentos sanitários e de cozinha.
8. A primeira autora celebrou em 8 de Outubro de 2016 contrato de comodato com o segundo autor, cedendo-lhe gratuitamente o total uso e fruição do imóvel.
9. Aquando da compra e venda e celebração do contrato de comodato o segundo autor e sua companheira residiam em imóvel arrendado.
10. No mês de Outubro diligenciou o segundo autor pela contratação dos serviços de água, luz e gás para que no mês de novembro se mudasse em definitivo para a sua nova residência.
11. Aquando da visita do segundo autor e companheira ao imóvel, verificaram que a placa vitrocerâmica/indução existente na cozinha estava partida numa das pontas,
12. Existiam sinais de humidade nas paredes contíguas ao exterior,
13. Os estores, quando accionados, oscilavam fortemente nos corredores,
14. A caixilharia apresentava deficiências no encaixe e isolamento já que era visível a entrada de água proveniente das chuvas.
15. A pintura do imóvel apresentava manchas,
16. De imediato o segundo autor alertou o réu para a existências das referidas desconformidades e acordaram que seriam efectuadas as reparações e correcções das deficiências observadas e trocado o equipamento danificado.
17. Nesse intuito e com esse objectivo, entre Outubro e Novembro compareceu no imóvel uma equipa designada pelo Réu, encarregue de proceder à reparação dos defeitos até então encontrados.
18. A equipa procedeu a reparação não concretamente apurada dos defeitos denunciados.
19. Não foi substituída a placa de vitrocerâmica.
20. A casa de banho do primeiro piso, que havia sido, entretanto, reparada pela referida equipa, já que a mesma não tinha água quente,
21. voltou a estar inutilizada pois a abertura da torneira do lavatório provocava o acionamento ininterrupto da torneira do poliban – causando um jacto de água.
22. As torneiras de segurança da casa de banho estavam totalmente tapadas e inutilizadas (por terem sido partidas),
23. não sendo conhecida por quem fez a obra a sua localização.
24. O que implicou que o autor tivesse que desligar a água para todo o imóvel, para evitar perdas de água e inundações.
25. Na casa de banho do piso térreo, a utilização por mais de dois minutos do chuveiro provocava de imediato uma inundação no poliban devido ao deficiente escoamento de águas,
26. com apenas 10 dias de utilização a sanita da casa de banho do piso térreo inundou.
27. Já após ter sido intervencionadas todas as janelas e corrigidas a deficiências no isolamento das caixilharias e encaixe dos estores, em data não concretamente apurada, mas que coincidiu com um período de fortes aguaceiros no mês de Dezembro,
28. as águas tornaram a entrar no imóvel pelas janelas,
29. tendo os estores saído novamente dos corredores.
30. Verificando igualmente o autor um permanente curto circuito no imóvel, com contínuos “disparos” do quadro,
31. ficando o autor privado de energia eléctrica pois sempre que tentava religar a luz no quadro geral, o mesmo voltava a desligar quase de imediato.
32. Todas estas ocorrências e desconformidades tiveram lugar após a intervenção inicial da ré e foram imediatamente reportadas a este.
33. O Réu anuindo sempre à reparação dos danos, continuou recorrendo sempre aos serviços da equipa que teria sido responsável pela remodelação do imóvel e das reparações inicias.
34. Equipa que sucessivamente não cumpria com as horas acordadas para se deslocar ao imóvel para fazer as reparações.
35. Entretanto, o segundo autor solicitou um diagnóstico imobiliário que o informou das seguintes deficiências:
- Deficiências na pintura de todo o imóvel;
- Humidade e colónias biológicas nas paredes contiguas às paredes exteriores, provenientes de deficiente isolamento exterior;
- Ausência de isolamento do terraço;
- Deficiências no Isolamento das Portas e portadas dos quartos;
- Deficiências na instalação de Janelas, Estores e Caixilharia;
- Deficiências nas canalizações, rede de escoamento de águas nas casas de banho;
- Deficiências no isolamento das áreas de duche nas casas de banho;
- Errónea colocação dos resguardos de duche;
- Placa de indução partida;
- Ausência de certificado de Garantia dos Electrodomésticos e do Portão da Garagem;
- Deficiências na rede eléctrica, possíveis de causar curtos circuitos;
- Deficiências no Isolamento chaminé.
36. O autor solicitou à ré a substituição da pessoa encarregue para proceder à reparação,
37. A Ré não disponibilizou nem diligenciou pela sua substituição nem apresentou qualquer solução ao autor,
38. O autor informou a ré que iria contratar terceira pessoa para proceder à reparação do imóvel.
39. O gerente da Ré não manifestou oposição.
40. O autor apurou a necessidade de reparar a parte eléctrica do imóvel visto que ainda subsistia o curto-circuito no imóvel.
41. O autor dá início às obras de eliminação dos defeitos em Fevereiro/Março2017, terminando as mesmas em Maio do ano de 2017.
42. O imóvel adquirido pela autora à ré seria a casa de morada de família do autor,
43. onde iria receber os seus filhos, passar a pernoitar, tomar as refeições, receber familiares e amigos e instalar a sua economia doméstica.
44. O segundo autor viveu período de desânimo, tristeza por tudo o que se passou até ao terminus das obras.
45. Por carta datada de 14.7.2017 recebida em 25.08.2017 pela ré, a mandatária do autor reclamou da ré o pagamento da quantia de €16728,00 referente a danos patrimoniais relativos à reparação dos defeitos para assegurar a habitabilidade do imóvel e não patrimoniais e ainda solicitou o levantamento de todos os defeitos remanescentes e proceder às obras de reparação dos mesmos no prazo de 15 dias após vistoria.
46. Os trabalhos de reparação foram executados a pedido dos autores por Acácio Barreto.
47. Os autores pagaram quantia não concretamente apurada pelos trabalhos de reparação que foram executados.
48. Na sequência de negociações, o imóvel inicialmente anunciado pelo preço de €210.000,00 foi reduzido para €150.000,00.
49. O preço de venda de um imóvel totalmente remodelado na mesma zona é superior a €210.000,00.
50. O Diagnóstico imobiliário teve o custo de €246,00.
51. Para reparação dos defeitos denunciados de carpintaria e caixilharia, pintura, cerâmica, trabalhos de especialidade (electricidade e canalização) estima-se o valor médio de €7.797,50 (sem IVA).»

Enquanto matéria não provada ficou fixada a seguinte:
«a) No anúncio ERA foi anunciado a venda na modalidade de “Chave na Mão” de um “Duplex” integralmente renovado, com cozinha parcialmente equipado (com micro-ondas, forno e placa eléctrica, estores eléctricos), e uma garagem (com portão eléctrico) na Cave.
b) Foi anunciado que o imóvel apesar de ser em segunda mão havia sido totalmente intervencionado com alteração de canalização, redes de escoamento e esgotos, instalação eléctrica, estores e caixilharia, pavimentos, revestimentos, isolamento exterior, pintura de interiores.
c) Pelo simples facto de ter accionado o fornecimento de água para o imóvel e sem sequer fazer uso do mesmo, deparou-se com uma inundação na cozinha.
d) Pelo atraso na reparação, o autor adiou os planos de mudança para Dezembro.
e) Foram utilizadas tintas de pouca qualidade nos trabalhos de pintura,
f) Só em Dezembro o segundo autor e companheira tenham feito a mudança de casa.
g) Aquando da entregue do imóvel supra citado aos Autores havia lhe sido garantido que o mesmo havia sofrido extensa e total remodelação.
h) Não só de paredes e pavimentos como das canalizações, redes de escoamento, de esgotos e eléctricas.
i) E que o mesmo por se tratar de um imóvel “chave na mão” se encontrava pronto a habitar.
j) O autor telefonicamente interpelou o gerente da ré no sentido de o informar do que havia sido apurado no diagnóstico imobiliário e a fim de acertar com este a sua reparação.
k) Tendo nos contactos estabelecidos, o Réu demonstrado sempre total disponibilidade para diligenciar no sentido das reparações necessárias e de assumir a sua responsabilidade.
l) Mas com o recurso ao serviço da equipa que alegadamente havia remodelado o imóvel e intervencionado aquando da descoberta e denuncia das desconformidades iniciais.
m) Ao que o segundo autor não acedeu.
n) Já que, sem qualquer explicação e a meio de um serviço de reparação, o referido técnico havia abandonado a obra e o imóvel não mais regressando.
o) Tendo os autores suportado integralmente o custo da mesma, isto é, €20.110,50 (vinte mil cento e dez euros e cinquenta cêntimos) (Cf. Doc. 9, que ora se junta).
p) Durante a execução dos trabalhos, o segundo autor teve que permanecer no imóvel locado, incorrendo numa despesa mensal de €400,00 (quatrocentos euros) bem assim os custos com os serviços de água, luz e gás do imóvel descrito em 1, apesar de não lá residir.
q) O imóvel foi vendido como se de novo se tratasse.
r) Em virtude dos defeitos do imóvel, os autores incorreram em com
Custo das Obras de eliminação dos defeitos: €20.110,50;
Encargos com o arrendamento de uma casa: €3.200,00;
Água, Luz e Gás referentes a um imóvel que não podia habitar: €338,05.
s) Os autores tinham conhecimento dos defeitos existentes no imóvel e que as canalizações e rede eléctrica não tinham sido intervencionadas e daí a redução do preço da compra por exigência dos Autores.
t) Os autores sabiam que a ré tinha adquirido o imóvel numa venda judicial não tendo contacto com o anterior proprietário.»
*
4. Fundamentação de Direito:
Antes de mais, cumpre apreciar se, poderia a Ré ser condenada a pagar ao 2º Autor que tem a qualidade de comodatário, indemnização pelos danos sofridos em face da alegada venda de coisa defeituosa ao comodante.
Esta questão terá de ser decidida à luz da causa de pedir alegada pelos AA. e, a este respeito, há-de considerar-se que a causa de pedir -entendendo-se esta como o acto ou facto jurídico concreto donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer- é precisamente, o vício da coisa vendida. Vem alegada, pois, uma venda de coisa defeituosa, a que se aplica o regime dos art.ºs 913º e ss. do CCivil.
O Código Civil, permite ao comprador pedir:
- anulação do contrato, por erro ou dolo (verificados os de um ou outro previstos nos artigos 251º ou 254º), nos termos do artigo 905º;
- indemnização pelo interesse contratual negativo, traduzido no prejuízo que o comprador sofreu pelo facto de ter celebrado o contrato (danos emergentes e lucro cessante, em caso de dolo, e só aqueles, em caso de simples erro não culposo – artigos 908º, 909º e 915º);
- redução do preço, quando as circunstâncias do contrato mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por um preço inferior, nos termos do artigo 911º (cumulável com a indemnização - nº 1 deste preceito, in fine);
- reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a sua substituição, no caso de dolo ou de ignorância culposa do vendedor do vício ou da falta de qualidade da coisa (artigo 914º, 1ª parte), ou, independentemente de culpa ou de erro do vendedor, se este estiver obrigado a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, quer por convenção das partes, quer por força dos usos (artigo 921º, nº 1).
Provado está que o 2º A. não é parte no contrato celebrado com a Ré.
Com efeito, provado ficou, que coexistem nos autos duas relações jurídicas, ambas tendo por objecto o imóvel:
A primeira relação é estabelecida entre a 1ª A. e a Ré, sendo ambos partes num contrato de compra e venda em que a primeira interveio como com compradora e a segunda como vendedora e, uma segunda relação, em que intervieram ambos os Autores, a primeira na qualidade de comodante e o segundo na qualidade de comodatário.
Assentamos, pois, que entre ambos os AA. foi celebrado um contrato de comodato previsto e regulado no 1129.º do C.Civil.
De acordo com tal preceito legal, o comodato trata-se de um «(…) contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir».
Relativamente à capacidade negocial no comodato, trata-se de um acto de administração ordinária para o comodatário e de administração extraordinária para o comodante (entendimento que, não obstante, não é unânime - cfr., a propósito, Júlio Gomes, «Do contrato de Comodato», 17-18).
No que concerne à legitimidade, poderá dar uma coisa em comodato quem dela seja possuidor ou detentor e, bem assim, titular de um direito de gozo sobre a mesma (maxime, o proprietário e o usufrutuário, e até o locatário, mas já não, por exemplo, o depositário ou o mandatário).
Trata-se de um contrato real (quoad constitutionem), já que apenas se completa com a entrega da coisa à contraparte. Trata-se, ainda, de um contrato gratuito, e pode considerar-se um contrato bilateral imperfeito, porquanto, produzindo, a priori, obrigações apenas para o comodatário, pode vir a produzi-las também para o comodante, já que, pode constituir-se o comodante na obrigação de indemnizar o comodatário por prejuízos que, eventualmente, a coisa comodada lhe venha a causar.
O comodato, pressupõe a celebração em benefício do comodatário (no interesse deste, de onde decorre um certo carácter intuitus personae do contrato), devendo incidir sobre coisa certa, seja ela móvel ou imóvel.
Ao comodatário é facultado o mero uso da coisa e quanto ao fim, dispõe o art.º 1131.º à falta de estipulação contratual, pode ele empregá-la em quaisquer fins lícitos, desde que dentro da função normal das coisas de idêntica natureza.
Cabe ao comodatário por via do artigo 1135.º, guardar e conservar a coisa comodada, facultar ao comodante o seu exame, não a empregar em fim diverso daquele a que se destina, não fazer uma utilização imprudente da mesma, tolerar quaisquer benfeitorias que o comodante nela queira realizar, não facultar a terceiro o uso da coisa (salvo autorização do comodante), avisar imediatamente o comodante (logo que disso haja conhecimento) da existência de eventuais vícios na coisa ou de eventual ameaça ou perigo ou do facto de terceiro vir arrogar-se direitos sobre a mesma, desde que o facto seja ignorado pelo comodante, e restituir a coisa uma vez findo o contrato.
Quanto à guarda e conservação, deverá o comodatário zelar pela coisa e até mesmo realizar as benfeitorias necessárias à sua conservação.
O comodante deve abster-se de actos que impeçam ou restrinjam o uso da coisa pelo comodatário, mas não é obrigado a assegurar-lhe esse uso – artigo 1133º, do Código Civil.
A responsabilidade do comodante encontra-se prevista no artigo 1134º, do Código Civil, nos termos do qual «O comodante não responde pelos vícios ou limitação do direito nem pelos vícios da coisa, excepto quando se tiver expressamente responsabilizado ou tiver procedido com dolo.».
O comodatário beneficia, mesmo contra o comodante, dos meios facultados ao possuidor em caso de privação dos seus direitos ou de perturbação no exercício destes (artigos 1276.º ss., aplicáveis por remissão do n.º 2 do artigo 1133.º).
Trata-se de um caso de extensão da tutela possessória a um mero detentor ou possuidor precário, que o comodatário também é.
Vejamos, a esta luz, se ao comodatário -2º Autor-assiste o direito de demandar directamente o vendedor da coisa defeituosa, para dele obter o ressarcimento dos prejuízos que os defeitos alegadamente causaram na sua esfera jurídica.
Os AA., proprietária comodante e comodatário vêm propor a presente acção com fundamento em responsabilidade contratual e, embora tenham alegado serem, respectivamente proprietária e comodatário nos primeiros artigos da petição inicial, seguem alegando indistintamente a sua qualidade de intervenientes no contrato com a Ré vendedora do imóvel em causa, quando é certo que o contrato de compra e venda foi celebrado entre a Autora e a Ré, nele não tendo outorgado o Autor.
Em sede de recurso entende a apelante que, não tendo estabelecido com o 2º Autor qualquer relação, nunca estará obrigado a ressarci-lo de quaisquer despesas que o mesmo haja feito por conta da coisa que lhe foi dada em comodato.
Vejamos, pois, se lhe assiste razão.
Na verdade, a intervenção e relação com a coisa defeituosa do 2º A. estabeleceu-se em momento posterior à do contrato de compra e venda e por via dele. Foi a qualidade de proprietária do bem, resultante do cumprimento do contrato de compra e venda, que permitiu a celebração do contrato de comodato já que, até ao cumprimento de tal contrato, não detinha a 1ª A. qualquer qualidade que lhe permitisse dar em comodato o bem.
É indiferente para o que à decisão importa, a alegação de que o 2º A. interveio na escolha do bem porquanto este sempre se destinaria ao seu uso (e da sua família).
Na sentença recorrida não se distinguiu em momento algum as relações contratuais entre as partes. Na verdade, não levando em conta a circunstância de o 2º A. ser mero comodatário do bem, a suas posições foram tratadas como se ambos tivessem intervindo no contrato de compra e venda na qualidade de compradores o que manifestamente não foi o caso. Apenas a 1ª A. interveio no contrato de compra e venda assumindo a posição de compradora perante a Ré, a vendedora.
Refere-se mesmo, a dado passo «Na verdade, os autores provaram que adquiriram à ré a fracção autónoma em 29.09.2016». Tal afirmação não corresponde à verdade nem resulta dos factos que o mesmo tribunal a quo considerou provados. Veja-se a respeito os pontos de facto provados sob os nºs 1, 2, 8 e 9.
A esta falta de correspondência com a realidade dos factos, não é alheia a infeliz redacção da petição inicial que, após identificar o 2º Autor como comodatário, segue tratando-o como adquirente juntamente com a sua mãe, 1ª A.. Trata-se de exposição da matéria de facto equívoca e contraditória resultante decerto, de se pretender responsabilizar a Ré perante aquele que viria a ser o verdadeiro utilizador da fracção.
É invocada uma relação obrigacional e aventa-se a consequente responsabilidade também de tipo contratual.
Os alegados factos ilícitos e danosos invocados resultam da alegada compra e venda de coisa defeituosa.
A responsabilidade civil comporta a responsabilidade contratual (obrigacional), fundada em violação do contrato (falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, estando em causa a violação de direitos de crédito ou de obrigações em sentido técnico, nelas se incluindo não só os deveres primários de prestação, mas também deveres secundários e pode resultar do não cumprimento de deveres principais/essenciais ou de deveres acessórios/secundários) e a extracontratual (delitual/aquiliana) que emerge não de violação de contratos mas sim da violação de normas que impõem deveres de ordem geral e correlativamente de direitos absolutos do lesado (violação de normas gerais que tutelam interesses alheios, de deveres genéricos de respeito).
O princípio geral da responsabilidade obrigacional, enunciado no art.º 798º, do CC, como na responsabilidade extracontratual (art.º 483º), supõe um ilícito (o incumprimento de obrigação), a culpa, um dano e uma relação causal entre aquele e este, sendo que naquele regime há uma presunção geral de culpa do devedor (nº 1, do art.º 799º) e neste, em regra, tem de ser provada pelo credor da indemnização (nº1, do art.º 487º) (tal como os restantes pressupostos – nº1, do art.º 342º, do CC), embora o legislador tenha estabelecido, em casos de prova difícil, situações de inversão do ónus da prova, em que a responsabilidade continua a depender da culpa do agente, mas essa culpa se presume.
Assim, e sendo o instituto da responsabilidade civil, uma das fontes da obrigação de indemnização, traduz-se na necessidade imposta por lei, a quem causa danos a outrem, de colocar o lesado na situação em que se encontraria se não fosse a lesão.
A responsabilidade extracontratual resulta da violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem.
A responsabilidade contratual, embora subordinada aos pressupostos comuns a todas as formas de responsabilidade – acto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano -, resulta da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei.
Mas, tal como se afirma nos Acórdãos do STJ, de 08.05.2003[3] e de 07.02.2017 (processo nº 4444/03.8TBVIS.C1.S1), ao contrário do que acontece com a responsabilidade extracontratual, que é fonte autónoma da obrigação de indemnizar, a responsabilidade contratual é apenas condição modificativa da obrigação de prestar em obrigação de indemnizar, mas a obrigação é a mesma.
De realçar que a determinação do modelo normativo da responsabilidade é uma questão de qualificação jurídica e, portanto, matéria de direito, de conhecimento oficioso, a cuja indagação, interpretação e aplicação o juiz não está sujeito às respectivas alegações de direito das partes, nos termos do disposto no art.º 5º, nº 3 do CPC. Porém, se não impende sobre o julgador a sujeição às alegações de direito, fica espartilhado pelas suas alegações de facto e, nessa vertente, apenas se mostram vertidos os factos enformadores da responsabilidade contratual.
Na verdade, para optar por uma ou outra das modalidades da responsabilidade civil fundamental se torna, que o autor tenha alegado factos constitutivos susceptíveis de serem integrados numa ou noutra destas modalidades de responsabilidade civil, nada obstando, nestes casos, a que o tribunal possa qualificar a situação sub judice como sendo de responsabilidade contratual mesmo que o autor pugne pela aplicação das regras da responsabilidade extracontratual ou vice versa.
Contrariamente ao que defendem os apelantes, não se vislumbra que a actuação da Ré possa dar lugar à responsabilidade contratual perante o 2º Autor, porquanto da factualidade dada como provada não resulta qualquer obrigação da sua parte para com este que é alheio ao contrato.
Por outro lado, é claro que o A. deduziu a sua pretensão indemnizatória contra a ré com base na responsabilidade civil contratual, alegando, sempre, o contrato de compra e venda e o defeito da coisa vendida.
É claro pois concluir-se, que quando em sede de petição se apela ao regime do contrato de compra e venda da coisa defeituosa, a acção vem proposta sob a égide da responsabilidade contratual a tal não obstando o pedido de ressarcimento em danos não patrimoniais.
Assim sendo, e por ausência de qualquer contrato se há-de concluir que, a Ré não tem qualquer obrigação para com o 2º A. pelo que inexiste de igual modo, o dever de indemnizar.
Cumpre apreciar agora, a condenação da Ré no pagamento aos AA. «credores solidários, o pagamento da quantia de €246,00 a título de despesas com vistoria do imóvel.»
Provou-se a este respeito que «35. Entretanto, o segundo autor solicitou um diagnóstico imobiliário que o informou das seguintes deficiências (…)» e, «50. O Diagnóstico imobiliário teve o custo de €246,00.»
Relativamente ao 2º A. já se afastou a responsabilidade da Ré no pagamento de qualquer quantia a título de indemnização e, na verdade, da factualidade apurada não resulta qualquer intervenção da 1ª A. quer na contratação do serviço de diagnóstico quer no seu pagamento.
Fica por descortinar na sentença apelada a razão da condenação da Ré no pagamento a ambos os AA., de tal quantia.
Anote-se o que se escreve na sentença para fundamentar tal pagamento: « Quanto ao pedido de condenação na quantia de €3.784,05 (três mil setecentos e oitenta e quatro mil euros e cinco cêntimos) referente a danos patrimoniais sofridos pelos Demandantes apenas a quantia de €246,00 paga pelo diagnóstico imobiliário será devida, dado que as relativas ao arrendamento (€3200,00) e consumo de água, luz e gás no valor de €338,05 são despesas que o autor sempre teria ainda que não fosse necessário a realização de obras.
A quantia de €246,00 é devida ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 4.º, do DL 67/2003, de 08.04 dado que o consumidor tem direito a que a falta de conformidade do bem seja reposta sem encargos. A expressão «sem encargos», utilizada no n.º 1, reporta-se às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-de-obra e material (n.º 3, do mesmo artigo).»
Da factualidade dada como provada sequer consta que o pagamento correspondente ao custo da vistoria haja sido efectuado por qualquer dos AA..
Assim, também aqui não se vislumbra preenchidos os pressupostos que determinariam a obrigação indemnizatória por parte da Ré.
É cero que em sede de contra-alegações referem os AA.: «22. Não obstante, por força do disposto no artigo 493.º n.º 1 do Código Civil, recairia sempre nestes a obrigação de indemnizar os autores.»
O art.493º, nº 1, sob a epígrafe «Danos causados por coisas, animais ou actividades»: «1. Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.»
Neste preceito está em causa o dever de vigilância: impõe-se a obrigação de indemnizar terceiros lesados por coisas ou animais àqueles que os tenham em seu poder com o encargo da sua vigilância prevendo-se a presunção de culpa daqueles sobre quem impende o dever de vigilância. Trata-se de disposição legal manifestamente inaplicável ao caso porquanto não se vislumbra que sobre a Ré recaia qualquer obrigação de vigilância sendo certo que o alegado dano não foi ocasionado pela coisa. Entende-se que os AA. apelavam à aplicação ao disposto no art.492º sob a epígrafe «Danos causados por edifícios ou outras obras», porém, também este preceito não tem aqui aplicação. Veja-se o que dispõe o seu nº1: «O proprietário ou possuidor do edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos.». Ora, o que os AA. invocam é o defeito da coisa e, a compra e venda da coisa defeituosa. Também aqui se afasta a aplicação de tal preceito legal porquanto a causa de pedir se alicerça num contrato de compra e venda de uma coisa alegadamente defeituosa e não está em causa qualquer vício de construção ou defeito de conservação da coisa vendida e, neste último caso, sempre a conduta delitual estaria no domínio do contrato de compra e venda ao qual o 2º A. é alheio.
No que diz respeito a danos não patrimoniais alegados pelo 2º Autor (relativamente à 1ª A. nada se apurou), e como defendeu Almeida Costa, «nas hipóteses de concurso das duas variantes da responsabilidade civil, há-de convir-se que cada uma delas, a funcionar isoladamente, esgotaria a protecção que a ordem jurídica pretende dispensar a casos deste tipo. A integração de tais hipóteses num ou noutro esquema – o que equivale à correspondente qualificação como ilícito contratual ou extracontratual – depende, portanto, da perspectiva geral que preside à regulamentação do direito das obrigações. Ora, neste âmbito impera, como não se ignora, o princípio da autonomia privada, segundo o qual compete às partes fixarem a disciplina que deve reger as suas relações com ressalva dos preceitos imperativos. Assim, parece que, perante uma situação concreta, sendo aplicáveis paralelamente as duas espécies de responsabilidade civil, de harmonia com o assinalado princípio, o facto tenha em primeira linha de considerar-se ilícito contratual. Sintetizando: de um prisma dogmático, o regime da responsabilidade contratual consome o da extra-contratual. Nisto se traduz o princípio da consunção». Cfr. Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 5ª ed, 1991, 884.
Assim, e ainda que se considerasse estar-se neste domínio no âmbito da responsabilidade extra-contratual (afastando a consumpção) verificamos que, para integrar a fundamentação de direito respeitante à apreciação dos danos não patrimoniais refere-se na sentença recorrida e para além do mais: «…provou-se que o autor denunciou a existência de defeitos na sua habitação desde momento anterior a Setembro de 2016 (antes da escritura pública) sendo-lhe prometida a reparação em Outubro…». Compulsada a matéria de facto dada como provada -e que não sofreu reclamação- não se vislumbra que o A. tenha procedido a tal denúncia antes da celebração da escritura de compra e venda em que a sua mãe, 1ª Autora, interveio na qualidade de compradora. Veja-se a propósito o que se assenta no ponto 16 dos factos provados por referência ao ponto 11 onde se refere a visita do A. e companheira ao imóvel, mas não especificando a data: «De imediato o segundo autor alertou o Réu para a existência das referidas desconformidades…». Inexiste qualquer facto provado que permita concluir a denúncia de qualquer defeito em data anterior à da celebração da escritura.
Por outro lado, também se anota na fundamentação de direito vertida na sentença que provou-se que «o autor viveu período de desânimo, tristeza por tudo o que se passou até ao terminus das obras em Maio/Junho de 2017. Provou-se que até esta data a placa de vitrocerâmica não foi substituída, o que será também factor de desânimo e tristeza.
Ora, a frustração da expectativa de aquisição de imóvel para acolher a família e o desânimo e tristeza sobrevenientes da circunstância do referido imóvel padecer de defeitos que denunciados não foram reparados, são danos graves, que merecem a tutela do direito e que por isso merecem ser ressarcidos.
Face ao que antecede, consideramos adequado fixar a indemnização por danos não patrimoniais em €2000,00 (mil euros) dado que quanto à autora nenhum dano não patrimonial se apurou que deverão ser entregues ao autor, dado o carácter iminentemente pessoal do pedido indemnizatório.»
Mais uma vez e a este respeito, as circunstâncias apontadas da existência de defeitos denunciados e não reparados estão no âmbito da relação contratual estabelecida entre 1ª A. e Ré sendo esta a titular dos direitos que emergiriam da compra e venda do imóvel de coisa defeituosa, designadamente o direito à indemnização. À relação estabelecida entre os AA. é alheia a Ré não se podendo concluir, em face dos factos provados, a existência do facto ilícito (pressuposto quer da responsabilidade obrigacional quer da responsabilidade extra-obrigacional) gerador da obrigação de indemnizar não se tendo provado que a mesma haja violado qualquer direito absoluto do 1º A. ou que tenha sido em concreto ofendido o interesse tutelado mediante lei destinada a proteger os seus direitos.
Assim e em face de tudo o que se deixou exposto, cumpre, na total procedência da apelação, revogar a sentença recorrida e absolver a R. do pedido.
5. Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes que constituem esta 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o recurso de apelação interposto e, consequentemente, revogar a sentença recorrida, absolvendo a Ré do pedido.
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Custas pelos apelantes.
Notifique e registe.
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Lisboa, 25/5/2023
Ana Paula Nunes Duarte Olivença
Rui Manuel Pinheiro Oliveira
Teresa Prazeres Pais