Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14205/16.9T8LSB.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: DIREITO DE SUPERFÍCIE
COMPRA E VENDA
COOPERATIVA
CASAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. As fontes de aquisição do direito de superfície são taxativamente enunciadas no art. 1528º do Cód. Civil.;  tendo a escritura pública de compra e venda do direito de superfície que incide sobre um imóvel, outorgada entre a cooperativa, na qualidade de vendedora e o casal, na qualidade de compradores, sido celebrada já na pendência do casamento, sendo a transmissão do direito de superfície um dos efeitos essenciais do contrato de compra e venda, nos termos do art. 879º, alínea a) do Cód. Civil, estamos perante um bem comum do casal porque adquirido na constância do matrimónio ( art. 1724º, alínea c) do Cód. Civil);
2. A tal não obsta a circunstância de apenas um dos membros do casal ter a qualidade de cooperante, que surge apenas como pressuposto ou condição para a outorga do negócio; na qualidade de cooperante, o (ex) cônjuge tem apenas a expectativa de aquisição do direito, expetativa que só se concretizou com a outorga do contrato de compra e venda, cumpridas que foram, só nessa data, todas as exigências alusivas ao pagamento do preço respetivo, que também foi suportado pelo outro (ex) cônjuge.
3. Tudo isto sem prejuízo da aplicação do disposto no art. 1726º do Cód. Civil, com o inerente crédito de compensação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa  
I. Relatório
Ação
Declarativa comum.

Autor/apelado: J.

Ré/apelante: S.

Pedido
Que sejam declarados como bens comuns do dissolvido casal (autor e ré):
- O direito de superfície relativo à fração autónoma destinada a habitação designada pelas letras "AX" a que corresponde o 4.º andar direito, Bloco ..., com arrecadação nº ..., situada no 9.º andar e estacionamento n.º ..., na cave menos um do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ...., n.º 8, em Lisboa, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 2... da freguesia de Benfica e inscrita na respetiva matriz predial Urbana sob o artigo 3358;
- O veículo Automóvel Toyota Yaris 1.0 VVT-i Rock in Rio, de matrícula 6...
Causa de pedir
Autor e ré foram casados entre si, no regime de comunhão de adquiridos, tendo sido decretado o divórcio por mútuo consentimento por decisão transitada em julgado. O autor intentou inventário para partilha dos bens do casal e apresentou relação de bens, tendo a ré deduzido oposição à mesma. As partes foram remetidas para os meios comuns. Os bens em apreço foram adquiridos na constância do matrimónio, pelo que devem ser declarados como bens comuns do dissolvido casal.
Oposição
A ré contestou, alegando que o direito de superfície relativo à fração autónoma destinada a habitação designada pelas letras "AX" é um bem próprio, decorrendo da qualidade de sócia na Cooperativa Económica de Habitação Unidos da Ameixoeira, CRL, em que se inscreveu em 1992, tendo liquidado em concretização da atribuição do fogo de tipologia T3, no "Empreendimento Quinta do Lactário", a título de quotas anuais, mensalidades de capitalização e subscrições de capital e a título de atribuição do fogo, o valor de total de € 13.868,74.
Sendo certo que aquando da escritura de aquisição do direito de superfície se encontrava ainda em dívida à Cooperativa o valor de € 73.382,11 e Autor e Ré contraíram mútuo bancário no valor de € 50.000,00 para saldar tal dívida, a diferença entre o valor mutuado e o valor em dívida, liquidado no acto de escritura, não foi suportado em partes iguais, tendo a Ré liquidado com bens próprios o valor de 10.991,17 Euros.
Acresce que desde 2012, inclusive, tem sido a ré a suportar exclusivamente a mensalidade referente ao mútuo bancário, que à data se encontra liquidado.
O direito da ré constituiu-se na sua esfera jurídica em data anterior ao casamento celebrado com o autor, ainda que tenha sido formalizado na constância do matrimónio, pelo que o bem em apreço é um bem próprio da ré, nos termos do artigo 1722.º, n.º 1, al. c) do Código Civil.
O veículo Automóvel Toyota Yaris 1.0 VVT-i Rock in Rio, de matrícula 6... foi adquirido por 15.000,00€, dos quais 8.100,28€ foram pagos com dinheiro da ré, pelo que tal veículo, nos termos do artigo 1726. º, n. º 1 do Código Civil, o é bem próprio da Ré.
Reconvenção
A ré apresentou reconvenção, peticionando que os bens em apreço nos autos sejam declarados bens próprios da ré.
Réplica
O autor pugna pela natureza comum dos bens, concluindo pela improcedência do pedido reconvencional.
Julgamento
Procedeu-se a julgamento após o que, em 14-09- 2018, foi proferida sentença que concluiu como segue:
“V. Decisão
Nestes termos e pelo exposto:
1. Julgo a presente acção procedente por provada e, em consequência, declaro que são bens comuns do dissolvido casal, Autor e Ré:
- O direito de superfície relativo à fracção autónoma destinada a habitação designada pelas letras "AX" a que corresponde o 4.º andar direito, Bloco ..., com arrecadação nº ..., situada no 9.º andar e estacionamento n.º ..., na cave menos um do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ...., n.º 8, em Lisboa, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 2... da freguesia de Benfica e inscrita na respectiva matriz predial Urbana sob o artigo 3358;
- O veículo Automóvel Toyota Yaris 1.0 VVT-i Rock in Rio, de matrícula 6....
2. Julgo a Reconvenção improcedente, por não provada.
3. As custas são a suportar pela Ré, nos termos do artigo 527.º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil, atentando-se que beneficia de Apoio Judiciário, na modalidade de pagamento faseado (fls. 223 e 224).
Registe e notifique.
* * *
Comunique ao Processo n.º 1524j12.2TMLSB-A do Juízo de Família e Menores de Lisboa, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (identificado a fls. 523) com cópia, mais informando que a decisão não transitou em julgado.
Oportunamente, remeta certidão da sentença, com nota de trânsito em julgado, conforme solicitado.
D.N”
Recurso
Não se conformando, a ré apelou, formulando as seguintes conclusões:
“1ª O ora Apelada deduziu contra a ora Apelante acção de simples apreciação peticionando que sejam declarados bens comuns do dissolvido casal:
- O direito de superfície relativo à fracção autónoma destinada a habitação designada pelas letras "AX" a que corresponde o 4.° andar direito, Bloco ..., com arrecadação n" ..., situada no 9.° andar e estacionamento n." ..., na cave menos um do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ...., n." 8, em Lisboa, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n" 2... da freguesia de Benfica e inscrita na respectiva matriz predial Urbana sob o artigo 3358;
- O veículo Automóvel Toyota Yaris 1.0 VVT-i Rock in Rio, de matrícula 6...
2ª Em sede de contestação e pedido reconvencional, a ora Apelante veio peticionar que os referidos bens sejam considerados bens próprios da mesma, aduzindo factos para sustentação da sua pretensão.
3ª O douto tribunal decidiu julgar procedente o pedido formulado pelo Apelado, nos seguintes termos que se reproduzem, mas julgando improcedente o pedido reconvencional deduzido pela oras Apelante:
1. Julgo a presente acção procedente por provada e, em consequência, declaro que são bens comuns do dissolvido casal, Autor e Ré:
- O direito de superfície relativo à fracção autónoma destinada a habitação designada pelas letras "AX" a que corresponde o 4.g andar direito, Bloco ..., com arrecadação nQ 10, situada no 9.Q andar e estacionamento n.2 46, na cave menos um do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ...., n.º 8, em Lisboa, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n" 2... da freguesia de Benfica e inscrita na respectiva matriz predial Urbana sob o artigo 3358;
- O veículo Automóvel Toyota Yaris 1.0 VVT-i Rock in Rio, de matricula 6...
4ª A Apelante não se conformar com a douta sentença, interpõe o presente recurso
5.ª O tribunal a quo mal ao aplicar o direito aos factos provados, existindo até contradições entre os factos provados e não provados.
6.ª No que toca à parte da douta sentença ora impugnada e referente ao o direito de superfície, o douto Tribunal entendeu que, nos termos do art. 1528° do CC , constituindo-se o direito de superfície por contrato ( ... ) e tendo este ocorrido na constância do matrimónio, sob o regime de bens de adquiridos, o bem é comum do casal.
7.ª O douto tribunal a quo não analisou como devia ou atribuiu a relevância e o enquadramento a que legalmente estava obrigado, dado que o negócio jurídico aqui em causa é entre uma Cooperativa de Habitação e Construção e os seus Cooperadores, in casu, apenas a aqui Apelante, socia n.º 917, a qual no estado de solteira se tornou sócia da Cooperativa de Habitação Económica Unidos da Ameixoeira, CRL.
8.ª Os negócios jurídicos entre a Cooperativa de Habitação e Construção e os seus Cooperadores, cujo regime e disciplina se afasta da regulamentação prevista no código civil.
9.ª A transferência (cessação da propriedade colectiva) para o cooperador realiza-se dentro dos quadros formais dos negócios previstos nos Código Civil, mas aplica-se ao acto de transmissão de propriedade um regime diverso nos aspectos que estejam num nexo directo ou dependência com a relação cooperativa, os quais são designadamente, o preço e a sua forma de pagamento e as limitações subjectivas em termos contratuais
10ª Nos termos dos estatutos da cooperativa, o sócio ou cooperante além de ser obrigado a liquidar os custos constantes do art. 17° e do preço ser fixado nos termos do art. 27°, disposições do Regime Jurídico das Cooperativas de Habitação e Construção, deverá sempre entrar com títulos de capital, ficando assim habilitado nas vantagens decorrentes da sua integração nas cooperativas, uma vez que o valor inicial pago com a inscrição no Programa Habitacional, quer os reforços posteriores, destinam-se a financiar os encargos com o desenvolvimento desse mesmo programa, nomeadamente com o pagamento dos projetos de arquitetura e de especialidades, das licenças, da aquisição dos terrenos, da empreitada de construção, dos encargos financeiros decorrentes dos empréstimos bancários necessários e das despesas administrativas da própria entidade promotora do empreendimento e com este relacionadas.
11.ª Obrigações cumpridas pela ora Apelante ainda no estado de solteira - cfr. factos provados 11° a 15°
12.ª A liberdade contratual de uma cooperativa está sempre representada pelo principio da adesão dos seus sócios ou cooperadores, existindo uma limitação de realização dos seus fins apenas com os seus membros, o que resulta inequívoco do doc. de fls 139 e segs dos presentes autos, correspondente aos Estatutos da Cooperativa de Habitação Económica Unidos da Ameixoeira, CRL, os quais no seu art. 4° e 5° :
( ... )Artigo 4. º (Fins)
A Cooperativa visa, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, a satisfação, sem fins lucrativos, das suas necessidades habitacionais e ainda o fomento da cultura em geral, fundamentando-se nos princípios e na prática cooperativa.
Artigo 5.º (Objetivo Social)
1. A Cooperativa tem por objetivo a aquisição de terrenos para a construção e venda ou arrendamento de habitações dos seus membros, assim como infraestruturas coletivas destinadas ao seu bem-estar.
( ... )";
13.ª A decisão de que ora se recorre teria que analisar as relações jurídicas estabelecidas entre as cooperativas de habitação e os seus sócios/ cooperantes à luz dos respectivos Estatutos, no DL n.º 502/99 de 19 de Novembro e, para as lacunas se regulamentação, no Código Cooperativo aprovado pela Lei 502/96 de 7 de Setembro, o que não fez.
14.ª Apesar do direito de superfície ter sido formalizado mediante escritura pública, já na pendência do casamento entre o ora Apelante e a ora Apelado, sob o regime de bens de adquiridos, o mesmo não constitui um bem comum do casal, conforme entendeu o Tribunal a quo.
15.ª O Apelado nunca assumiu a qualidade de cooperante da Cooperativa Económica de Habitação Unidos da Ameixoeira, CRL.dr. facto provado n.º 19.
16.ª O direito da Apelante, cuja formalização veio a ocorrer já na pendência do casamento com o Apelado, resulta de um direito próprio anterior seu, estritamente pessoal e à mesma pertencente, indissociável da sua qualidade de Cooperadora, dado que, como resulta dos factos provados 13° a 15°, a concretização de atribuição de um fogo de tipologia T3, na Cooperativa Económica de Habitação Unidos da Ameixoeira, CRL ocorreu encontrando-se a ora Apelante ainda no estado de solteira.
Entre o ano de 1992 até Abril de 2002, a ora Apelante tem titulado em nome a liquidação de quotas títulos de capital social, atribuição / mensalidades da "Quinta do Lactário", subscrição de acções de" capital ilimitado" - factos provados 11°, 12 e 13°.
17.ª Com a concretização da atribuição do fogo e com o cumprimento das obrigações estatutárias, ora Apelada viu sua esfera jurídica constituir-se um direito tutelável quanto à aquisição da propriedade da habitação atribuída
18.ª Direito este que nunca existiu na esfera jurídica do Apelado quanto ao bem imóvel aqui em causa
19.ª A ora Apelada possui titulado em sem nome o cumprimento das obrigações estatutárias para com a Cooperativa de Habitação, sendo irrelevante se cumpriu por si mesma, ou se cumpriu a sua obrigação através de terceiro, contrariamente, ao que o douto Tribunal a quo no seu aresto dá a entender dar como não provado que "- Antes do casamento com o Autor, a Ré, no estado de solteira e do seu património próprio e pessoal, tinha liquidado, em concretização da atribuição do fogo de tipologia T3, no "Empreendimento Quinta do Lactário", a título de quotas anuais, mensalidades de capitalização e subscrições de capital e a título de atribuição do fogo, o valor de total de € 13.868,74. ", pois nos termos do art. 767°, n.º1 do Código Civil, " A prestação pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação.", aceitando-se apenas que o douto tribunal efetuasse a correcção para o valor de € 13.023,44, valor este que resulta de correcta soma aritmética
20.ª O douto tribunal a quo contradiz-se na matéria provada e não provada ao dar como não provado o facto referido na supra conclusão 19.ª, e ao mesmo tempo dá como provado que, entre o ano de 1992 até Abril de 2002, a ora Apelante tinha titulado em nome a liquidação de quotas títulos de capital social, atribuição/mensalidades da "Quinta do Lactário", subscrição de acções de "capital ilimitado" - factos provados 11°, 12 e 13°;
21.ª O direito de superfície sobre a fracção autónoma destinada a habitação, designada pelas letras "AX", a que corresponde o 4.° andar direito, Bloco ..., com arrecadação nº ..., situada no 9.° andar e estacionamento n.º 47, na cave menos um, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua 2.2. à Rua A. (actual Rua ....), é um bem próprio da ora Apelante nos termos do art. 1722°, n.º 1, al. c) do CC.
22ª Sendo que o grau de colaboração ou esforço de ambos os cônjuges é critério para decidir quando estamos perante um direito próprio anterior para efeitos do art. 1722°, n.º 1, aI. c) do CC
23.ª Pesem embora os factos que o Tribunal a quo deu como provados, não procurou ou se esforçou, como lhe competia avaliar tal grau de colaboração.
24.ª Facto claramente ilustrável pela sua contradição entre os factos não provados e provados na conclusão 19ª e 20ª supra
25.ª Da soma aritmética dos docs. juntos aos autos de fls. 134 a 136, 137, 154 a 166, 170 a 190, o douto tribunal a quo teria que ser dado como provado que, pelo menos até à data de Abril de 2002, a ora Apelante, e ainda no estado de solteira tinha obrigações financeiras cumpridas e liquidas, perante a Cooperativa no valor de € 13.023,44.
26.ª O tribunal, ao dar como provado que o valor das duas últimas prestações liquidadas, em Março e Abril de 2002- encontrando-se ainda a Apelante no estado de solteira, as quais foram liquidadas a partir de conta bancária conjunta titulada pela Apelante e Apelado no banco CGD, com o n.º 0... teria igualmente que dar como provado que no cumprimento das obrigações da Apelante para com a Cooperativa, uma vez que àquela data ambos eram solteiros e só à Apelante cabia suportar a dívida, considerando, assim, ilidida a presunção prevista no art. 516° do CC
27.ª Circunstância para a qual o douto Tribunal também se não esforçou ou procurou apurar da verdade material.
28.ª O douto tribunal a quo dá como provado que, à data da realização da escritura ocorrida na data de 30 de Junho de 2003- encontrando-se as partes já casadas sob o regime da comunhão de adquiridos, o valor que havia a liquidar à Cooperativa fosse de € 73.382,11 - facto provado n.º 18°, mais dando como facto provado que que, para liquidação desse valor foi contraído um mútuo de € 50.000,00 junto da CGD - facto provado n.º 20°;
29.ª Uma vez mais, o douto tribunal não procurou avaliar o grau de cooperação quer da Apelante, quer do Apelado para que o valor de empréstimo contraído fosse reduzido ao valor de € 50.000,00, perante o valor que havia a liquidar à Cooperativa de € 73.382,11 e que foi debitado na conta conjunta com o n.º 0... junto da CGD- facto provado 35°, como se impunha e não se aceita
30.ª Dos factos provados 23° e 24°, a ora Apelante, com vista a abater na diferença entre o valor a liquidar em sede de escritura e o valor mutuado pela CGD, do seu património próprio depositou na conta comum com o n.º 0197 025434600, o valor de € 10.991,17
31.ª Mais resultando dos factos provados 25° e 26°, que a ora Apelado, com vista a abater na diferença entre o valor a liquidar em sede de escritura e o valor mutuado pela CGD, do seu património próprio depositou na conta comum com o n." 0... o valor de € 10.636,21.
32.ª Factos provados pelo douto tribunal quo sem que dos mesmos seja extraída conclusão, ilação ou relevância jurídica alguma, como lhe competia ... em sede de avaliação do grau de colaboração para decidir quando importa decidir estamos perante um direito próprio anterior para efeitos do art. 1722°, n.º 1, al. c) do CC e assim definir a natureza do bem.
33.ª À data da escritura, datada de 30 de Junho de 2003, verifica-se que a ora Apelante, para a concretização do negócio e pelos factos provados, havia colaborado com o valor de € 24.014,61 e o Apelado com o valor de € 10.636,21.
34ª A que acresce o facto de ser a Apelante a sócia da Cooperativa, a ter sido a mesma a assegurar a atribuição do fogo, necessariamente, o seu grau de colaboração revela-se superior ao do Apelado.
35.ª Apelante e Apelado, enquanto viveram em comunhão de vida, em comum e do seu esforço comum, liquidaram, a título de amortização do empréstimo contraído com a escritura outorgada em 30/06/2003, o valor de € 44.527,02.- facto provado 36°
36.ª Participando os cônjuges em metade do activo e do passivo, nos termos do art. 1730° CC, salvo melhor opinião, cada um dos então cônjuges, contribuiu com o valor de € 22.527,02.
37.ª Mal andou o Tribunal a quo ao limitar-se a analisar o pedido e a causa de pedir dos autos, quer do pedido inicial quer do pedido reconvencional, baseando-se apenas na circunstância da titulação do negócio jurídico ocorrer já na pendência do casamento.
38.ª Pelos próprios factos provados, o Tribunal a quo teria que analisar a situação em apreço mais além, como se impunha legalmente, o que não fez.
39ª O Tribunal a quo motiva a sua decisão de determinar os bens em discussão como comuns, na própria relação de bens apresentada na Tentativa de Conciliação, no âmbito da Acção de Divórcio entre as ora partes, atribuindo-lhe força de caso julgado;
40.ª Fundando-se em doutrina que claramente não é acolhida pelos nossos Tribunais e até pela própria autora que o Tribunal a quo refere, a páginas 20 da sua sentença, pois essa mesma autora, Rita Lobo Xavier, vem a pgs. 21, 25 e 26, da obra "A relação especificada de bens comuns: relevância jurídica da sua apresentação no divórcio por mútuo consentimento", Revista Julgar n." 8-2009, Coimbra Editora, dizer o seguinte: «A lei exige que o processo de divórcio por mútuo consentimento seja instruído com uma 'relação especificada de bens comuns' sem a qual o divórcio não pode ser decretado. No entanto, nem a decisão final do Conservador, nem a sentença do juiz acrescentam qualquer valor a tal documento. A questão de saber se os efeitos do caso julgado da sentença que decrete o divórcio por mútuo consentimento abrangem o conteúdo da relação de bens há muito que vem sendo decidida pela negativa nos nossos tribunais. O caso julgado funda-se directamente no pedido, no efeito jurídico pretendido pelo Autor. E, na verdade, no processo de divórcio por mútuo consentimento não existe qualquer pedido ou decisão sobre a existência ou sobre a titularidade dos bens relacionados».
41ª A Relação Especificada de Bens Comuns, em processo de divórcio por mútuo consentimento, não vincula os divorciandos para o futuro, pois não constitui caso julgado quanto à natureza, qualidade, quantidade ou valor dos bens relacionados, sendo deste entendimento unanime, a título meramente exemplificativo os seguintes Acórdãos, todos disponíveis em www.dgsi.pt:
- Ac. do STJ de 2.11.2010 p. n." 726j08.0TBESP-D.P1.s1;
- Ac. da RC de 114.02.14.02.2006, p. 4056j05;
- Ac. da RP de 23.02.2015., p. 4091j07.5TVPRT.P1;
- Ac. da RL de 11.07.2013, p. 3546j10.9TBVFX.Ll-7;
- Ac. da RE de 10.03.2010, p. 2214j09.9TBPTM.E1.
- Ac. da RG 13.02.2014, p. 941j11.0TMBRG.G1
42ª O Tribunal a quo funda ainda a motivação da sua decisão no próprio Acordo quanto ao Destino da Casa de Morada de Família, acordo este que necessariamente tem de instruir um processo de divórcio por mútuo consentimento, ab initio ou por convolação, uma que que nesse mesmo acordo de utilização em exclusivo da casa de morada de família à ora Apelante, foi o mesmo temperado com a compensação, no plano patrimonial, do ora Apelado, privado do uso referido.
43.ª A anuência da Apelante à renuncia a compensação, em partilha, pelos valores pagos integralmente por si, a título do mútuo bancário, significa que a Apelante, assumiu, com bens próprios seus, a assunção da liquidação da dívida mutuária e o Apelante, por seu turno, no plano das relações internas entre os cônjuges, transferiu a responsabilidade pela dívida para aquela.
44.ª No Acordo quanto ao Destino da Casa de Morada de Família está apenas em causa o destino da casa de morada de família, cuja natureza, qualidade, quantidade ou valor não vincula os outorgantes e que nos termos do art. 1775° do CC, se destina a vigorar tanto no período da pendência do processo como ao período posterior, se outra coisa não resultar desse mesmo acordo.
45.ª Consequentemente, não pode deixar de entender-se que entre o ano de 2012 e 2015, o esforço da ora Apelante no valor de € 8.662,24, sendo o seu contributo relevante para efeitos do art. 1722°, n." n." 1, aI. c) do CC, sem prejuízo da compensação no património comum.
46.ª Deve o direito de superfície que incide sobre o imóvel, ser declarado bem próprio da R., sem prejuízo, da compensação eventualmente devida ao património comum, nos termos do 1722°, n." 1 do CC
47.ª Quanto ao veículo automóvel adquirido na constância do casamento, Toyota Yaris, de matrícula 6..., uma vez mais, o douto tribunal a quo mal andou na sua decisão, pois ainda como provado que o produto da venda de um bem próprio da ora apelante, o valor de € 2.370,00, tenha sido creditado na conta bancária conjunta da Apelante e do Apelado e utilizado para a aquisição do referido bem;
48.ª Mais tendo dado como provado que, nas datas 18 e de 19 de Maio de 2006, portanto, previamente à liquidação do valor de € 15.000,00 com a aquisição do Toyota Yaris, de matrícula 6..., da conta titulada pela mãe, irmã e Apelante, com o n." 0..., tenham sido transferidas as quantias de 2.500 Euros, 2.370 Euros e 500 Euros para a conta bancária na Caixa Geral de Depósitos com o número 0..., de que eram titulares as ora partes (documentos de fls. 201 a 204 e 205 e 206), o douto tribunal quo, aventa apenas o art. 1729° do CC, cuja epigrafe é "bens doados e deixados em favor da comunhão", não enquadra o facto provado legalmente.
49.° O Tribunal a quo considera as transferências no total de € 5.370,28 provadas, todavia, não considera que as mesmas fossem bem próprio da R, mas também não considera provado que tal valor fosse doado a favor da comunhão, como expressamente o art. 1729° o exige.
50.ª Nos termos do art. 1722, n.º 1, b) do CC, são bens próprios, não entrando na comunhão os bens que advenham depois do casamento por sucessão ou doação.
51.ª O depoimento das testemunhas E' e P', ainda que não tenham convencido o douto tribunal a quo que os valores se referiam a montantes previamente cedidos à testemunhas E' por herança recebida pelas filhas, pelo menos dos does. de 201 a 204 e 205 e 206, resulta claramente que o valor de € 2.500,00 foi entregue à ora Apelante com vista à compra do Toyota Yaris e que os valores de € 2.370,00 e de € 500,00 se destinavam a liquidar parcialmente um dívida entre mãe e filha.
52. ª Não fundamentando ou aventado em momento algum pelo douto Tribunal existiu intenção de os valores serem doados ao casal.
53.ª Mal andou, uma vez mais, o douto Tribunal a quo na sua decisão de declaração do bem automóvel como comum por ter sido relacionado na Relação de Bens na Tentativa de Conciliação na acção n." 1524/12.2TMLSB, uma vez que a Relação Especificada de Bens Comuns, em processo de divórcio por mútuo consentimento, não vincula os divorciandos para o futuro, pois não constitui caso julgado quanto à natureza, qualidade, quantidade ou valor dos bens relacionados, sendo deste entendimento unanime.
54ª O bem é bem próprio da R. em virtude da prestação da mesma ser mais valiosa, nos termos do n.º 1 do art. 1726°, n.º 1 do CC, sem prejuízo do disposto no número 2 da mesma disposição legal
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, REQUER-SE A V.EXAS SEJA DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, ASSIM SE FAZENDO
JUSTIÇA!
Foram apresentadas contra-alegações, com as seguintes conclusões.
“a) Terá que ser fixado o efeito meramente devolutivo deste recurso, com as demais consequências legais.
b) A Ré na qualidade de cooperante tinha apenas a expectativa de lhe vir a ser atribuído o direito de vir a adquirir uma fração autónoma.
c) A aquisição da fração autónoma ocorreu com a outorga da escritura publica de compra e venda do direito de superfície, estando a ré casada com o autor no regime da comunhão de adquiridos.
d) O autor interveio na escritura como outorgante de pleno direito.
e) Resultou cabalmente provado que a aquisição da fração não foi suportada exclusivamente com o património da ré.
f) Tendo ambos os cônjuges participado de forma solidaria para a aquisição desta fração.
g) Os pagamentos que a ré fez durante o período (2012 a 2015), não podem relevar e ser tidos em conta, uma vez que na tentativa de conciliação da Acão n.º 1524/12.2TMLSB, do 3.° Juízo de Família e Menores de Lisboa, foi acordado entre Autor e Ré, que a ré habitaria na casa de morada de família e que a prestação do reembolso de empréstimo contraído a C.G.D seria suportado nesse período integralmente pela Ré, sem direito à compensação no contexto da partilha em relação ao cônjuge marido.
h) O veiculo automóvel Toyota Yaris de matricula 6..., foi adquirido na constância do matrimonio.
i) O seu preço foi pago mediante cheque bancário no valor de 15000,00€ emitido e sacado da conta solidaria de que eram titulares autor e ré.
j) Resultou provado que ambos os cônjuges participaram para a aquisição do respetivo veiculo;
k) A ré não conseguiu ilidir a presunção de comunicabilidade constante do artigo 1725.° do código civil.
I) Autor e Ré declararam, na tentativa de conciliação na ação n.º 1524/12.2 TMLSB, do 3.° Juízo de Família e Menores de Lisboa, em 22 de Novembro de 2012, que constituem bens comuns do casal:
a) o direito de superfície referente à fração autónoma destinada à habitação, designada pelas letras" AX" a que corresponde o 4.° andar direito, bloco ..., com arrecadação n.º ..., situada no 9.° andar e estacionamento n.º 47, na cave menos um, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ...., nº 8 em Lisboa;
b) O veiculo automóvel Toyota Yaris 1.0 WT-i
m) A relação de bens tem de assumir relevância, porquanto se trata de um documento particular, assinado por ambos os cônjuges na presença dos advogados de ambos.
Termos e nos de Direito, com que Vossas Excelências sempre suprirão, deve ser negado provimento ao recurso proposto e manter-se a douta decisão proferida, por ser de JUSTIÇA”

Cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO
Releva o seguinte circunstancialismo, que a 1ª instância deu por assente:
1. Autor e Ré casaram entre si em 31 de agosto de 2002, sem convenção antenupcial (documento de fls. 35 a 37 dos autos).

2. Foi decretado o divórcio por mútuo consentimento de Autor e Ré por sentença de 22 de novembro de 2012, transitada em julgado em 4 de fevereiro de 2013, proferida no processo n.º 1524/12.2TMLSB, do 3.º Juízo de Família e Menores de Lisboa, conforme documento (certidão) de fls. 285 a 292 dos autos.

3. Na Tentativa de Conciliação na ação n.º 1524/12.2TMLSB, do 3.º Juízo de Família e Menores de Lisboa, em 22 de novembro de 2012, Autor e Ré declararam que constituem bens comuns do casal, além do mais, o direito de superfície referente à fração autónoma destinada a habitação, designada pelas letras "AX", a que corresponde o 4. º andar direito, Bloco ..., com arrecadação nº ..., situada no 9.º andar e estacionamento n.º 47, na cave menos um, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ...., n.º 8, em Lisboa, com o valor patrimonial de € 97 284,20 (Verba n.º 1) e o (veículo automóvel) Toyota Yaris 1.0 VVT-i Rock in Rio, no valor de € 7.900,00 (Verba n.º 11), conforme documento (certidão) de fls. 285 a 292 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.

4. Na Tentativa de Conciliação na ação n.º 1524/12.2TMLSB, do 3.º Juízo de Família e Menores de Lisboa, em 22 de novembro de 2012, Autor e Ré acordaram que a cônjuge mulher habitaria na fração sita na Rua ...., n.º 8, 4.º andar direito, Bloco ..., em Lisboa, desde essa data até à data da partilha do património comum do casal e que a prestação de reembolso de empréstimo contraído à Caixa Geral de Depósitos, seria suportada nesse período integralmente pela cônjuge mulher, sem direito a compensação no contexto da partilha em relação ao cônjuge marido, conforme documento (certidão) de fls. 285 a 292 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.

5. Em 14 de março de 2013 o Autor intentou ação de inventário para partilha dos bens do casal, que foi distribuída na 1. ª Secção de Família e Menores, J2 da Instância Central da Comarca de Lisboa, com o número de processo 1524/12.2TMLSB-A, conforme documento (certidão) de fls. 293 a 324 dos autos.

6.º Na ação de inventário para partilha dos bens do casal o Autor apresentou Relação de Bens Comuns do Casal, em que constam, além do mais, o direito de superfície referente à fração autónoma destinada a habitação, designada pelas letras "AX", a que corresponde o 4. º andar direito, Bloco ..., com arrecadação nº ..., situada no 9.º andar e estacionamento n.º 47, na cave menos um, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ...., n. º 8, em Lisboa, com o valor patrimonial de 144.000 Euros (Verba n.º 10) e o veículo automóvel Toyota Yaris 1.0 VVT-i Rock in Rio, no valor de 6.800 Euros (Verba n.º 9), conforme documento (certidão) de fls. 293 a 324 dos autos, mormente fls. 302 a 305, cujo teor se dá por reproduzido.

7. A ora Ré apresentou Reclamação, em que alega a incorreta relacionação das verbas n.º 9, 10 e 11 como bens comuns do casal. Em sede de Conferência de Interessados, foi consignada a necessidade de as questões relativas à natureza dos bens serem remetidas para os meios comuns, conforme documento (certidão) de fls. 293 a 324 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.

8. Por escritura pública de compra e venda de 30 de Junho de 2003, em que constam como outorgantes: Primeiro - I., na qualidade de procuradora, em representação da cooperativa denominada "S... - União de Cooperativas de Habitação, UCRL" e Segundo - S. e marido J., casados sob o regime de comunhão de adquiridos, a primeira outorgante declarou vender aos segundos outorgantes, ela, sócia número 9... da "Cooperativa Económica de Habitação Unidos da Ameixoeira, CRL", pelo preço de 86.405,54 Euros, o direito de superfície da fracção autónoma destinada a habitação, designada pelas letras "AX", a que corresponde o 4.º andar direito, Bloco ..., com arrecadação nº ..., situada no 9.º andar e estacionamento n.º ..., na cave menos um, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua 2.2. à Rua A. (actual Rua ....). Os segundos outorgantes disseram aceitar a venda nos termos exarados, destinar a fracção autónoma a sua habitação própria permanente e que empregaram no pagamento do preço da aquisição o produto de um empréstimo nessa data concedido pela Caixa Geral de Depósitos, S.A. e parte do produto das suas contas "Poupança Habitação", abertas na mesma instituição, respectivamente, aos 4 de Novembro de 1996 e aos 29 de Dezembro de 1999, conforme documento (escritura) de fls. 90 a 96, cujo teor se dá por reproduzido.

9. Encontra-se registada na Conservatória de Registo Predial de Lisboa a aquisição em direito de superfície da fracção "AX", freguesia de Benfica, correspondente ao quarto andar direito, bloco ..., a favor da Ré, casada com o Autor no regime de comunhão de adquiridos, conforme documento de fls. 33 e 34 (certidão permanente).

10. A Ré foi inscrita no ano de 1992 como sócia na Cooperativa Económica de Habitação Unidos da Ameixoeira, CRL.

11. Foram emitidos em nome da Ré recibos do pagamento das quotas de 1992 e 1993 e três títulos de capital social, no valor total de seis mil e oitocentos escudos, tendo-lhe sido atribuído o número de sócia 917 (documentos de fls. 134 a 136, cujo teor se dá por reproduzido).

12. De julho de 1994 a abril de 2002 em nome da Ré foram realizados pagamentos das quotas anuais da Cooperativa de Habitação Económica Unidos da Ameixoeira, CRL, atribuição/mensalidades da "Quinta do Lactário", subscrição de ações de "capital ilimitado", conforme documentos de fls. 154 a 166, 170 a 190 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.

13. Mediante comunicação datada de 20 de janeiro de 1996, a Cooperativa de Habitação Económica Unidos da Ameixoeira, CRL, comunicou à Ré (sócia n.º 917) que estava em vias de lhe ser atribuído um fogo no "Empreendimento Quinta do Lactário", de tipologia T3 (4 assoalhadas) e que caso fosse atribuído o mesmo, seria necessário satisfazer o pagamento de quinhentos e cinquenta mil escudos, conforme documento de fls. 137, cujo teor se dá por reproduzido.

14. A Ré manifestou interesse na atribuição do fogo no "Empreendimento Quinta do Lactário"

15. Em 21 de maio de 1997 foi pago o valor de quinhentos e oitenta mil escudos à Cooperativa de Habitação Económica Unidos da Ameixoeira, CRL, em nome da Ré, para concretização de atribuição do fogo no "Empreendimento Quinta do Lactário", conforme documento de fls. 137, cujo teor se dá por reproduzido.

16. Em 6 de março de 2000 as obras de construção do Empreendimento onde se inseria o fogo atribuído à Ré ainda não se tinham iniciado (documento de fls. 191).

17. Por contrato de 21 de fevereiro de 2003 a S... - União das Cooperativas de Habitação, UCRL entregou à Ré, casada com o Autor em comunhão de adquiridos, a fração correspondente ao 4º andar direito do número 8 do prédio sito na Rua 2.2. à Rua AM, em Lisboa, para a sua utilização a título precário até à realização da escritura de compra e venda, sendo que a falta de comparência à escritura de compra e venda teria como efeito, além do mais, fazer presumir a renúncia total e irrevogável a todos e quaisquer direitos relativos ao fogo, conforme documento de fls. 192 e 193 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.

18. Mediante comunicação datada de 8 de maio de 2003, a Cooperativa de Habitação Económica Unidos da Ameixoeira, CRL, informou a Ré, além do mais, que no acto de escritura os sócios deviam satisfazer o diferencial entre o valor da venda da respectiva fracção e o montante entregue à CHEUA após a constituição da SEGCIR (13.023,43 Euros), constando ainda, quanto à Ré, que o valor da venda era de 86.405,54 Euros e o valor a pagar na escritura era de 73.382,11 Euros, conforme documento de fls. 194 e 195, cujo teor se dá por reproduzido.

19. O Autor nunca assumiu a qualidade de cooperante da Cooperativa Económica de Habitação Unidos da Ameixoeira, CRL.

20. Autor e Ré contraíram mútuo bancário no valor de cinquenta mil Euros para pagamento do valor a pagar pela fração na escritura de compra e venda (admitido por acordo).

21. Para garantia do cumprimento do mútuo bancário foi constituída hipoteca sobre o direito de superfície da fracção designada pelas letras "AX", a que corresponde o 4. º andar direito, Bloco ..., da Rua ...., sendo sujeitos passivos a Ré e o Autor (documento de fls. 33 e 34 - certidão permanente).

22. Autor e Ré procederam em 13 de março de 2002 à abertura de uma conta titulada por ambos, com o número 0..., na Caixa Geral de Depósitos, de que foram pagos o valor de 500,00€ a 28 de Março de 2002 e de 500,00€ a 30 de Abril de 2002, para pagamento de quotas de cooperativa (documentos de fls. 421 a 424).

23. Em 26/06/2003 foi resgatado o certificado de aforro n.º 9..., da titularidade da Ré, subscrito em 12 de Setembro de 2000, no valor de € 2.184,62 (documentos de fls. 196 e 197, cujo teor se dá por reproduzido).

24. Em 25 de junho de 2003 foi levantado da conta poupança habitação da titularidade da Ré da Caixa Geral de Depósitos com o n. º 0... constituída em 04/11/1996 o montante de 8.806,55 Euros, que foi depositada na conta bancária na Caixa Geral de Depósitos com o número 0... de que eram titulares Autor e Ré, em 26 de Junho de 2003, conforme documentos de fls. 198 e 199, cujo teor se dá por reproduzido.

25. Em 26 de junho de 2003, o Autor procedeu ao levantamento da quantia de 9568,63€ da conta poupança habitação constituída em 29/12/1999, de que era titular, que foi depositada na conta bancária na Caixa Geral de Depósitos com o número 0..., de que eram titulares Autor e Ré, em 26 de Junho de 2003, conforme documentos de fls. 425 a 430, cujo teor se dá por reproduzido.

26.º Em 20 de Junho de 2003, o Autor procedeu ao resgate de títulos de aforro, de que era titular, no valor de 1067,58€, cujo valor foi depositado na conta bancária na Caixa Geral de Depósitos com o número 0..., de que eram titulares Autor e Ré, em 20 de Junho de 2003, conforme documentos de fls. 427 a 434, cujo teor se dá por reproduzido.

27. Em 7 de maio de 2003, o Autor procedeu ao resgate de títulos de aforro, de que era titular, no valor de 1572,89€, cujo valor foi depositado na conta bancária na Caixa Geral de Depósitos com o número 02..., em 08 de Maio de 2003, conforme documentos de fls. 431 a 434 e 440 a 442, cujo teor se dá por reproduzido.

28. Em 19 de maio de 2003, o Autor procedeu ao resgate de títulos de aforro, de que era titular, no valor de 2097,18€, cujo valor foi depositado na conta bancária na Caixa Geral de Depósitos com o número 02..., em 20 de maio de 2003, conforme documentos de fls. 431 a 434 e 440 a 442, cujo teor se dá por reproduzido.

29. Em 16 de abril de 2003, da Conta Poupança titulada pelo Autor, pela sua mãe e irmão, foi levantada a quantia de 7781,25€, valor que foi depositado na conta bancária na Caixa Geral de Depósitos com o número 02..., conforme documentos de fls. 438 e 439, 440 a 442, cujo teor se dá por reproduzido.

30. O Autor passou cheque no valor de mil seiscentos e quarenta e oito Euros e cinquenta e seis cêntimos, datado de 5 de fevereiro de 2002, à ordem de R., conforme documento de fls. 435.

31. O Autor passou cheque no valor de mil seiscentos e quarenta e oito Euros e cinquenta e seis cêntimos, datado de 4 de Março de 2002, à ordem de R., conforme documento de fls. 436.

32. O Autor passou cheque no valor de mil seiscentos e quarenta e oito Euros e cinquenta e seis cêntimos, datado de 2 de Abril de 2002, à ordem de R., conforme documento de fls. 437.

33. Foram realizados melhoramentos na fração designada pelas letras "AX", a que corresponde o 4. º andar direito, Bloco ..., da Rua ...., anteriormente à realização da escritura.

34. Em 25 de junho de 2003, a mãe do Autor transferiu para a conta bancária na Caixa Geral de Depósitos com o número 0..., de que eram titulares Autor e Ré, o valor de 2500,00€ (documento de fls. 427 a 430), para ajuda no pagamento de parte do preço da fracção.

35. Em 30 de junho de 2003 foi depositada na conta bancária na Caixa Geral de Depósitos com o número 0..., de que eram titulares Autor e Ré, o valor de 49.365,80 Euros e foi debitado o valor de 73.382,11 Euros, com a menção "escritura" (documento de fls. 427 a 430, mormente fls. 429)

36. Entre 2003 e 2011, Autor e Ré pagaram as prestações do mútuo bancário para aquisição da fração, no valor total de 44.527,02 Euros (admitido por acordo).

37. No ano de 2012 e até 2015, a Ré procedeu ao pagamento dos valores relativos ao mútuo bancário para aquisição da fração, no valor total de 8 662.25 Euros (admitido por acordo).

38. O veículo automóvel Toyota Yaris de matrícula 6... foi adquirido na constância do matrimónio de Autor e Ré (admitido por acordo).

39. O veículo automóvel Toyota Yaris de matrícula 6... está registado a favor da Ré, mediante apresentação de 20/06/2006, conforme documento de fls. 29 e 30 dos autos (certidão automóvel).

40. O veículo automóvel Toyota Yaris de matrícula 6... foi pago mediante cheque no valor de quinze mil euros, sacado em 22 de maio de 2006, de conta bancária na Caixa Geral de Depósitos com o número 0..., de que eram titulares Autor e Ré, conforme documento de fls. 99 a 102 (mormente, fls. 102).

41. Em 23 de junho de 1999, a Ré adquiriu um veículo automóvel da Marca Daewoo, Modelo Matiz com a matrícula 8... (documento de fls. 200).

42. Em 09 de Maio de 2006, o veículo automóvel da Marca Daewoo, Modelo Matiz com a matrícula 8... foi vendido pelo valor de €2.370,00, montante que foi depositado na conta bancária na Caixa Geral de Depósitos com o número 0..., de que eram titulares Autor e Ré (admitido por acordo e documento de fls. 201 a 204, mormente fls. 202).

43. Em 18 e 19 de Maio de 2006, da conta titulada pela mãe e irmã da Ré e pela Ré, com o n.º 01..., foram transferidas as quantias de 2.500 Euros, 2.370 Euros e 500 Euros para a conta bancária na Caixa Geral de Depósitos com o número 0..., de que eram titulares Autor e Ré (documentos de fls. 201 a 204 e 205 e 206).

44. Em 16 de Maio de 2006 o Autor procedeu ao resgate de títulos de aforro, no valor de 5.708,08€, valor que foi depositado na conta bancária na Caixa Geral de Depósitos com o número 0..., de que eram titulares Autor e Ré (documentos de fls. 201 a 204, 427 a 430, 431 a 434).
                                                       *
O tribunal de primeira instância considerou ainda como segue:
“2. Factos Não Provados
Não foram alegados nem resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a presente decisão, que extravasem ou sejam diversos dos elencados supra, não cabendo elencar alegações de direito ou manifestamente conclusivas.
Não resultaram provados, nomeadamente, os seguintes factos:
- Antes do casamento com o Autor, a Ré, no estado de solteira e do seu património próprio e pessoal, tinha liquidado, em concretização da atribuição do fogo de tipologia T3, no "Empreendimento Quinta do Lactário", a título de quotas anuais, mensalidades de capitalização e subscrições de capital e a título de atribuição do fogo, o valor de total de € 13.868,74.
- A Ré procedeu ao resgaste, na data de 03/06/2003, de certificado de aforro n. º 10..., constituído anteriormente ao casamento, no valor de € 1.057,43.
- As quantias de 2.500 Euros, 2.370 Euros e 500 Euros transferidas para a conta titulada por Autor e Ré respeitavam a herança por óbito do pai da Ré, que a mesma havia mutuado à sua mãe, E' e que foi por esta última paga nas referidas datas de 18/05/2006 e de 19/05/2006 (Provado apenas o que consta nos Factos Provados sob o n.º 43).
- O montante de 1572,89€ referido em 27.º dos Factos Provados foi utilizado para despesas relacionadas com a casa.
- O montante de 2097,18€ referido em 28.º dos Factos Provados foi utilizado para despesas relacionadas com a casa.
- O montante de 7781,25€, referido em 29.º dos Factos Provados foi utilizado para despesas relacionadas com a casa.
- Em Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2002, o Autor procedeu ao pagamento faseado da quantia total de 6594,26€, em 4 prestações de 1.648,56€, para melhoramentos na casa antes da escritura, valores entregues directamente ao empreiteiro responsável pela obra de construção, o Engenheiro R. da Construtora L. Ld. ª (provado apenas o que consta nos Factos Provados sob os números 30.º a 33.º).
- O Autor procedeu ao pagamento da quantia de 1191.64€ proveniente de quantia titulada por uma conta comum do então casal para pagamento do veículo automóvel Toyota Yaris de matrícula 6...”.

III- FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela ré/apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635º e 639º do NCPC  – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
No caso, ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar:
- Da delimitação do quadro factual relevante;
- Da natureza do direito de superfície incidindo sobre a fração identificada na petição inicial: bem comum versus bem próprio da ré;
- Do veículo adquirido: bem comum versus bem próprio da ré;

2. Impõe-se, em nótula, uma alusão ao quadro factual apresentado no processo porquanto, ao contrário do que a leitura superficial das alegações de recurso deixaria antever, não foi impugnado pela ré o julgamento de facto feito pela senhora Juiz.
Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas –art. 640º, nº 1 do NCPC, que tem correspondência com o que anteriormente dispunha o art. 685º-B, nº1 da lei processual civil. 
No caso, nunca a apelante cuidou de especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, indicando, com precisão:
- quais os factos que o tribunal deu, indevidamente, como provados, e cuja eliminação pretende;
- quais os factos que o tribunal devia ter dado como provados e erradamente omitiu, com vista ao seu aditamento e consequente ampliação (da factualidade assente);
- quais os factos que, dados como assentes pelo tribunal, o deviam ser em termos diferentes, ou seja, qual o conteúdo de texto que pretende ver modificado.
O que passa pela concreta individualização/descrição desses factos com reporte para a numeração sob a qual são identificados na sentença ou nos articulados das partes.
Essa concretização não se compadece com a mera descrição de raciocínios valorativos e genéricos, que até podem deixar antever os pontos de discordância relativamente ao senhor Juiz, mas não permitem, com suficiente precisão, alcançar em que termos o recorrente pretende que seja alterada a decisão sobre a matéria de facto por parte desta Relação, nos vários sentidos possíveis (eliminação, aditamento e modificação de texto).
Particularizando, alcança-se das alegações de recurso que a apelante discorda do juízo valorativo feito pelo tribunal quanto à matéria de facto e de direito – cfr. as 20ª, 21ª, 51ª e 52ª conclusões – mas o certo é que nunca aludiu à impugnação do julgamento de facto, cumprindo as apontadas exigências legais, desde logo porque não são identificados quais os específicos pontos da matéria de facto que devem ser modificados, nem o sentido proposto para a alteração; como também não particularizou a prova que entende relevante, nomeadamente com indicação ou remessa para as relevantes passagens dos depoimentos.
Como se referiu no Ac. STJ de 13/07/2006, “com as normas atinentes à interposição de recurso e apresentação de alegações, pretendeu o legislador criar um conjunto de regras de natureza prática, a observar pelos recorrentes, que permitam ao Tribunal “ad quem” apreender, de forma clara, as razões fácticas e jurídicas que corporizam a dissidência relativamente ao julgado, de modo a que o Tribunal as aprecie com rigor: nem mais nem menos, do que é pedido, com ressalva das matérias oficiosamente cognoscíveis.
A exigência da apresentação de “conclusões” insere-se neste mesmo propósito mas desta feita, tendo especificamente em vista a apresentação de um quadro sintético – em resumo – das questões que se pretende ver apreciadas, de modo a que o Tribunal percepcione, rápida e facilmente, o fundamento do recurso, assim se assegurando, em última instância, “... a defesa dos direitos e a objectividade da sua realização” (cfr. Ac. T.C. nº 715/96 in D.R. II Série, de 18/3/97)” [  ].
Assim sendo, porque a apelante omitiu por completo o cumprimento das exigências legais, quer no corpo das alegações quer nas conclusões, impõe-se concluir que a factualidade relevante que se depara a esta Relação é aquela fixada pela primeira instância e que supra se enunciou sob os números 1 a 44, que nenhuma das partes colocou em crise.

3. A apelante considera, tendo por objeto o direito de superfície que incide sobre a fração em causa, que o tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento quanto considerou que se trata de bem comum, ponderando o disposto no art. 1724º, alínea b) do Cód. Civil, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem.
Entende que “apesar do direito de superfície ter sido formalizado mediante escritura pública, já na pendência do casamento”, celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos, o mesmo não constitui um bem comum do casal, ao contrário do que entendeu o tribunal, porquanto o autor “nunca assumiu a qualidade de cooperante da Cooperativa Económica de Habitação Unidos da Ameixoeira, CRL” e o “direito da Apelante, cuja formalização veio a ocorrer já na pendência do casamento com o Apelado, resulta de um direito próprio anterior seu, estritamente pessoal e à mesma pertencente, indissociável da sua qualidade de Cooperadora, dado que, como resulta dos factos provados 13° a 15°, a concretização de atribuição de um fogo de tipologia T3, na Cooperativa Económica de Habitação Unidos da Ameixoeira, CRL ocorreu encontrando-se a ora Apelante ainda no estado de solteira” (conclusões 14ª a 16ª).
Entendemos que a apelante não tem razão.
As fontes de aquisição do direito de superfície são taxativamente enunciadas no art. 1528º. No caso, a transmissão da propriedade superficiária da cooperativa para o casal ocorreu por efeito da escritura pública de compra e venda outorgada em 30-06-2003, entre a cooperativa, na qualidade de vendedora e o casal, na qualidade de compradores, celebrada já na pendência do casamento, sendo a transmissão desse direito um dos efeitos essenciais do contrato de compra e venda, nos termos do art. 879º, alínea a) [   ].
É isso que expressamente foi consignado na escritura em causa, pela qual a cooperativa S., declarou que “vende aos segundos outorgantes, ela, sócia número novecentos e dezassete da Cooperativa de Habitação Económica Unidos da Ameixoeira CRL”, “S. e marido J., casados sob o regime de comunhão de adquiridos”, “ pelo preço de 86.405,54 Euros, o direito de superfície da fracção autónoma destinada a habitação, designada pelas letras "AX", a que corresponde o 4.º andar direito, Bloco ..., com arrecadação nº ..., situada no 9.º andar e estacionamento n.º..., na cave menos um, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua 2.2. à Rua A.(actual Rua ....)”, conforme documento de fls. 90-96, referido no número 8 dos factos provados.
Afigurando-se-nos que não obsta a tal conclusão a circunstância de apenas um dos membros do casal ter a qualidade de cooperante, que surge apenas como pressuposto ou condição para a outorga do negócio, não se vislumbrando a existência de qualquer disposição de natureza contratual ou legal que impossibilite a prática desse ato, nos moldes em que o mesmo foi efetuado; assim, lendo o documento apresentado pela ré/apelante com a contestação, que corporiza os Estatutos da Cooperativa – doc. número 6, junto a fls. 139-153, que o autor não impugnou –, o que daí resulta é que a compra e venda tem necessariamente que ser efetuada com intervenção do cooperante, mas não se identifica qualquer disposição que impeça a intervenção, ao lado do cooperante, de um membro do seu agregado familiar – cfr. o disposto nos artigos 50º a 68º dos Estatutos [  ]. O mesmo se diga relativamente ao Código Cooperativo, aprovado pela Lei n.º 119/2015, de 31 de agosto.
Como a senhora Juiz corretamente refere na sentença [  ]“[n]a qualidade de cooperante, a Ré tinha apenas a expectativa de aquisição da fracção. A aquisição ocorreu com a outorga da escritura pública de compra e venda do direito de superfície, estando a Ré casada com o Autor, tendo este, aliás, intervindo na mesma”.
Essa expectativa só se concretizou com a outorga do contrato de compra e venda, cumpridas que foram, só nessa data, todas as exigências alusivas ao pagamento do preço respetivo, que também foi suportado pelo autor – o que nem a apelante questiona –, sendo o momento relevante para aferir da aquisição do bem o da celebração do contrato. A afirmação da ré, de que “in casu, o direito de superfície adquirido mediante o ato notarial é apenas e só uma derivação exclusiva das relações jurídicas entre a cooperativa e a cooperante, não sendo autónomo” – art. 34º da contestação – não tem, pois, qualquer cabimento, parecendo razoavelmente evidente que a mera assunção da qualidade de cooperante não releva para o efeito em causa.  
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Afastando-se, pois, a crítica da apelante, atentemos agora nas razões que, em segunda linha, enuncia nas alegações de recurso, ao invocar que se trata de bem próprio da ré, com base no disposto no art. 1722º. nº1, alínea c) e que a senhora Juiz, erradamente, não atentou que “o grau de colaboração ou esforço de ambos os cônjuges é critério para decidir quando estamos perante um direito próprio anterior para efeitos do art. 1722°, n.º 1, al. c) do CC” e que, apesar dos factos provados, “não procurou ou se esforçou, como lhe competia avaliar tal grau de colaboração” (conclusões 22ª e 23ª).
Nos termos do art. 1722°, nº1, “são considerados bens próprios dos cônjuges” os “bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior” - alínea c).
O número 2 do preceito enuncia, com carácter meramente exemplificativo, algumas dessas situações. Assim, “[c]onsideram-se, entre outros, adquiridos por virtude de direito próprio anterior, sem prejuízo da compensação eventualmente devida ao património comum:
a) Os bens adquiridos em consequência de direitos anteriores ao casamento sobre patrimónios ilíquidos partilhados depois dele;
b) Os bens adquiridos por usucapião fundada em posse que tenha o seu início antes do casamento;
c) Os bens comprados antes do casamento com reserva de propriedade;
d) Os bens adquiridos no exercício de direito de preferência fundado em situação já existente à data do casamento”.
Sendo evidente que a hipótese em apreço não se enquadra em nenhuma das situações tipificadas no preceito aludido, também nos parece que a circunstância de só a apelante assumir a posição de cooperante não é de molde a entender que, ipso facto, se possa considerar que a aquisição do direito de superfície ocorreu “por virtude de direito anterior”. Pelas mesmas razões que a outorga de um contrato promessa de compra e venda antes do casamento, gerando efeitos meramente obrigacionais e dando direito a exigir apenas a celebração do contrato definitivo, não permite considerar, se a aquisição do imóvel já ocorreu na constância do casamento e o preço pago aquando da outorga da escritura, que a mesma ocorreu “por virtude de direito próprio anterior” [  ].
O que o legislador pretende salvaguardar, e essa é a ratio da previsão, é que integrem o património comum os bens cuja aquisição resulte do esforço de ambos os cônjuges, da participação de ambos, o que não acontece em qualquer das hipóteses contempladas no número 2 do preceito, ou noutras situações similares.
É nesse contexto que a apelante entende que a sentença recorrida peca pela ausência de contabilização da medida de participação dos cônjuges na aquisição do direito em causa, concluindo que “[d]eve o direito de superfície que incide sobre o imóvel, ser declarado bem próprio da R., sem prejuízo, da compensação eventualmente devida ao património comum, nos termos do 1722°, n.º 1 do CC” (46ª conclusão) [   ]. Essa conclusão, refira-se, já havia sido nesses termos formulada na contestação – cfr. o art. 42º.  
Aceita-se que a senhora juiz não procedeu a essa análise [  ], sendo que as partes, que foram casadas uma com a outra durante mais de 10 anos, pretendem encetar essa discussão, arrogando-se reciprocamente uma maior contribuição para a aquisição do património comum.
Façamos, então essa contabilização, ponderando, por um lado, a versão de cada uma das partes, vertida nos articulados e, por outro, a factualidade dada por assente.
Resulta do confronto dos articulados que as partes estão de acordo que do preço de venda fixado, no valor de 86.405,54€, já se mostrava pago o montante de 13.023,43€, valor este que a ré invoca ter sido pago por si (cfr. art. 33º da contestação). O documento que titula o contrato em causa menciona expressamente aquele preço de aquisição (86.405,54€), mais declarando a vendedora que esse valor já foi recebido; acresce que foi dada por provada a factualidade enunciada sob o número 18, daí resultando que a vendedora reconheceu o pagamento, anteriormente à outorga da escritura, do valor global de 13.023,43€, que imputou ao preço de aquisição. Efetivamente, lê-se nesse documento que “[n]estas circunstâncias, os sócios deverão satisfazer no acto da escritura o diferencial entre o valor de venda da respectiva fracção (incluindo o fogo, o parqueamento e a arrecadação) e o montante entregue à CHEUA após a constituição da S.cooperativa (13.023,43€)” – cfr. fls. 194. Acrescente-se que, perante a invocação da ré, o autor, na réplica, alega que o casal provisionou uma conta comum com 500,00€ em março de 2002 e 500,00€ em abril de 2002, verbas que foram destinadas exclusivamente ao pagamento de quotas da cooperativa, pelo que “desta forma, o valor de 13.023,43€ que a Ré alega ter pago como sendo referente a quotas, deverá ser reduzido em 1000,00€, que foram pagos exclusivamente com fundos comuns de ambos os cônjuges” (art. 21º), sendo que essa versão foi explanada na factualidade dada por assente – cfr. o número 22; ou seja, o próprio autor confessa, ainda que parcialmente, a alegação da ré.
Em suma, independentemente do cômputo dos valores aludidos nos números 11 e 12 dos factos provados [  ], assentamos que a ré pagou, com fundos seus, o valor de 12.023,43€, acrescentando-se que pouco importa que o tenha feito a expensas suas ou com a contribuição de familiares seus [  ]; saliente-se que no regime de comunhão de adquiridos os bens doados são bens próprios do cônjuge, nos termos do art. 1722º, nº1, alínea b.
Quanto aos valores de reportados nos números 23 a 32 – quer alusivos a pagamentos do autor, quer alusivos a pagamento da ré –, entendemos que estamos perante factualidade juridicamente irrelevante porquanto o tribunal não deu como provado que esses valores tenham sido canalisados para o pagamento do preço da aquisição do direito em causa, ou para despesas relacionadas com a fração – cfr. as conclusões 30ª a 32º [   ].
Em suma, a ré apelante não logrou provar, como lhe competia, que para concretização do negócio contribuiu com 24.014,61 – cfr. conclusão 33ª, repetindo a alegação vertida no art.30º da contestação – sendo que, quanto à satisfação do passivo, garantido por hipoteca, não está em discussão que ambos os cônjuges assumiram o mesmo, em igual medida.
Por último, pretende a apelante que sejam contabilizadas, a seu favor, as mensalidades que foi pagando entre 2012 e 2015, no valor de 8.662,24€, pretensão que não tem qualquer cabimento, remetendo-se para o que o tribunal corretamente assinalou, a saber:
“Acrescente-se, ainda, que a circunstância de a Ré ter procedido ao pagamento dos valores relativos ao mútuo bancário para aquisição da fracção, no valor total de 8 662.25 Euros de 2012 e até 2015, não pode relevar nos termos que esta pretende, uma vez que na Tentativa de Conciliação na acção n.º 1524/12.2TMLSB, do 3.º Juízo de Família e Menores de Lisboa, em 22 de Novembro de 2012, Autor e Ré acordaram que a cônjuge mulher habitaria na fracção sita na Rua ...., n.º 8, 4.º andar direito, Bloco ..., em Lisboa, desde essa data até à data da partilha do património comum do casal e que a prestação de reembolso de empréstimo contraído à Caixa Geral de Depósitos, seria suportada nesse período integralmente pela cônjuge mulher, sem direito a compensação no contexto da partilha em relação ao cônjuge marido, o que cabe assinalar”.
O que resulta deste acordo é que a ré aceitou proceder ao pagamento dessas mensalidades, alusivas ao mútuo hipotecário, como contrapartida do direito de uso da fração, que continuou a habitar, ressalvando expressamente os contraentes que esse pagamento não teria reflexos em sede de partilha, numa clara antevisão desta; só essa interpretação é consentânea com o texto do acordo, pelo que só a ela nos devemos ater – art. 238º. Os contratos devem ser pontualmente cumpridos (art. 406º, nº1) pelo que esse valor não deve ser contabilizado nos moldes pretendidos pela apelante – conclusão 45ª –, sob pena de se desvirtuar aquela vontade, expressa claramente entre as partes, que assim se vincularam, delimitando antecipadamente a subsequente partilha de bens.
Assim, tendo o contrato de compra e venda em causa sido outorgado na constância do matrimónio, contraído sob o regime de comunhão de adquiridos e não provando a apelante que, em momento anterior, tenha suportado, a expensas suas, a totalidade da prestação equivalente ao preço, não se verifica o condicionalismo previsto no art. 1722º nº1, alínea c), que a apelante convoca para suportar a sua pretensão de que o direito de superfície que incide sobre a fração constitui um bem próprio da apelante.
No entanto, afigura-se-nos que está amplamente demonstrado que, na qualidade de cooperante, durante vários anos, com início em data muito anterior ao casamento, a autora suportou quotas e mensalidades em montante que, posteriormente, foi deduzido ao preço de compra do direito de superfície – de 86.405,54€ – na medida supra indicada – de 12.023,43€ –, pelo que, sem prejuízo de se manter a qualificação desse bem como comum, pela regra simples da prevalência da parte maior para a qualificação do bem, deve o património próprio da autora ser compensado na respetiva proporção pelo património comum, nos termos do art. 1726º; ou seja, estamos perante um crédito de compensação correspondente a uma percentagem de 13,91% do valor do direito de superfície que incide sobre a fração aí identificada, valor que deve ser aferido à data da partilha.
Procede, pois, parcialmente, a apelação.

4. Quanto ao veículo de matrícula 6..., Toyota Yaris aludido nos números 38 a 40 dos factos provados é linear, perante essa factualidade, que bem andou o tribunal quando considerou que se trata de bem comum porque adquirido por ambos os cônjuges na constância do matrimónio, não tendo a apelante logrado provar que foi a expensas suas que pagou o preço respetivo, como lhe competia (art. 342º, nº1); assim, não provou que o dinheiro proveniente da venda do veículo 8... foi canalizado para a compre do referido Toyota Yaris, mas apenas que foi depositado em conta bancária do casal – cfr. os números 41 e 42º dos factos provados –, o mesmo acontecendo com os depósitos aludidos no número 43 – cfr. aliás, a factualidade que se deu como não provada, com referência a esses montantes, no valor global de 5.370,00€.

5. Ponderando o exposto, não há que apreciar da relevância dos acordos feitos pelos interessados no processo de divórcio por mútuo consentimento, no que concerne à relação de bens comuns aí apresentada, no sentido de saber se essa qualificação é vinculativa no subsequente processo de inventário, em sede de qualificação dos bens (bens próprios ou comuns), questão que vem sendo discutida na doutrina e jurisprudência [  ] [  ] – a apelante, como resulta das alegações de recurso, entende que a qualificação dos bens como comuns, nos moldes enunciados no número 3 dos factos provados,  não a vincula, pelo que critica a referência feita pelo tribunal quanto a essa matéria.
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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, julga-se que:
1. Os bens supra identificados nos números 8 e 38 dos factos provados têm a natureza de bens comuns do casal que foi constituído pelo autor e ré;
2. Com referência ao bem identificado sob o número 8, deve ser relacionado o crédito a compensação, como passivo do património comum, a favor da ré, pelo montante correspondente a 13, 91% do valor do direito de superfície que incide sobre a fração aí identificada, valor este aferido à data da partilha, nos moldes indicados em 3.
Custas por ambas as partes, fixando-se na proporção de 14% para o autor/apelado e de 86% para a ré/apelante, proporção que se afigura corresponder ao valor do decaimento de cada uma das partes.
Notifique.

Lisboa,  2.7.19

Isabel Fonseca
Maria Adelaide Domingos
Ana Isabel Pessoa