Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ONDINA CARMO ALVES | ||
Descritores: | BENS COMUNS DO CASAL PENHORA INVENTÁRIO COMPETÊNCIA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/11/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | O inventário para separação de bens, requerido após a entrada em vigor da Lei nº 23/2013, de 5 de Março e do novo Código de Processo Civil, em consequência da
penhora de bens comuns do casal, é da competência dos cartórios notariais e não do tribunal onde pende a execução. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I. RELATÓRIO Maria Sousa -----, Timóteo ----- e João -----, intentaram contra SÉRGIO -------, residente na Rua -------, acção executiva, com vista à cobrança coerciva da quantia de € 45.621,37. Fundamentaram os exequentes esta sua pretensão nos seguintes termos:
§ Por acórdão proferido a 10-10-2012 na 2° Secção da Vara de Competência do Funchal, o aqui requerido foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, agravado pelo resultado, bem como também foi condenado, na qualidade de arguido/demando civil, no pagamento da quantia de trinta mil euros (30.000,00 euros) aos demandantes civis (aqui exequentes), Maria Sousa ---, Timóteo --- e João ----, na qualidade de herdeiros de Abreu ---- , e ainda no pagamento da quantia de cinco mil (5.000,00 euros) a cada um dos demandantes civis (aqui exequentes), pelos danos não patrimoniais sofridos por cada um destes. Donde resulta que o requerido/executado, então arguido/demando civil, foi condenado a pagar ao conjunto dos aqui requerentes um total global de €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros). § A decisão (acórdão) da Vara Mista do Funchal foi integralmente confirmada pelo acórdão da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 26-02-2013. § Apesar do acórdão transitado em julgado e das interpelações promovidas pelos aqui requerentes, o requerido continua sem pagar os montantes em que foi condenado. Pelo que deverá proceder o presente requerimento executivo, prosseguindo o mesmo até que se mostrem pagos os montantes em dívida e os mais que se vencerem, incluindo juros, até integral pagamento.
Pelo agente de execução foram penhorados: Foi citado o cônjuge do executado, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 825.° do Código de Processo Civil, tendo ANA ------, residente na Rua -------, apresentado requerimento, em 20.09.2013, por apenso do processo executivo, de SEPARAÇÃO JUDICIAL DE BENS, contra o executado, seu cônjuge, ANTONIO ------. Fundamentou a requerente a sua pretensão, nos seguintes termos: Terminou a requerente, pedindo a procedência da separação de bens requerida, determinando-se a suspensão da instância executiva até à partilha.
Em 26.09.2013, foi proferido o seguinte despacho:
Atenta a dedução do presente incidente de separação judicial de bens, importa: i) ordenar a suspensão da execução, o que será feito no apenso referente ao processo executivo — artigo 740°, n.°2 do Cód. de Proc. Civil (na redação dada pela Lei n.° 41/201.3, de 26 de junho, atenta a data da entrada do presente incidente). ii) citar o requerido, o executado António ---- para os termos deste incidente, nomeando-o desde já cabeça--de-casal, por ser o cônjuge mais velho, designando para a prestação do seu juramento e tomada das suas declarações, nos termos dos artigos 79° n.°1 e 24°, n.°1 da Lei n.º 23/2, de 5 de marco, o próximo dia 28 de Outubro de 2013, pelas 14 horas. Abra conclusão no processo de execução. Em 28.10.2013, foram tomadas declarações de cabeça de casal ao executado/requerido, António ------, o qual declarou: Verba 1 -Prédio urbano, correspondente à unidade habitacional, tipo T-Três, descrita na Conservatória do registo predial de Câmara de Lobos sob o n° -----, e inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o número 5466, freguesia de -----, com o valor patrimonial de 115.190,00 euros; Verba 2 -Prédio urbano, correspondente à unidade comercial, composta por uma sala com acesso para a zona comum do centro comercial, descrito na Conservatória do registo predial de ------ sob o nº -----, com o valor patrimonial de 15.126,74 euros . Verba 1- Crédito a favor da Caixa Geral de Depósitos, SA, no valor de 70.360,00 euros especialmente garantido por uma hipoteca voluntária constituída sobre o prédio identificado na verba n9 1 do activo.
Findas as declarações, foi proferido o seguinte Despacho:
Cumpra o disposto do artº 34º, nº1 ex.vi artº 81, n°1 da Lei 23/2013 de 5 de Março. Notifique. Foi apresentado pelo requerido/executado, na qualidade de cabeça de casal, a relação de bens, da qual constavam os bens que compunham o Activo, e a Dívida que compunha o Passivo, em conformidade com as declarações antes prestadas. Notificada da relação de bens apresentada pelo executado/requerido, veio a requerente, ANA -------, apresentar requerimento, nos seguintes termos:
I- Da questão prévia: da incompetência material do Tribunal` para tramitar o presente processo de inventário II - Da reclamação de bens. Finalizou, requerendo que, nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 33.° da Lei 23/2013 de 5 de Março, seja efectuada a respectiva avaliação dos imóveis, cujo valores foram impugnados, por um perito, a nomear pelo douto tribunal.
Em 29.01.2014, foi proferido o seguinte Despacho: (…) Da incompetência material do tribunal para tramitar o processo de inventário A requerente Ana ------- veio alegar que este tribunal é incompetente para tramitar o inventário, cabendo-lhe unicamente proceder à separação de bens, à qual se seguirá o inventário para partilha de bens. Notificado, o executado não se pronunciou. Ora, salvo melhor opinião, este tribunal não está a tramitar qualquer inventário, mas unicamente um incidente de separação de bens ao qual, nos termos da lei, é aplicável as regras do inventário, pelo que será no âmbito deste incidente que ficará decidido se os bens objeto de penhora e que são da propriedade dos cônjuges ficarão a pertencer a um ou a outro, não sendo necessário qualquer inventário posterior (sob pena de eternizarmos a situação dos exequentes, situação que não foi desejada pelo legislador), de acordo com o disposto nos artigos 740°, n.°1, 81° e 79° da Lei n.° 23/2013, de 5 de Março. Assim, salvo melhor opinião e perante o regime jurídico acima traçado, somos de parecer que este tribunal é o competente para a tramitação do incidente de separação de bens, onde se fará a divisão dos bens objeto de penhora entre o executado e a sua mulher. Pelo exposto, julgo improcedente a exceção de incompetência material invocada. Notifique. De acordo com a relação de bens, sobre um dos imóveis incide uma hipoteca a favor da CGD, S.A., pelo que ordeno a sua citação para os termos deste incidente. Relego para momento posterior a questão da avaliação dos imóveis. Inconformada com o decidido, com relação à suscitada incompetência, veio a requerente, ANA -------, interpor recurso de apelação, relativamente ao aludido despacho.
São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente: O requerente/executado não apresentou contra alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. *** II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a análise da seguinte questão:
Û DA COMPETÊNCIA PARA TRAMITAR O INVENTÁRIO PARA SEPARAÇÃO DE BENS REQUERIDO NA SEQUÊNCIA DA PENHORA DE BENS COMUNS DO CASAL. *** III . FUNDAMENTAÇÃO
Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração a alegação factual constante do relatório deste acórdão, cujo teor aqui se dá por reproduzido. *** B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Insurgiu-se a apelante contra a decisão do Tribunal a quo, que se julgou competente, enquanto Tribunal de execução onde pende o processo de execução intentado contra o cônjuge da apelante, para conhecer e decidir sobre, o que entendeu tratar-se de um incidente de separação de bens, onde se fará a divisão dos bens objecto de penhora entre o executado e a sua mulher, e não um processo de inventário. No caso vertente, o cônjuge do executado, na sequência da respectiva citação, requereu no processo de execução, no qual foi penhorado um bem comum do casal, a separação de bens e, fê-lo, já após a entrada em vigor do nCPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, pelo que será este o regime aplicável, conforme, de resto, o entendeu – e bem – o Tribunal de 1ª instância. Estatui o artigo 740.º do nCPC, sob a epígrafe “Penhora de bens comuns em execução movida contra um dos cônjuges” : É certo que estabelecia o artigo 1406º do aCPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 29/2009, de 29/6 e cuja epígrafe era “Processo para a separação de bens em casos especiais” que: a) O inventário corre por apenso ao processo de execução ou ao processo de insolvência; b) O exequente, no caso do artigo 825.º, ou qualquer credor, no caso de insolvência, tem o direito de promover o andamento do inventário; c) Não podem ser aprovadas dívidas que não estejam devidamente documentadas; d) O cônjuge do executado ou insolvente tem o direito de escolher os bens com que há-de ser formada a sua meação e, se usar desse direito, são notificados da escolha os credores, que podem reclamar contra ela, fundamentando a sua reclamação. (…) Sucede que no novo Código de Processo Civil, inexiste qualquer artigo com semelhante redacção ao disposto no aludido artigo 1406º Por outro lado, e como é sabido, após as várias vicissitude ocorridas com a legislação atinente ao Processo de Inventário, e mantendo-se a intenção do legislador de desjudicializar este processo, a Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, veio aprovar o regime jurídico do processo de inventário, alterar várias normas do Código Civil, do Código do Registo Predial, do Código do Registo Civil e do Código de Processo Civil, tendo entrado em vigor, de acordo com o seu artigo 8.º, no primeiro dia útil do mês de Setembro de 2013. Estabelece o artigo 2.º do citado diploma legal (NRPI) que: E, em relação à competência para a tramitação dos processos de inventário, estatui-se no artigo 3.º: Acresce que, de acordo com o artigo 79.º: Finalmente, resulta do artigo 81.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe ”Processo para a separação de bens em casos especiais”: a) O exequente, nos casos de penhora de bens comuns do casal, ou qualquer credor, no caso de insolvência, tem o direito de promover o andamento do inventário; b) Não podem ser aprovadas dívidas que não estejam devidamente documentadas; c) O cônjuge do executado ou insolvente tem o direito de escolher os bens com que deve ser formada a sua meação e, se usar desse direito, são notificados da escolha os credores, que podem reclamar contra ela, fundamentando a sua reclamação. Em consonância com o preceituado no artigo 66.º do NRPI, ao juiz apenas se atribui agora competência exclusiva para homologação da decisão da partilha. Com efeito, estatui o nº 1 do citado normativo que: A decisão homologatória da partilha constante do mapa e das operações de sorteio é proferida pelo juiz cível territorialmente competente. Afirma o Exmo. Juiz do Tribunal a quo no despacho recorrido, que não está a tramitar qualquer inventário, e que será no âmbito do incidente deduzido pela requerente que se decidirá se os bens objecto de penhora ficarão a pertencer a um ou a outro cônjuge, justificando, ao cabo e ao resto, que se assim se não entendesse levaria a eternizar-se a situação dos exequentes. Entende-se que lhe não assiste razão. Reconhece-se que o nº 2 do artigo 740º do nCPC, ao aludir à apensação do requerimento de separação de bens, e o facto de, no formulário electrónico disponibilizado no sistema informático de tramitação do processo de inventário regulado pela Portaria nº 278/2013, de 26 de Agosto, não constar um campo específico para as situações de separação de bens nos casos de penhora de bens comuns do casal, pode induzir ao entendimento defendido no despacho recorrido – v. no sentido da necessidade de uma interpretação correctiva do preceito, PAULO RAMOS DE FARIA-ANA LUÍSA LOUREIRO, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. II, 265. Tendo presente o objectivo do legislador de proceder à desjudicialização do processo de inventário, a circunstância de a Lei nº 23/2013, de 5 de Março ter contemplado precisamente as situações aqui em causa, aí se prevendo a faculdade de o exequente, nos casos de penhora de bens comuns do casal, ter o direito de promover o andamento do inventário, faz com que fique ultrapassado ou, pelo menos atenuado, o fundado receio manifestado pelo Exmo. Julgador de 1ª instância da eventual verificação de um prejuízo para a situação dos exequentes. Ademais, e como se salienta no Ac. R.P. de 26.06.2014 (Pº 3671/12.1TJVNF-B.P1), acessível em www.dgsi.pt, inexiste qualquer razão válida para que a tramitação do inventário, neste caso especial de separação de bens, não ocorra perante o notário. Ora, dúvidas não há que, tendo o cônjuge do executado requerido a separação de bens, em data posterior à entrada em vigor do nCPC e da Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, não tem o tribunal onde pende a execução competência para tramitar o processo de inventário para separação de bens, nos casos de penhora de bens comuns do casal, nos termos do Código de Processo Civil, porquanto a lei passou a atribuir competência para tal, ao cartório notarial sedeado no município do lugar da casa de morada de família. É tão somente conferida ao juiz do Tribunal onde pende a execução, a competência material para apreciar o fundamento do pedido da separação de bens, designadamente tendo em consideração a natureza da dívida e dos bens penhorados, e determinar, em consequência, a suspensão da execução.
Nestes termos, procede à apelação, revogando-se o despacho recorrido, o qual se substitui por outro em que se determina a incompetência do tribunal onde pende a execução para tramitar o inventário para separação de bens comuns do casal, anulando-se, por conseguinte, todo os demais actos já praticados inerentes ao processo de inventário. * Sem custas no recurso, visto que a apelante não sucumbe no recurso e não se pode considerar que o apelado lhes haja dado causa.
*** IV. DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra em que se determina a incompetência do Tribunal a quo para tramitar o inventário para separação de bens comuns do casal, anulando-se, consequentemente, tudo o que foi processado inerente ao processo de inventário. Sem custas. Lisboa, 11 de Dezembro de 2014 Ondina Carmo Alves - Relatora Eduardo José Oliveira Azevedo Olindo dos Santos Geraldes
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