Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2023/19.7T8VFX.L1-4
Relator: PAULA SANTOS
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
JUSTA CAUSA
DESCRIÇÃO CIRCUNSTANCIADA DOS FACTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/29/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I - Em matéria de cessação de contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, o artigo 395º nº 1do CT não exige uma descrição circunstanciada dos factos, como acontece na nota de culpa, em que é necessário dar a conhecer ao trabalhador todos os factos que lhe são imputáveis, mas apenas uma indicação sucinta dos mesmos. Ainda assim, factos, devendo o trabalhador enunciar, de forma clara e suficiente, os fundamentos da resolução imediata do contrato, por forma a permitir ao empregador percepcionar e avaliar os mesmos e, se necessário, a apreciação judicial da justa causa, que apenas pode atender aos factos descritos na comunicação de resolução. (cfr. art. 398º nº1 e 3 do CT).
II – Não cumpre o disposto no artigo 395º nº1 do CT, o escrito para comunicação da resolução do contrato de trabalho, pelo trabalhador, com justa causa, que não delimita temporalmente os factos, e limita-se a expressar conclusões.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
AAA instaurou a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma de processo comum, contra a BBB de Alverca, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 12.403€, acrescida de juros legais, até ao cumprimento do pagamento.
Alega que
- celebrou com a Ré um contrato de trabalho sem termo, com efeitos a partir de 08 de Março de 2010;
- por carta datada de 12 de Dezembro de 2018, recepcionada pela Ré em 04-01-2019,resolveu tal contrato, invocando justa causa, alegando o total esvaziamento das suas funções, de Supervisora de Turno, atribuição de funções completamente distintas para as quais tinha sido contratada, ameaças constantes de instauração de processos disciplinares, tendo, por fim, sido retirada do seu gabinete e “colocada” na cave do edifício:
- toda esta situação provocou na Autora uma profunda crise de ansiedade, sentindo-se profundamente humilhada, obrigando-a a procurar apoio médico especializado;
- tem direito às remunerações vencidas e vincendas decorrentes da execução e da cessação do contrato de trabalho, à compensação devida pela rescisão do contrato com justa causa, que deve ser fixada em 45 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo de antiguidade.
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Foi realizada audiência de partes, não sendo possível a sua conciliação.
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A Ré contestou, desde logo por excepção, invocando a inexistência de factos que alicercem a justa causa invocada pela Autora, verificando-se a ilicitude do procedimento de resolução.
Impugna os factos alegados pela Autora, concluindo pela inexistência de justa causa para a resolução do contrato.
Deduz pedido reconvencional, pedindo a condenação da Autora a pagar-lhe indemnização no valor de 1.795€, nos termos do disposto nos artigos 399º e 400º do CT.
Conclui pela sua absolvição do pedido, ou por força da excepção peremptória invocada, ou por força da improcedência dos fundamentos alegados pela Autora, e pela procedência do pedido reconvencional.
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A Autora não respondeu à reconvenção.
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Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual foi admitido o pedido reconvencional, foi proferido despacho saneador, o qual conheceu da validade e regularidade da instância, e foi proferida sentença, que decidiu “a) Julgar a presente acção improcedente por não provada absolvendo a ré do pedido contra si formulado.
b) Julgar o pedido reconvencional procedente por provado condenado a autora a pagar à ré a quantia de 1795,00€ (mil, setecentos e noventa e cinco euros) a título de indemnização nos termos do art 401º do Código do Trabalho.
c) Condenar a autora nas custas da acção.”
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Inconformada, a Autora interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que
A- A douta sentença do Tribunal de 1ª Instância é contraditória entre a matéria que o mesmo considera como provada e a decisão que proferiu.
B- De facto, sendo os factos alegados nos autos aceites pelas partes, não se entende como o mesmo considerou a acção improcedente por não provada absolveu a Ré do pedido, julgou o pedido reconvencional procedente e condenou a Autora no pagamento das custas da Acção.
C- Não pode, pois, a Apelante conformar-se com esta decisão, na medida em que a mesma não só resulta de uma interpretação errada do teor da carta enviada pela Autora/ Apelante a Ré, como também da não observância do disposto no artº 395º do Código do Trabalho
D- Pelo que, salvo melhor entendimento andou mal o Tribunal de 1ª Instância, ao decidir como decidiu.
E- Deste modo, impõem-se a revogação da decisão ora recorrida.
Nestes termos e nos demais de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso obter provimento, revogando-se a decisão recorrida por uma outra que considere e tome em linha de conta os factos alegados, nomeadamente os referentes á contradição existente entre os factos aceitas pelas partes e a decisão.
Deste modo deve ser a mesma substituída por uma outra que considere a existência de Justa Causa na rescisão do Contrato de Trabalho por parte da Autora e condene a Ré ao pagamento a esta, da quantia de12.400,00 € ( doze mil e quatrocentos euros) a título de indemnização.”
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A Ré contra-alegou, concluindo nas suas alegações que
A. A. A sentença na o podia ser mais certa, justa e legal;
B. Na comunicação da resolução do contrato, a Autora, não cumpriu com o ónus a que estava obrigada, concretamente, não alegou uma factualidade mínima que permitisse o Tribunal sequer apreciar a justa causa.
C. Ora, de harmonia com o disposto no n.º 1 do art.º 395.º do Código do Trabalho, o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregado, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias ao conhecimento dos factos.
D. O que não se verifica no caso em apreço!
E. E, de acordo com art. 398.º, n.º 3 do CT apenas os factos alegados na comunicação efetuada podem ser considerados na apreciação judicial da ilicitude da resolução.
F. Não constituindo a comunicação da A. qualquer resolução com justa causa, mas uma denuncia do mesmo, sempre teria que ter observado o pré -aviso de 60 dias, porquanto, esteve ao serviço da R. desde 8 de março de 2010 a 4 de janeiro de 2019, tendo por isso a data da resolução do contrato de trabalho, uma antiguidade superior a dois anos.
G. Tal significa que a R. tem direito a receber a quantia importância de 1.795,00 Eur (Rem base mensal 870,00 Eur + Diuturnidades 27,50 x 2) correspondente a retribuição do período de aviso prévio em falta.
H. Salvo melhor opinião, o Tribunal a quo fez uma correta interpretação dos preceitos legais aplicáveis ao caso sub judice, pelo que outra não poderia ser a decisão do tribunal a quo, senão a de considerar que a A. não cumpriu com as formalidades legais a que estava obrigada por força do art. 395.º do Código do Trabalho.
I. Termos em que a decisão do Tribunal a quo não poderia ter sido mais certa, justa e legal, devendo por isso ser confirmada por V. Exas.
NESTES TERMOS, E nos mais de Direito que os Venerandos Juízes Desembargadores, doutamente, suprirão, deverá o presente recurso jurisdicional ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão da primeira instância.”
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A Exma Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal da Relação, emitiu parecer nos seguintes termos
“ (…) A questão colocada é, pois, a de saber se o teor da carta enviada a 12-12-2018 pela A. à R. enuncia, ainda que sucintamente, os factos justificativos da resolução do contrato de trabalho celebrado entre as partes, resolução essa levada a cabo por iniciativa da primeira.
Considerando a opção legal de acrescentar o termo “sucinta” ao termo “indicação”, entende-se que o cumprimento do disposto no artigo 395º se basta com a especificação dos motivos atendíveis, na perspectiva do trabalhador, não recaindo sobre ele o ónus de relatar com minúcia – nessa fase – ocorrências concretamente delimitáveis. Ou seja, apenas uma indicação genérica e/ou sem conteúdo atendível dará azo ao incumprimento do estipulado no preceito legal em questão.
Sob esta perspectiva, a posição assumida pela A. no recurso será de acolher, devendo a sentença recorrida ser revogada, quer na parte da improcedência da acção quer na da procedência da reconvenção.”
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Os autos foram aos vistos à Exma Desembargadora Adjunta.
Cumpre apreciar e decidir
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II – Objecto
Considerando as conclusões apresentadas, cumpre decidir se a sentença é nula por contradição entre os fundamentos e a decisão, e se a carta para resolução do contrato cumpre os requisitos legais.
III – Fundamentação de Facto
São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância
1. A Autora foi, em 8-3-2010, admitida ao serviço da Ré para o exercício das funções de supervisora de turno.
2. Em contrapartida sua prestação laboral a Ré liquidava mensalmente à Autora a retribuição de 870,00€, acrescida, em 2018, de 27,50€ de diuturnidades.
3. Em 12-12-20187 a Autora enviou à Ré um carta na qual referia “Serve a presente para comunicar, nos termos do Artº 394 nºs 2 al) f e nº 3 aI) b a minha decisão de rescindir com justa causa o meu Contrato de Trabalho outorgado com V Exas em 08 de Março de 2010.
 Esta decisão, que como certamente compreenderão, não me foi fácil de tomar, prendesse com a violação grosseira por parte de V. exas., da minha honra e dignidade.
Fui contratada para o exercício de Supervisora de Turno, funções essas que passavam apenas pela orientação e coordenação das ajudantes de Acção directa, supervisionando no terreno e sistematicamente o trabalho das mesmas.
Com o passar do tempo e o estado em que a instituição se encontrava, a essas funções foram sendo incluídas várias outras, nada tendo, contudo, a ver com as quais havia sido contratada. Entretanto, as funções para as quais fora contratada, foram sendo, por ordens superiores, completamente “esvaziadas” tendo inclusivamente, , sido dito pela actual, Direcção que a categoria de Supervisora não existia.
Tentando obter respostas concretas relativamente a problemas vários que iam existindo na Instituição, começou a haver uma total falta de comunicação, não obtendo qualquer resposta a vários e-mails e SMS que ia enviando aos meus superiores hierárquicos, Sra., Vice-Presidente e Presidente da Direcção.
Fui sendo ameaçada de instauração de processo disciplinar por “algo” que nunca me foi explicado, sempre que questionava sobre assuntos que diziam directamente respeito aos utentes, nomeadamente a administração de medicamentação aos mesmos.
Foi-me retirado o gabinete onde exercia as minhas funções, sendo ‘colocada’ na cave do edifício.
Foram-me apresentadas propostas de pagamentos entre os 2 000,00€ e os 4 000,00 euros para que apresentasse o meu pedido de rescisão do Contrato de Trabalho por acordo, ou a Direcção “seria obrigada a despedir-me” .
Obviamente, perante todo este quadro, não posso, porque já não consigo, manter o vínculo contratual que me liga a essa Instituição, motivo pelo qual apresento, reafirmo, a rescisão com justa causa do meu Contrato de Trabalho.”.
4. Terminava solicitando a emissão de certificado de trabalho e o pagamento de créditos emergentes da cessação do contrato e indemnização pela legal.
5. A referida carta foi recepcionada pela Ré a 27-12-2018.
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IV – Enquadramento Jurídico
Pretende a recorrente se considere que resolveu o contrato com justa causa, com as inerentes consequências.
Entendeu a primeira instância que a comunicação levada a efeito pela Autora para resolver o contrato que a vinculava à Ré não contém factos que justifiquem o desiderato pretendido por aquela.
Alega a Autora, em sede recursiva, que ocorre uma contradição entre a matéria provada e a decisão. Embora sem o contextualizar juridicamente, a Autora vem, desta forma, arguir a nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 615º nº1 c) do CPC.
Sem razão, porém.
Os factos que a primeira instância considerou provados são os que resultam do ponto III deste acórdão, entre eles consta o ponto 3 , onde o que resulta provado é que a Autora enviou à Ré uma carta com determinado conteúdo, conteúdo esse que está descrito no ponto 3. Não considerou a primeira instância como provado o conteúdo da carta, nem a Ré admitiu tais factos na contestação.
Portanto, improcede a invocada nulidade.
Vejamos agora se o teor da carta enviada à Ré cumpre os requisitos a que alude a lei para o efeito.
Tem aplicação ao caso o Código do Trabalho de 2009, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 23/2012 de 25 de Junho.
Como se sabe, o contrato de trabalho pode cessar, entre outras causas, por resolução do trabalhador, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 340º, alínea g), e 394º do CT, que, a título exemplificativo, elenca vários comportamentos susceptíveis de constituírem “justa causa” de resolução.
Em termos de procedimento a adoptar pelo trabalhador para a resolução do contrato ocorrendo justa causa, deve o mesmo comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos (cfr. art. 395º nº1 do CT) – “1- O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.”
Daqui resulta que a lei não exige uma descrição circunstanciada dos factos, como acontece na nota de culpa, em que é necessário dar a conhecer ao trabalhador todos os factos que lhe são imputáveis, mas apenas uma indicação sucinta dos mesmos[1]. Ainda assim, factos, devendo o trabalhador enunciar, de forma clara e suficiente, os fundamentos da resolução imediata do contrato, por forma a permitir ao empregador percepcionar e avaliar os mesmos e, se necessário, a apreciação judicial da justa causa, que apenas pode atender aos factos descritos na comunicação de resolução (cfr. art. 398º nº1 e 3 do CT). Isso significa que o trabalhador não pode vir invocar na acção judicial fundamentos fácticos diferentes dos mencionados na carta de resolução, embora não esteja impedido de alegar e provar a ocorrência de factos circunstanciais que, “tendo conexão com os fundamentos sucintamente invocados na carta, se mostrem pertinentes para o tribunal avaliar da gravidade destes e da sua natureza inviabilizadora da manutenção da relação laboral.”[2]
Feitos estes considerandos acerca do regime jurídico aplicável ao caso, analisemos os factos.
A comunicação remetida pela Autora à Ré para resolução do contrato de trabalho em vigor entre ambos tem, para o que ao caso interessa, o seguinte conteúdo: “Serve a presente para comunicar, nos termos do Artº 394 nºs 2 al) f e nº 3 aI) b a minha decisão de rescindir com justa causa o meu Contrato de Trabalho outorgado com V Exas em 08 de Março de 2010.
 Esta decisão, que como certamente compreenderão, não me foi fácil de tomar, prendesse com a violação grosseira por parte de V. exas., da minha honra e dignidade.
Fui contratada para o exercício de Supervisora de Turno, funções essas que passavam apenas pela orientação e coordenação das ajudantes de Acção directa, supervisionando no terreno e sistematicamente o trabalho das mesmas.
Com o passar do tempo e o estado em que a instituição se encontrava, a essas funções foram sendo incluídas várias outras, nada tendo, contudo, a ver com as quais havia sido contratada. Entretanto, as funções para as quais fora contratada, foram sendo, por ordens superiores, completamente “esvaziadas” tendo inclusivamente, , sido dito pela actual, Direcção que a categoria de Supervisora não existia.
Tentando obter respostas concretas relativamente a problemas vários que iam existindo na Instituição, começou a haver uma total falta de comunicação, não obtendo qualquer resposta a vários e-mails e SMS que ia enviando aos meus superiores hierárquicos, Sra., Vice-Presidente e Presidente da Direcção.
Fui sendo ameaçada de instauração de processo disciplinar por “algo” que nunca me foi explicado, sempre que questionava sobre assuntos que diziam directamente respeito aos utentes, nomeadamente a administração de medicamentação aos mesmos.
Foi-me retirado o gabinete onde exercia as minhas funções, sendo ‘colocada’ na cave do edifício.
Foram-me apresentadas propostas de pagamentos entre os 2 000,00€ e os 4 000,00 euros para que apresentasse o meu pedido de rescisão do Contrato de Trabalho por acordo, ou a Direcção “seria obrigada a despedir-me” .
Obviamente, perante todo este quadro, não posso, porque já não consigo, manter o vínculo contratual que me liga a essa Instituição, motivo pelo qual apresento, reafirmo, a rescisão com justa causa do meu Contrato de Trabalho.”
A primeira instância fundamentou a sua decisão da seguinte forma:” A autora começa por referir que resolução decorre da violação grosseira da sua honra e dignidade pela ré (parágrafo segundo).
Depois de descrever as funções para as quais foi contratada (parágrafo terceiro) refere de seguida que a estas foram acrescidas outras que nada tinham a ver com aquelas. Quais as “várias outras” funções que “foram sendo incluídas”, ou quando é que tal sucedeu, é algo que não resulta minimamente referido na sua comunicação.
Refere depois (parágrafo quinto) que as funções para as quais foi contratada “foram sendo completamente esvaziadas” e que lhe terá sido dito que a sua categoria funcional não existia. A afirmação de esvaziamento é conclusiva, nada referindo sobre o modo como, ou o quando, ocorreu tal esvaziamento, sendo que a autora, como já assinalado, nada refere sobre as tais outras funções que foram incluídas.
Refere (parágrafo sexto) que procurava obter resposta para problemas mas que nunca obtinha resposta e que começou “a haver uma total falta de comunicação”, sem contudo concretizar minimamente quais as respostas que procurou, quando as procurou ou sequer quando se iniciou tal falta de comunicação ou em que consistia a mesma (se apenas na não resposta a questões que colocava ou se ausência de instruções necessárias à execução da sua prestação) .
Segue-se (parágrafo sétimo) a alegação de ameaças de procedimento disciplinar, sem, contudo, referir quando as mesmas ocorreram.
Refere (parágrafo oitavo) que foi colocada na cave do edifício sendo retirada do gabinete que ocupava. Nada refere sobre quando tal ocorreu ou quais as diferenças dos espaços que possam configurar uma lesão da sua honra e dignidade enquanto trabalhadora.
Termina referindo (parágrafo nono) que lhe foram apresentadas propostas de pagamento para resolução do contrato por acordo e como alternativa a um despedimento.
O art 395º nº 1 do Código do Trabalho, acima referido, não exige que o trabalhador enuncie os factos que determinam a sua decisão, factos que considera serem justa causa de despedimento, com a circunstanciação que é exigida ao empregador numa nota de culpa ou numa decisão de despedimento -- cfr art 353º nº 1 do Código do Trabalho – mas ao referir uma indicação sucinta não deixa de exigir uma enunciação de factos concretos e claros que permitam aferir da justa causa que invoca.
Tal indicação não pode, salvo melhor opinião, deixar de ser minimamente acompanhada de um enquadramento temporal dos factos, seja de factos instantâneos, seja de factos continuados.
Estas indicações, dos factos e do seu contexto cronológico, afigura-se ser relevante para aferir da justa causa invocada e da tempestividade da sua invocação.
Ora, do enunciado justificativo da resolução do contrato apresentado pela autora na sua comunicação a primeira e global constatação é a total ausência de contextualização temporal das suas alegações.
Estas são globalmente conclusivas ou carecidas de um mínimo de indicação de factos que permitam afirmar a justa causa que alega ou qualquer violação de direito da mesma enquanto trabalhadora. Tendo a mesma uma categoria funcional e sendo devido o respeito da mesma pela ré -- art 118º do Código do Trabalho – a mera alegação de inclusão de outras funções sem qualquer concretização das mesmas é insuficiente para aferir da violação de categoria e da garantia prevista no art 129º nº 1 e) do Código do Trabalho.
A afirmação de esvaziamento de funções é, como já mencionado, uma afirmação conclusiva.
A falta de comunicação não se mostra concretizada para além de uma referência genérica ao envio de correios electrónicos sem menção do seu número ou da data dos mesmos. Em tais termos mostra-se inconclusiva quanto ao impacto que possa ter tido na execução da prestação da autora e designadamente em que medida se revelou lesiva da sua honra e dignidade, enquanto trabalhadora subordinada.
A alegação de ameaça de procedimento disciplinar – este é um direito do empregador indissociável do seu poder de direcção – não se mostra minimamente concretizada quanto ao tempo.
A autora refere que foi sendo ameaçada, mas nada refere quando tal sucedeu ou quantas vezes tal sucedeu de forma permitir considerar a verificação de um comportamento da ré intimidativo ou desestabilizador que possa, eventualmente , configurar uma situação prevista no art 29º do Código do Trabalho ou desrespeito da obrigação prevista no art 127º nº 1 al a) do mesmo diploma.
A alegação de mudança de gabinete é, por si só e nos termos em que teve lugar, insuficiente para poder configurar um comportamento lesivo de garantias legais ou convencionais da trabalhadora ou atentatória da sua dignidade e respeito enquanto tal. A mesma teria de ser acompanhada de uma indicação mínima de factos relativos às condições de um e outro espaço que permitisse aferir da violação dos seus direitos ou garantias, indicação que não tem lugar, nem mesmo através de um juízo valorativo de melhor ou pior em relação a cada um dos espaços, juízo que não pode, sem mais, ser extraído através do piso em que se situam.
A alegação de diligências da ré com vista a uma resolução amigável do contrato – que, como em relação às demais alegações, nada é indicado sobre quando ou quantas vezes tiveram lugar – não se vislumbra que, sem tal indicação mínima de contexto temporal, possa configura qualquer lesão de direito da autora enquanto trabalhadora justificativa de justa causa.
Note-se que, como se tem por decorrer do conhecimento comum, é uma diligência normal das empregadoras quando confrontadas com a necessidade de redução de pessoal procurarem soluções de consenso o que, quando exercida em contexto de boa-fé relacional, se afigura desprovida de qualquer censura .
Concluindo, face aos termos em que a carta de resolução do contrato de trabalho enviada pela autora se mostra redigida não se mostra, ainda que por motivo de ordem procedimental, possível concluir pela licitude da declaração de resolução da trabalhadora/autora.
A não verificação da licitude da declaração não determina a nulidade da declaração, não afectando a cessação do contrato de trabalho com a mesma operada, mas tão só determina que o contrato cessou sem invocação de justa causa pela autora/trabalhador nos termos do art. 400º do Código do Trabalho.
Assim sendo dada a produção imediata de efeitos da resolução quando chegou ao conhecimento da ré (cfr art 224º nº 1 do Código Civil) é manifesta a inobservância do aviso prévio estabelecido no nº 1 do art. 400º o que determina a produção de efeitos constante do art. 401º do Código do Trabalho.”
Não podemos deixar de concordar com estes fundamentos da sentença recorrida. De facto, apesar de a lei impor uma alegação sucinta dos factos, o trabalhador não pode deixar de alegar factos concretos de onde resulte, por um lado, a violação pela sua entidade patronal dos deveres que a vinculam ao trabalhador e, por outro, da gravidade dessa violação. Só a análise dos factos permitirá ao julgador apreciar acerca dessa gravidade e do impacto da mesma na relação laboral concreta, tanto mais que os comportamentos do empregador violadores dos seus deveres para com o trabalhador devem ser contemporâneos da data da resolução do contrato, sem prejuízo de se tratar de comportamentos continuados ou reiterados temporalmente.
In casu, a Autora nada alega desde logo em termos temporais, pelo que não é possível ao tribunal avaliar acerca do impacto desse incumprimento na economia geral do contrato por manifesta ausência de factos. Acresce que a Autora não alegou factos, antes conclusões, como resulta claramente do teor dos parágrafos segundo –  os conceitos de “honra” e “dignidade” não estão traduzidos em factos – quarto – não se sabe que novas funções foram sendo acrescentadas às referidas no parágrafo terceiro – quinto – desconhece-se que funções lhe foram retiradas, por forma a concluir-se que as suas funções foram “esvaziadas” – sexto – desconhece-se quais os problemas colocados e mail´s não respondidos. Quanto ao parágrafo sétimo desconhece-se em que momento tais factos ocorreram.
Quanto ao parágrafo oitavo, desconhece-se das razões pelas quais atenta contra a sua honra e dignidade ter sido colocada na cave do edifício, simplesmente porque nada resulta acerca das condições do novo escritório da Autora. 
Ou seja, a comunicação da Autora à Ré para efeitos da resolução do contrato de trabalho, não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 395º do CT, pois carece da descrição, ainda que sucinta, mas suficiente, dos factos necessários à determinação da existência de uma situação de justa causa, que justifique a decisão da Autora de pôr termo à relação laboral.
Aliás, da contestação resulta que o teor da carta enviada pela Autora não foi devidamente compreendido pela Ré, que, à cautela, e em sede de impugnação dos factos refere o seguinte: “Do alegado esvaziamento de funções: 23º Um dos fundamentos que alicerçam a justa causa invocada pela Autora para a resolução do contrato de trabalho é um alegado “esvaziamento de funções”. 24º Como já se referiu, esta afirmação, sem a alegação de quaisquer outros factos, impossibilita a Ré de proceder a qualquer defesa pois não há como impugnar o que não foi alegado.
Não obstante, e para que a imagem da Ré não saia minimamente beliscada deste exercício manifestamente reprovável do direito de acção pela A, sempre se dirá que, 25º A A, desde que iniciou a sua actividade profissional para a R, em março de 2010, exerceu sempre, de forma subordinada (isto é, sob a direcção da Directora Técnica do Lar e da Direcção, quando necessário), as funções de Supervisora de Turno, com funções de organização e orientação das AAD (Auxiliares de Acção Directa). 26º Quando a actual Direcção tomou posse, a Autora era, assim, supervisora de turno (pois a laboração contínua do lar implica o trabalho por turnos), tendo uma função na organização das AAD e na sua interacção com outros departamentos. 27º Entre essas funções, concava-se como a mais relevante, a organização, sob a direcção da Directora Técnica do Lar (e da Direcção, caso fosse necessária a intervenção), dos horários e a sua concretização, supervisionando através do acompanhamento nos vários pisos do lar, a realização de trabalho e as passagens de turno. 28º Funções que a Autora exercia no lar da AAMBA (excluindo, portanto, a outra ERPI, a Sra. da Graça), e em conjunto com outra supervisora a Sra Maria dos Remédios. 29º Sendo que, embora fossem ambas supervisoras, a verdade é que existia, há data da tomada de posse da recém-chegada Direcção, uma hierarquia entre ambas, prevalecendo a Sra Maria dos Remédios, no âmbito da supervisão. 30º Em suma, as funções da Autora, prendiam-se, essencialmente, com a organização e a orientação das Auxiliares de Acção Directa, que por sua vez têm a seu cargo o tratamento diário dos utentes, no que respeita à sua locomoção, higiene e alimentação. (…) 31º Acresce ainda dizer que, ao contrário daquilo que afirma no seu articulado, a A exerceu as referidas funções até à data da cessação do contrato, sendo que a categoria profissional de supervisora de turno continua a existir. 32º Tal facto, pode se confirmado através da consulta do organograma da Ré, do qual se retira a existência do departamento de supervisão e do qual resulta, igualmente, a  inclusão da Autora na estrutura da Ré (…) 33º Em conclusão, é totalmente falso que a Ré tenha procedido a um “esvaziamento das funções da A, ou à atribuição de funções não contratadas, assim como ´falso que o alegado desaparecimento da categoria de supervisora de turno, uma vez que tais factos não correspondem de todo à verdade. Das alegadas ameaças por parte da Ré á Autora: 34º Afirma ainda a Autora, sem, contudo, e mais uma vez, alegar quaisquer facos que o fundamentem, que foi alvo de ameaças constantes de instauração de processos disciplinares por parte da Ré. 35º Quanto a esta acusação sumária, cumpre apenas deixar expresso e claro que a Ré nunca instaurou contra a A qualquer processo disciplinar, nem tão pouco a ameaçou de que o iria ou poderia fazer. Da alegada privação do gabinete: 36º Finalmente, no art. 5º da sua contestação a A faz referência à circunstância de na carta de resolução o seu gabinete e colocada na cave do Edifício”, insinuando que com esta mudança a R a quis colocar na “prateleira”. 37º Quanto a  esta matéria, o que a Ré pode dizer em sua defesa é que, a conclusão da A de que foi colocada na “prateleira” é falsa, e a afirmação de mudança de local físico de trabalho, que na verdade existiu, está totalmente descontextualizada. Com efeito, relativamente a esta questão importa esclarecer o seguinte: 38º A A tinha, à data do início do mandato da Direcção em funções, um gabinete, que partilhava com a outra supervisora (era o gabinete da supervisão), no piso térreo do lar, junto à entrada. 39º O edifício em questão foi construído de raiz para ser um lar, tendo rés-do-chão e mais três pisos dedicados, quase em exclusivo, a salas e quartos necessários ao tratamento e vivência dos utentes. 40º O primeiro piso, tem assim, a sala de convívio ….. e tem também, uma pequena sala, que era usada pela supervisão, como gabinete de apoio ao respectivo trabalho.41º Ora, acontece que, verificando-se que a Direcção não tinha um local para reunir mas principalmente uma sala para receber os familiares dos utentes e outras pessoas, sempre que era necessária uma reunião, o que se tornava especialmente complicado em momentos de tensão e conflito que se geram à entrada quando, como muitas vezes sucede, as famílias discutem, decidiu alocar o gabinete ocupado pelas supervisoras a essa finalidade. 42º Ora, tendo em conta que existia um piso desnivelado, em cave, de utilização mais técnica, contendo não só a sala de descanso das funcionárias, como área técnicas e, sobretudo, um conjunto de gabinetes, nomeadamente a Directora Técnica e a Assistente Social e um auditório, a Direcção decidiu alocar um desses gabinetes às supervisoras, gabinete esse que fica ao lado do gabinete da Directora Técnica do Lar, que coordena todo o trabalho do lar (…) 43º Sendo que, tal decisão foi tomada única e exclusivamente com vista à optimização da organização, até porque, como se disse, o trabalho de gabinete era residual e poderia ser feito em qualquer gabinete com condições, como era o caso. 44º Aliás, este movimento foi acompanhado de outros, nomeadamente a criação de um gabinete, na sala comum, devidamente aberto, para as animadoras socioculturais do lar estarem mais perto dos idosos nos momentos de lazer. 45º É, portanto, incompreensível a utilização deste argumento, especialmente para demonstrar o direito à rescisão com justa causa!”.
Daqui resulta que a Ré não se defendeu de factos concretos alegados pela Autora, antes dos temas por ela enunciados na carta de resolução do contrato, explicando o que, na sua perspectiva, se passou em relação a cada um, mas desconhecendo exactamente o que fundamentou a decisão de resolução por parte da Autora.
Em face do exposto, não cumpre avaliar da existência de justa causa para a resolução  do contrato.
Improcede assim, nesta parte, o recurso interposto, mantendo-se a sentença recorrida.
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V – Decisão
Face a todo o exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por AAA, mantendo integralmente a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
Registe.
Notifique.

Lisboa, 2020-04-29
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Filomena Manso
Duro Mateus Cardoso
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[1] Cfr. João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 3ª edição, reimpressão, pág. 447.
[2] Ac Relação do Porto de 15-10-2012 – Processo 1020/10.2TTPRT.P1.