Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
442/14.4TYLSB-A.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: DELIBERAÇÃO DO BANCO DE PORTUGAL
NOVO BANCO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - A deliberação do Banco de Portugal de 11/08/2014, veio clarificar e delimitar o teor do Anexo 2 da deliberação do mesmo Banco de Portugal de 03/08/2014.
- Resultando do nº1 a) da mesma que todos os activos, licenças e direitos de propriedade do BES são transferidos, na sua totalidade, para o Novo Banco, com excepção dos previstos em i) a vi) desse mesmo nº1 a).
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.



I-RELATÓRIO:



BANCO ESPÍRITO SANTO, S,A, Sociedade Aberta, a que sucedeu o NOVO BANCO SA, intentou a presente acção declarativa com processo especial requerendo a declaração de insolvência de "V… LDA.”

Fundamentou a sua pretensão no seguinte:

A Requerida, "V... LDA." é uma sociedade por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Almada sob o número de matrícula e pessoa colectiva 501473106.
A Requerida tem por objecto social: indústria de construção civil e comércio por grosso e a retalho de materiais de construção, compra e venda de terrenos e edifícios ou suas fracções, compra e venda e revenda de imóveis adquiridos para esse fim, projectos de engenharia e arquitectura.

Sobre a Requerida a Requerente tem:

a) Crédito emergente de Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente Disponibilizado e Conta Crédito, celebrado em 31/12/2002, cujo saldo credor a favor da Requerente é de € 210.556,78.
b) Crédito emergente de Contrato de financiamento nº FEC 6676/10, celebrado em 18 de Janeiro de 2011 cujo saldo credor a favor da Requerente à data de 07/03/2014, é de € 568.229,17.
c) Saldo devedor da conta à ordem nº 0277019990007, calculado até à data de 07/03/2014 em  €2.225,48.
No montante global à data do requerimento de € 781.011,43.
Para garantia das obrigações emergentes do contrato referido em b) supra constituiu a Requerida, a favor do BES, hipoteca sobre o seguinte imóvel:
- Prédio urbano composto de terreno para construção, sito em Quintinhas, Parcela A, Lote 1, freguesia da Charneca da Caparica, concelho de Almada, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Almada sob o número 10.82 (anteriormente 10.823) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 26.071 (anteriormente 18.635)".

É manifesto que a Requerida se encontra impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas, nos termos do nº l do art. 3° do CIRE.                                                                                                             
Tal facto (complexo) evidencia-se pela verificação de alguns dos indícios da insolvência contidos no n.l do art. 20º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas :
i) Facto-indício previsto na al. a) do art. 20. do CIRE: "Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas".

A Requerida encontra-se em incumprimento da generalidade das suas obrigações vencidas, há cerca de seis meses:

Ao BES, a Requerida deve €  781.011,43.
E ao Banco Comercial Português, a Requerida deve pelo menos € 124.515,72, motivo pelo qual aquela instituição de crédito intentou contra a Requerida a acção executiva que corre os seus termos no 2.° Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Almada, processo nº 988/13.ITBALM .
Os demais credores, sistematicamente, também não são pagos.
O que motivou, alguns credores da Requerida intentarem contra ela as acções referidas a fls. 80.
Facto-indício previsto na al. b) do art. 20 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas : "Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.

Foi proferida decisão que, além do mais, declarou a insolvência da “V... LDA.

A fls. 54 NOVO BANCO, S.A, apresentou o seguinte requerimento:

1º  O Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou, no dia 03 de Agosto de 2014, aplicar ao Banco Espirito de Santo S.A., uma medida de resolução, mediante a qual "a generalidade da actividade e do património do Banco Espirito de Santo 8.A., é transferida, de forma imediata e definitiva, para o Novo Banco S.A. ".
2.° Foi assim constituído o NOVO BANCO, S.A., nos termos do número 5 do artigo 145º-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro.
3.° O NOVO BANCO S.A., tem por objecto social a "administração dos activos, passivos, elementos extra patrimoniais e activos sob gestão transferidos do Banco Espírito Santo S.A., para o NOVO BANCO S.A., e o desenvolvimento das actividades transferidas, tendo em vista as finalidades enunciadas no artigo 145º-A do RGICSF, e com objectivo de permitir uma posterior alienação dos referidos activos, passivos, elementos extra patrimoniais e activos sob gestão para outra ou outras instituições de crédito.
4.° O NOVO BANCO, S.A., para todos os efeitos legais e contratuais, sucedeu nos direitos e obrigações transferidos do Banco Espírito Santo, S.A .
5.° Consequentemente e porque as responsabilidades aqui reclamadas foram transferidas do Banco Espírito Santo, S.A., para o NOVO BANCO, S.A., é este parte legítima para actuar na posição processual de Requerente nos presentes autos.
Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho: 
Atenta a junção de procuração conforme fls. 313, e substabelecimento com o requerimento de fls. 311 que antecede a audiência de julgamento, e compulsado o respectivo teor com a certidão de fls. 327, mostra-se comprovada a regular intervenção do Novo Banco SA, afigurando-se parte legitima para a ulterior tramitação dos autos em lugar do Banco Espírito Santo SA, nos termos do art. 263º/ 1 do Código de Processo Civil.
Termos em que prosseguem os autos com o Novo Banco, SA, com oportuna decisão quanto às demais questões controvertidas nos autos.

É deste despacho que recorre a requerida Vendiconstroi, concluindo que:

A) Face ao exposto, aparenta colocar-se a questão da eventual necessidade de se constituir um litisconsórcio necessário - BES / NOVO BANCO.
B)  A Requerente ora Recorrida assenta a sua legitimidade no que respeita ao BES em: ... (art° 263° do C.P.C.) embora o mecanismo de resolução tenha aparentemente, no que ao BES/Novo Banco diz respeito, apenas uma parte da actividade do BES tenha sido transferida para o Novo Banco embora o BES tenha entretanto perdido a autorização para fazer negócios financeiros (perdeu a licença bancária) entrando em liquidação/insolvência.
C) No entanto, de uma forma que nos permitimos chamar de nebulosa, o Banco de Portugal transferiu "apenas" parte dos activos e passivos (em termos gerais) do BES para o Novo Banco.
D) Alega a Requerente - e junta documento - que (os) créditos hipotecários (quais exactamente?) passaram para o Novo Banco S.A. e daí a legitimidade do mesmo a intervir no presente processo.
E) Sucede porém que, na globalidade dos valores constantes do pedido - e são 3 - um tem de facto uma garantia hipotecária, vide DESPACHO SANEADOR - FACTOS ASSENTES - L e N - CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM HIPOTECA - N° 9 DA BASE INSTRUTÓRIA.
F) CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE DISPONIBILIZADO E CONTA CRÉDITO, sem quaisquer garantias reais - N° 1 DA BASE INSTRUTÓRIA.
G) CONTA DE DEPÓSITO À ORDEM sem garantias reais - N° 7 E 8 DA BASE INSTRUTÓRIA.
H) Considera a Recorrente que não foi feita prova cabal de qual das duas entidades - BES e NOVO BANCO - têm legitimidade para intervir no presente processo e, por tal, se requer que seja determinado que a(s) Requerida(s) faça(m) prova plena documental de quem tem de facto legitimidade para reclamar os três pedidos aqui apresentados e supra-identificados.

O Novo Banco contra-alegou sustentando a bondade da decisão recorrida.

Cumpre apreciar.

A questão colocada no presente recurso tem a ver com as dúvidas expressas pela recorrente, relativamente a qual das duas entidades, BES ou Novo Banco, tem legitimidade para intervir no presente processo.
Um dos problemas que havia sido colocado, o da procuração forense, já se encontra solucionado face ao teor da procuração de fls. 56.
Na certidão de fls. 327 consta como objecto do Novo Banco SA, a “administração dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, transferidos do Banco Espirito Santo SA para o Novo Banco SA e o desenvolvimento das actividades transferidas, tendo em vista as finalidades enunciadas no art. 145º-A do RGICSF, e com o objectivo de permitir uma posterior alienação dos referidos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão para outra ou outras instituições de crédito”.

Nos termos da deliberação do Banco de Portugal, de 03/08/2014, “a generalidade da actividade e do património do Banco Espírito Santo SA é transferida, de forma imediata e definitiva, para o Novo Banco SA”.

Entre os activos transferidos para o Novo Banco SA figuram, além do mais, as hipotecas e obrigações hipotecárias, como se vê do Comunicado do Novo Banco, de fls. 49 e seguintes.

É verdade que a deliberação do Banco de Portugal peca pelo carácter vago e algo indeterminado da frase “generalidade da actividade e do património do Banco Espírito Santo” já que implica que parte da actividade e do património não são objecto da transferência.                                                                                                                                                        
Mesmo que se entenda que os créditos hipotecários foram todos transmitidos para o Novo Banco, o certo é que dos créditos apresentados pelo Novo Banco apenas um tem a natureza de contrato de financiamento com hipoteca.

Os outros dois consistem num contrato de abertura de crédito em conta corrente e conta de depósito à ordem, desprovidos de garantias reais.

Esta relativa indeterminação, viria contudo a ser completada, de modo bem mais preciso, através das clarificações e ajustamentos ao Anexo 2 da aludida deliberação do Banco de Portugal, introduzidos pela deliberação da mesma entidade em 11/08/2014.
Podendo ler-se no seu Ponto 1:
Activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo SA (BES),registados na contabilidade, que são objecto de transferência para o Novo Banco SA de acordo com os seguintes critérios:
a) Todos os activos, licenças e direitos, incluindo direitos de propriedade do BES, são transferidos na sua totalidade para o Novo Banco SA (...)”.

Enumeram-se em seguida as excepções, de i) a vi), que contudo nada têm a ver com o caso dos autos.

Ou seja, todos os direitos de crédito do BES – incluindo obviamente os que decorrem do contrato de de abertura de crédito em conta corrente, contrato de financiamento com hipoteca, saldo devedor da conta à ordem – foram transferidos para o Novo Banco SA.

A partir do momento em que se alude à transferência da totalidade dos activos e direitos – especificando caso a caso as excepções – não restam dúvidas de que o Novo Banco sucedeu em tais direitos ao BES, tendo a legitimidade para intervir nos autos enquanto credor, nos termos do art. 263º nº 1 do CPC e art. 145º-G nº 5 do Regulamento Geral das Instituições de Crédito das Sociedades Financeiras. Trata-se de uma transmissão que não resulta de negócio jurídico mas antes de imposição normativa.

Perante isto, o Novo Banco é o titular dos direitos de crédito invocados nos autos e assim só a ele assiste a legitimidade, processual e substantiva, para intervir nos mesmos, pelo menos a partir de 11/08/2014.

Conclui-se, deste modo, que:

- A deliberação do Banco de Portugal de 11/08/2014, veio clarificar e delimitar o teor do Anexo 2 da deliberação do mesmo Banco de Portugal de 03/08/2014.
- Resultando do nº 1 a)  da mesma que todos os activos, licenças e direitos de propriedade do BES são transferidos, na sua totalidade, para o Novo Banco, com excepção dos previstos em i) a vi)  desse mesmo nº 1 a).
                                                                                                                                                                       
Termos em que se julga improcedente a apelação, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas pela recorrente.


LISBOA, 03/12/2015


António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais                                                                                                                                                                
Decisão Texto Integral: