Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2186/13.5TVLSB.L1-7
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM
INVALIDADE
INEFICÁCIA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
TRIBUNAL ARBITRAL
CONTRATO DE PERMUTA DE TAXAS DE JURO "INTEREST RATE SWAP"
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA
Sumário: I - O contrato de swap ou permuta financeira corresponde na linguagem financeira a uma operação económica inserida no grupo mais vasto dos denominados “produtos derivados”, entre os quais os contratos negociados em mercados organizados como é o caso dos “futuros” e “opções”, e os contratos de balcão, como é o caso dos “swap”.

II - O contrato de "swap" é o contrato pelo qual as partes se obrigam ao pagamento recíproco e futuro de duas quantias pecuniárias, na mesma moeda ou em moedas diferentes, numa ou várias datas predeterminadas, calculadas por referência a fluxos financeiros associados a um ativo subjacente, geralmente uma dada taxa de câmbio ou de juro.

III - O direito português (art. 5º, nº1, da LAV) reconhece o princípio da competência do tribunal arbitral, quer com o efeito positivo, quer com o efeito negativo.

IV - Assim sendo, antes de os árbitros se pronunciarem sobre a sua competência, o tribunal estadual só pode afastar a competência do tribunal arbitral se, numa ação proposta relativa a diferendo abrangido por uma convenção de arbitragem, os vícios susceptíveis de afetar a validade, eficácia e exequibilidade da convenção forem manifestos.

V - As cláusulas contratuais gerais são proposições pré-elaboradas que disponentes ou destinatários indeterminados se limitam a oferecer ou a assentir, caracterizando-se pela sua rigidez, sendo elaboradas sem prévia negociação individual, de tal modo que são recebidas tal qual por quem as subscreva ou aceite.

VI - A exigência de ausência de negociação é um elemento necessário e autónomo que a parte beneficiada com a sua procedência deve naturalmente invocar e demonstrar, de acordo com as regras gerais do ónus da prova.

VII - Não há fundamento para defender a invalidade/ineficácia da convenção de arbitragem celebrada por pessoa coletiva com fins lucrativos que alegue insuficiência económica.

(Sumário da Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

 
1. “A.-Lda” instaurou ação declarativa com processo comum contra “Banco ...” pedindo:

- A declaração de nulidade ou anulabilidade do contrato de swap outorgado entre as partes e a exclusão das cláusulas constantes dos anexos 1, 2 e 3, condenando-se o réu a restituir à autora tudo o que foi por esta prestado, no total de EUR 66.466,63, acrescidos dos respectivos juros;

Subsidiariamente:

- A resolução do contrato, condenando-se o réu a restituir à autora tudo o que foi por esta prestado, no total de EUR 66.466,63, acrescidos dos respectivos juros;

2. Na contestação, a ré, além do mais, invocou a incompetência absoluta do tribunal por preterição do tribunal arbitral, invocando a clª 41ª do contrato segundo a qual as partes convencionaram sujeitar eventuais litígios que pudessem surgir no âmbito do mesmo à jurisdição dos tribunais arbitrais.

3. A autora respondeu, sustentando que a cláusula compromissória é nula, por constar de um contrato de adesão, sendo uma cláusula «relativamente proibida», por implicar a atribuição de competência a um tribunal arbitral com custos muito superiores aos dos tribunais estaduais.

4. Foi proferida decisão que julgou procedente a exceção de incompetência absoluta por preterição de tribunal arbitral e, em consequência, nos termos dos arts. 96.º, 577.º a) e 576.º n.º 2 do CPC, absolveu a ré da instância.

5. Inconformada, apela a autora a qual, em conclusão, diz:

1. Pelas razões aduzidas nos pontos II[1] e III[2] das presentes alegações, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, é manifesto que a cláusula compromissória inserta na cláusula 41ª do Contrato Quadro celebrado entre a Recorrente e a Recorrida em 20/11/2007 é nula, de acordo com o disposto nos arts. 12° e 19°, al. g), do RGCCG, assim como é manifesto que a mesma viola o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva dos direitos, consignado no art. 20°, nº 1, da CRP, razões bastantes para, por si só, afastar a aplicação da convenção arbitral nela consignada, e, como tal, por não ser oponível à Recorrente tal cláusula compromissória, concluir que esta pode recorrer aos Tribunais Estaduais, por terem competência para tal, para dirimir os diferendos resultantes da celebração e execução dos contratos celebrados entre a mesma e a Recorrida.
2. Ao assim não entender, a sentença ora recorrida viola o disposto nos arts. 12° e 19°, al. g), do RGCCG, bem como o princípio constitucionalmente consagrado do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva dos direitos, consignado no art. 20°, nº 1, da CRP, violações que constituem fundamento bastante para o presente recurso – arts. 639º, nº2, al. a), do Código do Processo Civil.
sem prescindir
3. Pelas razões aduzidas nos pontos IV e V[3] das presentes alegações, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, é manifesto que a convenção de arbitragem consignada na cláusula 41ª do Contrato Quadro celebrado entre a Recorrente e a Recorrida em 20/11/2007, por ser manifestamente nula, como tal pode e deve ser declarada pelo tribunal estadual, conforme resulta do disposto no art. 5°, nº1, da LAV (na redação dada pela Lei nº 63/2011, de 14/12), e, em consequência, tornando-se a jurisdição estadual competente para apreciar e julgar a presente ação, tem de ser julgada improcedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal judicial por preterição do tribunal arbitral, invocada pela Recorrida, e determinado o prosseguimento dos autos no tribunal a quo.
4. Ao assim não entender, a sentença recorrida viola o disposto nos arts, 12° e 19º, al. g), do RGCCG, viola o disposto no artº 5°, nº1, da LAV (na redação dada pela Lei nº 63/2011, de 14/12), e viola ainda o princípio constitucionalmente consagrado do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva dos direitos, consignado no Art. 20°, nº. 1, da CRP, violações que constituem fundamento bastante para o presente recurso - arts. 639°, nº2, al. a), do Código do Processo Civil.
6. Nas contra alegações, pugna-se pela manutenção da decisão recorrida.

7. Cumpre apreciar e decidir se procede, ou não, a exceção de preterição do tribunal arbitral invocada pela ré na sua contestação.

8. Decorre dos autos que:

A autora e a ré acordaram conforme consta do documento escrito junto a fls.111 a 118, epigrafado “Confirmação de Contrato de Permuta de taxa de juro (interest rate swap)”, datado de 20 de Novembro de 2007.

Consta do citado documento “Confirmação de Contrato de Permuta de taxa de juro (interest rate swap)” o seguinte “O objetivo desta carta (“confirmação”) é confirmar os termos e condições particulares do Contrato de Permuta de Taxa de Juro (Interest Rate Swap) acordado entre o Banco .... e A.--Lda. (…). Sem prejuízo da plena eficácia e validade da presente confirmação as partes desenvolverão os melhores esforços para celebrar, até final do mês seguinte à assinatura desta Confirmação, o Contrato Quadro para Operações Financeiras (“Contrato Quadro”) cuja minuta foi elaborada pelo Banco e entregue para apreciação ao cliente, que após assinado passará também a reger a presente Operação. No caso de divergência entre o disposto no Contrato Quadro e o estabelecido nesta Confirmação, prevalecerá esta última.

As partes acordaram conforme consta do documento escrito junto a fls.412 a 433 epigrafado “Contrato Quadro para Operações Financeiras”, datado de 20.11.2007, que ambas as partes assinaram.

Nos termos da cláusula 1.ª desse contrato “1.O presente contrato destina-se a regular as condições gerais a que estão sujeitas todas as operações financeiras a estabelecer doravante entre as partes, sejam elas do mesmo tipo ou natureza jurídica ou de tipo ou natureza diferente.” (…) 3. Em tudo o que não resulte expressamente dos respectivos termos e condições particulares, as operações financeiras a realizar entre as partes ficarão sujeitas ao estabelecido no  presente contrato. 4. Para os efeitos do determinado nos números anteriores, o estabelecido no presente contrato constitui parte integrante do enquadramento de cada uma das operações financeiras a realizar entre as partes, salvo quando por escrito for por elas acordado o contrário. 5. Sem prejuízo de outras, que como tal, devam considerar-se em função do estabelecido, ficam abrangidas pelo presente contrato designadamente as seguintes operações: 5.1. Permutas financeiras (swaps): .de taxas de juro (interest Rate Swaps-IRS) (…)

Consta da 41.ª do contrato quadro, sob a epígrafe “resolução de conflitos” o seguinte: “1.Os diferendos que possam surgir entre as partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral que julga segundo o direito estrito e de cuja decisão não há recurso para
qualquer instância. (…)

9. Apreciando

Na contestação, a ré invocou a existência de convenção de arbitragem para fundamentar a incompetência absoluta do tribunal estadual. Trata-se de uma exceção dilatória - preterição de tribunal arbitral – a qual, a ser julgada procedente, conduz à absolvição do réu da instância (arts. 96º, al. b), 99º, nº1 e 576º, nº2, todos do CPC).

A decisão recorrida, julgando procedente a exceção, absolveu a ré da instância.

É contra esta decisão que se insurge a autora, defendendo que a cláusula de arbitragem é nula, nulidade que justifica a atribuição de competência ao tribunal estadual  para conhecer da causa.

Vejamos, pois.

O reconhecimento de que a eficácia da arbitragem seria posta em causa se fosse necessário recorrer ao tribunal estadual para decidir se o diferendo, objeto da convenção arbitral, era ou não, da competência do tribunal arbitral, levou a que o princípio da competência dos tribunais arbitrais para decidir sobre a sua própria competência fosse acolhido em inúmeros instrumentos internacionais, leis nacionais e decisões dos tribunais estaduais sobre a matéria.[4]

A doutrina costuma distinguir na análise deste princípio um efeito positivo e um efeito negativo. Aquele, para significar a atribuição de competência ao tribunal arbitral para decidir sobre a sua própria competência. Este último “traduz-se numa auto-limitação pelo tribunal estadual do exercício da sua actividade pelo facto de perante ele se erguer uma convenção de arbitragem”.[5]

Diversos instrumentos normativos nacionais e internacionais reconhecem o princípio da competência da competência apenas com o efeito positivo que consiste em habilitar o tribunal arbitral a decidir prima facie sobre a própria competência. Ainda assim, a decisão dos árbitros não é definitiva, ficando sujeita ao controlo dos tribunais estaduais. É esta a solução consagrada na lei modelo da UNCITRAL e na maioria das leis por esta influenciadas (v.g. das leis alemã, inglesa, sueca).

Outros ordenamentos reconhecem o princípio da competência da competência dos árbitros não só com o efeito positivo, mas também com o negativo (como sucede com o direito português e francês). Neste modelo, o tribunal estadual, em regra, só pode apreciar a competência do tribunal arbitral depois de este se ter sobre ela pronunciado e em sede de impugnação da decisão interlocutória proferida sobre a competência ou da decisão sobre o fundo da causa. Fora deste quadro, o tribunal estadual apenas em casos muito limitados pode, antes dos árbitros o fazerem, apreciar a questão da competência do tribunal arbitral.[6]

Em Portugal, a actual Lei da Arbitragem Voluntária  (Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro) acolheu expressamente o princípio da competência da competência dos árbitros não só com o efeito positivo, mas também com o denominado efeito negativo – cf. arts. 5º, nº1 e 18º, nº1, daquela Lei.

Também no âmbito da Lei de Arbitragem Voluntaria de 1986 (Lei nº 31/86, de 29 de Agosto) era esta a solução que a maioria da doutrina já defendia ser a que resultava da melhor interpretação daquela, tendo especialmente em conta o disposto nos seus arts. 21º e 12º.[7]

Em suma: no direito português os árbitros têm a primazia da decisão sobre a sua própria competência. Antes de os árbitros se pronunciarem sobre a sua competência, o tribunal estadual só pode afastar a competência do tribunal arbitral se, numa ação proposta relativa a diferendo abrangido por uma convenção de arbitragem, os vícios susceptíveis de afetar a validade, eficácia e exequibilidade da convenção forem manifestos.
A este respeito, e como lapidarmente se escreveu no Ac. do STJ de 10/3/2011 (relatado pelo Juíz Conselheiro Lopes do Rego), disponível in www.dgsi.pt, “sendo os tribunais arbitrais constitucionalmente configurados como «tribunais» - isto é, como entidades dotadas das características de independência e imparcialidade que caracterizam o núcleo essencial da função jurisdicional, a que compete definir o direito nas concretas situações litigiosas entre particulares - não poderá deixar de lhes estar reservada uma relevante parcela da jurisdição, abrangendo, desde logo e em primeira linha, a aferição da sua própria competência, emergente do legítimo exercício da autonomia privada pelos interessados, consubstanciada na convenção de arbitragem.(..)
Vigora, entre nós, o princípio lógico e jurídico da competência dos tribunais arbitrais para decidirem sobre a sua própria competência, designado em idioma germânico por Kompetenz-Kompetenz e que, na aceção negativa, impõe a prioridade do tribunal arbitral do julgamento da sua própria competência, obrigando os tribunais estaduais a absterem-se de decidir sobre essa matéria antes da decisão do tribunal arbitral. (…).
“Tal implica que, ao apreciar a referida exceção dilatória, devam os tribunais judiciais atuar com reserva e contenção, de modo a reconhecer ao tribunal arbitral prioridade na apreciação da sua própria competência, apenas lhes cumprindo fixar, de imediato e em primeira linha, a competência dos tribunais estaduais para a composição do litígio que o A. lhes pretende submeter quando, mediante juízo perfunctório, for patente, manifesta e insusceptível de controvérsia séria a nulidade, ineficácia ou inaplicabilidade da convenção de arbitragem invocada (justificando-se então, por evidentes razões de economia e celeridade, e face à evidência da questão, a imediata definição da competência para dirimir o litígio, de modo a dispensar a prévia instalação e pronúncia do tribunal arbitral sobre os pressupostos da sua própria competência).”

Idêntico entendimento perfilham Mariana França Gouveia e Jorge Morais Carvalho, in Convenção de Arbitragem em Contratos Múltiplos, anotação ao Ac. do STJ de 10-03-2011, publicada no n.º 36 dos Cadernos de Direito Privado, págs. 44, sustentando que a manifesta nulidade, ineficácia original ou superveniente ou inexequibilidade da convenção de arbitragem é aquela que se apresente ao julgador de forma evidente, não carecendo de qualquer produção de prova para ser apreciada.

Igualmente Manuel Pereira Barrocas considera que apenas nos casos excecionais em que os vícios sejam de tal forma evidentes, que praticamente não careçam de demonstração, pode o juíz obviar à remessa do processo para a arbitragem. Se assim não for – continua o mesmo autor – compete sempre ao árbitro, e só a ele, a decisão relativa à existência, validade, eficácia ou exequibilidade da convenção de arbitragem (…).”[8]

Cabe, então, analisar se a cláusula compromissória aqui em discussão enferma manifestamente da nulidade invocada, caso em que o tribunal estadual não poderá declinar a sua competência.

Em abono da sua pretensão, alega a recorrente que os contratos outorgados entre as partes devem ser considerados contratos de adesão e que, por constar de elenco contratual padronizado que não foi previamente negociado, a cláusula compromissória é nula, nos termos do disposto nos arts. 12º e 19°, al. g), do LCCG, na medida em que a atribuição de competência a um tribunal arbitral acarreta «graves inconvenientes» para a recorrente, já que as custas e preparos são muito superiores aos devidos nos tribunais estaduais.
Alega ainda que, não podendo beneficiar de apoio judiciário nos tribunais arbitrais, a mesma cláusula viola o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva dos direitos, consignado no art. 20°, nº 1, da CRP.
Ora bem.
O contrato de swap ou permuta financeira corresponde na linguagem financeira a uma operação económica inserida no grupo mais vasto dos denominados “produtos derivados”, entre os quais os contratos negociados em mercados organizados como é o caso dos “futuros” e “opções”, e os contratos de balcão, como é o caso dos “swap”. [9]
Na definição de José Engrácia Antunes, "swap" é o contrato pelo qual as partes se obrigam ao pagamento recíproco e futuro de duas quantias pecuniárias, na mesma moeda ou em moedas diferentes, numa ou várias datas predeterminadas, calculadas por referência a fluxos financeiros associados a um ativo subjacente, geralmente uma dada taxa de câmbio ou de juro.
O Código de Valores Mobiliários não contém uma definição legal deste tipo de contratos. Todavia, refere-se-lhes expressamente como “instrumentos financeiros” sujeitos à regulação daquele Código - v. art. 2º, nº1, al. e), do CVM.
Por outro lado, a DMIF (Diretiva 2004/39/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros), prevê no seu anexo I, secção C, os swaps, entre os instrumentos financeiros a que se aplica, tendo sido transposta para o nosso Direito pelo Decreto-Lei n.° 357-A/2007, de 31 de outubro, que alterou o C.V.M.
No caso em apreço, decorre dos autos que, de entre as diferentes modalidades de contratos de swap, as partes celebraram entre si o denominado swap de taxa de juro. Tal como sucede na generalidade destas situações, foi celebrado um contrato-quadro destinado a regular as condições gerais a que ficam sujeitas todas as operações financeiras que venham a estabelecer entre si, tendo, na mesma data, assinado um documento denominado “confirmação de contrato de permuta de taxa de juro” em que, no essencial, confirmam os termos e condições particulares da concreta operação financeira que celebraram, ou seja, no caso, um contrato de permuta de taxa de juros.[10]
Alega a apelante que o contrato dos autos se encontra abrangido pelo Dec. Lei 446/85, de 25 de Outubro[11] que consagra, como se sabe, o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais e que a cláusula 41ª do contrato-quadro é nula, por força do disposto no arts. arts. 12° e 19°, al. g), do Regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.
Recorde-se que as cláusulas contratuais gerais são proposições pré-elaboradas que disponentes ou destinatários indeterminados se limitam a oferecer ou a assentir, caracterizando-se pela sua rigidez, sendo elaboradas sem prévia negociação individual, de tal modo que são recebidas tal qual por quem as subscreva ou aceite.[12]

Por seu turno, como tem sido entendido quer pela doutrina[13], quer pela jurisprudência[14], a exigência de ausência de negociação é um elemento necessário e autónomo que a parte beneficiada com a sua procedência deve naturalmente invocar e demonstrar, de acordo com as regras gerais do ónus da prova.

Consequentemente, em momento anterior ao da apreciação da validade das cláusulas contratais gerais à luz do respectivo regime jurídico, a parte que quer beneficiar desse regime, deve provar que estão verificados os respectivos pressupostos.

Ora, in casu, atendendo, por um lado, ao(s contrato(s) na sua globalidade - cujo teor está aceite pelas partes - e a todo o seu processo genético, bem como à posição das partes vertida nos respectivos articulados[15], é de concluir não haver elementos factuais que permitam, sem mais, sujeitar o contrato celebrado entre as partes, bem como a cláusula compromissória nele inserida à disciplina do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais. [16]

Nesta consonância,nãotemos por manifestaa nulidade do contrato, e muito menos a cláusula 41ª do contrato-quadro, tanto mais que, como se sabe, a Lei da Arbitragem consagra a chamada “autonomia” da cláusula compromissória, ou como alguns preferem, a sua “separação ou separabilidade”[17] – cf. n.º 2, do art. 18.º, da actual LAV – o que significa que eventual nulidade do contrato não implica, só por si, a nulidade daquela cláusula.[18] Além disso, é a própria LAV, no art. 2º, nº4, a não excluir a validade de convenções de arbitragem em contratos de adesão.

A respeito da suposta nulidade da cláusula compromissória, por força do disposto nos arts. 12º e 19º, al. g), da LCCG, e sem prejuízo do que acima se referiu quanto à ausência de demonstração da sua aplicabilidade, não deixará de se fazer notar que:

- É duvidoso que a proibição prevista na al. g), do art. 19º da LCCG ao referir-se a “foro competente” se aplique a convenções arbitrais;

- É duvidoso que, no quadro negocial padronizado, o juízo valorativo a formular sobre os supostos “graves inconvenientes para uma das partes” fosse favorável à pretensão da apelante.

Na verdade, a apelante não alegou quaisquer factos que demonstrem que a sua situação económica e financeira não lhe permite suportar os encargos com o processo arbitral. [19] Tão pouco alegou e demonstrou que as despesas inerentes à via arbitral fossem significativamente superiores às da via judicial.

Ainda assim, nada nos autos sugere que a autora, no tribunal estadual, pudesse beneficiar do apoio judiciário.

Aliás, a este respeito, a ora apelante parece esquecer o estatuído no art. 7º, nº3, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho[20] e que afasta da concessão de proteção jurídica as pessoas coletivas com fins lucrativos.

Trata-se de um normativo inovador, fundado na realidade das coisas, e nos fins do acesso ao direito e aos tribunais, sem vício de inconstitucionalidade que importasse superar, designadamente a violação do princípio da igualdade[21], harmónico com o regime vigente nos restantes estados-membros da União Europeia.”[22]

A este respeito, refere Pedro Metello de Nápolles, in Efeitos da Insolvência na Convenção de Arbitragem, V Congresso do Centro de Arbitragem Comercial Almedina, 2012, págs. 155 e 156, que, no que a pessoas coletivas com fins lucrativos diz respeito, “(…) se para o próprio Estado, o princípio do acesso à justiça não passa por assegurar que sociedades em má situação económica tenham a possibilidade de aceder aos tribunais, então a eficácia da convenção de arbitragem deixa de poder ser posta em causa através da alegação de insuficiência económica (pelo menos com base em suposta inconstitucionalidade).”

Por tudo o exposto, impõe-se concluir não ser manifesto (na aceção acima mencionada) que a aludida cláusula compromissória (a qual – repete-se - não se demonstrou ser uma cláusula contratual subordinada ao regime jurídico da LCCG) padeça de algum dos vícios invocados ou viole o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva previstos no art. 20º, da CRP.

Consequentemente, é de reconhecer a incompetência do tribunal estadual para julgar o presente litígio.

Procede, pois, a exceção de preterição de tribunal arbitral invocada pela ré.


10. Nestes termos, negando provimento ao recurso, acorda-se em confirmar a decisão recorrida.

Custas pela apelante.


Lisboa, 24/2/2015


(Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado)

(Rosa Maria Ribeiro Coelho)


(Maria Amélia Ribeiro)



[1] Segundo a recorrente, os contratos celebrados entre as partes são contratos de adesão, submetidos ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.
[2] Segundo ali é alegado a cláusula arbitral é de considerar «relativamente proibida» por implicar a atribuição de competência a um tribunal onde as custas e preparos são muito superiores às dos tribunais estaduais, daí decorrendo graves inconvenientes para a recorrente.
[3] Afirma a recorrente que, sendo manifesta a nulidade da cláusula compromissória, o tribunal estadual não pode declinar a sua competência, por força do art. 5º, da LAV.
[4] Cf., entre outros, a Lei-Modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (CNUDCI); Regulamento da Câmara de Comercio Internacional (CCI) de Paris. A mesma regra é consagrada pela legislação nacional francesa, alemã, inglesa, italiana e francesa.
[5] Manuel Pereira Barrocas, Lei de Arbitragem Comentada, 47.
[6] Cf. António Sampaio Caramelo, A “autonomia” da cláusula compromissória e a competência da competência do tribunal arbitral, págs. 291 e ss.
[7] Cf. Lopes dos Reis, A Exceção da Preterição do Tribunal Arbitral, ROA, 1998, III, pags. 1119-1132.
[8] Cf. Lei de Arbitragem Comentada, pág. 49.
[9] Sobre a natureza jurídica dos contratos de swap de taxa de juro, cf. o recente acórdão do STJ de 11/2/2015 (relatado pelo Juíz Conselheiro Sebastião Póvoas) que recusou a tese da invalidade do contrato de swap em apreciação na respectiva ação.
[10] Sobre o processo de formação do contrato de swap, bem como sobre a natureza do contrato-quadro e da confirmação do contrato, v. o recente acórdão do STJ de 11/2/2015, processo 877/12.7TVLSB.11-A.S1 (relatado pelo Juíz Conselheiro Gregório Silva Jesus).
[11] Alterado pelo DL 220/95, de 31/8, DL 249/99, de 7 e DL 322/2001, de 17/12).
[12] Cf. Almeida e Costa e Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, págs. 15 e ss.
[13] Cf. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo I, pág. 615.
[14] Cf. Acs. do STJ de 24/5/2005, de 25/5/2006, de  10/5/2007, de 18/2/2014 e de 11/2/2015 (este último sobre a validade das cláusulas contratuais de um contrato de swap, à luz da LCCG), disponíveis em www.dgsi.pt.
[15] Muito embora a autora, na petição inicial, alegue que a documentação se encontrava pré-elaborada pelo Banco e que se limitou a assiná-la, sem compreender, nem poder negociar as respectivas cláusulas, bem como que o Banco violou deveres de informação, a ré, na contestação, impugna especificadamente toda esta matéria.
[16] Cf., com muito interesse o ac. do STJ de 18/2/2014, disponível in www.dgsi.pt e que considerou que uma cláusula compromissória no contexto  de um determinado contrato não estava sujeita ao regime jurídico da LCCG.
[17] A separabilidade da cláusula arbitral é consagrada pela generalidade das legislações nacionais, regulamentos da arbitragem institucionalizada e jurisprudência dos tribunais dos diversos Estados ou de tribunais de direito internacional público, constituindo, tal como o princípio da competência da competência dos árbitros, um dos pilares conceptuais do regime da arbitragem voluntária, tanto interna como internacional.
[18] Para mais desenvolvimentos, sobre a natureza da relação que se estabelece entre a cláusula arbitral e o contrato em que se insere, cf. António Sampaio Caramelo, A “autonomia” da cláusula compromissória e a competência da competência do tribunal arbitral, Estudos de Homenagem ao Prof. Inocêncio Galvão Telles, Almedina, 2007, p. 107 e Luís de Lima Pinheiro, Arbitragem internacional – a determinação do estatuto da arbitragem,  Almedina, 2005, p.119.
[19] Sendo certo que na arbitragem poderá sempre discutir o montante da remuneração e despesas dos árbitros –cf.- art. 17º, da LAV.
[20] Na redação introduzida pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto.
[21] Sobre esta questão foi chamado a pronunciar-se o Tribunal Constitucional tendo afastado a inconstitucionalidade daquela norma em vários acórdãos dos quais se destacam, pela sua importância, o ac. 216/2009, em plenário, DR, 2ª série, nº 129, de 6/7/2010 e  o ac. nº 548/2011, de 16/11/2011, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
[22] Cf. Salvador da Costa, in O Apoio Judiciário, 9ª edição, págs. 44 e ss.