Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2467/13.8TBCSC.L2-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: DOAÇÃO
MENORIDADE
ADMINISTRAÇÃO DE BENS
ABUSO DE DIREITO
SUPRESSIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. A incapacidade de agir por menoridade surgiu como instrumento de protecção dos interesses patrimoniais do sujeito menor de idade e como meio de satisfazer as exigências de certeza e segurança do tráfico jurídico, através da exclusão do menor da vida jurídica.
II. Atingindo o Autor a maioridade em 1990 e permitindo que a ré continuasse a administrar os bens doados até perfazer 40 anos, deixando que a ré suportasse praticamente todas as suas despesas, determina que se afira tal comportamento em termos de actuação de boa fé e na concretização do abuso de direito inerente, com a tutela da confiança ligada aos direitos fundamentais da ordem jurídica.
III. O decurso daquele período de tempo, em que o Autor depois de atingir a maioridade e já na vida adulta permitiu que a ré continuasse a gerir os títulos, vivendo a expensas da ré tendo também por base os rendimentos que advinham dessa administração, criou justificadamente na Ré a expectativa de que o A. não exerceria o direito de entrega dos valores obtidos com tal gestão.
IV. Ao pedir a devolução da totalidade dos valores que os títulos geraram, o Autor excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé, e, por isso, agiu com abuso de direito, enquadrando-se o seu comportamento numa das manifestações típicas daquela figura jurídica: a supressio.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
A [ MCMAIA]… vem intentar e fazer seguir contra B [  MCARDOSO ]…, ambos identificados nos autos, a presente ação declarativa de condenação sob a forma ordinária, pedindo a condenação da ré a entregar ao Autor a quantia que lhe foi doada, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos a contar dos 18 anos do Autor até integral cumprimento, no montante actual total de 897.873,86€ (oitocentos e noventa e sete mil oitocentos e setenta e três euros e oitenta e seis cêntimos).
Em abono da sua pretensão alega, em suma, que a avó do A. fez diversas doações entre as quais em 5 de Agosto de 1974 doou por conta da quota disponível aos seus netos nascidos, entre os quais o A., tendo sido doado aos netos a quantia total de 261.308.500$00, cujo valor actual em euros é de 1.303.404,30€ (um milhão trezentos e três mil quatrocentos e quatro euros e trinta cêntimos). Valor esse que dividido pelos donatários caberia a cada um, na altura, a quantia de 325.850,32€.
A avó do A. faleceu em 03 de Dezembro de 1980, sendo que ao tempo da doação o Autor tinha um ano de idade, e porque era menor foi a Ré, mãe do Autor que geriu e administrou os títulos de crédito dele. Porém, alega que ao atingir a maioridade a ré não entregou o valor dos títulos de créditos entretanto convertidos em dinheiro por esta. Mais alega que tentou por diversas vezes que a Ré sua mãe lhe entregasse o dinheiro mas ela sempre se recusou, não sabendo ao certo o A. em que consistia a doação, nem a ré alguma vez o informou, sabendo apenas por rumores que corriam na família, mas conclui que lhe é devido o valor de 325.850,32€ (trezentos e vinte e oito mil oitocentos e cinquenta euros e trinta e dois cêntimos) e respectivos juros de mora a contar de 9 de Dezembro de 1990, data em que atingiu os 18 anos até hoje, ou seja quase 23 anos de juros, o que perfaz o valor de 572.023,54€. Mais alega que está actualmente desempregado e não tem qualquer outro rendimento que lhe permita sustentar-se e tem HIV desde 1996, o que exige medicamentos diários, consultas mensais e cuidados acentuados com a saúde e alimentação. Também refere que viveu até Novembro de 2012 em casa da mãe com a namorada, eles no rés-do-chão e a Ré no primeiro andar, mas após uma discussão e agressões do próprio à ré, o que originou uma queixa crime, passou a residir numa casa arrendada com a ajuda do pai. Por receio que a mãe alienasse o único bem que tem em Portugal, a casa onde vive e onde o Autor viveu Novembro de 2012 requereu a providencia cautelar de arresto desse bem, tendo a mesma corrido no 1º Juízo Cível do Tribunal de Família Menores e de Comarca de Cascais com o número de processo 543/13.2TBCSC, tendo o mesmo sido decretado a 19.03.2013.
A ré contestou impugnando o valor da causa, invocando que o mesmo deve ser no montante de €153.193,37, valor que corresponde à soma do valor das acções a que o A. teria direito à data da sua maioridade. Mais invoca a excepção peremptória da prescrição do direito do autor, porquanto o A. atingiu a maioridade há 23 anos, sendo que o A. tem conhecimento das doações há mais de 20 anos e nunca exigiu antes os título/acções a que tinha direito ou o valor correspondente aos mesmos à R., pelo que já ocorreu o prazo de prescrição previsto no art.º 482.º, do CC bem como o de 20 anos previsto no art.º 304.º, n.º1, do CC., invocando igualmente a prescrição dos juros legais de 5 anos prevista no art.º 310.º, al. d) do CC. Invoca ainda a excepção inominada decorrente do art.º 1879.º, do CC porquanto a R., no seguimento da vontade de sua mãe, geriu as acções dos seus filhos investindo no pagamento das despesas respeitantes à segurança, habitação, alimentação, saúde e educação, o que fez por necessidade, porquanto desde o ano de 1979 em que a R. e o pai dos seus filhos se separaram, a mesma teve que suportar sozinha as despesas referidas até 1997 data da conclusão da formação escolar, tendo despendido na educação um total de €115.455,40. Mais alega que mesmo após a maioridade a R. continuou a ajudar o A. , porquanto o mesmo nunca teve uma actividade profissional regular, embora fosse licenciado em direito.
Acrescentando ainda que a A. despendeu elevadas quantia no tratamento da doença de que padecia o A. bem como em consultas médicas e tratamentos médicos dele e durante 2007 e 2009 da sua própria companheira. Mais suportou despesas em obras para adaptar o r/c da r. de Inglaterra n.º 10 para habitação do A, em alimentação, em consumos de água, gás e electricidade, pagamento de empregada, viagens e viaturas, tudo num total de €981.970,00. Formula pedido reconvencional num total de €1.981.970,00 correspondente a despesas e encargos que ao longo de 22 anos a A. suportou e que incumbia ao A. suportar acrescido de indemnização de €1.000.000,00 relativo a indemnização pelos danos morais que o A. causou à sua mãe aqui R./reconvinte.
Vem o A. replicar, alegando que a prescrição refere que as doações não prescrevem, nem tendo decorrido o prazo. No mais, impugna os factos relativos à excepção inominada decorrente do art.º 1879.º, do CC, porquanto trata-se de uma obrigação legal de sustentar os filhos da qual a R. não foi desobrigada.
A R. veio treplicar reafirmando o alegado em sede de contestação.
Foi proferido o despacho saneador e dispensada a audiência prévia.
O pedido reconvencional não foi admitido, por não ser processualmente admissível, dele se absolvendo o A..
Quanto ao valor da causa foi fixado em €1.879.843,86, sem prejuízo de sua posterior alteração, nos termos do art. 299º, nº 4 do CPC.
Por dependerem de matéria controvertida, foi relegado para final o conhecimento das excepções deduzidas.
O Autor requereu a ampliação do pedido nos termos de fls. 462 a 466, requerendo a final que o pedido passe a ser o seguinte: deverá a ré ser condenada a:
1. Pagar ao autor o valor dos títulos que lhe foram doados pela avó na escritura de doação junta como Doc. 8 com a P.I, no montante de 325.850,32 €, devidamente corrigido monetariamente desde a data da doação e até integral pagamento, de acordo com os factores de desvalorização da moeda previstos na Portaria 401/2012 de 6 de Dezembro, o que na presente data ascende ao montante de 10.887.879,65 € (dez milhões oitocentos e oitenta e sete mil oitocentos e setenta e nove euros e sessenta e cinco euros);
2. Pagar ao autor todos os valores que foram recebidos tendo como origem as acções doadas, ou outros que as substituíram, seja sob a forma de dividendos, juros, indemnizações ou qualquer outra desde que recebidos por causa daquelas ou daqueles, devidamente corrigidos monetariamente desde a data em que foram recebidos e até integral pagamento, de acordo com os factores de desvalorização da moeda previstos na Portaria 401/2012 de 6 de Dezembro;
3. Entregar ao autor todos os títulos adquiridos, directa, ou indirectamente, através ou por causa das acções doadas, pertencentes às empresas originárias então nacionalizadas ou das que as sucederam, ou de quaisquer outras, e, Pagar ao autor todos os valores que foram recebidos tendo como origem os títulos mencionados na alínea anterior, seja sob a forma de dividendos, juros, indemnizações ou qualquer outra desde que recebidos por causa daqueles, devidamente corrigidos monetariamente desde a data em que foram recebidos e até integral pagamento, de acordo com os factores de desvalorização da moeda previstos na Portaria 401/2012 de 6 de Dezembro.
Foi admitida a ampliação do pedido.
Na sequência do óbito do A. ocorrido em 16/06/2016 foi declarada extinta a instância. O pai do A. enquanto seu herdeiro veio a recorrer desse despacho, tendo sido o mesmo revogado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa fls. 899, confirmado pelo Acórdão do STJ de fls. 964 e 965 e de fls. 1015 a 1017.
Nessa sequência foi habilitado o pai do A. , C , para qual ele prosseguir a causa no lugar do primitivo A.
Realizou-se o julgamento. No decurso da audiência foi ampliado o pedido peticionando que seja a ré ainda condenada a pagar ao autor, os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da entrada da acção e até integral pagamento. Foi considerado que como tal ampliação constitui desenvolvimento do pedido primitivo, admitiu-se a mesma.
Na sequência foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência condenou a Ré B a entregar à herança indivisa aberta por óbito do A todos os valores que foram recebidos por ela tendo como origem as acções doadas ao Autor ou outros que as substituíram, seja sob a forma de dividendos, juros, indemnizações ou qualquer outra desde que recebidos por causa daquelas ou daqueles, devidamente corrigidos monetariamente desde a data em que foram recebidos e até à sentença que fixar o montante actualizado de acordo com os factores de desvalorização da moeda, a liquidar em sede de incidente de liquidação de sentença, acrescido de juros a contar da data da decisão actualizadora até integral pagamento.
Inconformada, a Ré recorreu para este Tribunal da Relação e a rematar as suas alegações de recurso, extraiu as seguintes conclusões:
« 1- É com muita dificuldade que a ora Recorrente encontra em si alguma serenidade para encarar o presente processo, pois não vislumbra como possa o aqui Recorrido C vir substituir o seu falecido filho e Autor nestes Autos, A, “para prosseguir a causa até final”.
2- De facto, o número 1 do artigo 940.º do Código Civil prevê que “Doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente”.
3- Por outro lado, dispõe o artigo 954.º do Código Civil que “A doação tem como efeitos essenciais: a) A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito; b) A obrigação de entregar a coisa; c) A assunção da obrigação, quando for esse o objecto do contrato”.
4- Ora, resulta evidente que, atento o carácter pessoal da doação, não se afigura possível atribuir a outrem, nomeadamente, a faculdade de designar a pessoa do donatário ou determinar o objecto da doação, tal como assim determina o disposto no número 1 do artigo 949.º do Código Civil.
5- Igualmente, não é possível a qualquer parte se substituir ao beneficiário da doação em caso de falecimento do mesmo, atento o carácter intransmissível dos direitos em causa.
6- De facto, inexistindo legitimidade por parte do Cabeça-de-Casal, aqui Recorrido, em fazer-se substituir ao beneficiário da doação, ora falecido, não poderia haver a continuidade da acção por estarem em causa direitos pessoais e intransmissíveis.
7- Como se não bastasse a intransmissibilidade, tendo o Recorrido sido admitido a intervir na presente acção, na qualidade de “sucessor pai”, a mesma apenas poderia ter ocorrido se este se fizesse acompanhar, em litisconsórcio necessário, pela sucessora mãe, Habilitada e aqui Recorrente, o que não se pode deixar de alegar para os devidos efeitos legais.
8- Ora, a habilitação à herança implica que todos os herdeiros detenham interesse em agir, na qualidade que o Autor in casu assumiu nos presentes Autos.
9- O facto de estarmos perante uma parte que é também Ré, nestes Autos, inquina de forma irremediável o prosseguimento dos mesmos, por impossibilidade técnica, no que diz respeito à intervenção das partes nestes Autos.
10- De onde resulta que, se o aqui Recorrido, enquanto Cabeça-de-Casal detinha interesse em agir, como parece ter, nunca poderia tê-lo feito nos presentes Autos, mas antes em acção autónoma, devendo proceder à partilha da herança e, só então, na qualidade de herdeiro, interpor a respectiva acção, dado que estamos perante uma herança jacente, isto é, não partilhada e onde, efectivamente, quer o Cabeça-de-Casal, aqui Recorrido, quer a ora Habilitada, aqui Recorrente, concorrem em proporção de quotas, direitos e deveres.
11- Destarte, a posição processual da aqui Recorrente e Habilitada e no que toca ao facto de ser herdeira, jamais poderia ser dissociada da legitimidade que a mesma tem em intervir numa e noutra circunstâncias, razão pela qual a pretensão do Cabeça-de-Casal, aqui Recorrido jamais poderia ter procedido, o que não se pode deixar de alegar para os devidos efeitos legais.
12- Ainda assim, e não obstante tudo o que supra vai exposto, sempre se dirá que atenta a prova carreada nos presentes Autos e produzida em sede de Audiência e Discussão de Julgamento, jamais poderia o Tribunal a quo ter proferido a douta Sentença nos termos em que a proferiu.
13- Acresce que, entendeu o douto Tribunal a quo que, “por todo o exposto, julga-se a ação procedente por parcialmente provada e em consequência condena-se a Ré B a entregar à herança indivisa aberta por óbito do A todos os valores que foram recebidos por ela tendo como origem as acções doadas ao Autor ou outros que as substituíram, seja sob a forma de dividendos, juros, indemnizações ou qualquer outra desde que recebidos por causa daquelas ou daqueles, devidamente corrigidos monetariamente desde a data em que foram recebidos e até à sentença que fixar o montante actualizado de acordo com os factores de desvalorização da moeda, a liquidar em sede de incidente de liquidação de sentença, acrescido de juros a contar da data da decisão actualizadora até integral pagamento.
14- A ora Recorrente não pode, no entanto, conformar-se com tal douta Sentença, porque vê-se perante uma decisão que, desde logo, carece da devida e indispensável fundamentação respeitante a questões de especial relevância e que determinam, de forma irremediável, a nulidade da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, o que, desde já, se argui, para os devidos efeitos legais.
15- Efectivamente, a douta Sentença de que ora se recorre, não se encontra devidamente fundamentada, de facto e de Direito, deixando por resolver de forma firmada as excepções suscitadas pela aqui Recorrente e cuja apreciação não só se demonstrava indispensável, como fundamental no caso concreto.
16- Acresce que, foram considerados como provados factos que jamais poderiam ter sido atenta a prova produzida nos presentes autos e que melhor se demonstrará.
17- Nomeadamente, na douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo ficou por determinar, de forma objectiva, clara e fundamentada, a improcedência do pedido do filho do aqui Recorrido e Recorrente, atenta a prescrição do direito do mesmo em intentar a presente acção, volvidos 23 anos desde a data em que atingiu a maioridade e da qual sempre teve conhecimento.
18- Efectivamente e com o devido respeito, a apreciação de tal excepção, pela importância que a mesma apresenta e consequências que da mesma advêm, não poderia ter tido o tratamento que teve pelo Tribunal a quo, que, no essencial, se limita a reproduzir disposições legais, doutrina e jurisprudência atinente a tal matéria prescricional, sem fundamentar a aplicabilidade da mesma ao caso concreto.
19- É que, desde logo, não corresponde à realidade que não se tivesse provado que o Autor, filho do aqui Recorrido, soubesse da doação desde, pelo menos, a sua maioridade, uma vez que, a relação do Autor com a aqui Recorrente sempre foi pautada por uma relação de extrema proximidade, conforme ficou demonstrado pelo depoimento da irmã da aqui Recorrente, F…:29:19 “a minha irmã arranjou o R/C para o M… poder ser independente; tinha uma saída para a rua, arranjou-lhe um quarto grande para ele poder receber quem quisesse. Ele comia às horas que queria. A cozinheira fazia-lhe um prato de peixe e outro de carne. E ele escolhia.”29:52 “se o M… gostasse não sei do que, a minha irmã comprava, e era tudo feito em função do M...”30:00 “o M… não podia ser incomodado se tivesse a dormir”30:22 “O M… era a razão da vida dela ”30:24 “Era tudo para o M…”
20- Tendo a mesma Testemunha, F…, esclarecido que, ao longo da vida do Autor, filho do Recorrido e da aqui Recorrente, o mesmo sempre teve uma vida completamente desafogada, claramente demonstrativa que a mesma derivava da doação objecto dos presentes Autos:41:58 “a minha irmã arranjou o R/C… arranjou um quarto com uma cama para o M... e outro com cama de casal para quando fosse com namoradas”42:21 “e as colchas e os lençóis era tudo acetinado, para se poder lavar logo a segui”43:06 Quem é que o sustentava? “a mãe”43:10 Quem tratou das obras? “a mãe”44:10 “eu acho que não foi ele (M…) que comprou (uma casa)” “foi a mãe”
21- De facto, considerou o Tribunal a quo que a prescrição assente em rumores na família, não teria qualquer viabilidade por falta de concretização, sucede que, nunca o Autor, filho do aqui Recorrido e Recorrente, apenas tomou conhecimento de rumores,
22- Enquanto licenciado em Direito, o Autor tinha efectivo conhecimento do que lhe havia sido doado pela Sra. sua avó, o que resulta evidente até pelo teor do facto dado como provado 70, onde o Autor confessa que sem esse dinheiro – manifestando saber qual – não tinha como viver.
23- Aliás, somente se justifica que a irmã do aqui Autor tenha outorgado Procuração a favor da Senhora sua Mãe, aqui Recorrente, “dando-lhe poder para continuar a tomar conta dos meus bens”, com conhecimento de que era proprietária/beneficiária de tais bens, conforme se afigura evidente.
24- De facto, o depoimento de V…, ainda que, se tenha traduzido num depoimento pouco parcial, porque a procedência desta acção beneficia-a, confessou que:7:14 – “ A Ré nunca disse que já não existia esse dinheiro”19:54 – “A minha mãe deu-me um papel com um quadrado dividido em quatro com duas colunas… por volta dos 18 anos…” “isto é, uma causa para poder tomar conta daquilo que é seu”. Quem geria o património do casal até ao divórcio?35:58 “era o meu pai36:07 “a minha avó tinha bastante confiança nele ”Outorgou procurações a favor dele para gerir o património?36:19 “Penso que sim”36:46 “Ele ajudou-a muito a tomar conta de muitas coisas” quem pagava aos funcionários da casa?”37:50 “A minha mãe”
25- É que não podia este douto Tribunal a quo ter desvalorizado o facto de o aqui Autor ser licenciado em Direito e, como tal, conhecedor dos seus direitos e da forma de como exercê-los como, efectivamente, fê-lo ao longo de mais de 20 anos.
26- A realidade é somente uma: o falecido Autor nunca exigiu a entrega de tais títulos, porque, ao longo da sua vida, sempre beneficiou dos mesmos, quer através da frequência de estabelecimentos de ensino privados, quer através da realização de obras na casa da aqui Recorrente, de forma a adaptar o R/C para sua residência, conforme resulta demonstrado nos factos dados como provados sob os números 56 a 59 e 64 a 68.
27- Pelo que, nessa conformidade, a douta Sentença de que ora se recorre, é claramente contraditória e ambígua, ao considerar que a Ré, aqui Recorrente, suportou todas estas despesas e, ainda assim, considerar como provado que a aqui Recorrente não entregou ao Autor o dinheiro desses títulos quando este fez 18 anos.
28- Até porque, a acrescer a este facto, não poderia este douto Tribunal a quo desvalorizar o depoimento do aqui Recorrido, Exmo. Senhor H…, pai do falecido Autor, para nítida e incontrariável demonstração de que o mesmo sempre teve conhecimento da transformação dos aludidos títulos, porque resulta da douta Sentença de que se recorre, no que contende com a prova por declarações desta Testemunha, de que:2:25 as doações “foram feitas comigo”2:30 “eu era o homem de confiança da minha sogra”2:34 “as doações foram feitas com o meu conhecimento”“ a intervenção que eu tinha era que tudo o que se decidia… eu tinha uma ralação muito boa com a minha sogra”3:37 “fiquei a administrar tudo” (o património)“com procuração, sim, para o que fosse preciso4:48 “Administrei o património da minha sogra até ela morrer, ou até que me divorciei”As doações foram feitas por conta da quota disponível57:05 “não sei, era o que havia”57:45 “devo ter ido várias vezes” (a MJ… ao Notário) O que é que foi doado em concreto?58:10 “Basicamente foram títulos e propriedades”
29- Ora, como defende a maioria da Doutrina e Jurisprudência, “o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido” conforme resulta dos Acórdãos do STJ de 8/6/93 e de 24/1/91.
30- Assim sendo, o Autor, ao longo de 23 anos, que decorreram desde a data em que atingiu a maioridade, até à data em que instaurou a presente acção, apesar de ter conhecimento da existência da já referida doação, nunca exigiu, quer extrajudicialmente, quer judicialmente, os títulos/acções a que tinha direito, ou o valor correspondente aos mesmos, à aqui Recorrente, porque conscientemente, bem sabia, que já havia beneficiado da mesma.
31- Ora, dispõe o artigo 482º do Código Civil que, “o direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento”.
32- Dispondo, por sua vez, o artigo 298.º/1, do Código Civil que, “(…) estão sujeitos a prescrição pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição (…)”.
33- Na realidade, a existir o alegado crédito, correspondente a títulos/acções doados em 1974 – o que apenas por mera hipótese académica se concebe –, tendo o Autor atingido a maioridade em 1990, com conhecimento da doação da avó, ainda antes de ter atingido a maioridade e tendo interposto Acção Judicial para cobrança do referido crédito, somente em 2013, dúvidas não existem de que ocorreu a prescrição de 3 anos prevista no artigo 482.º Código Civil, bem como, a de 20 anos, prevista no artigo 304.º/1 do C.C.
34- Pelo que, face a tudo o que supra vai exposto e configurando a prescrição uma excepção peremptória que importa a absolvição total ou parcial do pedido, ao abrigo do que dispõe o artigo 576.º/3 do Código de Processo Civil, deveria o douto Tribunal a quo, com o devido respeito, ter decidido encontrar-se prescrito o direito do Autor, atento o facto de o mesmo ter atingido a sua maioridade em 20 de Dezembro de 1990 e somente no ano de 2013 é que instaurou a presente acção, não obstante o mesmo conhecer o seu direito com os contornos suficientes para o poder exercer.
35- Assim e na falta de fundamentação do douto Tribunal a quo ao julgar improcedente a excepção peremptória da prescrição, uma vez mais se verifica que a douta Sentença recorrida padece da nulidade a que alude o artigo 615.º/1/d) do CPC.
36- Assim, não pode a aqui Recorrente aceitar que perante factos considerados como provados, tais como aqueles que vão vertidos nos pontos 13, decida o Tribunal a quo julgar a acção procedente por parcialmente provada
37- Efectivamente, nos termos e para os efeitos das alíneas b), c) e d) do número 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, “é nula a sentença quando (…) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; (…) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; (…) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)” .
38- Ora, a douta Sentença proferida, apesar de aparentar – mas, destaque-se, é, efectivamente, uma mera aparência – não ser omissa no que respeita à especificação dos fundamentos de facto e de Direito em que se sustenta, no essencial, e especialmente quanto à prescrição do direito, não se debruça sobre o mesmo, com o rigor e objectividade exigível, sendo no demais contraditória, o que não se se pode deixar de alegar para os devidos efeitos legais.
39- Assim sendo, e atento tudo o que supra vai exposto e os concretos meios probatórios invocados, com menção expressa das passagens da gravação do depoimento que a aqui Recorrente quanto à matéria específica da prescrição considera dever ser valorada, com o devido respeito, o Tribunal a quo jamais poderia considerar como provados os factos nº 49 a 53, devendo antes, ter proferido decisão diversa quanto à prescrição, nomeadamente, que dúvidas não existem de que a mesma ocorreu.
40- Por outro lado, a douta Sentença de que ora se recorre, pronunciou-se sobre a excepção inominada ao abrigo do artigo 1878.º do Código Civil, uma vez que, e conforme resultava aliás da douta Sentença recorrida, a Recorrente, mãe do aqui Autor, limitou-se a dispor dos aludidos títulos, aliás, como a Sra. sua mãe, Sra. D. Maria ….., Doadora, assim dispôs.
41- Tal significa que, até à maioridade do aqui Autor, a aqui Recorrente, no interesse do seu filho, administrou a sua quota-parte da doação deixada pela avó, no estrito cumprimento do disposto no artigo 1878.º/1 do Código Civil, tendo a sua administração continuado, após tal maioridade, por decisão do próprio Autor.
42- Deste modo, não corresponde à verdade que a aqui Recorrente tenha incumprido qualquer dever de entrega, violando, dessa forma, qualquer dever de administração, porque foi a própria beneficiária da doação, aqui Autor, que de livre e espontânea vontade, assim decidiu.
43- De facto, a aqui Recorrente limitou-se a administrar os bens do seu filho, nomeadamente, e desde logo, para satisfação das despesas com o seu sustento, segurança, saúde e educação, como decorre dos seus deveres enquanto Mãe.
44- Dispõe o artigo 1879.º C.C., que tem por epígrafe “despesas com o sustento, segurança, saúde e educação dos filhos”, que, “os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos”.
45- Pelo que, a aqui Recorrente, cumprindo a vontade da sua Mãe, Avó da Recorrida, geriu as acções dos seus filhos, investindo, no pagamento das despesas respeitantes à segurança, habitação, alimentação, saúde e educação daqueles.
46- Efectivamente, necessitou, a aqui Recorrente, de administrar e aplicar os referidos rendimentos dos seus filhos, na educação e saúde dos mesmos, porque, na sequência da Separação de Facto, do seu marido, Henrique …….., pai dos menores, ocorrida, no ano de 1979, que levaria ao decretamento de Divórcio Litigioso, viu-se a Recorrente obrigada a criar os mesmos, sem qualquer ajuda monetária do pai, que nunca efectuou o pagamento da pensão de alimentos à aqui Recorrente, nem provisória, nem definitivamente.
47- Assim sendo, a aqui Recorrente, em estrita conformidade, com o disposto, no artigo 1879.º C.C. e, por ser essa a vontade da sua Mãe, Avó do aqui Autor, administrou e aplicou os referidos títulos, na habitação, alimentação, educação e saúde dos seus filhos, uma vez que, o aqui Recorrido incumpriu com o pagamento da pensão de alimentos como aliás se encontra demonstrado nos presentes Autos, e que, aliás resulta dos factos dados como provados sob os números 18 e 19.
48- Deste modo, e com o devido respeito, é a douta Sentença de que se recorre contraditória ao alegar que a ora Ré, aqui Recorrente, não provou “que o pai do A. falecido tenha deixado de pagar a pensão de alimentos” quando resulta dos aludidos factos provados 18 e 19 que “por apenso aos autos de regulação do poder paternal do A. e da sua irmã deu entrada de incidente de incumprimento que consta de fls. 232 a 236, tendo sido realizada audiência cfr. consta de fls. 237 e 238 e proferida sentença de fls 241 a 244 e de fls. 324 a 334 e o Acórdão de fls. 335 a 364.
49- Aliás, não se conforma a aqui Recorrente que o Tribunal a quo tenha dado como não provado os factos constantes nas alíneas l) a x), que respeitam às despesas que a aqui Recorrente suportou com a educação, obras e viagens, não correspondendo à verdade que nos Autos, não existisse prova documental que atestasse tais despesas, essencialmente, as que respeitam às obras realizadas, até porque tal é absolutamente contraditório com os factos considerados como provados nº 56 a 59 e 66.
50- É que de facto, o douto Tribunal a quo, considera como provado, e bem, que o falecido Autor “56.o A. frequentou o Saint Julian´s School durante o ensino primário. 57.o A. M… frequentou a Escola Técnica e Liceal Salesiana de Stº António, desde o 5º ano até ao 12º ano de escolaridade, cujas mensalidades dos anos de 1982 a 1992 foram as que constam da declaração de fls. 441.
58. O A. frequentou a Universidade Lusíada de Lisboa onde tirou o curso de direito e cuja propina de frequência dos anos de 1991 a 1998 foi a que consta de fls 442. 59. O A, falecido é licenciado em Direito, tendo sido a R. quem pagou os seus estudos universitários até à conclusão do curso.”
51- Razão pela qual, o douto Tribunal a quo deveria ter considerado que a aqui Recorrente limitou-se a cumprir a vontade da sua Mãe, gerindo as acções dos seus filhos, investindo, no pagamento das despesas respeitantes à segurança, habitação, alimentação, saúde e educação daqueles.
52- De facto, dos Autos resultam, nomeadamente, declaração do próprio Autor, assinada por si e datada de 10.06.1997, quando detinha 25 anos de idade, onde confessa “pretendendo viver mais independente em relação à sua mãe, na mesma morada, e sendo por isso necessário dividir a casa, propõe suportar a maior parte dos custos da obra a realizar com o fim de criar as condições pretendidas”.
53- Aliás, duvidas existissem do conhecimento e administração que o Autor já detinha sobre a doação ora em discussão nos presentes autos e a mesma ficaria dissipada com o teor da presente Declaração, uma vez que, quando o falecido Autor elabora e assina a Declaração – documento este que aliás não foi por si impugnado quanto à sua autenticidade – no ano de 1997, o mesmo ainda nem sequer havia concluído os seus estudos e, como tal, iniciado a sua actividade profissional, pelo que, quaisquer despesas por si suportadas resultavam da doação.
54- Deste modo, o Autor apenas declara suportar as despesas de tais obras porque já administrava a doação deixada pela Sra. sua avó.
55- Despesas essas que, aliás, resultam documentalmente comprovadas nos Autos, com a junção de diversos recibos emitidos em nome do Autor, datados de 24 de Março, 21 de Abril, 26 de Maio, 27 de Junho e 31 de Julho, todos emitidos no ano de 1997.
56- Sendo que, e para além da prova documental, igualmente, resultou provado pelo depoimento da Testemunha F… que:29:19 “a minha irmã arranjou o R/C para o M… poder ser independente; tinha uma saída para a rua, arranjou-lhe um quarto grande para ele poder receber quem quisesse. Ele comia às horas que queria. A cozinheira fazia-lhe um prato de peixe e outro de carne. E ele escolhia.”29:52 “se o M… gostasse não sei do que, a minha irmã comprava, e era tudo feito em função do M…”30:00 “o M… não podia ser incomodado se tivesse a dormir”30:22 “O M… era a razão da vida dela ”30:24 “Era tudo para o M... 57- 32:19 “Ela fez tudo para ninguém saber, ela levava o M... à clinica de Torres Vedras” - Relativamente à SIDA
58- Assim sendo, e atento tudo o que supra vai exposto e os concretos meios probatórios invocados, com menção expressa das passagens da gravação do depoimento que a aqui Recorrente quanto à matéria específica da excepção inominada ao abrigo do artigo 1878.º do Código Civil considera dever ser valorada, com o devido respeito, o Tribunal a quo jamais poderia considerar como não provados os factos constantes nas alíneas l) a x), devendo antes, ter proferido decisão diversa, nomeadamente, necessitou, a aqui Recorrente, de administrar e aplicar os referidos rendimentos dos seus filhos, na educação e saúde dos mesmos, porque, na sequência da Separação de Facto, do seu marido, Henrique ….., pai dos menores, ocorrida, no ano de 1979, que levaria ao decretamento de Divórcio Litigioso, viu-se a Recorrente obrigada a criar os mesmos, sem qualquer ajuda monetária do pai, que nunca efectuou o pagamento da pensão de alimentos à aqui Recorrente, nem provisória, nem definitivamente.
59- Ademais, e no que respeita ao valor a fixar a título de indemnização esclarece-se que se afigura patente que não se encontram preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnização, porquanto é falso que “não podia a Ré deixar de saber e querer não entregar o equivalente ao bem doado”, quando
a Recorrente agiu com consentimento do Autor para administrar os seus bens – nomeadamente os provenientes daquela doação – e, agindo em conformidade, procedeu aos pagamentos necessários ao sustento e bem estar do mesmo, como este bem sabia e não podia desconhecer, conforme aliás, as Declarações por si assinadas, e que se encontram juntas aos Autos, demonstram.
60- Assim, não existe um nexo causal estabelecido entre “a não entrada do valor da doação para o património do Autor e a omissão da Ré”, quando tal valor entrou no património falecido Autor, ainda que de forma faseada e de acordo com os interesses e necessidades do próprio.
61- Não tendo existido qualquer violação, nem quanto à aludida entrega, nem quanto à disposição dos bens provenientes da doação, então não existe nenhuma obrigação de a Recorrente indemnizar.
62- Ficou claramente demonstrado que o Autor, beneficiou da aludida doação e, igualmente, ficou assente, em virtude do relatório pericial junto aos presentes Autos, que “os títulos” constantes da escritura de doação, a “9 de Dezembro de 1990”, isto é, quando o Autor atingiu a sua maioridade, “por si mesmos não apresentam qualquer valor, por os mesmos terem sido extintos”, o que se reitera para os devidos efeitos legais.
63- Ademais, resulta do aludido relatório que “à data da doação, 5 de Agosto de 1974, as cotações estavam suspensas, sendo que, as únicas transacções possíveis, eram realizadas entre particulares, cujos montantes de transacção são desconhecidos”.
64- Pelo que, os peritos claramente expressam, de modo claro e objectivo, que “desconhecem se os títulos indicados” na escritura de doação “foram ou não alienados em processo de venda”, pelo que “em rigor, não é possível saber com exactidão o montante das retribuições pagas, relativo aos títulos referidos na escritura de doação, sob qualquer forma”, mais tendo sido referido pelos Peritos nomeados pelo Tribunal a quo, em resposta ao requerido pelo mesmo, que “o Colégio de Peritos considera não dispor de informação objectiva que lhe permita acompanhar a evolução dos valores de realização dos títulos e respectivos direitos, ao longo de 28 anos (a sua vida), para que, na óptica de um gestor criterioso, avaliar o seu desempenho, na gestão dos fluxos financeiros gerados ao longo daquele período”.
65- O entendimento supra explanado do Colégio de Peritos – no sentido em que, os valores e respectivos juros apresentados, mais não são do que meras suposições –, terá que ser devidamente valorizado por este Venerando Tribunal, ao contrário do que sucedeu com o douto Tribunal a quo
66- Assim, o douto Tribunal a quo jamais poderia ter julgado como provados os factos sob os números 31, 32, 34 a 48, uma vez que os mesmos são meras hipóteses, resultantes do quadro anexo ao relatório (Anexos II, III e IV).
67- Posto tudo o que supra vai exposto, nunca poderia ter sido outra a Decisão do Tribunal a quo senão a de ser absolvida do pedido, não apenas parcialmente, mas na sua totalidade,
68- pelo que a douta Sentença recorrida deverá ser revogada e substituída nessa conformidade, não só em virtude dos vícios que a inquinam, mas também, desde logo, porque o direito do Autor, e muito menos o do aqui Recorrido, não existem, conforme resulta demonstrado,
69- Bem como a aplicação dos títulos doados no sustento do Autor eram, não só, por si conhecidos, como consentidos, e,
70- Ainda, pela manifesta prescrição do alegado direito atento o lapso temporal decorrido entre o conhecimento da doação – desde, pelo menos, o dia 9 de Dezembro de 1990, note-se – e a instauração dos presentes Autos – em 2013 –, bem como em virtude de não ser possível apurar qualquer valor indemnizatório idóneo a sustentar o pedido do Autor, que assenta “não na entrega dos títulos que lhe haviam sido doados, mas do seu valor”, o que se reitera para todos os efeitos legais.
71- Razão pela qual a douta Sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente o pedido da Autora, aqui Recorrida, absolvendo a Ré, ora Recorrente, do pedido, como é de inteira e manifesta Justiça!».
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
                                              *
Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição, as questões que importa apreciar são as seguintes:
1ª Saber se é de alterar a matéria de facto dada como provada na sentença, alterando a resposta contida nos pontos 31., 32., 34., a 48. e 49. a 53. dos factos provados e alíneas l) a x) dos factos não provados;
2ª Saber se se verifica a nulidade da sentença apontada no recurso;
3ª Saber se a administração efectuada pela ré do objecto da doação ao Autor foi feita com o conhecimento e consentimento deste;
4ª Saber se os factos provados integram a verificação da prescrição do direito do Autor.
                                                              *
II. Fundamentação:
 Os elementos fácticos que foram considerados provados na sentença são os seguintes:
1. MJ… é filha de JS… e de MS… (doc. de fls. 54)
2. A Ré MC… de MS… de AC… (doc. de fls. 17 e 59 e 60) e foi casada com H… quem se divorciou em data não apurada mas não posterior a 1989.
3. F… é filha de AC… e de MS… e nasceu em 7/11/1945 (doc. de fls. 22 e 23)
4. O Autor M… nasceu em 9/12/1972 e é filho de H… e da Ré MC… (doc. de fls. 37) .
5. V… é filha da R. MC… e de H… nasceu a 20/09/1974 (doc. de fls. 51).
6. PC… é filho de JC… e de F… e nasceu em 21/10/1969 (doc. de fls. 31).
7. R… é filha de JC… e de F… e nasceu em 17/06/1973 (doc. de fls.34).
8. MS… ainda em vida fez as seguintes doações:
9. Em 5 de Agosto de 1974 doou por conta da legítima à sua filha MC… diversas acções, por documento registado no 10º Cartório Notarial de Lisboa, conforme Doc. 1 e 2 de fls. 19 e 20
10. Em 5 de Agosto de 1974 doou por conta da legítima à sua filha F… diversas acções, por documento registado no 10º Cartório Notarial de Lisboa, conforme Doc. 3 e 4 de fls. 22 a 26
11. Em 5 de Agosto de 1974 doou por conta da quota disponível aos seus netos nascidos, P…, R…, M…, o Autor, e nascituros concebidos e não concebidos, por documento registado no 10º Cartório Notarial de Lisboa, conforme Doc. 5, 6, 7 e 8 de fls. 31 a 42 dos títulos que discrimina e que se encontravam depositados no seu dossier de títulos junto do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, mencionando o valor à última cotação: a. Mil trezentas e noventa e cinco (1395) acções da CIDLA, sendo 14 títulos de 5 acções com os n.ºs 95131/200, 200 títulos de 1 acção com os n.ºs 36269/468; 20 títulos de 1 acção com os n.ºs 36269/468; 20 títulos de 5 acções com os n.ºs 122781/880, 40 títulos de 1 acção com os n.ºs 35270/89, 43989/44008; 3 títulos de 10 acções com os n.ºs 234841/70, 10 títulos de 5 acções com os n.ºs 128031/60, 122041/60; 158 títulos de 1 acção com os n.ºs 15823/8, 15871/929, 15730/822, 10 títulos de 5 acções com os n.ºs 98511/560, 367 títulos de 1 acção com os n.ºs 45423/789; 100 títulos de 1 acção com os n.ºs 14799/898, 15 títulos de 10 acções com os n.ºs 95051/130. b. Seis mil seiscentas e quatro (6.604) acções da Companhia de Seguros Tranquilidade, sendo 2 títulos de 1 acção com os n.ºs 1174/05; 40 títulos de 50 acções com os n.ºs 327801/329800; 20 títulos de 10 acções com os n.ºs 168951/169150; 110 títulos de 10 acções com os n.ºs 148151/650, 147651/148150, 148651/750; 200 títulos de 10 acções com os n.ºs 168551/950, 170661/710, 170151/60, 170711/50, 169151/170150, 170161/660, 90 títulos de 5 acções com os n.ºs 68416/615, 68716/965, 2 títulos de 1 acção com os n.ºs 1172/3, 25 títulos de 10 acções com os n.ºs 152051/300, 12 títulos de 50 acções com os n.ºs 312201/800. c. Mil Duzentas e cinquenta e oito (1258) acções da SACOR, sendo 1 título de 1 acção com o n.º 816550; 29 títulos de 10 acções com os n.ºs 375481/770; 9 títulos de 20 acções com os n.ºs 55781/820, 58281/420, 16 títulos de 5 acções com os n.ºs 338026/105, 1 título de 20 acções com os n.ºs 940941/60; 1 título de 5 acções com os n.ºs 877586/90; 7 títulos de 1 acção com os n.ºs 305261/7; 1 título de 5 acções com os n.ºs 868361/5; 2 títulos de 10 acções com os n.ºs 909961/70, 918031/40, 1 título de 1 acção com o n.º 305226, 60 títulos de 5 acções com os n.ºs 726391/490, 101 títulos de 1 acção com os n.ºs 745362/461, 816549, 5 títulos de 10 acções com os n.ºs 375431/80; 15 títulos de 5 acções com os n.ºs 338716/40, 349126/75, 3 títulos de 1 acção com os n.ºs 305258/60. d. Dezoito mil e seiscentas e sessenta e seis (18.666) acções do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, sendo 13 títulos de 1 acção com os n.ºs 677959/971, 180 títulos de 50 acções com os n.ºs 531551/540550; 32 títulos de 10 acções com os n.ºs 745381/745700; 13 título de 1 acção com os n.ºs 675797/800, 677972/73, 683215/9, 683273/4, 298 títulos de 5 acções com os n.ºs 73001/74.000, 74026/500, 721386/400, 213 títulos de 10 acções com os n.ºs 236071/237400, 744601/700, 769461/80, 744701/745380, 114 títulos de 50 acções com os n.ºs 787501/788100, 467101/200, 540551/545550.
12. Em 30 de Dezembro de 1974 doou por conta da legítima à sua filha MC…, o imóvel sito na Rua de Inglaterra onde a Ré vive, por escritura lavrada no Cartório Notarial de Lisboa, conforme. Doc. 9 de fls. 47 a 49;
13. MS… faleceu a 03/12/1980 com 59 anos de idade conforme doc. 11 de fls. 54.
14. No dia 20/11/1981 foi lavrada escritura de habilitação de herdeiros de MS…. de fls. 59 e 60 na qual foram habilitados herdeiros os seus filhos F… e MC…
15. Após a sua morte as herdeiras desta, suas filhas MC… e F… fizeram duas partilhas. Doc. 12, 13 e 14 de fls. 62 a 70.
16. No dia 17/01/1989 foi feita uma partilha através da escritura junta a fls. 62 a 65 pela qual foram adjudicadas as duas verbas aí identificadas (dois prédios rústicos denominados “coureia Comprida” e “Herdade da Serra”) à filha F… sendo o quinhão da R. MC… preenchido em dinheiro.
17. No dia 17/07/1984 foi feita uma partilha através da escritura junta a fls. 68 a 70 pela qual foi adjudicada a verba aí identificada (prédio misto denominado “Quinta dos Lobos e Almosquer”) à filha F… sendo o quinhão da R. MC… preenchido em dinheiro.
18. Na sequência da separação de facto entre os pais ocorrida em data não apurada mas não posterior a 1983 a guarda do A. e da sua irmã Vera foi entregue à sua mãe, na residência sita no Lote 197, na Rua de …, tendo o destino dos menores, regime de visitas e pensão de alimentos sido regulados nos termos que constam de fls. 224 a 231.
19. Por apenso aos autos de regulação do poder paternal do A. e da sua irmã deu entrada de incidente de incumprimento que consta de fls. 232 a 236, tendo sido realizada audiência cfr. consta de fls. 237 e 238 e proferida sentença de fls. 241 a 244 e de fls. 324 a 334 e o Acórdão de fls. 335 a 364.
20. O A. esteve sem se relacionar com o seu pai desde os 15 anos até à data da ocorrência da agressão por si perpetrada no corpo da sua mãe e referida em 74.
21. A sua irmã V… viveu até aos 14 anos com a mãe e a partir daí foi viver para casa do seu pai até aos 30 anos, altura em que foi viver sozinha.
22. Correu termos entre a R. e H… os autos de divisão de coisa comum com o n.º …/1989 no 1.º juízo cível do Tribunal de Família e menores e de Comarca de cascais acção especial de divisão de coisa comum para divisão de um prédio rústico de que eram comproprietários, tendo mesmo sido vendido em hasta pública pelo valor de 1000.000.000$00 no dia 26/04/1990, cabendo à R. 50.000.000$00 (cfr. doc. de fls. 279 a 283 e 290 a 294, 306, 307 e 308)
23. Ao tempo da doação o Autor tinha um ano de idade, e porque era menor foi a Ré, mãe do Autor, quem sempre geriu e administrou as acções doadas ao Autor e todos os títulos e quantias que nestas tiveram origem.
24. No dia 23 de Abril do ano 2013 Euronext Lisbon – Sociedade Gestora de Mercados Regulamentados, SA (Euronext) emitiu a certidão de fls. 142 a 145 onde consta que “em 6 de Dezembro de 1990 o valor de cotação das acções da Companhia de Seguros Tranquilidade era de 7.000$00 por acção. (…) á mesma data a CIDLA-Combustíveis Industriais e Domésticos, SARL, a SACOR – Sociedade Anonima Concessionária da Refinação de Petróleos em Portugal SARL e o banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa não se encontravam admitidas à negociação, em virtude de as sociedades em apreço terem sido declaradas nacionalizadas pelo Estado Português, tendo sido determinados os valores definitivos de indemnização por cada acção conforme Despacho Normativo n.º 71/88 de 18 de Agosto e Despacho Normativo n.º 80/88 de 1 Outubro em anexo. (…) á data de 15 de Abril de 2013 nenhum dos títulos acima referenciados se encontravam admitidos à cotação no mercado Regulado Euronext Lisbon (…)” .
25. A bolsa de valores portuguesa esteve encerrada entre 25 de Abril de 1974 e 2 de Janeiro de 1981, pelo que à data da doação, 5 de Agosto de 1974, as cotações estavam suspensas, sendo que as únicas transacções possíveis eram realizadas entre particulares, cujos valores são desconhecidos.
26. A 14 de Março de 1975 foram nacionalizadas as instituições de crédito incluindo o BESCL, a 15 de Março de 1975 foram nacionalizadas as companhias de seguros incluindo a tranquilidade e a 15 de Abril de 1975 foram nacionalizadas outras instituições incluindo a CIDLA e a SACOR, segundo os DL 132-A/75 de 14-03, 135-A/75 de 15-03 e 205-A/75 de 16 de Abril.
27. À data da maioridade, 20 de Setembro de 1992, os títulos referidos na doação, por si mesmos não apresentavam qualquer valor, por terem sido extintos.
28. No entanto, estes títulos foram substituídos por títulos de dívida pública, de Tesouro, com carácter indemnizatório, conforme consta do n.º1 do artigo 12.º e n.º1 do art.º 18.º ambos da Lei n.º 80/77 de 26 de Outubro, sendo os valores definitivos afixados nos despachos normativos n.ºs 71/88, 80/88 e 13/89.
29. À data de 9 de Dezembro de 1990 (data da maioridade do autor falecido), estes títulos de dívida pública tinham o valor nominal aproximado de 95.005.985$50, ou seja, 473.887,86 €, mas ainda geraram remuneração e reembolsos ao longo do tempo (mapa 1 da perícia de fls. 726).
30. Após a maioridade do Autor, foram publicados o Despacho Normativo 222/93 que actualizou o valor indemnizatório do BESCL para 5.049$00 por acção, o Despacho Normativo 80/92 que actualizou o valor por acção da CIDLA para 5.002$50, o Despacho Normativo 111/93 que actualizou o valor por acção da SACOR para 6.893$50 e o Despacho Normativo 134/92 que actualizou o valor por acção da C. Seguinte. Tranquilidade para 2778,50$00, perfazendo 1395 acções da CIDLA, 6604 acções da C. Seguinte. Tranquilidade, as 1258 acções da SACOR e as 18666 acções do BESCL respectivamente, em euros: 34.808,55 €, 91.525,49 €, 43.255,87 E, 470.090,25 €, o que perfaz o total de 639.680,16 € (mapa 2 de fls.726 e 731 da perícia).
31. O reembolso do capital estava previsto para decorrer ao longo de 23 anos, sendo que as retribuições pagas pelo Estado (capital, juros e remuneração indemnizatória de 1986), em parcelas distribuídas no tempo, totalizaram um valor de 182.143.588$, ou 908.528 euros (639.680 euros de capital, 261.061 euros de juros e 7.787 euros de remuneração indemnizatória).
32. Após ter sido efectuada a totalidade destes pagamentos, os títulos e respectivos direitos extinguiram-se em 1 de Setembro de 2008.
33. Da gestão destes valores resultaram quantias que não foi possível apurar.
34. Em 1981, 1982, 1983, 1984, 1985, 1986, 1987 e 1988 foram efectuadas pagamentos de juros nos valores, respectivamente, de 53.544,74€, 8.027,02€, 8.027,02€, 8.027,02€ e 8.495,33€ (anexo 4 de fls. 735 da perícia).
35. Em 1986, 1987 e 1988 foram pagas amortização nos valores de 14.774,49€, 14.774,49€ e 19.566,75 €, respectivamente anexo 4 de fls. 735 da perícia).
36. Nos anos de 1981, 1982, 1983, 1984, 1985, 1986, 1987 e 1988 por virtude dos títulos que substituíram os constantes da doação referido em 11., foram pagas pelo Estado as quantias de globais de 53.544,74€, 8.027,02€, 8.027,02€, 8.027,02€, 8.495,33€, 31.057,22€, 22.900,47€ e 27.323,36€, respectivamente (anexo 4 de fls. 735 da perícia).
37. Nos anos de 1981, 1982, 1983, 1984, 1985, 1986, 1987 e 1988 o coeficiente de desvalorização da moeda face a 2014 foi de 8,60, 7,13, 5,71, 4,43, 3,71, 3,35, 3,07 e 2,76, respectivamente anexo 4 de fls. 735 da perícia).
38. A aplicação destes coeficientes aos montantes recebidos nos anos de 1981 a 1988 perfaz os valores de 460.484,76€, 57.232,66€, 45.834,29€, 35.559,70€, 31.517,69€, 104.041,69€, 70.304,43€, 75.412,48, respectivamente (anexo 4 de fls. 735 da perícia).
39. Em 1989, 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997 e 1998, foram efectuadas pagamentos de juros nos valores, de, respectivamente, 9.783,38€, 10.088,34€, 9.557,37€, 9.026,41€, 8.738,73€, 11.835,98€, 11.046,91€, 10.257,85€, 9.468,78€, 9.468,78€ (anexo 4 de fls. 735 da perícia).
40. Nos anos de 1989, 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997 e 1998 foram pagas amortizações nos valores de 9.783,38€, 10.088,34€, 9.557,37€, 9.026,41€, 8.738,73€, 11.835,98€, 11.046,91€, 10.257,85€, 9.468,78€ e 9.468,78 €, respectivamente (anexo 4 de fls. 735 da perícia)..
41. Nos anos de 1989, 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997 e 1998 por virtude dos títulos que substituíram os constantes da doação foram pagas pelo Estado as quantias de globais de 31.021,98€, 31.326,94€, 30.795,98€, 30.873,24€,40.301,35€, 43.398,59€, 42.609,52€, 41.820,46€, 41.031,39€, 41.031,39€, respectivamente (anexo 4 de fls. 735 da perícia).
42. Nos anos de 1989, 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997 e 1998 o coeficiente de desvalorização da moeda face a 2014 foi de 2,49, 2,22, 1,96, 1,81, 1,68, 1,60, 1,54, 1,50, 1,48 e 1,43, respectivamente (anexo 4 de fls. 735 da perícia).
43. A aplicação destes coeficientes aos montantes recebidos nos anos de 1989, 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997 e 1998 perfaz os valores de 77.244,74€, 69.545,81€, 60.360,12€, 55.880,57€, 67.706,26€, 69.437,74€, 65.618,67€, 62.730,69€, 60.726,46€, 58.674,89,€, respectivamente (anexo 4 de fls. 735 da perícia).
44. Em 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008 foram efectuadas pagamentos de juros nos valores, de, respectivamente, 8.679,72€, 7.890,65€, 7.101,59€, 6.312,52€, 5.523,46€, 4.734,39€, 3.945,33€, 3.156,26€, 2.367,20€, 1.578,13 €, respectivamente (anexo 4 de fls. 735 da perícia).
45. Em 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008 foram pagas amortizações nos valores de 31.562,61€, 31.562,61€, 31.562,61€, 31.562,61€, 31.562,61€, 31.562,61€, 31.562,61€, 31.562,61€, 31.562,61€, 31.562,61€, respectivamente (anexo 4 de fls. 735 da perícia)..
46. Nos anos de 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008 por virtude dos títulos que substituíram os constantes da doação foram pagas pelo Estado as quantias de globais de 40.242,33€, 39.453,26€, 38.664,20€, 37.875,13€, 37.086,07€, 36.297,00€, 35.507,94€, 34.718,87€, 33.929,81€, 33.140,74,€, respectivamente (anexo 4 de fls. 735 da perícia).
47. Nos anos de 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008 o coeficiente de desvalorização da moeda face a 2014 foi de 1,41, 1,38, 1,29, 1,24, 1,20, 1,18, 1,16, 1,12, 1,10, 1,07, respectivamente (anexo 4 de fls. 735 da perícia).
48. A aplicação destes coeficientes aos montantes recebidos nos anos de 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008 perfaz os valores de 56.741,68€, 54.445,50€, 49.876,81€, 46.965,16€, 44.503,28€, 42.830,46€, 41.189,21€, 38.885,14€, 37.322,79€, 35.460,59€, respectivamente, perfazendo a soma dos montantes, actualizados, percebidos entre 1981 e 2008, pelos títulos a quantia de 1.976.534,28 Euros (anexo 4 de fls. 735 da perícia).
49. O Autor não recebeu qualquer dinheiro desses títulos na maioridade, nem a Ré entregou até hoje ao Autor qualquer montante monetário.*Eliminado e alterado, passando a ter a seguinte redacção:
49. Desde 1983 e até 24 de Novembro de 2012, o A. viveu a expensas da ré, a qual pagava a maioria das despesas do Autor, nomeadamente através do valor obtido com a administração das acções e título doados ao autor pela sua avó.
50. A R. nunca lhe entregou documentos que comprovassem aquela doação, nem onde estava o dinheiro, designadamente o Banco e conta bancária.* Eliminado, passando a ter a seguinte redacção:
50. A ré não entregou ao Autor documentos que comprovassem a doação em causa, mas o Autor sabia que todas as despesas suportadas pela ré advinham da administração das acções e títulos doados pela avó.
51. Circulavam rumores na família, que a avó tinha deixado algo a si e à irmã, mas o A. não sabia se se tratava de doação ou testamento. * Eliminado
52. O Autor chegou a pedir à mãe documentos mas ela sempre se recusou. * Eliminado
53. Apenas em Janeiro de 2013 o Autor descobriu o documento que confirma a existência de uma doação feita pela avó para ele. * Eliminado
54. E foi a partir daí que o Autor começou a exigir à Ré a entrega do que lhe foi doado. .* eliminado
55. Não sabe contudo até hoje onde se encontra esse dinheiro, constando na família que a R. o terá colocado numa conta na Suíça.* Eliminado
56. O A. frequentou o Saint Julian`s School durante o ensino primário.
57. O A. M… frequentou a Escola Técnica e Liceal Salesiana de Sto António, desde o 5.º ano até ao 12.º ano de escolaridade, cujas mensalidades dos anos 1982 a 1992 foram as que constam da declaração de fls. 441.
58. O A. M… frequentou a Universidade Lusíada de Lisboa onde tirou o curso de direito e cuja propina de frequência dos anos de 1991 a 1998 foi a que consta de fls. 442.
59. O A. falecido é licenciado em direito, tendo sido a R. quem pagou os seus estudos universitários, até à conclusão do curso.
60. O A. durante alguns anos deu aulas em diversos locais.
61. À data de entrada da PI o Autor estava desempregado.
62. O A. tem HIV desde 1996, o que exige medicamentos diários, consultas mensais e cuidados com a saúde e alimentação.
63. No dia 24 de Abril de 1997 o A. emitiu a declaração junta a fls. 146 onde declarou que “no uso das suas plenas faculdades mentais, que tendo tomado conhecimento através do resultado de análises que sofre da doença do SIDA, não quer que a sua mãe informe o seu pai ou qualquer outra pessoa sobre a sua doença”.
64. O A. viveu até 24 de Novembro de 2012 em casa da mãe, na residência sita no Lote …, na Rua de Inglaterra no Estoril.
65. Apesar de residirem ambos na referida habitação, a A. ocupava o 1.º andar e o R. ocupava o R/C, sendo que ambos partilhavam a cozinha, situada no R/C da mesma habitação, tendo o R. chegado a morar a partir de determinada altura com a namorada no referido R/C.
66. Foram realizadas obras no rés-do-chão do imóvel onde o A. habitava com a R. no ano de 1997.
67. No dia 10/06/1997 o A. M… declarou que “Pretendendo viver mais independente em relação à sua mãe, na mesma morada, e sendo por isso necessário dividir a casa, propõe suportar a maior parte dos custos da obra a realizar com o fim de criar as condições pretendidas” (cfr. doc. 3 de fls. 147).
68. A sociedade Construções Civis e obras públicas SA emitiu em nome do A. os recibos juntos como docs. 4 a 8 de fls. 148 a 152 relativas a “remodelação de Moradia No Estoril”.
69. O A. M… em meados de Outubro de 2012 teve uma discussão com a mãe em que esta acabou por lhe exigir que ele saísse de casa.
70. Ele disse que saia de boa vontade, desde que ela lhe desse o dinheiro da avó que se falava na família, pois sem isso ele não teria como viver.
71. No dia 04/11/2012 a autoridade policial deslocou-se à morada do A. e da R. a pedido desta sita na R. Inglaterra, …, 1.º Andar, Estoril, tendo sido elaborado o auto de ocorrência junto a fls. 317 a 320.
72. O Autor recusou-se a sair de casa enquanto a mãe não lhe entregasse o dinheiro.
73. As discussões foram-se adensando entre o Autor e a Ré.
74. No dia 24 de Novembro de 2012, o Autor falecido agrediu fisicamente a Ré, o que deu origem ao processo crime que correu termos na 4ª Secção dos Serviços do Ministério Público de Cascais.
75. Nesses autos a R. deduziu o pedido de indemnização cível que consta de fls. 378 a 398 contra o A. M…
76. No dia 24/11/2012 a R. deu entrada no hospital de S. Francisco Xavier com politraumatizado TCE Traumatismo Ortopédico cfr. consta de fls. 153 a 155, tendo tido alta a pedido em 08/12/2012.
77. Foi transferida para o Hospital da Luz onde esteve internada até 21/12/2012 (fls. 164 a 168).
78. Voltou a ser internada no Hospital da Luz em 26/12/2012 para enxerto da úlcera occipital e remoção de material de osteossíntese da fractura da falange tendo tido alta em 14/01/2013 (fls. 167 e 168).
79. Voltou a ser internada no Hospital da Luz em 16/04/2013 para reparação de defeito da calote craniana tendo tido alta em 18/04/2013.
80. Correu termos pelo 2.º Juízo Criminal de Cascais o processo n.º …/12.4pbcsc processo crime contra o A. falecido, tendo o mesmo sido condenado em 1.ª instância como autor material de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, na pena de 6 (seis anos) de prisão.
81. O A. falecido recorreu dessa decisão tendo sido dado provimento parcial ao recurso, sendo o arguido absolvido da prática na forma tentada de um crime de homicídio qualificado pela alínea a) do n.º2 do art.º 132.º, do Código penal, considerando-se ter praticado um crime de homicídio na forma tentada previsto pelos artigos 22.º, 23.º, n.º1 e 2 e 73.º, n.º1, alíneas a) e b) e 131.º, do Código Penal, pelo qual não será punido, visto o disposto no art.º 24.º, n.º1 do Código Penal, indo agora condenado pela prática, como autor material de um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo art. 144.º, al. d) do Cod. Penal na pena de 4 (quatro) anos de prisão”.
82. O Acórdão transitou em julgado.
83. Correu termos o processo …/14.2tbcsc nesta Comarca, Inst. Local- Secção Cível-J2 processo comum, em que a aqui R. pediu que ao A. falecido fosse condenado por indignidade de capacidade sucessória relativamente à A., ascendente do R., tendo a acção sido julgada procedente e o aqui A. declarado como incapaz por indignidade para suceder à sua mãe MC… (cfr. sentença junta a fls. 1031 a 1035).
84. Nesses autos foi dado como provado que: “4.No dia 24 de Novembro de 2012, pelas 04h00, MC… desceu ao R/C da casa, de forma a dirigir-se à cozinha.
5 - Quando já se encontrava no R/C, o R., seu filho, munido de um taco de softball desferiu, com o referido taco, várias pancadas no corpo e, em especial, na cabeça da sua mãe, sem que esta tivesse qualquer possibilidade de se defender.
6 - Em consequência das pancadas sofridas, a Autora perdeu os sentidos e caiu no chão junto às escadas interiores que acediam ao 1º andar da residência.
7 - A aqui Autora foi assistida no local pela Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER) de Cascais, apresentando um Glasgow Coma Score de 11, com pupilas anisocorias, tendo sido sedada, intubada e ventilada no local.
8 - Tendo sido, de seguida, conduzida ao serviço de urgência do Centro Hospitalar de Lisboa ocidental, E.P.E., Hospital de São Francisco Xavier, onde chegou por volta das 6h15, apresentando à chegada um Glasgow Coma Score de 7, com pupilas mióticas e pouco reactivas.
9 - No Hospital de São Francisco Xavier, realizou TC CE que diagnosticou importante hemorragia na região temporal esquerda e extensos focos de contusão, resultando evidente distorção parenquimatosa, com apagamento sulcal, colapso do corno temporal ipsilateral e evidente compressão do tronco cerebral com herniação do uncus esquerdo; associa-.se HSA, com colecção identificada no segmento anterior da fenda inter-hemisférica e revestindo a tenda do cerebelo e também inundação do IV ventrículo, fractura da base do crânio e fractura complicada e cominutiva da 2ª falange do 4º dedo da mão esquerda.
10 - Após observação, a equipa médica de neurocirurgia, decidiu realizar intervenção cirúrgica, onde, sob AGB, foi submetida a craniectomia descompressiva de urgência e drenagem de hematoma subdural, colocação de sensor de PIC, tendo, igualmente, sido efectuada uma redução e osteossíntese de fractura complicada e comunicativa da mão esquerda.
11 - A aqui A., após a cirurgia realizada a 24.11.12, ficou internada na Unidade de Cuidados Intensivos, onde se manteve sedada, ventilada e conectada a prótese ventilatória (coma), com prognóstico reservado, até ao dia 03.12.12.
12 - A partir de 3 de Dezembro de 2012, data em que saiu de coma, a aqui Autora apresentava um quadro de agitação e agressividade, interpretado clinicamente como alterações de comportamento secundárias ao traumatismo cranioencefálico, com terapêutica antipsicótica e sedativa.
13 - No dia 08.12.12, teve alta dos cuidados intensivos do HSFX, e foi transferida para o Hospital da Luz, ficando internada, até ao dia 22.12.12, data em que teve alta.
14 - No dia 26.12.12, a A., foi, de novo, internada no Hospital da Luz, para ser submetida a Cirurgia Plástica- remoção da tala do 4º dedo da mão esquerda, e, revisão cirúrgica com eventual enxerto da lesão do couro cabeludo, na região occipital, ficando internada, até ao dia, 14.1.2013, data em que obteve alta clínica.
15 - O aqui Réu, com a sua conduta, despedaçou estruturas ósseas e vasculares, com comprometimento de um órgão vital, como é o cérebro.
16 - Como consequência directa das referidas agressões, desferidas principalmente no crânio, na região temporal esquerda e no rochedo e base do crânio, o aqui Réu, provocou, nomeadamente, as seguintes lesões na sua mãe, aqui A..
- Traumatismo cranioencefálico grave;
- Cicatriz do couro cabeludo na região parietal esquerda, arciforme de concavidade externa, com 12 cm de comprimento;
- Cicatriz do couro cabeludo na região temporoparietal direita, com 14cm o ramo sagital e 4 cm o coronal;
- fractura complicada e cominutiva da 2ª falange do 4º dedo da mão esquerda;
- rigidez no membro superior esquerdo a nível da falange proximal do 4º dedo, não efectuando flexão completa;
- Ligeira limitação da dorsiflexão ao nível da mobilidade passiva dos dedos do pé esquerdo;
17 - As lesões provocadas pelo R., à pessoa da sua mãe, aqui A., constituíram perigo para a sua vida.
18 - Atendendo às diversas pancadas que o R. desferiu à sua mãe, em especial na zona da cabeça, onde se aloja um órgão vital, como é o cérebro, não levaram à morte da mesma, por ter sido clinicamente assistida em tempo oportuno, e por lhe terem sido ministrados cuidados especiais de saúde(…)”.
85. O A. falecido requereu a providencia cautelar de arresto tendo a mesma corrido no 1º Juízo Cível do Tribunal de Família Menores e de Comarca de Cascais com o número de processo …/13.2TBCSC, tendo o mesmo sido decretado a 19.03.2013, conforme apenso A de arresto.
86. O A. M… faleceu no estado de solteiro, maior, sem descendentes, nem testamento, tendo o óbito ocorrido a 16/06/2016, altura em que tinha como última residência habitual a R. Ramiro Ferrão, n.º 47, 3.º Esq.º, Almada, (fls. 812 a 814).
87. No dia 15/07/2016, foi lavrada escritura de habilitação de herdeiros por morte do A. por H…, enquanto cabeça de casal, tendo sido habilitados como herdeiros H… e MC…, ascendentes do falecido. (fls. 812 a 814 a 835 e 836).
                                              *
Foram ainda considerados como não provados os seguintes factos:
a) Foi doada a todos os netos a quantia total de 261.308.500$00, cujo valor actual em euros é de 1.303.404,30€ (um milhão trezentos e três mil quatrocentos e quatro euros e trinta cêntimos). Doc. 5
b) o valor acima referido passou a ser dividido por 4 donatários, cabendo a cada um na altura a quantia de 325.850,32€ (trezentos e vinte e cinco mil oitocentos e cinquenta euros e trinta e dois cêntimos).
c) o Autor tinha arrendado pouco antes uma casa para ir viver com a namorada.
d) É nessa casa arrendada que tem vivido até hoje, com a ajuda da namorada, CM…, e do pai e de outros familiares e amigos.
e) Muito em breve o Autor vai mudar-se para a casa da antiga empregada da sua mãe, D… que cuidou dele durante 11 anos, enquanto o Autor viveu em casa da Ré, sua mãe.
f) O Autor agora está sozinho, continuando a beneficiar do apoio de familiares, amigos e da ex-namorada.
g) Tem sido uma fase muito complicada para o Autor, viver da ajuda dos outros sabendo que tem dinheiro para poder viver sozinho sem depender dos outros.
h) O A. necessitava de fazer outra operação à hérnia discal lombar para corrigir o que correu mal com a operação anterior, pois não consegue estar muito tempo de pé ou sentado na mesma posição, nem conduzir durante várias horas.
i) Foi-lhe prescrita por médico fisioterapia e natação com regularidade.
j) Desde que o aqui A. completou os 18 anos de idade, conjuntamente com a sua irmã que sempre souberam da existência da doação feita pela sua avó, por da mesma a R. lhes ter dado conhecimento quer quando atingiu a maioridade quer antes.* Eliminado.
k) A R. no seguimento da vontade da sua mãe, avó do autor, investiu as acções no pagamento das despesas respeitantes à segurança, habitação, alimentação, saúde e educação daqueles, o que fez por necessidade, quando deixou de ter o apoio monetário do pai dos mesmos.
l) A R. necessitou de administrar e aplicar os referidos rendimentos dos seus filhos na educação e saúde dos mesmos, porque na sequência da separação de facto do seu marido H…, pai dos menores, viu-se obrigada a criar os mesmos sem qualquer ajuda monetária do pai, que nunca efectuou o pagamento de pensão de alimentos à aqui R. nem provisória nem definitiva.
m) O A. completou a sua formação escolar no ano de 1997.
n) Quando o A. atingiu a maioridade, o dinheiro das acções já havia sido aplicado e gasto na alimentação, habitação, vestuário, saúde e educação do A.;* Eliminado
o) Desde a data da separação de seus pais até ao dia 24 de Novembro de 2012, o A viveu a expensas da R.;*Eliminado
p) A R. despendeu a quantia de €74.000,00 com matrículas, mensalidades, fardas, actividades extra-curriculares no Colégio Saint Julian´s nos quatro anos de instrução primária.
q) Desde 1982 a 1990 a R. despendeu com matrículas, mensalidades e actividades extra curriculares no Colégio Salesianos do Estoril a quantia de €3.300 anuais, totalizando €26.400,00.
r) Desde o ano de 1991 a 1997 a R. despendeu com a educação do A. com matrículas e mensalidades na Universidade Lusíada a quantia de €8.055,40.
s) A R. despendeu aproximadamente a quantia de €7.000,00 em livros e material escolar para o A. ao longo dos 17 anos.
t) Desde a data em que o A. atingiu a maioridade até ao dia 24 de Novembro de 2012, a R. despendeu com o A. as seguintes quantias:
i. - € 29 900,00, com a saúde do A.;
ii. - € 4 000,00, com a saúde da companheira do A., CM…;
iii. - € 204 000,00 de mesadas;
iv. - € 54 000,00 , em obras de adaptação do rés-do-chão da Rua de …, para habitação do A.;
v. - € 4 500,00, com obras na piscina, de forma a permitir que o A. utilizasse a piscina nos meses de Inverno;
vi. - A R. despendeu cerca de € 1 000,00 mensais com a alimentação do A. e de sua companheira, perfazendo € 204 000,00;
vii. - € 200,00 mensais em consumos de electricidade, € 15,00 mensais de consumos de gás e € 70,00 mensais de consumos de água, relativos à totalidade do imóvel;
viii. - € 2 500,00 mensais, com os vencimentos da cozinheira, da empregada doméstica e de dois jardineiros;
ix. - € 25 000, 00, em viagens;
x. - € 42 500,00, com viaturas do A., manutenções e seguros;
xi. - Para conseguir pagar todas as despesas, a R. vendeu património (um imóvel e acções).
u) A 13 de Abril de 1983 a R. conjuntamente com a sua irmã F… prometeram vender e venderam o imóvel sito em Lisboa na R. … n.ºs 31, 31ª, 31B e 31C descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … e inscrito na respectiva matriz cadastral sob o artigo … pela quantia de 14.500.000$00 correspondente a €72.325,70.
v) A R. de modo a ter liquidez de dinheiro que necessitava para fazer face à sustentabilidade de uma moradia com uma área total de 2018,5m2 vendeu a maioria das acções que detinha junto do Banco Espírito Santo à sua irmã F…
w) a R. não recebeu do pai do A., após a separação, qualquer quantia a título de pensão de alimentos.*Eliminado
x) Foi aberta uma conta no Banco Espírito Santo em nome de todos os donatários, onde era depositado o dinheiro originado por aqueles.
                                                        *
Questão prévia:
A apelante começa por pretender por em causa a legitimidade do habilitado, ou pelo menos a sua legitimidade para por si só figurar como Autor, dizendo em sede conclusões que não vislumbra como possa o aqui Recorrido vir substituir o seu falecido filho e Autor nestes Autos, M…, “para prosseguir a causa até final”. Pois no seu entender atento o carácter pessoal da doação, não se afigura possível atribuir a outrem, nomeadamente, a faculdade de designar a pessoa do donatário ou determinar o objecto da doação, tal como assim determina o disposto no número 1 do artigo 949.º do Código Civil. Mais alega que não é possível a qualquer parte se substituir ao beneficiário da doação em caso de falecimento do mesmo, atento o carácter intransmissível dos direitos em causa.
Concluindo que inexiste legitimidade por parte do Cabeça-de-Casal, aqui Recorrido, em fazer-se substituir ao beneficiário da doação, ora falecido, pelo que não poderia haver a continuidade da acção por estarem em causa direitos pessoais e intransmissíveis. Além do mais, figurar apenas o pai do falecido determina a preterição de litisconsórcio necessário, pois não figura a sucessora mãe, Habilitada e aqui Recorrente, e esta implica que todos os herdeiros detenham interesse em agir, na qualidade que o Autor in casu assumiu nos presentes Autos.
Acabando ainda por dizer que : «De onde resulta que, se o aqui Recorrido, enquanto Cabeça-de-Casal detinha interesse em agir, como parece ter, nunca poderia tê-lo feito nos presentes Autos, mas antes em acção autónoma, devendo proceder à partilha da herança e, só então, na qualidade de herdeiro, interpor a respectiva acção, dado que estamos perante uma herança jacente, isto é, não partilhada e onde, efectivamente, quer o Cabeça-de-Casal, aqui Recorrido, quer a ora Habilitada, aqui Recorrente, concorrem em proporção de quotas, direitos e deveres. Destarte, a posição processual da aqui Recorrente e Habilitada e no que toca ao facto de ser herdeira, jamais poderia ser dissociada da legitimidade que a mesma tem em intervir numa e noutra circunstâncias, razão pela qual a pretensão do Cabeça-de-Casal, aqui Recorrido jamais poderia ter procedido, o que não se pode deixar de alegar para os devidos efeitos legais.».
Nos autos foi proferida decisão por este Tribunal, confirmada por decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, na parte que ora releva, nos seguintes termos:« Nada obsta a que o habilitando (pai do falecido autor) que não ocupava qualquer posição na causa possa vir a ser habilitado, sucedendo na posição do falecido autor, para com ele prosseguir o processo os seus termos. A Ré, mãe do Autor, é que não poderá ser habilitada já que tal a colocaria simultaneamente como Autora e Ré do mesmo processo. Não se justifica pois que se declare, como no despacho recorrido, a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, pelo menos relativamente ao ora recorrente C. Por outro lado, nada obsta a que um dos sucessores seja habilitado para ocupar a posição processual da parte falecida, desacompanhado do outro sucessor. Isto porque a legitimidade do sucessor se afere nos termos da relação material controvertida como a configurou o falecido autor. Refere a este propósito Abílio Neto, "Código de Processo Civil Anotado" pág. 507, que "esta forma de habilitação (que se distingue da habilitação principal e da habilitação legitimidade) visa colocar o sucessor no lugar que o falecido ou o transmitente ocupavam em processo pendente. Daí que a sentença de habilitação não disponha de alcance geral, limitando-se os seus efeitos ao processo em que se originou o incidente: o sucessor habilitou-se ou foi habilitado, não erga omnes, mas apenas perante o litigante com o qual pleiteava o falecido ou o cedente". Também Lebre de Freitas segue esta mesma perspectiva, quando refere no seu "Código de Processo Civil Anotado" 1°, pág. 635: "O ac. Do STJ de 2.6.64, BMJ, 138, p. 298, julgou que, falecida a autora da acção intentada contra dois dos seus filhos, não podem ser habilitados, para em seu lugar, ocuparem a posição de autores, os filhos que nela figuram como réus, mas apenas os restantes. "Baseou-se a decisão em que habilitação incidental respeita tão-só à transmissão da posição jurídica litigiosa, a qual não tem de coincidir com a transmissão universal dos direitos do falecido, a que respeita a acção autónoma de habilitação". No caso estamos perante a habilitação incidental, por falecimento de uma das partes no decurso da causa, pelo que nada obsta à mesma. Contudo, a recorrida adianta um último argumento (que, note-se, nunca foi mencionado na decisão recorrida). Alega que "dado o carácter pessoal da doação, não é possível a qualquer parte substituir-se ao beneficiário da doação em caso de falecimento do mesmo, porquanto a própria natureza da doação pressupõe um carácter intransmissível dos direitos em causa". Cita como exemplo, o art. 949° n° 1 do Código Civil. Este preceito contudo, nada tem a ver com a transmissão para os sucessores do falecido donatário, mas com a determinação deste ou do objecto da doação efectuada por mandato. No caso dos autos, o falecido autor arrogava-se donatário de uma avó, dirigindo a acção contra a sua mãe, imputando-lhe ter-se locupletado com os bens doados. Discordamos da tese da recorrida de que os bens doados têm um carácter intransmissível. Uma vez que integrem o património do donatário, os bens doados são transmissíveis por morte aos seus herdeiros, como decorre de várias disposições legais, como por exemplo o art. 965° do Código Civil no tocante às cláusulas modais inseridas no contrato de doação».( sublinhado nosso). No Acórdão desta Relação proferido nos autos acaba por se concluir que: «Falecendo o autor da acção em que é Ré a sua mãe, a habilitação desta para com ela prosseguir a causa não é possível, já que passaria a ser simultaneamente Autora e Ré na mesma acção. Mas nada impede a habilitação do pai, a título incidental, para substituir o falecido na posição activa do litígio».
Tal decisão  foi confirmada por decisão proferida por Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, datado de 19/04/2018, no qual se concluiu além do mais que:«Se é certo que, em regra, devem ser habilitados como sucessores da aprte falecida na pendência da causa todos os herdeiros, não pode deixar de se fazer uma restição que abarque os casos em que o lado passivo da relação processual se encontra algum dos co-herdeiros. No caso concreto, depois do falecimento do A. foi feita a habilitação dos respectivos herdeiros, ou seja, a sua mãe, R. nesta ação, e de seu pai, requerente da habilitação judicial. Tal não determina, porém, que aposição ativa na presente ação tenha de ser ocupada por todos eles, tanto mais que o requerente até é o cabeça de casal da herança. Com  a presente habilitação, a acção pode e deve prosseguir contra a mesma R., e o resultado que porventura vier a ser declarado integrar-se-á na esfera jurídica da herança indivisa do falecido A., com o destino que lhe vier a ser dado no posterior processo de partilhas. Não existe pois, qualquer impedimento a que  aposição ativa do A. seja ocupada pelo seu pai, na qualidade de co-herdeiro e de cabeça de casal.»  
O caso julgado, como refere o prof. Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., p. 307”), consiste, assim, “na alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito, que não admite recurso ordinário”, ou então, como ensina o prof. Manuel de Andrade (in “Noções Elementares de Processo Civil, 1993, págs. 305 e 306”), o caso julgado consiste em “a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objectivo ou à actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes, mas também à paz social”.
O instituto do caso julgado exerce, assim, duas funções: uma função positiva e uma função negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões e exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal (vide, por todos, o prof. Alberto dos Reis, in “CPC Anotado, vol. III, pág. 93”, Ac, STJ de 16/09/2015, proc. 1918/11, in “Sumários, 2015, pag. 485”, e Ac. da RP de 24/11/2015, proc. 346/14.0T8PVZ.PT, disponível em www.dgsi.pt). Compreende-se, desse modo, a razão de tal autoridade do caso julgado pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas. Tanto mais que a decisão transitada pode até ter apreciado mal os factos e interpretado e aplicado erradamente a lei, mas no mundo do Direito tudo se passa como se a sentença fosse a expressão fiel da verdade e da justiça (cfr., a propósito, o prof. Alberto dos Reis, in “Ob. cit., pág. 94”).      
Logo, manifestamente parte das questões suscitadas nas conclusões da recorrente não podem ser apreciadas pois a decisão que determinou o prosseguimento dos autos teve em consideração as mesmas, pelo que a autoridade de caso julgado determina que a parte seja legítima nada relevando o alegado nas conclusões 1 a 11.
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Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto:
No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido, tendo porém presente o princípio a observar em casos de dúvida, consagrado no artigo 414º do C.P.C., de que a «dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita». Conforme é realçado por Ana Luísa Geraldes («Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto», in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I. Coimbra, 2013, pág. 609 e 610), em «caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte». E mais à frente remata: «O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialeticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade.»
Assim, apesar de se garantir um duplo grau de jurisdição, tal deve ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artº 607 nº 5 do C. P. Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o tribunal de recurso não pode já recorrer.
De acordo com M... Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.
 Assim, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.
Porém, e apesar da apreciação em primeira instância construída com recurso à imediação e oralidade, tal não impede a «Relação de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a 1ª instância, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida (…) Dito de outra forma, impõe-se à Relação que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, de modo a apreciar a sua convicção autónoma, que deve ser devidamente fundamentada» (Luís Filipe Sousa, Prova Testemunhal, Alm. 2013, pág. 389).
Assim, se o recorrente impugna determinados pontos da matéria de facto, mas não impugna outros pontos da mesma matéria, estes não poderá ser alterados, sob pena de a decisão da Relação ficar a padecer de nulidade, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), 2ª parte, do C.P.C. É, assim, dentro destes limites objetivos que o art. 662.º do C.P.C., atribui à Relação competências vinculadas de exercício oficioso quanto aos termos em que pode ser feita a alteração da matéria de facto, o mesmo é dizer, quanto ao modus operandi de tal alteração. Porém, e relativamente aos factos impugnados, desde que a resposta a ter em conta na reapreciação da prova seja contrária ou esteja em contradição com alguns dos factos tidos em conta na sentença, também estes devem ser alterados em conformidade, sob pena de nulidade.
No caso concreto pretende a ré que não se considerem os factos contidos nos pontos 31. a 48. Pretende ainda que sejam dados como não provados os factos contidos nos pontos 49. a 53., e provados os factos que integram as alíneas l) a x).
Vejamos se lhe assiste razão.
a) Os pontos cuja resposta a apelante entende que não deveriam ter sido considerados foram desde logo, os factos contidos nos pontos 31. a 48.
Em abono da sua pretensão alega a recorrente que em virtude do relatório pericial junto aos presentes Autos resulta que “os títulos” constantes da escritura de doação, a “9 de Dezembro de 1990”, isto é, quando o Autor atingiu a sua maioridade, “por si mesmos não apresentam qualquer valor, por os mesmos terem sido extintos”. Ademais, resulta do aludido relatório que “à data da doação, 5 de Agosto de 1974, as cotações estavam suspensas, sendo que, as únicas transacções possíveis, eram realizadas entre particulares, cujos montantes de transacção são desconhecidos”. Conclui assim, que os peritos claramente expressam, de modo claro e objectivo, que “desconhecem se os títulos indicados” na escritura de doação “foram ou não alienados em processo de venda”, pelo que “em rigor, não é possível saber com exactidão o montante das retribuições pagas, relativo aos títulos referidos na escritura de doação, sob qualquer forma”, mais tendo sido referido pelos Peritos nomeados pelo Tribunal a quo, em resposta ao requerido pelo mesmo, que “o Colégio de Peritos considera não dispor de informação objectiva que lhe permita acompanhar a evolução dos valores de realização dos títulos e respectivos direitos, ao longo de 28 anos (a sua vida), para que, na óptica de um gestor criterioso, avaliar o seu desempenho, na gestão dos fluxos financeiros gerados ao longo daquele período”.
Logo, conclui ainda que o entendimento supra explanado do Colégio de Peritos – no sentido em que, os valores e respectivos juros apresentados, mais não são do que meras suposições –, terá que ser devidamente valorizado por este Venerando Tribunal, ao contrário do que sucedeu com o douto Tribunal a quo, pelo que não poderiam resultar provados os factos sob os números 31, 32, 34 a 48, uma vez que os mesmos são meras hipóteses, resultantes do quadro anexo ao relatório (Anexos II, III e IV).
Na motivação contida na sentença recorrida e justificativa da resposta a estes pontos expõe-se o seguinte: «Para prova dos factos 25 a 48 o tribunal teve em conta o relatório pericial de fls. 724 a 735.O relatório pericial e respectivos mapas e anexos revelam-se credíveis e fiáveis, bem fundamentados revelando a perícia no seu todo isenção; baseando-se no que foi determinado pelo Estado para o pagamento dos títulos, nada evidenciando dos autos que o estado não tenha cumprido os normativos por si aprovados. Ademais, a R. enquanto detentora dos bens bem poderia ter explicado e documentado nos autos a evolução histórica dos títulos e rendimentos gerados, o que não fez, e até demonstração em contrário, é ela detentora dos valores e rendimentos gerados.».
Ora, tal como resulta do relatório de peritagem junto a fls. 725 a 735, os valores correspondem ao que se conseguiu apurar, sendo certo que todos os factos que a apelante pretende que se considerem constam dos pontos 24. a 30. Acresce que caso os valores não correspondessem em concreto, seria a ré que poderia ter esclarecido os mesmos, o que não fez. Donde, entendemos que tal como consta da motivação a tais factos nada há a alterar quanto aos mesmos.
b) Insurge-se ainda a apelante quanto à resposta contida nos pontos 49. a 53.
Refere para fundamentar tal impugnação dos factos em causa, que não corresponde à realidade que não se tivesse provado que o Autor, filho do aqui Recorrido, soubesse da doação desde, pelo menos, a sua maioridade, uma vez que, a relação do Autor com a aqui Recorrente sempre foi pautada por uma relação de extrema proximidade, conforme ficou demonstrado pelo depoimento da irmã da aqui Recorrente, F…. Acresce que o A. enquanto licenciado em Direito, tinha efectivo conhecimento do que lhe havia sido doado pela Sra. sua avó, o que resulta evidente até pelo teor do facto dado como provado 70, onde o Autor confessa que sem esse dinheiro – manifestando saber qual – não tinha como viver. Aliás defende a recorrente, somente se justifica que a irmã do aqui Autor tenha outorgado Procuração a favor da aqui Recorrente, “dando-lhe poder para continuar a tomar conta dos meus bens”, com conhecimento de que era proprietária/beneficiária de tais bens, conforme se afigura evidente, apesar do depoimento de V…, se tenha traduzido num depoimento pouco parcial, porque a procedência desta acção beneficia-a a mesma confessou tal facto. Mais refere que tal também resulta do depoimento do aqui Recorrido, H…, pai do falecido Autor, que sempre teve conhecimento da transformação dos aludidos títulos. Assim sendo, e atento tudo o que supra vai exposto e os concretos meios probatórios invocados, com menção expressa das passagens da gravação do depoimento que a aqui Recorrente quanto à matéria específica da prescrição considera dever ser valorada, com o devido respeito, o Tribunal a quo jamais poderia considerar como provados os factos nº 49 a 53, devendo antes, ter proferido decisão diversa quanto à prescrição, nomeadamente, que dúvidas não existem de que a mesma ocorreu.
Os pontos 49 a 53 são do seguinte teor:
49. O Autor não recebeu qualquer dinheiro desses títulos na maioridade, nem a Ré entregou até hoje ao Autor qualquer montante monetário.
50. A R. nunca lhe entregou documentos que comprovassem aquela doação, nem onde estava o dinheiro, designadamente o Banco e conta bancária.
51. Circulavam rumores na família, que a avó tinha deixado algo a si e à irmã, mas o A. não sabia se se tratava de doação ou testamento.
52. O Autor chegou a pedir à mãe documentos mas ela sempre se recusou.
53. Apenas em Janeiro de 2013 o Autor descobriu o documento que confirma a existência de uma doação feita pela avó para ele.
Na motivação da consideração de tais factos descreve-se na sentença recorrida que estes resultam:« dos depoimentos conjugados das seguintes das testemunhas: - V… filha do A. habilitado e da R., que não tem relação com a mãe, que cortou relações com ela acerca de 5 anos, e que também tem um processo a correr contra a mãe, soube da existência da doação para os netos pela sua avó, quando em Janeiro de 2013 tomou conhecimento do documento relativo á doação, depois da ocorrência entre a mãe e o irmão. A mãe nunca deu dinheiro aos filhos relativo à doação nem os títulos. Diz que viveu com o irmão até aos 14 anos de idade, altura em que foi viver com o pai e o seu irmão ficou com a mãe. Refere que o seu irmão estudou direito e especializou-se em direito do trabalho, chegou a dar formação e auferia o salário correspondente. Afiança que a sua mãe nunca teve dificuldades económicas. Diz que aos 14/15 anos foi posta na rua. A mãe nunca pagou pensão de alimentos ao seu pai, relativamente a si. O seu irmão não tinha relação com o pai desde os 15 anos até à data da agressão à sua mãe. Diz que a sua mãe não viveu com dificuldades sempre tiveram cozinheira, jardineiros. Confirmou que o irmão era seropositivo, o que soube apenas recentemente. Diz que foi vendida pelos pais a Quinta da Gandarinha na altura do divórcio dos pais. Confirmou a existência de obras pelo seu irmão no andar debaixo da casa onde o mesmo habitava com a mãe. Confirmou a existência de conflito com a mãe e o irmão e que ele tinha que sair da casa, e que a discussão começou por um acumular de tensões. Diz que a sua mãe chegou a ajudá-la a partir dos 30 quando ela foi viver sozinha, na renda da casa. Diz que também nunca teve uma relação muito estável com o irmão. Chegou a ir visitar o seu irmão na altura dos acontecimentos para tentar apaziguar a tensão existente entre eles.
- Filipa …….., irmã da R., que explicou que a R. como era mais nova teve apoio para fazer tudo o que lhe apetecia e mandava em toda a gente, diz que tratou da sua irmã quando saiu do Hospital da Luz na sequência da agressão de que foi vítima por parte do filho falecido. Afirma que a irmã foi para casa e a testemunha contratou uma enfermeira, mas que a partir de determinada altura desentendeu-se com a irmã e então não mais a visitou. Confirmou que a avó sua mãe deixou acções aos netos e estavam na sua conta e da sua irmã. A irmã não tinha paciência para tratar dessas aplicações era uma gestora privada que tratava.A dada altura dividiram o valor, a R. Mariana ficou com a parte relativa aos seus filhos e ela com a relativa aos seus e a testemunha entregou-lhes dinheiro para um apartamento a cada um em Julho, referindo que as acções foram transformadas em obrigações do tesouro, e quando eram sorteadas e vencidas é que recebiam o valor, na conta. A sua irmã ficou com a parte relativa aos seus filhos V… e M… gerindo-a e que saiba a sua irmã nunca entregou nada aos filhos, diz que deve ter ido tudo para a Suíça, porque ela nunca queria nada cá em Portugal. Explicou ainda que aquando das partilhas por morte da mãe a testemunha ficou com os bens e a R. ficou com tornas em dinheiro e que terá sido colocado em contas na Suíça. Diz que o A. apenas soube que havia a doação quando a Dra. C… descobriu o papel da doação, diz que a testemunha nunca informou os filhos da irmã da doação.Quando na altura em que ocorreu a agressão chegou a falar com a irmã para entregar o que cabia ao M…, referindo que na altura eles conflituavam por causa do valor, e que a sua irmã queria dar um valor inferior ao pretendido pelo M.... Diz que ele queria sair de casa mas só quando a mãe lhe desse o dinheiro.
Confirmou que a irmã nunca trabalhou e sempre teve empregados. Confirmou que o falecido M... chegou a viver com namoradas no r/c da casa da sua irmã. A irmã nunca teve dificuldades económicas, nem tinha necessidade de usar o dinheiro dos filhos, mesmo aquando do casamento a irmã vivia com o marido mas com o dinheiro dela. Confirmou a feitura de obras no R/C para o M…l poder viver independente. O M… era a razão da vida da R.. Diz que soube que o M… tinha Sida uma semana antes da agressão do filho à mãe. Assegura que a mãe sustentava o filho e fez-lhe as obras. Diz que a mãe chegou a pagar a renda à filha V…, mas que deixou de o fazer na altura do processo crime.
-T…, que chegou a ir viver para a casa da R. de 1994 até 2005, na altura que se esteve a tirar o curso de Assessoria de Direcção. Confirmou que o falecido sempre viveu com a mãe e a Vera já lá não viviam, tinha ido viver com o pai, mas visitava a mãe. Diz que os filhos sabiam da doação há mais tempo, mas não concretizou quão mais tempo. Mas não sabe se eles sabiam o valor da doação. O falecido M... era licenciado em direito, mas não exerceu. Ele chegou a trabalhar a recibos verdes a dar formação. Por um/dois anos. Ele teve várias namoradas (três) a última a Candy que estava a tirar o curso. Até o M... agredir a mãe não sabia que ele era doente de HPV. O M... costumava viajar pelo menos uma vez por ano mas não sabe quem lhe pagava as viagens. Confirmou a feitura de obras na casa para o M... ter mais independência. Sempre tiveram empregados, jardineiro, cozinheira e empregada de limpeza. Confirmou que a R. chegou a ajudar a Vera com as rendas da casa após esta sair da casa do pai.
-António ……. que é jardineiro, diz que foi jardineiro da R. durante mais ou menos de 2006 até Março de 2014, ia lá trabalhar 4 horas por dia 1 de manhã e três de tarde. Conheceu a Vera, mas pouco, ela ia lá pelo menos uma vez por mês. O pai foi jardineiro da R. durante muitos anos e ele ia para lá ajudar o seu pai e conhecia a casa, quem lhes pagava era a R.. Conhecia o falecido e via-o lá. Na madrugada da agressão conheceu o pai do falecido M.... Nessa altura (da agressão) estava a dormir em casa da R. Mariana. Esteve lá 8 ou 9 noites a dormir, porque a R. lhe pediu para ficar lá a dormir para se houvesse alguma coisa de barulho entre filho e mãe para ligar para a polícia e fechar-se dentro do quarto. A mãe e o filho já andavam num processo de afastamento. Estava lá no dia da agressão. No dia em que ocorreu ouviu e viu o falecido com o taco na mão e a mãe já caída no chão. E foi ligar para a polícia e para o 112. Diz que ele chegou a trabalhar. Afirma que o A. falecido chegou a viver na casa com pelo menos uma namorada que trabalhava e estudava. Não sabe se o falecido comparticipava nas despesas da casa. O falecido anualmente viajava, pelo menos 15 dias, para o estrangeiro. Nunca ouviu falar de dificuldades económicas naquela casa.
As testemunhas prestaram um depoimento coerente e credível conjugado entre todas. Resultaram ainda das declarações de H…, pai do falecido A., e que teve conhecimento das doações, tinha uma boa relação com a sogra e que foi quem administrou o património da doadora, após o falecimento do marido dela. Administrou a património da sogra até à separação da R.. Diz que o A. seu filho esteve sem lhe falar durante 25 anos. Explicou que na véspera de agredir a mãe o seu filho telefonou-lhe e nessa altura ele sabia da existência da doação e foi o motivo da discórdia. O filho esteve com ele 2 horas ao telefone ligou-lhe porque a mãe não lhe entregava dinheiro e que era condição para ele sair de casa. O filho vivia encostado à protecção da mãe. Ele vivia na mesma casa da mãe, mas no r/c da casa. Desconhece se ela gastou do dinheiro da doação para os filhos. A mãe suportava as suas despesas. Ela tinha dinheiro e contas na Suíça. A sogra decidiu dividir a fortuna em três. Relativamente aos netos a mãe geria com o objectivo de entregar aos filhos. Diz que sempre ajudou nas despesas dos filhos e quando a Vera foi viver consigo suportava as despesas dela. Afirma que a R. sempre teve empregados e sempre viveu sem dificuldades.»
No depoimento prestado por V…, irmã do Autor e filha da ré, a própria admitiu que há cerca de 5 anos que as relações com a ré deixaram de existir, aliás relacionada com a mesma questão, pois também tem um processo idêntico contra a mãe. Alegou que apenas teve conhecimento da doação em janeiro de 2013, mas admitiu que sempre soube que “a avó terá deixado qualquer coisa, não se recorda desde que idade”. Aliás as perguntas foram relativas a “alguma vez vos foi dado o dinheiro” quando nem sequer estão em causa valores concretos, mas sim títulos e acções. Acabando por afirmar que a mãe ia à Suiça e depois perguntavam à mesma “ganhámos ou perdemos”, evidenciando que quer a testemunha, quer o irmão, não desconheciam que a ré administrava os títulos doados. Acabou ainda por demonstrar que pouco sabia da vida do seu irmão. Porém, também afirmou que quando vivia com a mãe, viviam de forma desafogada, com empregadas, cozinheiros, jardineiro e numa casa grande. Também afirmou que o irmão gostava muito de viajar, mas devido a problemas de saúde permanecia mais tempo em casa com a mãe e foi o acumular de tensões que determinou a agressão à mesma, relacionado também com dinheiro. Ou seja, sem explicar se os valores eventualmente auferidos pelo Autor lhe permitiriam viajar com a frequência. Do seu depoimento também resulta que desde os 14 anos que não mantém um relacionamento normal com a ré como mãe e filha, admitindo porém, que a partir dos seus 30 anos a mãe passou a ajudar a pagar a renda de uma casa que ocupou, e este valor segundo a ré seria “por conta da doação”, pelo que sem ignorar que a ré administrava os bens doados pela avó, acabando por concluir que a mãe, quando a testemunha tinha 18 anos, emitiu um documento para permitir que sua mãe pudesse gerir tais bens doados de forma idêntica à actuação que a sua tia fazia com os seus primos, falando expressamente que a mãe lhe falou da doação, sem que a testemunha tenha dito que pediu à mãe qualquer documento. Também afirmou que o pai nunca contribuiu para o sustento do Autor, pois não tinha contacto com o mesmo desde os 15 anos e até ao momento em que o A. agrediu a ré, meses antes da interposição da presente ação.  No final do depoimento a testemunha acabou por confirmar que afinal o receio que quer do irmão, quer da própria, advinha da ameaça que a mãe fazia ao dizer que colocaria o dinheiro numa fundação, o que mais evidencia que sempre tiveram conhecimento que a vida desafogada que a família tinha advinha do rendimento gerado pela administração levada a cabo pela mãe das doações feitas pela avó.
Do testemunho de F…, irmã da ré, também resulta que nunca existiu um relacionamento salutar com a ré, evidenciando sim um sentido crítico em relação ao comportamento da irmã, adjetivando-a de mimada, sobranceira, contando ainda um episódio de racismo. Porém, estes últimos acontecimentos reporta-los depois da agressão. Também referiu que a ré nunca entregou as acções aos filhos, porque entendia que os mesmos não eram responsáveis, mas quem geria era a ré, e que depois do 25 de Abril tudo ficou “muito complicado”. Mas em sentido também crítico,revelando até alguma  animosidade, referiu a irmã “deve ter tudo na Suiça”. Todavia foi peremptória em afirmar “nós não falávamos de dinheiro”, mas que a ré tinha muita noção de todos os movimentos financeiros, apelindando-a de “tio Patinhas”, pelo que a testemunha em concreto nada sabe sobre as eventuais conversas entre os filhos e a ré, apenas referencia os factos ocorridos depois da agressão. Ainda que tenha referido que era uma colega do A., advogada, que “descobriu o papel da doação”, mais referiu que o A. já sabia da doação e que o papel se destinava a organizar o processo contra a mãe, ou seja já depois da agressão e, logo, quando a ré deixou de suportar as despesas do Autor. Donde, da conjugação e do teor destes dois depoimentos, manifestamente o A. sabia da doação, ainda que pudesse desconhecer em concreto o valor, mas este sempre foi inserto e dependia da gestão ou adminsitração levada a cabo dos títulos, mas o falecido autor viveu sempre desafogadamente, pois a ré sempre assumiu todas as suas despesas, as quais além das correntes, também as relacionadas com uma vida mais luxuosa, com empregados (referindo que todos os caprichos do mesmo eram satisfeitos), viagens durante largos períodos, em bons hóteis, recebendo o A. amigos e frequentando restaurantes. Acresce que a irmã da ré acabou por afirmar que entre o filho e a ré sempre existiu grande abertura quanto ás questões patrimoniais. Quanto à eventual ajuda do pai do A., ora habilitado, também esta testemunha referiu que nunca o seu ex-cunhado teve disponibilidade financeira, tendo sim vivido a expensas da esposa, ora ré, até ao divórcio. Quanto a valores ainda despendidos com o Autor, também a testemunha confirmou que uma parte da casa foi adaptada para o A. pois a ré “satisfazia todos os seus desejos”. Aliás o que resulta dos depoimentos é que a agressão da mãe pelo A. ocorreu precisamente porque a ré recusou a entrega de dinheiro ao mesmo, mas que a agressão até se iniciou com uma questão relacionada com a alimentação, ou um prato específico exigido pelo Autor, ou seja por um motivo fútil e sem relevância. Por fim, importante ainda é a circunstância de a testemunha ter referido que quanto à doação feita pela avó também aos seus dois filhos, quando estes perfizeram 21 anos, lhes adquiriu um apartamento a cada um, com os valores gerados pelos títulos, porém, sem precisar o valor ou sequer saber se o valor que advinha dos “papéis” doados foi ou não suficiente para tais aquisições.
Sem cuidar do depoimento de T…, amiga inicialmente da Vera, filha da ré, mas que passou a residir em casa da R. de 1994 até 2005, e ainda que esta tenha confirmado que o falecido e a Vera sabiam da doação, não concretizou desde quando ou sequer se sabiam o valor da doação. Acresce que dada a forma como a família em causa se relacionava, entendemos que não seria normal a ré falar de assuntos patrimoniais com alguém que não pertencesse à família, pelo que não é verosímil que esta testemunha tivesse conhecimento em concreto deste assunto, o mesmo ocorre com os empregados da ré. Pois tal como refere a irmã da ré “não se falava de dinheiro”.
Ora, quanto ao valor da doação é manifesto que nem a ré, nem a sua irmã, a testemunha Felipa, sabiam do valor concreto da doação, pois este valor pelo teor da própria perícia era e é de difícil concretização, pelo que em nada releva se o A. e sua irmã sabiam ou não o valor concreto, pois a doação não era de um montante monetário certo, mas sim sujeito ás oscilações de mercado e vendas dos títulos ou a sua capitalização através de juros.
Resta assim, por fim, analisar o depoimento do pai do A., ora habilitado, o qual será beneficiado pelo desfecho desta ação, pois a procedência da ação determinará que parte do valor lhe será devido a título de herança. Resulta do seu depoimento que deixou de adiministrar o património da família desde o seu divórcio. Acresce que desde que o A. perfez 15 anos que deixou de ter contacto com o seu filho, pelo que desconhece o que a mãe terá ou não transmitido ao filho quanto à doação ou a sua administração. Porém, dado o afastamento do pai, podemos concluir que era a ré que fazia face às despesas do réu, memso após a sua maioridade e até aos seus 40 anos de idade.
Na análise de tais factos haverá ainda que considerar as alíneas n) e o) dos factos não provados, pois a provar-se que o A. viveu a expensas da ré, haverá alterar o ponto 49. em conformidade, bem como os pontos 54. a 55. dada a conexão destes aos demais impugnados, bem como as alíneas referidas, sob pena de contradição.
Aliás, a recorrente na sua alegação convoca a nulidade da sentença, dada a contradição dos factos considerados na decisão recorrida, dizendo além do mais, que a Sentença de que ora se recorre, é claramente contraditória e ambígua, ao considerar que a Ré, aqui Recorrente, suportou todas estas despesas e, ainda assim, considerar como provado que a aqui Recorrente não entregou ao Autor o dinheiro desses títulos quando este fez 18 anos.
Com efeito, nos ponto 64. a 68. deu-se como provado que o A. viveu até 24 de Novembro de 2012 em casa da mãe, na residência sita no Lote 197, na Rua de …. E apesar de residirem ambos na referida habitação, a A. ocupava o 1.º andar e o R. ocupava o R/C, sendo que ambos partilhavam a cozinha, situada no R/C da mesma habitação, tendo o R. chegado a morar a partir de determinada altura com a namorada no referido R/C. Provou-se que foram realizadas obras no rés-do-chão do imóvel onde o A. habitava com a R. no ano de 1997. Tendo o A. no dia 10/06/1997, declarado que “Pretendendo viver mais independente em relação à sua mãe, na mesma morada, e sendo por isso necessário dividir a casa, propõe suportar a maior parte dos custos da obra a realizar com o fim de criar as condições pretendidas” (cfr. doc. 3 de fls. 147).  A sociedade Construções Civis e obras públicas SA emitiu em nome do A. os recibos juntos como docs. 4 a 8 de fls. 148 a 152 relativas a “remodelação de Moradia No Estoril”.
Importa desde já referir que a soma de tais valores, despendidos em 1997, com a remodelação totalizam, em moeda actual, cerca de 54.000€.
Acresce ainda que resultou provado que na sequência da separação de facto entre os pais ocorrida em data não apurada mas não posterior a 1983, a guarda do A. e da sua irmã Vera foi entregue à sua mãe, na residência sita no Lote 197, na Rua de …, tendo o destino dos menores, regime de visitas e pensão de alimentos sido regulados nos termos que constam de fls. 224 a 231. Por outro lado, também se provou que por apenso aos autos de regulação do poder paternal do A. e da sua irmã deu entrada de incidente de incumprimento que consta de fls. 232 a 236, tendo sido realizada audiência cfr. consta de fls. 237 e 238 e proferida sentença de fls. 241 a 244 e de fls. 324 a 334 e o Acórdão de fls. 335 a 364.
Desde já se refira que da documentação junta resulta que o incumprimento era relativo à falta de pagamento pelo pai dos então menores, ora habilitado, da pensão de alimentos fixada.
Por outro lado, também se provou que o A. esteve sem se relacionar com o seu pai desde os 15 anos até à data da ocorrência da agressão por si perpetrada no corpo da sua mãe, em 24/11/2012. Donde, manifestamente não era o pai que contribuía para o pagamento das despesas do autor.
Haverá ainda que considerar que ao tempo da doação o Autor tinha um ano de idade, e porque era menor foi a Ré, mãe do Autor, quem sempre geriu e administrou as acções doadas ao Autor e todos os títulos e quantias que nestas tiveram origem.
Ainda que se tenha provado que o A. durantes alguns anos deu aulas em diversos locais, seguramente que tal ocorreu após a sua licenciatura, ou seja após 1998, pelo que nunca o valor gasto na remodelação supra aludida poderia advir do rendimento auferido pelo Autor, pelo que nunca se poderia dar como provado o ponto 49., ou seja, manifestamente resulta da prova que a ré sempre procedeu ao pagamento das despesas do Autor até à sua saída de casa, após a agressão ocorrida em 2012.
Com efeito, as presunções judiciais são admitidas pelo julgador enquanto presunções de facto ou naturais, baseadas nos ensinamentos de experiência e nas regras de vida e inspiram-se nas máximas de experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana, podendo ser afastados pela simples prova em contrário (Fernando Pereira Rodrigues, A Prova em Direito Civil, Coimbra Editora, 2011, págs. 16/18). De acordo com a definição legal, as presunções judiciais são ilações que o julgador extrai de um facto conhecido – que é um facto sustento da presunção – para firmar um facto desconhecido - facto presumido. O suporte desse raciocínio intelectual são as regras da experiência da vida, o conhecimento da normalidade das coisas e o domínio da lógica, sendo que a afirmação do facto desconhecido deve surgir como «a natural consequência ou resulta, com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido»( neste sentido Ac. do STJ de 9/04/2019 in www.dgsi.pt/jstj).
No caso dos autos, é manifesto que desde 1983 e até 2012 o A. residiu ou com a ré, ou era esta que suportava a maioria das suas despesas. Pois manifestamente o valor eventualmente auferido pelo A., após 1998, a dar aulas, não é compatível com a vivência do Autor relatada pelas testemunhas. Com efeito, a vida desafogada do Autor apenas pode resultar do pagamento efectuado pela ré, logo, resulta demonstrado que as despesas do Autor eram pagas pela ré. Neste sentido haverá que alterar quer o ponto 49., quer as alíneas n) e o) dos factos não provados, por forma a não existir contradição, pois o que resulta de todos os depoimentos é que a ré sempre “financiou” o autor, mesmo após a sua maioridade e até depois de ter frequentado e terminado o curso superior e praticamente até perfazer 40 anos de idade, pois a agressão ocorreu cerca de um mês antes do aniversário do A.
É certo que não logrou a ré provar os valores concretos das despesas, ou seja os factos enunciados nas alíneas p) a t), pois aí concordamos com a fundamentação da sentença, dado que não existem documentos que comprovem tais valores, porém, dúvidas não há que era a ré que fazia face a todas as despesas do Autor, e tal resulta inclusive provado em 59. quanto aos estudos universitários, e as demais resulta evidente pela ação de incumprimento das responsabilidades parentais intentada pela ré contra o pai do A., ora habilitado, relativamente à pensão de alimentos. Aliás, não há que olvidar que o A. desde os 15 anos que deixou de se relacionar com o pai, pelo que o pai não participava na vida do autor desde 87 (com 15 anos) e até 2012. No seu depoimento o pai habilitado nos autos no lugar do A. confirmou que esteve sem falar com o filho durante 25 anos.
Do exposto, haverá que eliminar dos factos provados o ponto 49. e dos factos não provados as alíneas n) e o), passando o ponto 49. A ter a seguinte redacção:
49. Desde 1987 e até 24 de Novembro de 2012, o A. viveu a expensas da ré, a qual pagava a maioria das despesas do Autor, nomeadamente através dos valores obtidos com a administração das acções e título doados ao autor pela sua avó.
No que diz respeito aos pontos 50. a 53., e em conjugação também os pontos 54. e 55. E ainda a alínea j) dos factos não provados, importa ter presente que caberia á ré fazer prova do conhecimento do A. da doação face ao disposto no artº 343º nº 2 do CC.
Porém, na resposta a tais pontos não é despiciendo considerar toda a dinâmica familiar, evidenciada pelos depoimentos, desde a separação dos pais do Autor e até à sua agressão à mãe, ré nos autos, perpetrada em Novembro de 2012. Bem como a circunstância de a acção ter sido intentada pelo Autor, em 12/04/2013, após a agressão e quando a mãe deixou de fazer face às suas despesas.
Com efeito, resulta dos depoimentos que o A. era a razão da vida da ré, pelo que não é verosímil que o Autor, licenciado em Direito, não tivesse conhecimento que a vida que a mãe lhe proporcionava advinha da administração das doações feitas pela sua avó. Pois manifestamente viveu desafogadamente desde sempre e até atingir 40 anos sempre a expensas da mãe, o que nos leva a considerar que sempre teve conhecimento que nunca tendo a ré exercido qualquer profissão o dinheiro advinha da gestão feita dos títulos e acções doados pela avó, quer à própria, quer ao seu filho. É certo que se provou que as discussões entre A. e ré advinham da recusa da entrega do dinheiro – cf. resulta dos pontos 69. a 74.- mas caso o Autor desconhecesse a doação feita ao próprio e considerando que possuía conhecimentos jurídicos, muito se estranha que só tenha intentado a ação em Janeiro de 2013, ou seja, após ter deixado de ser sustentado pela ré. Donde, tal permite-nos concluir que o A. sempre soube de onde advinham os rendimentos da ré que lhe permitiam, nomeadamente, fazer face também às suas despesas, e apenas após a agressão e a ré ter deixado de pagar as mesmas é que surgiu a intenção do Autor de intentar a presente ação. Mas bem sabia da existência da doação e ainda que não pudesse saber concretamente em que consistia, certo é que não resulta dos autos que alguma vez tenha tentado saber, pois não era relevante, dado que vivia desafogadamente, decorrente da administração feita pela ré de tais bens doados.
Assim, os pontos 50. a 55. e alínea j) ( dada a contradição ) serão eliminados, passando a constar apenas o seguinte:
50. A ré não entregou ao Autor documentos que comprovassem a doação em causa, mas o Autor sabia que todas as despesas suportadas pela ré advinham da administração das acções e títulos doados pela avó.
c) Pretende por fim, a recorrente que sejam dados como provados os factos contidos nas alíneas l) a x) dos factos considerados não provados.
Nas suas alegações a apelante funda a sua discordância dada a prova documental que atesta tais despesas, essencialmente, as que respeitam às obras realizadas, bem como a contradição com os factos considerados como provados nº 56 a 59 e 66. Pois ao dar como provado que o A. frequentou o Saint Julian´s School, a Escola Técnica e Liceal Salesiana de Stº António, bem como a Universidade Lusíada de Lisboa onde tirou o curso de direito e cuja propina de frequência dos anos de 1991 a 1998 foi a que consta de fls 442, também teria de dar como provadas as despesas. Além disso, da declaração do próprio Autor, assinada por si e datada de 10.06.1997, quando detinha 25 anos de idade, o mesmo confessa “pretendendo viver mais independente em relação à sua mãe, na mesma morada, e sendo por isso necessário dividir a casa, propõe suportar a maior parte dos custos da obra a realizar com o fim de criar as condições pretendidas”, pelo que não tendo iniciado a sua actividade profissional, quaisquer despesas por si suportadas resultavam da doação. Despesas essas que resultam documentalmente comprovadas nos Autos, com a junção de diversos recibos emitidos em nome do Autor, datados de 24 de Março, 21 de Abril, 26 de Maio, 27 de Junho e 31 de Julho, todos emitidos no ano de 1997. Mais alega que tal resulta do depoimento da Testemunha Felipa.
Fundamenta o tribunal recorrido a resposta negativa no seguinte:« Quanto aos factos k) a t) o mesmo resultou não provado porquanto nenhuma prova foi feita pela R., sendo que o conjunto da prova produzida quer documental quer testemunhal foi manifestamente insuficiente e segura para que o tribunal desse como provados esses factos, além de que nenhum documento a R. juntou que confirmasse esses valores.Os factos u) e v) resultaram não provados por não ter sido junta qualquer prova documental que os comprove sendo a testemunhal insuficiente.Quanto ao facto w) nenhuma prova suficiente foi feita que suportasse resposta positiva desse facto, tanto mais que o declarante H…, negou esse facto.Quanto ao facto x) nenhuma prova documental foi feita, sendo o depoimento da testemunha Felipa, embora se referindo a abertura de uma conta, manifestamente insuficiente a demonstrar esse facto.»
No que diz respeito às alíneas p) a t), ou seja os valores especificamente gastos pela ré, os mesmos não resultam demonstrados, tal como referimos supra. Quanto à alínea u) reportando-se tal facto à celebração de um contrato promessa de compra e venda o mesmo só poderia resultar de documentos junto, e aliás, nem a apelante refere em concreto no âmbito do recurso que prova deve ser tida em conta em obediência ao previsto no artº 640º do CPC. O mesmo ocorre quanto aos factos contidos nas alíneas v) e x) dos factos não provados. Quanto ao previsto na alínea w), importa ter presente que se deu como provado que o ponto 19. relativo ao incumprimento das responsabilidades parentais do ora habilitado, no tocante á pensão de alimentos. Acresce que em relação ao Autor ( já o mesmo não ocorre em relação a sua irmã que a partir dos 14 anos passou a viver com o pai) o pai esteve sem se relacionar com o mesmo, e ainda que este tenha negado tal facto, também nenhuma prova existe que nos permita concluir  que efetuou o pagamento de alguma quantia para o sustento do Autor, ao contrário, inexistia qualquer tipo de relacionamento. Logo, haverá que eliminar o facto negativo contido na alínea w) dada a contradição deste com o provado no ponto 19.
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Das nulidades da sentença:
A recorrente além do supra aludido quanto à nulidade apontada na sentença, por contradição dos factos que foram considerados, o que resulta prejudicado face à alteração dos factos provados e não provados, veio ainda aludir que a Sentença carece da devida e indispensável fundamentação respeitante a questões de especial relevância, pois deixou a mesma por resolver de forma firmada as excepções suscitadas pela aqui Recorrente e cuja apreciação não só se demonstrava indispensável, como fundamental no caso concreto.
Pelo que conclui pela falta de fundamentação do Tribunal a quo ao julgar improcedente a excepção peremptória da prescrição, padecendo da nulidade a que alude o artigo 615.º/1/d) do CPC. Justificando a mesma na não aceitação dos factos considerados como provados. Além disso, aponta ainda que nos termos e para os efeitos das alíneas b), c) e d) do número 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, “é nula a sentença quando (…) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; (…) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; (…) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”. Ora, conclui que a Sentença proferida, apesar de aparentar – mas, destaque-se, é, efectivamente, uma mera aparência – não ser omissa no que respeita à especificação dos fundamentos de facto e de Direito em que se sustenta, no essencial, e especialmente quanto à prescrição do direito, não se debruça sobre o mesmo, com o rigor e objectividade exigível, sendo no demais contraditória, o que não se se pode deixar de alegar para os devidos efeitos legais. Finalizando por dizer que: «Assim sendo, e atento tudo o que supra vai exposto e os concretos meios probatórios invocados, com menção expressa das passagens da gravação do depoimento que a aqui Recorrente quanto à matéria específica da prescrição considera dever ser valorada, com o devido respeito, o Tribunal a quo jamais poderia considerar como provados os factos nº 49 a 53, devendo antes, ter proferido decisão diversa quanto à prescrição, nomeadamente, que dúvidas não existem de que a mesma ocorreu.»
Donde, ainda que se possa considerar que a alteração quanto à matéria de facto a considerar já determina a prejudicialidade da apreciação da nulidade prevista na alínea c) do artº 615º do CPC, importa aferir das demais.
O artigo 615º do CPC, sob a epígrafe «Causas de nulidade da sentença», dispõe: «1. É nula a sentença quando: (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;(…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.».
Assim, nos termos do art.º 615º, n.º 1, alínea b), do C. P. Civil, a sentença é nula quando: “ Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. A causa de nulidade referida ocorre quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violando o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º, n.º 1, C. R. P. e art. 154º, n.º 1, do C. P. Civil).
Como ensina Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 221: “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”. Também Lebre de Freitas, in C. P. Civil, pág. 297, sublinha que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”. E já o Professor Alberto dos Reis, in C. P. Civil, Anotado, Vol. V, pág. 140, lembrava que “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
No caso concreto, é evidente não se detetar essa nulidade, pois a sentença recorrida pronuncia-se sobre a excepção de prescrição dizendo, em concreto que:« Ora, não se provou que o A. falecido soubesse da doação desde a sua maioridade, ou que conhecesse os seus termos em data anterior à que alega na petição inicial não sendo suficientes os rumores na família de que a avó lhes teria deixado algo, que não teria qualquer viabilidade por falta de concretização, não se pode considerar prescrito o seu direito, improcedente também essa excepção».
É certo que na sentença se discorre de forma exaustiva o que se entende em termos doutrinais por prescrição, sem contudo tomar posição sobre que prazo prescricional será o aplicado no caso em apreço. Pois tanto alude ao prazo ordinário de vinte anos (artigo 309.º do Código Civil),como ao prazo previsto no art.º 482.º, do CC, ou seja o prazo de 3 anos para a restituição por enriquecimento, bem como o prazo previsto no art.º 488.º, para a responsabilidade civil por factos ilícitos.
Todavia, ainda que não defina a que prazo se reporta, ao tomar posição sobre a ausência de prova da data do conhecimento pelo Autor em data anterior a 2013, acaba por conhecer de tal excepção. 
Destarte não se verifica a nulidade apontada, sendo a questão abordada infra tendo por base a matéria factual ora alterada.
Quanto às questões a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, reportar-se-ão aos pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.
A nulidade, por omissão de pronúncia, prevista na segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC está directamente relacionada com o comando fixado na segunda parte do n.º 2 do artigo 608º do mesmo diploma legal, nos termos do qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”
Terão, por conseguinte, de ser apreciadas todas as pretensões processuais das partes - pedidos, excepções, etc. - e todos os factos em que assentam, bem como todos os pressupostos processuais desse conhecimento, sejam eles os gerais, sejam os específicos de qualquer acto processual, quando objecto de controvérsia, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Todavia, as questões a resolver para os efeitos do n.º 2 do artigo 608º e da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º, ambos do CPC, são apenas as que contendem directamente com a substanciação da causa de pedir ou do pedido, não se confundindo quer com a questão jurídica quer com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor aos quais o tribunal não tem de dar resposta especificada.
Por outro lado, importa, porém, ter em linha de conta que uma coisa são os argumentos ou as razões de facto e ou de direito e outra, essencialmente diversa, as questões de facto ou de direito.
Como se alude no STJ de 23/03/2017, com toda a propriedade quanto às nulidades apontadas: «tais nulidades típicas da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito. Assim, o vício da falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito só ocorrerá nos casos em que haja falta absoluta de fundamentação e já não quando a fundamentação exposta seja medíocre ou insuficiente, podendo, neste caso, quando muito, ocorrer erro de julgamento a apreciar em sede de mérito. De igual modo, a ambiguidade ou obscuridade só relevam quando tornem ininteligível a própria decisão, inviabilizando desse modo um juízo de mérito. Por sua vez, os vícios de omissão ou de excesso de pronúncia incidem sobre as “questões” a resolver, nos termos e para os efeitos dos artigos 608.º e 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, com as quais se não devem confundir os “argumentos” expendidos no seu âmbito. (…) Nessa medida, em sede de decisão de facto, não se afigura, em princípio, aplicável o regime das nulidades da sentença previsto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPC. Por outro lado, o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. Reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte (…) do CPC.».
Deste modo, na irresignação da recorrente estão subjacentes os factos que devem ser considerados pelo tribunal, face à prova produzida e não qualquer nulidade qua tale da sentença, a qual não se verifica, procedendo-se de seguida à aplicação do direito aos factos ora considerados, também no tocante à alegada prescrição.
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III. O Direito:
Consolidada a matéria factual haverá que aferir da sua subsunção ao direito.
Com efeito, resulta dos autos que MS… ainda em vida fez as seguintes doações: Em 5 de Agosto de 1974 doou por conta da quota disponível aos seus netos nascidos, P…, R…, M... , o Autor, e nascituros concebidos e não concebidos, por documento registado no 10º Cartório Notarial de Lisboa, conforme Doc. 5, 6, 7 e 8 de fls. 31 a 42 dos títulos que discrimina e que se encontravam depositados no seu dossier de títulos junto do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, mencionando o valor à última cotação: a. Mil trezentas e noventa e cinco (1395) acções da CIDLA, sendo 14 títulos de 5 acções com os n.ºs 95131/200, 200 títulos de 1 acção com os n.ºs 36269/468; 20 títulos de 1 acção com os n.ºs 36269/468; 20 títulos de 5 acções com os n.ºs 122781/880, 40 títulos de 1 acção com os n.ºs 35270/89, 43989/44008; 3 títulos de 10 acções com os n.ºs 234841/70, 10 títulos de 5 acções com os n.ºs 128031/60, 122041/60; 158 títulos de 1 acção com os n.ºs 15823/8, 15871/929, 15730/822, 10 títulos de 5 acções com os n.ºs 98511/560, 367 títulos de 1 acção com os n.ºs 45423/789; 100 títulos de 1 acção com os n.ºs 14799/898, 15 títulos de 10 acções com os n.ºs 95051/130. b. Seis mil seiscentas e quatro (6.604) acções da Companhia de Seguros Tranquilidade, sendo 2 títulos de 1 acção com os n.ºs 1174/05; 40 títulos de 50 acções com os n.ºs 327801/329800; 20 títulos de 10 acções com os n.ºs 168951/169150; 110 títulos de 10 acções com os n.ºs 148151/650, 147651/148150, 148651/750; 200 títulos de 10 acções com os n.ºs 168551/950, 170661/710, 170151/60, 170711/50, 169151/170150, 170161/660, 90 títulos de 5 acções com os n.ºs 68416/615, 68716/965, 2 títulos de 1 acção com os n.ºs 1172/3, 25 títulos de 10 acções com os n.ºs 152051/300, 12 títulos de 50 acções com os n.ºs 312201/800. c. Mil Duzentas e cinquenta e oito (1258) acções da SACOR, sendo 1 título de 1 acção com o n.º 816550; 29 títulos de 10 acções com os n.ºs 375481/770; 9 títulos de 20 acções com os n.ºs 55781/820, 58281/420, 16 títulos de 5 acções com os n.ºs 338026/105, 1 título de 20 acções com os n.ºs 940941/60; 1 título de 5 acções com os n.ºs 877586/90; 7 títulos de 1 acção com os n.ºs 305261/7; 1 título de 5 acções com os n.ºs 868361/5; 2 títulos de 10 acções com os n.ºs 909961/70, 918031/40, 1 título de 1 acção com o n.º 305226, 60 títulos de 5 acções com os n.ºs 726391/490, 101 títulos de 1 acção com os n.ºs 745362/461, 816549, 5 títulos de 10 acções com os n.ºs 375431/80; 15 títulos de 5 acções com os n.ºs 338716/40, 349126/75, 3 títulos de 1 acção com os n.ºs 305258/60. d. Dezoito mil e seiscentas e sessenta e seis (18.666) acções do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, sendo 13 títulos de 1 acção com os n.ºs 677959/971, 180 títulos de 50 acções com os n.ºs 531551/540550; 32 títulos de 10 acções com os n.ºs 745381/745700; 13 título de 1 acção com os n.ºs 675797/800, 677972/73, 683215/9, 683273/4, 298 títulos de 5 acções com os n.ºs 73001/74.000, 74026/500, 721386/400, 213 títulos de 10 acções com os n.ºs 236071/237400, 744601/700, 769461/80, 744701/745380, 114 títulos de 50 acções com os n.ºs 787501/788100, 467101/200, 540551/545550.
Ao tempo da doação o Autor tinha um ano de idade, e porque era menor foi a Ré, mãe do Autor, quem sempre geriu e administrou as acções doadas ao Autor e todos os títulos e quantias que nestas tiveram origem.
A incapacidade de agir por menoridade surgiu como instrumento de proteção dos interesses patrimoniais do sujeito menor de idade e como meio de satisfazer as exigências de certeza e segurança do tráfico jurídico, através da exclusão do menor da vida jurídica (Cfr. Rosa Martins, in “Menoridade, (in)capacidade e cuidado parental, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 23 ). Nestes termos, a finalidade de proteção é valorada pela negativa, ou seja, pretende-se evitar que o menor sofra prejuízos de ordem patrimonial e pessoal, protegendo-o contra si e contra terceiros tentados a abusar da sua vulnerabilidade. De resto, o interesse determinante da incapacidade é o interesse do próprio menor incapaz.
Assim o suprimento decorrente de tal incapacidade determinou que tenha sido a ré, mãe do Autor a administrar tais bem doados, no âmbito dos poderes-deveres parentais que lhe incumbiam nos termos do artigo 1878º nº 1 do Código Civil. E é este o preceito que estabelece o conteúdo das responsabilidades parentais e estas pressupõem a divisão em “Responsabilidades parentais relativamente à pessoa dos filhos” (art.ºs 1885.º a 1887.º - A) e “Responsabilidades parentais relativamente aos bens dos filhos” (art.ºs 1888.º a 1900.º).
Logo, entre o binómio poder-dever de representação e o poder-dever de administração e no que tange ao poder-dever de administração, dúvidas não há quanto à sua inserção no domínio das responsabilidades parentais relativamente aos bens dos filhos (art.º 1888.º e ss.).
Cabe-nos referir que no direito português a maioridade foi sendo fixada em momentos diferentes da vida do ser humano. Com efeito, no direito anterior ao Código de Seabra, a maioridade alcançava-se simplesmente aos vinte e cinco anos de idade (Livro 3.º, Título 41, § único, e Título 104, § último das Ordenações Filipinas). Já o Código Civil de 1867, porventura influenciado pelos art.ºs 388.º e 488.º do Code Civil de 1804, estabelecia os vinte e um anos como limite etário da maioridade (art.ºs 97.º e 311.º). O limite dos vinte e um anos permaneceu intocável no Código de 1966, e só com o Dec. Lei n.º 496/77, de 25 de novembro, o legislador antecipou o limite para os dezoito anos (art.ºs 122.º e 130.º).
Com a maioridade do Autor a 09/12/1990, cessaram os poderes de representação da Ré tal como decorre dos art.ºs 122º, 123º e 129º do Código Civil.
Quanto ao poder-dever de administração dos bens, dispõe o artigo 1900º do Código Civil que os pais devem entregar ao filho, logo que este atinja a maioridade ou seja emancipado, todos os bens que lhe pertençam; quando por outro motivo cessem as responsabilidades parentais ou a administração, devem os bens ser entregues ao representante legal do filho. Mais estipula esta norma que os móveis devem ser restituídos no estado em que se encontrarem; não existindo, pagarão os pais o respectivo valor, excepto se houverem sido consumidos em uso comum ao filho ou tiverem perecido por causa não imputável aos progenitores.
Acresce que nos termos do art.º 1879.º, do CC dispõe que “Os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos aqueles encargos”.
A questão que se coloca não se prende já com o conteúdo do poder paternal tal como vem definido no artº 1878º do CC, pois tal preceito apenas deve ser convocado no âmbito da menoridade do Autor, e enquanto foi menor todos os deveres se mantinham por banda da ré, como aliás se expõe de forma exaustiva na sentença recorrida.
Na sentença ora sob recurso afirma-se ainda que decorre do disposto nos art.ºs 1878.º, 1879.º, 1880.º, e 1900.º, do CC que os rendimentos dos filhos não podem ser utilizados pelos progenitores, mesmo que para satisfação das necessidades dos seus titulares, excepto se os progenitores não tiverem meios, de, com os seus bens e rendimentos, satisfazer a obrigação a que se encontram adstritos. Só subsidiariamente respondem os rendimentos dos filhos no que toca ao cumprimento das despesas para o seu sustento. Além disso, decorre do art.º 1896.º, do CC que a Ré apenas poderia utilizar os rendimentos que adviessem das acções doadas e não o capital, os próprios títulos e aquilo em que se transformaram.
Porém, ao contrário do afirmado na sentença a questão que se coloca não é relativa ao período em que o A. foi menor, mas sim saber em que termos se mantinham tais obrigações inerentes ao poder paternal até à data em que o A. intentou a presente ação. Na verdade, a ré não logrou provar que despendeu os valores que advinham das doações feitas até o A. atingir a maioridade, ou seja, factos que determinariam a aplicação do previsto no artº 1879º do CC. Mas o que importa saber é se ao atingir a maioridade e ao longo da sua vida, o Autor foi ou não sustentado pela ré, nomeadamente através da utilização dos valores obtidos com a administração dos bens doados. Pretende-se sim, aferir se face à obrigação de alimentos recíproca entre a mãe e filho maior, e tendo o autor tolerado e aceite a administração da ré dos bens que lhe foram doados, vivendo de forma a ser sustentado pela mãe desde que atingiu a maioridade e até Novembro de 2012, pode agora exigir o valor correspondente ao rendimento que foi gerado pela administração de tais doados.
Acresce que nem sequer releva o referido art.º 1896.º, do CC, ou seja no sentido que a Ré apenas poderia utilizar os rendimentos que adviessem das acções doadas e não o capital, os próprios títulos e aquilo em que se transformaram.
Com efeito, ficou provado que no dia 23 de Abril do ano 2013 Euronext Lisbon – Sociedade Gestora de Mercados Regulamentados, SA (Euronext) emitiu a certidão de fls. 142 a 145 onde consta que “em 6 de Dezembro de 1990 o valor de cotação das acções da Companhia de Seguros Tranquilidade era de 7.000$00 por acção. (…) à mesma data a CIDLA-Combustíveis Industriais e Domésticos, SARL, a SACOR – Sociedade Anonima Concessionária da Refinação de Petróleos em Portugal SARL e o banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa não se encontravam admitidas à negociação, em virtude de as sociedades em apreço terem sido declaradas nacionalizadas pelo Estado Português, tendo sido determinados os valores definitivos de indemnização por cada acção conforme Despacho Normativo n.º 71/88 de 18 de Agosto e Despacho Normativo n.º 80/88 de 1 Outubro em anexo. (…) à data de 15 de Abril de 2013 nenhum dos títulos acima referenciados se encontravam admitidos à cotação no mercado Regulado Euronext Lisbon (…)” .
Ora, a bolsa de valores portuguesa esteve encerrada entre 25 de Abril de 1974 e 2 de Janeiro de 1981, pelo que à data da doação, 5 de Agosto de 1974, as cotações estavam suspensas e as únicas transacções possíveis eram realizadas entre particulares, cujos valores são desconhecidos. A 14 de Março de 1975 foram nacionalizadas as instituições de crédito incluindo o BESCL, a 15 de Março de 1975 foram nacionalizadas as companhias de seguros incluindo a tranquilidade e a 15 de Abril de 1975 foram nacionalizadas outras instituições incluindo a CIDLA e a SACOR, segundo os DL 132-A/75 de 14-03, 135-A/75 de 15-03 e 205-A/75 de 16 de Abril.
Outrossim, à data da maioridade, os títulos referidos na doação, por si mesmos não apresentavam qualquer valor, por terem sido extintos. Donde, em nada relevaria a entrega dos títulos em concreto pela ré ao autor nessa data.
No entanto, estes títulos foram substituídos por títulos de dívida pública, de Tesouro, com carácter indemnizatório, conforme consta do n.º1 do artigo 12.º e n.º1 do art.º 18.º ambos da Lei n.º 80/77 de 26 de Outubro, sendo os valores definitivos afixados nos despachos normativos n.ºs 71/88, 80/88 e 13/89. E à data de 9 de Dezembro de 1990 (data da maioridade do autor falecido), estes títulos de dívida pública tinham o valor nominal aproximado de 95.005.985$50, ou seja, 473.887,86 €, mas ainda geraram remuneração e reembolsos ao longo do tempo (mapa 1 da perícia de fls. 726). E após a maioridade do Autor, foram publicados o Despacho Normativo 222/93 que actualizou o valor indemnizatório do BESCL para 5.049$00 por acção, o Despacho Normativo 80/92 que actualizou o valor por acção da CIDLA para 5.002$50, o Despacho Normativo 111/93 que actualizou o valor por acção da SACOR para 6.893$50 e o Despacho Normativo 134/92 que actualizou o valor por acção da C. Seguinte. Tranquilidade para 2778,50$00, perfazendo 1395 acções da CIDLA, 6604 acções da C. Seguinte. Tranquilidade, as 1258 acções da SACOR e as 18666 acções do BESCL respectivamente, em euros: 34.808,55 €, 91.525,49 €, 43.255,87 E, 470.090,25 €, o que perfaz o total de 639.680,16 € (mapa 2 de fls.726 e 731 da perícia). O reembolso do capital estava previsto para decorrer ao longo de 23 anos, sendo que as retribuições pagas pelo Estado (capital, juros e remuneração indemnizatória de 1986), em parcelas distribuídas no tempo, totalizaram um valor de 182.143.588$, ou 908.528 euros (639.680 euros de capital, 261.061 euros de juros e 7.787 euros de remuneração indemnizatória).
Donde, após ter sido efectuada a totalidade destes pagamentos, os títulos e respectivos direitos extinguiram-se em 1 de Setembro de 2008.
Importa ainda ter presente que se conclui que da gestão destes valores resultaram quantias que não foi possível apurar, figurando o pagamento dos juros até 2008, mas sem que a primeira premissa não deixe de constar na sentença, e tenha determinado a condenação em montante a liquidar.
Todavia, dúvidas não há que o eventual reembolso ocorreu até 2008.
Ora, dos factos ora a considerar resulta que desde 1983 e até 24 de Novembro de 2012, o A. viveu a expensas da ré, a qual pagava a maioria das despesas do Autor, nomeadamente através do valor obtido com a administração das acções e títulos doados ao autor pela sua avó.
Sendo certo que a ré não entregou ao Autor documentos que comprovassem a doação em causa, mas o Autor sabia que todas as despesas suportadas pela ré advinham da administração das acções e títulos doados pela avó.
Deste modo, não podemos acompanhar a conclusão da sentença proferida em 1ª instância.          É certo que não resulta em concreto a data em que o Autor teve a percepção da existência da doação, facto que competia à ré provar, nomeadamente para aferir do decurso do prazo do exercício do direito e a eventual prescrição.  Sendo que neste caso apenas poderá estar em causa o prazo prescricional de 20 anos, e não o relativo ao instituto do enriquecimento sem causa, pois esta existia e advinha da adminstração da ré. Haverá contudo que retirar as consequencias jurídicas da inércia do Autor, por um lado, e a forma como viveu a expensas da ré, por outro, sem que tenha alguma vez posto em causa a administração dos bens doados levada a cabo pela mãe.
Acresce que o Autor exige neste ação a totalidade do valor dos bens doados e não um eventual acerto de contas, pois desde 9 de Dezembro de 1990, data da sua maioridade, e até 24 de Novembro de 2012, quem suportou a maioria das despesas do Autor foi a ré.
Como expõe a recorrente nas suas conclusões «o Autor, ao longo de 23 anos, que decorreram desde a data em que atingiu a maioridade, até à data em que instaurou a presente acção, apesar de ter conhecimento da existência da já referida doação, nunca exigiu, quer extrajudicialmente, quer judicialmente, os títulos/acções a que tinha direito, ou o valor correspondente aos mesmos, à aqui Recorrente, porque conscientemente, bem sabia, que já havia beneficiado da mesma.». Mais aludindo que «a existir o alegado crédito, correspondente a títulos/acções doados em 1974 – o que apenas por mera hipótese académica se concebe –, tendo o Autor atingido a maioridade em 1990, com conhecimento da doação da avó, ainda antes de ter atingido a maioridade e tendo interposto Acção Judicial para cobrança do referido crédito, somente em 2013, dúvidas não existem de que ocorreu a prescrição de 3 anos prevista no artigo 482.º Código Civil, bem como, a de 20 anos, prevista no artigo 304.º/1 do C.C».
Porém, não resultando em concreto a data do conhecimento do Autor, competindo tal prova à ré – artº 343º do CC – o decurso do tempo, mas essencialmente a forma de actuação do autor, determina que se afira tal comportamento em termos de actuação de boa fé e na concretização do abuso de direito inerente, com a tutela da confiança ligada aos direitos fundamentais da ordem jurídica.
O conceito normativo de boa fé é utilizado pelo legislador em dois sentidos distintos e perfeitamente diferenciados: no sentido de boa fé objectiva, enquanto norma de conduta, ou seja, no plano dos princípios normativos, como base orientadora e fundamento de efectivas soluções reguladoras dos conflitos de interesses, alcançadas através da densificação, concretização e preenchimento pelos Tribunais desta cláusula geral; e no sentido de boa fé subjectiva ou psicológica, isto é, como consciência ou convicção justificada de se adoptar um comportamento conforme ao direito e respectivas exigências éticas.
Como afirma, por exemplo, Almeida Costa, (Direito das Obrigações, 2006, pag. 120), Neste último caso, a boa fé reconduz-se a um conceito técnico-jurídico utilizado numa multiplicidade de normas para descrever ou delimitar um pressuposto de facto da sua aplicação. Algo de diverso sucede com o ditame da boa fé, ele próprio uma regra jurídica que, inclusive, assume o alcance de princípio geral de direito.
Ocorre que, independentemente de tudo o demais, o decurso daquele período de tempo em que o Autor depois de atingir a maioridade e já na vida adulta permitiu que a ré continuasse a gerir os títulos, vivendo a expensas da ré tendo também por base os rendimentos que advinham dessa administração, criou justificadamente na Ré a expetativa de que o A. não exerceria tal direito.
Pelo que, o seu exercício tardio por parte do Autor acarreta uma desvantagem injustificada para a Ré que, tendo administrado os bens até ao momento em que geraram rendimentos, ou seja até 2008 e desde nomeadamente a maioridade do Autor, em 9/12/1990, ficaria agora obrigada a devolver valores que advinham dessa mesma administração sem que alguma vez o Autor tivesse querido algum acerto de contas da mesma, nomeadamente para aferir se o rendimento obtido foi ou não todo consumido no pagamento pela ré das despesas do Autor até praticamente os seus 40 anos de idade.
O que tudo serve para dizer que ao atuar desta forma – pedir a devolução da totalidade dos valores que os títulos geraram – o Autor excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé, e, por isso, agiu com abuso de direito, enquadrando-se o seu comportamento numa das manifestações típicas daquela figura jurídica: a supressio.
Senão vejamos.
Na apreciação desta questão importa ter presente os ensinamentos do prof. Menezes Cordeiro (in “Tratado de Direito Civil Português”, Parte Geral, Tomo I, págs. 249-269) que sintetiza em seis tipologias as situações em que tem sido colocada a ocorrência do abuso do direito, sendo que estas tipologias nos permitem, igualmente, enquadrar parâmetros de actuação aptos a concretizar os conceitos jurídicos indeterminados em que está ancorado o instituto do abuso do direito. A saber: a exceptio doli, o venire contra factum proprium, as inalegabilidades formais, a supressio e a surrectio, o tu quoque e o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas.
A exceptio doli traduzia-se numa actuação dolosa do titular na formação da sua situação jurídica ou no momento da própria discussão da causa. No venire contra factum proprium está em causa uma actuação do titular contraditória com um comportamento passado. Trata-se, em suma, de tutelar a confiança gerada numa das partes pelo comportamento anterior da outra. Em terceiro lugar, verifica-se uma inalegabilidade formal quando alguém alega de forma desconforme com a boa-fé, designadamente por lhe ter dado causa, a nulidade formal de um negócio. A supressio e a surrectio que são figuras baseadas nos mesmos fenómenos – decurso do tempo, boa-fé e tutela da confiança – mas de sentido inverso. No primeiro caso, o decurso de um longo período de tempo sem o exercício de um direito faz com que o seu titular perca a faculdade do seu exercício. No segundo caso, a manutenção de uma situação durante um longo período de tempo faz surgir numa pessoa uma faculdade jurídica que de outro modo não teria.
O tu quoque traduz-se na inadmissibilidade do titular do direito aproveitar-se de uma violação de uma norma jurídica exigindo a outrem que actue em consonância com as consequências resultantes dessa violação. Por fim, temos o desequilíbrio, ou seja, o exercício de um direito que devido a circunstâncias extraordinárias dá origem a resultados totalmente estranhos ao que é admissível pelo sistema, quer por contrariar a confiança ou aquilo que o outro podia razoavelmente esperar, quer por dar origem a uma desproporção manifesta e objectiva entre os benefícios recolhidos pelo titular ao exercer o direito e os sacrifícios impostos à outra parte resultantes desse exercício (aqui se incluem o exercício danoso inútil, a exigência injustificada de coisa que de imediato se tem de restituir e o puro desequilíbrio objectivo).
Temos presente que todas estas situações não são mais do que tipologias de comportamento em que historicamente se tem ancorado o raciocínio do abuso do direito, sendo que nem todas têm atual justificação e muitas delas se reconduzem, no fim de contas, a outras figuras, designadamente ao venire contra factum proprium, mas de qualquer forma permitem deixar mais claros os parâmetros em que se move o instituto invocado.
Na verdade, tendo por referência o disposto no art. 334º do C.Civil, «o abuso do direito pressupõe um excesso ou desrespeito dos respectivos limites axiológico-materiais, traduzido na violação qualificada do princípio da confiança, sendo que, para que tal aconteça, não se torna necessário que o agente tenha consciência do carácter abusivo do seu procedimento, bastando que este o seja na realidade». (Galvão Telles in “Obrigações”, pág. 6).
Nesta linha de entendimento, sublinha Baptista Machado (in “Tutela de Confiança”, RLJ, Anos 117º e 118º, a págs. 322 e 323 e 171 e 172, respectivamente), que, para se concluir por tal actuação dita abusiva torna-se necessária a verificação cumulativa de três pressupostos: uma situação objectiva de confiança digna de tutela jurídica e tipicamente consubstanciada numa conduta anterior que, objectivamente considerada, seja de molde a despertar noutrem a convicção de que o agente no futuro se comportará coerentemente de determinada maneira; que, face à situação de confiança criada, a outra parte aja ou deixe de agir, advindo-lhe danos, se a sua confiança legítima vier a ser frustrada; ou seja, frustrada a boa-fé da parte que confiou.
Ora se assim é, não vislumbramos porque é que se há-de entender que a ora Ré não se encontrava na circunstância de boa fé, assim como insofismavelmente nos parece que deve ser tutelada a confiança que a mesma firmou no caso.
Na verdade, a actuação do autor é manifestamente contra os ditames da boa fé, pois o Autor deixou de exercer o seu direito, mantendo e tolerando a administração que a ré, sua mãe, fez relativamente aos bens doados, vivendo praticamente durante 23 anos (desde a sua maioridade em 1990 e até 2012) a suas expensas.
Logo, ao intentar a presente ação o A. actua de forma abusiva na modalidade de supressio, assente na tutela, na situação, na justificação, no investimento da confiança e ainda na imputação de confiança ao titular (cf. Menezes Cordeiro in “Tratado de Direito Civil” I Parte pág.258 e ss. ). In casu, o A. durante 23 anos não exigiu nem os bens (título) doados, nem contas da administração dos mesmos à ré, mas bem sabia da existência de tal doação (sem que contudo resulte a data concreta desse conhecimento), vivendo a expensas da ré durante esse período, e exigindo o valor na íntegra após a agressão perpetrada e o corte de relações subsequente, ou seja com a perda de pagamento das suas despesas pela ré.
A actuação em abuso de direito pelo Autor determina a paralisação do seu direito – artº 334º do CC- o que leva a declararem-se improcedentes os pedidos formulados pela autor e, logo, procedente a apelação, o que se decide.
Importa referir que a apreciação do Acórdão quanto ao direito aplicável não está sujeito às alegações das partes – artº 5º nº 3 do CPC. Por outro lado, o abuso de direito advém de factos alegados pelas partes, pelo que constando do processo os factos necessários, pode o Tribunal optar pelo abuso de direito, mesmo que este não tivesse sido expressamente invocado pelas partes, surgindo, neste sentido, como de conhecimento oficioso (cf. Menezes Cordeiro in ob. Cit. Pág. 247, sustentado em Acórdãos quer do Supremo, quer desta Relação, aludindo que se trata de “uma afirmação jurisdicional que merece aplauso”).Haverá ainda que trazer à colação o disposto no artº 608º nº 2 2ª parte do CPC, aplicável ex vide artº 663º nº 2 do CPC, ao Acórdão.
                                     *
IV. Decisão:
Por todo o exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela ré e, consequentemente absolve-se a ré de todos os pedidos formulados pelo Autor.
Custas pelo apelado.
Registe e notifique.

Lisboa, 11 de Julho de 2019

Gabriela Fátima Marques
Adeodato Brotas
Fátima Galante