Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12186/17.0T8SNT.L1-6
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
CULPA DO AGENTE
CULPA DO LESADO
RISCO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I-O nosso sistema continua a manter o paradigma assente no primado da responsabilidade findada na culpa do agente – cfr. artigo 483.º do Código Civil – admitindo, no entanto, a responsabilização do detentor/beneficiário de um veículo de circulação pelos riscos inerentes à circulação do veículo – cfr. artigo 503.º do Código Civil

II- Só se da dinâmica do acidente se apurar a culpa exclusiva do lesado, o artigo 505.º do Código Civil exclui, ou bane de forma taxativa, a possibilidade de concorrência entre risco e facto do lesado.

III- Há concorrência de culpas, na proporção de 50%, se, por um lado, o lesado, peão, procedeu à travessia de uma via, de modo inadvertido – fora da passadeira de peões e sem obediência à sinalização semafórica e sem se certificar da inexistência de circulação na mesma – e, por outro lado, a condutora do veículo que, apesar de não poder ter deixado de avistar o peão que atravessara já três hemi-faixas e parte da quarta, de uma via com cinco hemi-faixas de rodagem, não efectua qualquer manobra quer de travagem, quer de mudança de direcção, com vista a evitar o embate.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO

AE…, por si e na qualidade de representante legal dos seus filhos menores RV… e FJ…, todos residentes na Praceta …, n.º …, … esquerdo, na Falagueira, Venda Nova, Amadora, intentou ação declarativa de processo comum contra a … Seguros, S.A., com sede na Avenida …, n.º …, …, em Lisboa, alegando, em síntese, que, em 13.03.2014, pelas 21:17 horas, o seu companheiro JM…, pai dos menores, foi atropelado mortalmente pelo veículo automóvel de matrícula …-…-…, segurado na ré, quando concluía a travessia da Avenida …, na Venteira, Amadora, entre a quarta e a quinta filas de trânsito, das cinco aí existentes, sendo aí embatido pela frente do lado direito daquele veículo, cuja condutora não travou para evitar o atropelamento nem regulou a velocidade atendendo à proximidade da passadeira para peões, semáforos e ao cruzamento, não circulando igualmente pela fila de trânsito mais à direita, onde não seguia nenhum veículo, sendo por isso a única culpada pela ocorrência do acidente.

Mais alegou que a vítima só veio a falecer pelas 02:00 horas do dia seguinte, sofrendo dores horríveis e apercebendo-se de que ia falecer e deixar os seus entes queridos, que tinha apenas 30 anos à data da morte, que era pessoa saudável, alegre, bem-disposta e amiga do seu amigo, que vivia maritalmente consigo há 12 anos, existindo amizade, alegria, amor e carinho entre todos os elementos do agregado familiar, que este trabalhava como servente da construção civil auferindo rendimento anual de €8.400,00, sendo o único sustento da família, que os menores tinham apenas 2 e 8 anos de idade à data do sinistro, tendo todos sentido um enorme desgosto pela sua morte, de que a autora ainda não recuperou, pois que perdeu a vontade de viver.

Concluiu pedindo a condenação da ré a pagar-lhes a quantia de €294.102,00, acrescida de juros, na proporção de 1/3 para cada um dos autores, sendo €15.000,00 pelos danos morais sofridos pela vítima antes de morrer, €81.000,00 pela perda do direito à vida, €108.102,00 por danos patrimoniais futuros decorrentes da perda de vencimentos, e €30.000,00 para cada um pelos danos não patrimoniais por si sofridos em consequência do desaparecimento do falecido.

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Regularmente citada, contestou a ré declinando a existência de qualquer responsabilidade da sua segurada na produção do acidente, afirmando ser o peão o único responsável pelo mesmo, uma vez que surgiu súbita e inopinadamente, da esquerda para a direita, em passo de corrida, trajando roupas escuras e fazendo uso de dispositivo auricular, fora da passadeira e de forma transversal na faixa de rodagem, quando a sinalização semafórica se encontrava na posição de verde para o tráfego automóvel, não dando qualquer possibilidade à condutora do veículo, que circulava a cerca de 30km/hora, de evitar o acidente, pois que nem sequer se apercebeu da presença do peão antes do momento do embate.

Mais impugnou, no essencial, a matéria relativa aos danos, dizendo não terem sido alegados factos susceptíveis de conferir direito a indemnização por danos não patrimoniais da vítima, sendo manifestamente exagerados os demais valores peticionados.

*

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, identificando-se o objeto do litígio, enunciando-se os temas da prova, e admitindo-se a prova apresentada pelas partes, após o que teve lugar a audiência final, sendo proferida sentença na qual se decidiu absolver a R. do pedido, por improcedência da acção.

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Não conformado com esta decisão, impetraram os AA. recurso da mesma relativamente à matéria de facto e de direito, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

“V.Conclusões

I.Quanto à alteração da matéria de facto

A)Alínea a) dos factos não provados

1.ªDa al. a) dos factos não provados consta que a condutora do …-…-… não circulava de forma desatenta e descuidada nem sem atenção ao trânsito, mas, com o devido respeito pela opinião em contrário, se assim não fosse teria evitado o atropelamento mortal da vitima, que já tinha percorrido 2 metros da via e foi embatida pela parte frontal direita do BJ.

2.ªAliás, o facto não provado constante da al. a) e contraditório com os factos provados n.ºs 6 e 11, porquanto:

a)Na via de trânsito da direita não circulava nenhum veículo, conforme n.º 6, pelo que se a condutora do BJ seguisse com atenção teria-se desviado para a direita e não atropelava a vitima;

b)Não se apercebeu da vitima, conforme n.º 11, quando a mesma era um homem de estatura grande, medindo 168 cm e com 106kg, conforme consta do documento 2 junto com a P.I., pelo que tinha necessariamente que o ter visto se seguisse com atenção à condução;

c)Não travou nem efectuou nenhuma manobra de recurso, conforme n.º 11, o que evidencia a falta de atenção da condutora do BJ no momento do sinistro;

3.ªPor outro lado, a al. a) dos factos não provados, também deveria ter sido dado como provado face à prova testemunhal, conforme consta do depoimento dactilografado das mesmas, constante do documento 1, que se dá como reproduzido e do qual se destaca:

a)Testemunha BP…, agente da PSP, prestado em 24/1/2018, com a duração de 32m36s:

De 19m23s a 19m33s:

Testemunha: Não a senhora, a condutora não me soube dizer onde foi local exacto do embate. Simplesmente eu tirei o local final da viatura.

b)Testemunha ML…, agente da PSP, prestado em 24/1/2018, com a duração de 28m53s:

De 4m53s a 5m13s:

Mandatário dos Autores: Portanto ele terá percorrido alguns metros até se dar esse embate do lado direito?

Testemunha: É assim! Partindo do princípio que uma via de trânsito, normalmente em média tem 3 metros, portanto o veículo circulando, teria percorrido cerca 2 metros, 2 metros na via de trânsito onde circulava a senhora, onde circulava a senhora!

De 7m49s a 7m55s:

Testemunha: O facto da condutora, pelo menos devia ter visto, independentemente ter tempo ou não de reação.

De 11m05s a 11m20s:

Mandatário dos Autores: Se houve ou não abrandamento de velocidade? Não sabe se abrandou a senhora?

Testemunha: Em principio não terá abrandado atendendo a que menciona que não vê o peão, ou seja, a única manobra que terá efectuado terá sido após o impacto.

Mandatário dos Autores: Não terá abrandado?

Testemunha: Não terá!

c)Testemunha MT…, condutora do BJ, prestado em 24/1/2018, com a duração de 33m54s:

De 3m01s a 3m17s:

Mandatário dos Autores: A senhora não viu o peão?

Testemunha: Não vi!

Mandatário dos Autores: Pelo que só se apercebeu só depois dele?

Testemunha: Só senti o embate!

Mandatário dos Autores: Só sentiu o embate? Não se apercebeu de nada?

Testemunha: Não!

De 3m35s a 3m37s: Não havia trânsito!

De 5m30s a 5m39s:

Mandatário dos Autores: Não havia veículos em frente! E para o lado direito? Havia veículos à sua frente?

Testemunha: Na minha frente não havia veículos.

Mandatário dos Autores: Nem para o lado direito nem em frente?

Testemunha: Nada! Na minha frente não havia veículos!

De 6m30s a 6m51s:

Mandatário dos Autores: Como é que aparece o Jorge?

Testemunha: Como? Não faço ideia! Eu acabei de lhe dizer que só senti o embate! Aliás, na altura nem percebi o que é que aconteceu. Na verdade achei que me tinha caído qualquer coisa em cima do carro.

De 9m17s a 9m42s:

Mandatário dos Autores: A senhora abrandou a velocidade?

Testemunha: Não

Mandatário dos Autores: Não abrandou nem moderou a velocidade? Á velocidade que ia é à velocidade que andou sempre?

Testemunha: Exactamente!

Mandatário dos Autores: Apesar de haver ali a passadeira de peões foi sempre à mesma velocidade?

Testemunha: Mas a passadeira para peões tá lá, eu não abrando quando estou perante uma passadeira de peões, quando tenho o sinal verde!

Mandatário dos Autores: Não abranda nem modera a velocidade?

Testemunha: Se tiver um sinal verde não!

De 31m58s a 32.55s:

Mmo Juiz: A senhora já disse que não o viu! Que não terá mesmo percepção da presença dele mas também disse que conduzia atenta e que olhava para a frente.

Testemunha: Certo!

Mmo Juiz: O que eu quero tentar perceber é como é que não viu de todo! Porque se o embate se dá do lado direito, se ele vinha do lado esquerdo ele tem que se ter atravessado à frente do seu carro necessariamente. Não viu sequer ele atravessar repentinamente à frente do seu carro?

Testemunha: Não!

Mmo Juiz: E tem uma explicação para isso?

Testemunha: A minha explicação é que devia vir a correr bem!

Mmo Juiz: Mas mesmo vindo a correr bem tem que se ter atravessado à frente do seu carro!

Testemunha: Pois, não sei exactamente como é que aconteceu e gostava até de perceber!

Mmo Juiz: Quando a senhora diz que não o viu, não o viu com antecedência ou não se apercebeu de todo?

Testemunha: Não o vi! Não o vi, nem tive consciência do que aconteceu naquele momento.

d)Testemunha André Albuquerque, prestado em 24/1/2018, com a duração de 32m24s:

De 22m06s a 22m20s:

Mandatária dos Autores: Sabe se a senhora, se a D.ª Teresa se ela abrandou?

Testemunha: Se?

Mandatária dos Autores: Se abrandou a velocidade? Se tem noção ou não?

Testemunha: Penso que não!

4.ªCom efeito, face aos factos provados n.ºs 6 e 11., à prova documental e testemunhal produzida, nomeadamente face ao depoimento da condutora do BJ é evidente que a mesma conduzia a viatura de forma desatenta e descuidada e sem atenção ao trânsito no momento do sinistro, caso contrário teria visto a vitima que já tinha atravessado 2 metros da via, conforme consta do depoimento da testemunha ML… e do relatório final da PSP, junto pela Ré na audiência de julgamento a fls ..., consta que a condutora poderia seguir desatenta, pelo que deve dar-se como provada a alínea a) dos factos não provados e de que não abrandou ao aproximar-se da passadeira para peões.

B) N.º 9 dos factos provados

5.ªO facto n.º 9 foi dado como provado tendo em conta apenas o depoimento da testemunha AC…, uma vez que a condutora do BJ e AA… (testemunha presencial que consta do auto de ocorrência) não viram a vitima antes do embate e o Sr. M…

Lopes, agente da PSP, só apareceu depois.

6.ªNo entanto, o depoimento do Sr. AC… foi pouco credivel pelos seguintes motivos:

a)Do auto de ocorrência consta que o acidente ocorreu ás 21h17m em 13/3/2014 e a testemunha referiu que o acidente foi ao fim da tarde e que não estava escuro, conforme consta de 22m28s a 22m50s do seu depoimento constante do Doc. 1, prestado em 25/01/2018, com a duração total de 50m45s:

Mandatária da Ré: Era de noite? Era de noite?

Testemunha: Não, acho que não, não era de noite! Também era fim da tarde senão me engano, mas acho que ainda não estava de noite!

Mandatária da Ré: Pelo menos você tem a noção da luz, é isso?

Testemunha: Tenho a noção que não estava escuro!

Mandatária da Ré: Não estava escuro, mas podia ser por iluminação artificical.

Testemunha: Não, não.

b)Não consta como testemunha presencial no auto de ocorrência e afirmou que o agente da PSP não o quis identificar como testemunha, o que com o devido respeito pela opinião em contrário, é pouco credivel, para mais tratando-se de um atropelamento mortal, conforme consta do seu depoimento constante do Doc. 1, prestado em 25/01/2018, com a duração total de 50m45s, de 25m21s a 25m30s:

Mandatário dos Autores: A policia é que não o quis ouvir como testemunha?

Testemunha: Exactamente!

C)Trabalhava para a Recorrida, pelo que o seu depoimento poderá ter sido influenciado por esse facto, conforme consta de 26m01s a 26m40s do seu depoimento constante do Doc. 1, prestado em 25/01/2018, com a duração total de 50m45s:

Mandatário dos Autores: Falou com a condutora e deu-lhe o seu contacto? O que é que fazia à data do sinistro?

Testemunha: O que eu fazia? Era, fazia peritagens de acidentes de trabalho se eu não me engano na altura.

Mandatário dos Autores: Era averiguador?

Testemunha: Era averiguador!

Mandatário dos Autores: Trabalhava para que companhia?

Testemunha: Trabalhava para várias companhias?

Mandatário dos Autores: Trabalhava também para a L…, não?

Testemunha: Para a L…? Eu pertencia a uma empresa que faz prestação de serviços para várias companhias de seguros inclusive a L…!

Mandatário dos Autores: Também trabalhava para a L…?

Testemunha: Sim!

d)Após o sinistro a testemunha foi a casa da Recorrente Ana falar sobre o sinistro, sendo que a versão era totalmente diferente da prestada em audiência de julgamento, caso contrário os Recorrentes não a teriam indicado como testemunha e a Recorrente A… não teria insistido para que o mesmo não faltasse à audiência de julgamento, conforme consta do depoimento dessa testemunha, de 43m38s a 44m07s do seu depoimento constante do Doc. 1, prestado em

25/01/2018, com a duração total de 50m45s:

Mandatário dos Autores: O senhor posteriormente a isto, ainda contactou com a D.ª A…?

Testemunha: A D.ª A…?

Mandatário dos Autores: Sim, a mãe dos filhos.

Testemunha: Se contactei com ela? Ela contactou comigo, na altura queria falar comigo, pronto sobre o acidente e eu fui ter com ela com o meu pai. Na altura, pronto, tivemos uma conversa sobre o que aconteceu, pronto.

O processo acho que foi arquivado posteriormente.

Mandatário dos Autores: Nessa altura foi lá com o seu pai?

Testemunha: Fui lá com o meu pai a casa dela mesmo, sim!

e)Afirmou que a vitima tinha auriculares, quando no auto de inquirição de testemunha de 29/5/2014 consta textualmente que: "não visualizou no local quaisquer auriculares de telemovel", mas em audiência de julgamento conforme consta de 23m14s a 23m20s do seu depoimento constante do Doc. 1, prestado em 25/01/2018, com a duração total de 50m45s:

Mandatária da Ré: Já disse que tem noção que o senhor corria com os edphones! Não tem dúvidas sobre isso?

Testemunha: Não!

7.ªPor outro lado, no depoimento da testemunha AC… alegadamente terá visto a vítima a correr quando os veículos estavam à frente para iniciar a marcha mas não sabia quantos metros andou entre o ilhéu e o local do embate, nem que parte da viatura embateu na vitima, conforme consta de 39m a 43m30s do seu depoimento constante do Doc. 1, prestado em 25/01/2018, com a duração total de 50m45s:

Mmo Juiz: A policia esteve no local e o que aqui está não foi colocado aqui á sorte, à medições que são feitas e tudo mais!

Testemunha: Claro.

Mmo Juiz: E tudo mais a policia diz que o corpo ficou a 9m80 da passadeira.

Testemunha: Certo.

Mmo Juiz: O senhor diz que o carro quando a policia chegou estava neste sitio, portanto, ao lado do corpo, estava aqui! O senhor diz que ele foi atropelado para ai a 2 metros atrás do local onde o carro estava o que coincide com o local que foi aqui colocado pela policia como sendo o local do embate sensivelmente.

Testemunha: Sim.

Mandatária da Ré: Mas a policia não colocou nenhum local de embate, desconhece o local de embate ...

Mandatário dos Autores: Mas, desculpe lá! Mas ele passa aqui à frente dos veículos todos?

Testemunha: Sim.

Mandatário dos Autores: E depois aqui ainda há-de passar?

Testemunha: Um bocadinho mais aqui a trás!

Mandatária da Ré: Projecções ...

Mandatário dos Autores: Não, não, repare ... senão há aqui um fenómeno estranho é que desculpe, se ele passa aqui, vai em frente, como é que ele vai parar aqui?

Mmo Juiz: É isso que eu estou a perguntar! Ele passou por aqui se foi embatido 2 metros antes do local onde o carro ficou, o carro ficou aqui de acordo com as medições da policia.

(...)

Mandatário dos Autores: Quando o senhor o viu, quando ele sai daqui, quantos passos é que ele dá? E em que direcção?

Testemunha: Quantos passos é que ele dá? Eu não sei quantos passos é que ele dá!

(...)

Mandatário dos Autores: E não sabe quantos passos é que ele deu?

Testemunha: Mas como é que eu saberia quantos passos é que ele deu?

Mandatário dos Autores: Podia-se ter apercebido! Como estava sempre a vê-lo!

Testemunha: Não estava a contar os passos!

Mandatário dos Autores: Mas desculpe lá, mas viu-o no ilheu?

Testemunha: Vejo-o a atravessar o ilheu claramente!

Mandatário dos Autores: Mas viu-o a atravessar o ilheu, mas não viu depois aqui? Mas não se lembra depois do ilheu quantos passos é que deu!

Testemunha: Não, como é que eu ...

8.ª Com efeito, a testemunha alegadamente apenas viu a vitima a passar à sua frente e desconhece qual o percurso que fez a seguir, pelo que não sabe com que parte da viatura a vitima foi embatida, nem o percurso desta após passar à sua frente e já no ilhéu, nem quantos metros percorreu da faixa de rodagem onde se deu o embate, pelo que não se pode dar como provado, quanto ao facto n.º 9, que a vitima surgiu repentinamente na faixa de rodagem e em passo de corrida e deve ser dado como provado no n.º 9, que a vitima terá percorrido 2 metros da faixa de rodagem face ao depoimento da testemunha ML…, agente da PSP, que refere, conforme consta de 4m53s a 5m13s do seu depoimento constante do Doc. 1, prestado em 24/01/2018, com a duração total de 32m36s, e face ao facto provado n.º 10, que a vitima percorreu 2 metros da via antes do embate.

II.Quanto ao direito e culpa no acidente

9.ªCom o devido respeito pela opinião em contrário, na Douta Sentença Recorrida houve um erro de apreciação da matéria dada como provada e não se atendeu a factos que traduzem existir da condutora do BJ responsabilidade no atropelamento da vitima, nomeadamente face aos factos provados n.ºs 5, 6, 10 e 11.

10.ª Pois, a condutora do BJ conduzia a viatura de forma desatenta e descuidada e sem atenção ao trânsito, no momento do acidente e que não abrandou ao aproximar-se da passadeira de peões e a vitima já ter percorrido 2 metros da faixa de rodagem, conforme alteração da matéria de facto (alínea a) dos factos não provados e n.º 9 dos factos provados), alegada em 4. a 19. que se dá como reproduzida, mas mesmo não se alterando a matéria de facto, é evidente a culpa da condutora do BJ. Porquanto,

11.ªDe acordo com os factos provados n.ºs 5 e 6, o …-…-… circulava pela segunda via de trânsito a contar da direita, mas na via de trânsito da direita não circulava qualquer veículo, pelo que se circulasse na faixa de rodagem da direita não teria atropelado a vitima, pois:

a) Conforme consta do depoimento da testemunha ML…, prestado em 24/1/2018 com a duração de 28m53s constante do documento 1, a vitima já tinha percorrido 2 metros da via de trânsito quando foi atropelado, conforme se transcreve:

De 4m53s a 5m13s:

Mandatário dos Autores: Portanto ele terá percorrido alguns metros até se dar esse embate do lado direito?

Testemunha: É assim! Partindo do principio que uma via de trânsito, normalmente em média tem 3 metros, portanto o veículo circulando, teria percorrido cerca 2 metros, 2 metros na via de trânsito onde circulava a senhora, onde circulava a senhora!

b) Face ao facto provado n.º 3 a faixa de rodagem no local tem uma largura de 7,30 metros.

c) Face ao facto provado n.º 10, a vitima foi embatido e projectado pela parte frontal direita do …-…-….

12.ªCom efeito, face às caracteristicas da via e ao local do embate na viatura, se a condutora não seguisse em infração ao art.º 13.º n.º 1 do C.E., não teria atropelado a vitima, mas, na Douta Sentença Recorrida entendeu-se que a condutora do BJ não cometeu essa infracção face ao facto provado n.º 5, que foi dado com base exclusivamente no depoimento da condutora do BJ, que, é um facto notório tudo diria para não ser considerada culpada pelo sinistro.

13.ªCom o devido respeito pela opinião em contrário, mesmo que a condutora pretendesse mudar de direção à direita na confluência da Avenida … com a Estrada

…, a via da esquerda não pode ser considerada a mais conveniente uma vez que ainda não se encontrava na Avenida … e só deveria seguir por essa via após terminar a mesma e entrar na Estrada …, onde ai poderia seguir pela via mais conveniente ao seu destino, o que não aconteceu, pelo que a condutora do BJ foi a única culpada pelo trágico sinistro porque não ocupou a faixa de rodagem da direita, onde tinha espaço e evitando assim o acidente.

14.ªCom efeito, apesar de existir uma passadeira de peões no local, facto n.º 4, a condutora não moderou a velocidade, conforme o alegado na 3.ª conclusão, pelo que violou o disposto no art.º 25.º n.º 1 al. a) do C.E..

15.ªPara além disso, a condutora do BJ também foi culpada pelo sinistro, por seguir sem atenção ao trânsito, numa reta e com velocidade desadequada, uma vez que age com culpa quem não consegue parar o veículo no espaço livre e visivel à sua frente, conforme Jurisprudência Dominante e se exemplifica:

a) Em sede de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, ainda que se prove que o condutor circulava dentro do limite máximo legal estabelecido para o local da ocorrência, há que ponderar se circulava a uma velocidade adequada às circunstâncias envolventes, de modo a poder parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, ou a uma velocidade especialmente moderada, respetivamente, nos termos dos artigos 24.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, do Código da Estrada. (Ac. STJ de 3/12/2015, in www.dgsi.pt)

b) O dever geral de adaptação da velocidade às situações concretas relevantes para o efeito é o corolário do dever objectivo de cuidado que o condutor deve pôr no exercício da condução, já que a acção ou omissão desadequada a esse circunstancialismo potência o desencadear de acidentes.

E as circunstâncias concretas com que se possa deparar são, por vezes, de tal modo relevantes que aconselham que um condutor normal reduza a velocidade mesmo abaixo dos limites legalmente impostos. (Ac. STJ de 16/9/2008, proc. n.º 08B939, in www.dgsi.pt)

16.ªFace aos factos dados como provados, a condutora do BJ não regulou a velocidade de modo a parar a viatura sem atropelar a vitima, sendo que, face ao facto provado n.º 11, a condutora do …-…-… não se apercebeu da presença de JM… antes do embate, pelo que não travou nem efetuou qualquer manobra de recurso com vista a evitar o acidente, apesar do embate ter sido com a parte frontal direita conforme facto provado n.º 10.

17.ªCom efeito, a faixa de rodagem onde seguia o BJ era uma reta e a visibilidade da vitima não era limitada por quaisquer causas exteriores ao veículo que conduzia, pelo que poderia ter

evitado o trágico atropelamento, uma vez que a vitima, de grande estatura, já tinha percorrido pelo menos 2 metros da faixa de rodagem, conforme factos provados n.ºs 3 e 10 e face ao depoimento da testemunha ML… de 7m49s a 7m55s: "O facto da condutora, pelo menos devia ter visto, independentemente ter tempo ou não de reação." e a própria condutora do BJ, no seu depoimento do dia 24/1/2018, constante do documento 1, refere que:

De 6m30s a 6m51s:

Mandatário dos Autores: Como é que aparece o Jorge?

Testemunha: Como? Não faço ideia! Eu acabei de lhe dizer que só senti o embate! Aliás, na altura nem percebi o que é que aconteceu. Na verdade achei que me tinha caido qualquer coisa em cima do carro.

De 31m58s a 32.55s:

Mmo Juiz: A senhora já disse que não o viu! Que não terá mesmo percepção da presença dele mas também disse que conduzia atenta e que olhava para a frente.

Testemunha: Certo!

Mmo Juiz: O que eu quero tentar perceber é como é que não viu de todo! Porque se o embate se dá do lado direito, se ele vinha do lado esquerdo ele tem que se ter atravessado à frente do seu carro necessariamente. Não viu sequer ele atravessar repentinamente à frente do seu carro?

Testemunha: Não!

Mmo Juiz: E tem uma explicação para isso?

Testemunha: A minha explicação é que devia vir a correr bem!

Mmo Juiz: Mas mesmo vindo a correr bem tem que se ter atravessado à frente do seu carro!

Testemunha: Pois, não sei exactamente como é que aconteceu e gostava até de perceber!

Mmo Juiz: Quando a senhora diz que não o viu, não o viu com antecedência ou não se apercebeu de todo?

Testemunha: Não o vi! Não o vi, nem tive consciência do que aconteceu naquele momento.

18.ªPorém, apesar desses depoimentos e da própria condutora afirmar que "Não o vi, nem tive consciência do que aconteceu naquele momento." e do Mmo Juiz, em audiência de julgamento, conforme consta do documento 1, ter entendido que a condutora do BJ deveria ter

visto a vitima, na Douta Sentença Recorrida entendeu que não foi feita prova de que a condutora do BJ seguia sem atenção na condução, o que é um facto notório.

19.ªCom o devido respeito pela opinião em contrário, na Douta Sentença Recorrida fez-se uma interpretação errada dos art.ºs 24.º n.º 1, 25.º n.º 1 als. a) e h) do C.E. que determinam que se deve regular a velocidade, nomeadamente nos cruzamentos e junto das passagens para peões, ao fundamentar-se que se a condutora do BJ circulava dentro dos limites de velocidade permitidos para o local, não tem obrigação de travar ou abrandar a marcha na aproximação ao cruzamento e à passadeira de peões assinalada no solo e entendeu-se ainda que a ausência dos rastos de travagem provam a culpa da vitima, o que com o devido respeito pela opinião em contrário contraria todas as regras estradais, pois, em caso de perigo deve sempre travar e a condutora do BJ não o fez porque ia distraída.

20.ªAliás, também o art.º 103.º n.º 1 do C.E., que na Douta Sentença Recorrida se entendeu não ter relevância para se atribuir a culpa à condutora do BJ determina que ao aproximar-se de uma passagem de peões, em que a circulação de veículos está regulada por sinalização luminosa, como é o caso dos autos, o condutor, mesmo que a sinalização lhe permita avançar, deve deixar passar os peões ou os velocípedes que já tenham iniciado a travessia da faixa de rodagem, o que foi o caso.

21.ªAssim, face aos factos dados como provados e aos depoimentos prestados em audiência de julgamento, a condutora do BJ foi culpada pelo sinistro, mas a entender-se que ambos (vitima e condutor do BJ) violaram deveres de cuidado estradais, deve fazer-se a repartição das culpas com base no disposto no art.º 570.º n.º 1 do C.C., conforme tem sido entendimento da Jurisprudência Dominante e se alegou em 57.1. a 57.2., e se dá como reproduzida, devendo fixar-se a responsabilidade pelo sinistro em 50% para a condutora do BJ e 50% para a vitima.

III.Quanto aos danos

A)Danos patrimoniais

22.ªA vitima nasceu em 2/8/1983, pelo e trabalhava ao dia como servente da construção civil, sem trabalho certo, auferindo, em média, entre 500€ a 600€ mensais nessa actividade, conforme factos provados 16 e 25.

23.ªPor outro lado, foi dado como provado que a vitima era poupada, que a autora vivia às expensas do mesmo e que este lhe entregava a maior parte do que ganhava, conforme factos provados n.º 20 a 26., pelo que tendo em conta o valor recebido anualmente pela vitima e a sua idade, tal determina uma indemnização por danos futuros de 113.250€, mas considerando que o mesmo gastava consigo 1/4 do que ganhava, o que na realidade não gastava, deve fixar-se a quantia de 84.937,50€ por danos patrimonais a atribuir a todos os Recorrentes em partes iguais.

B)Danos morais da vitima e perda do direito à vida

24.ªAliás, face aos factos provados n.ºs 14 e 15, a vitima sofreu lesões traumáticas crâniomeningo- encefálicas, faciais e torácicas e entre a data do acidente e a data do óbito decorreram cerca de 5 horas, em que a vitima lutou pela vida e necessariamente teve um sofrimento atroz, pelo que deve a Recorrida ser condenada a pagar aos Recorrentes, inerente aos danos morais sofridos pela vítima antes de falecer de 15.000€ a atribuir a todos em partes iguais, conforme Jurisprudência Dominante alegada em 67. a 72. e se dá como reproduzida.

25.ªA vitima tinha apenas 30 anos de idade à data do óbito, trabalhava e era saudável, alegre, bem-disposto e amigo do seu amigo e vivia com a Recorrente A… há 12 anos e tinham dois filhos menores, sendo todos muito amigos e unidos, conforme factos provados n.ºs 16 a 19, 23 a 25 dos factos provados, pelo que deve a Recorrida ser condenada a pagar aos Recorrentes, uma indemnização, inerente à perda do direito à vida no montante de 80.000€ a atribuir a todos em partes iguais, conforme Jurisprudência Dominante alegada em 73. a 77 e se dá como reproduzida.

C) Danos morais dos herdeiros

26.ªDos factos dados como provados destacam-se os seguintes:

a) A vitima vivia com a Recorrente A… há 12 anos e eram muito unidos e amigos, e tudo faziam para proporcionar bem estar aos seus filhos, conforme n.º 17 e 19 dos factos provados;

b) A Recorrente A… perdeu a vontade de viver, não tendo tido até hoje qualquer outro relacionamento amoroso não conseguiu fazer o luto, continuando a guardar os pertences pessoais da vitima, conforme n.ºs 28 e 29 dos factos provados;

c) Os filhos menores da vitima tinham 2 anos e 8 anos de idade, conforme n.º 18 dos factos provados;

d) A vitima era muito dedicada à familia existindo grande amizade, alegria, amor e carinho recíprocos entre todos os elementos do agregado familiar e a mesma e a Recorrente A… tudo faziam para proporcionar bem estar aos filhos, conforme n.º 19 e 23 dos factos provados;

27.ªCom efeito, face aos factos dados como provados n.ºs 17 a 19, 23 e 28 a 29 é um facto notório que com a morte trágica e inesperada da vitima foi causado grande sofrimento à Recorrente A…, por serem um casal jovem, feliz e que tinha dois filhos menores e aos filhos por com tenra idade se virem privados do seu pai, com quem tinham um bom relacionamento e o qual não vai acompanhar o seu crescimento.

28.ªAliás, do n.º 27 dos factos provados consta que: "Os autores sofreram um enorme desgosto ao saberem da morte de JM….", pelo que deve a Recorrida ser condenada a pagar à Recorrente A… e a cada um dos filhos menores o montante de 30.000€ a título de dano moral, conforme Jurisprudência Dominante alegada em 79. a 85. e se dá como reproduzida.

29.ªNa Douta Sentença Recorida foi feita uma interpretação errada do disposto nos art.ºs 483.º e 570.º n.º 1 do C.C., 13.º n.º 1, 14.º n.º 2, 24.º n.º 1, 25.º n.º 1 als. a) e h) e 103.º n.º 1 do C.E.

Nestes termos e nos demais de direito deve revogar-se a Douta Sentença Recorrida e em consequência:

a) Alterar-se a matéria de facto. E,

b) Julgar-se a condutora do BJ culpada pelo sinistro em concorrência de culpas de 50% para esta e 50% para a vitima e em consequência condenar-se a Recorrida a pagar aos Recorrentes o montante de 134.500€ (269.000€x50%), acrescido de juros legais desde a citação.

Assim, se Fará a Costumada Justiça!!!”

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Pelo R. foram interpostas contra alegações, pugnando pela manutenção do decidido, constando afinal as seguintes:

“III - CONCLUSÕES:

I. A produção da prova e a audição das testemunhas foram efectuadas presencialmente perante o Tribunal “a quo”;

II. Foi na prova produzida na presença do Mmº Juiz que o Tribunal se alicerçou para poder formar um juízo quanto à prova dos factos alegados pelas partes;

III. As testemunhas estiveram presentes no Tribunal “a quo” e prestaram depoimento perante o Mmº Juiz na audiência de discussão e julgamento. Os princípios da oralidade e da imediação foram, portanto, respeitados;

IV. A testemunha ML… limita-se a uma conclusão, sem qualquer suporte científico, que o peão teria percorrido cerca de 2 metros e que a condutora do veículo seguro eventualmente não terá abrandado;

V. Os depoimentos prestados em Julgamento foram extensos e demonstrativos da clara responsabilidade do peão na produção do acidente dos autos;

VI. O Exmo. Sr. Juíz fundamenta na douta Sentença foi em face dos depoimentos prestados por Bruno Pires, com o depoimento gravado aos minutos 09:58:11 a 10:30:00, de MT…, com o depoimento gravado aos minutos 10:59:43 a 11:30:00 e de AG…, com o depoimento gravado aos minutos 10:59:43 a 11:30:00, todos em acta do dia 24/01/2018 e AC…, com o depoimento gravado de 10:29:38 a 11:15:00 da acta de 25/01/2018, que alicerçou a sua convicção da responsabilidade na produção do acidente recair sobre o desditoso peão;

VII. A responsabilidade do acidente deve ser assacada no todo ao desditoso peão, por ter iniciado a travessia da faixa de rodagem fora da passadeira existente no local a poucos metros do ponto onde ocorreu o embate, em passo de corrida, vestido de preto e usando auriculares nos ouvidos;

VIII. O depoimento prestado pela testemunha AC… foi isento, credível e objectivo, sendo, inclusive coincidente com as declarações prestadas pela testemunha AA…;

IX. O facto da condutora do veículo seguro seguir pela via da esquerda, não violou qualquer normativo estradal, até porque resultou claramente provado, que o veículo seguro circulava na segunda via de trânsito a contar da direita, sendo intenção da sua condutora mudar de direcção à direita;

X. Estipula o nº 2 do artº 14º do Código da Estrada que os condutores dentro das localidades devem utilizar a via de trânsito que seja adequada ao seu destino de marcha;

XI. A condutora do veículo seguro imprimia uma velocidade inferior a 50 km/h e circulava com os médios acesos;

XII. No local do acidente, o trânsito costuma ser intenso e é regulado por sinalização semafórica que se encontrava na posição de verde, atento o sentido de marcha do veículo seguro;

XIII. No local do acidente dos autos, não só existia uma passadeira a menos de 50 metros do local provável de embate, como era regulada por sinalização semafórica;

XIV. Foi o desditoso peão, o único e exclusivo, responsável pela produção do acidente dos presentes autos, por não ter acautelado a sua travessia que foi levada a efeito num local destinado ao trânsito automóvel, acrescido do facto de circular pelo eixo da via, trajando roupas escuras e usando auriculares, violando com a sua conduta, desatenta e negligente, nomeadamente, os artºs 3º, 99º, 100º e 101º do Cód. Da Estrada.

Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exas. Mui doutamente suprirão, não deve ser dado provimento ao presente recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida, fazendo-se assim Justiça!.”

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QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consistem em apurar:

a) Se se verificam os requisitos para a reapreciação da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido
b) Da ocorrência de culpa na produção do atropelamento descrito nos autos.
c) Em caso de culpa concorrencial de peão e veículo, da fixação dos danos não patrimoniais e patrimoniais, sofridos na sequência da morte do peão atropelado;

*
Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes adjuntos, cumpre decidir.

*

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido considerou a seguinte matéria de facto:

“1- No dia 13.03.2014, pelas 21:17 horas, MT… conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Honda, modelo Civic, com a matrícula …-…-…, no sentido Sul/Norte da Avenida …, na Venteira, Amadora;

2- A Avenida …, no sentido de trânsito em que o …-…-… seguia, dispõe de três vias de trânsito, que se transformam em cinco na confluência dessa Avenida com a Estrada …, sendo três para quem pretende seguir em frente ou para a esquerda, para entrar no centro da Amadora ou para seguir na direção de Queluz, e duas para quem pretende mudar de direção à direita;

3- A faixa de rodagem no local tem uma largura de 7,30 metros e o trânsito é regulado através de sinalização semafórica;

4- Junto aos semáforos existe uma passadeira destinada à travessia de peões assinalada no solo;

5- O …-…-… circulava pela segunda via de trânsito a contar da direita, sendo intenção da sua condutora mudar de direção à direita, na confluência da Avenida … com a Estrada …;

6- Na via de trânsito da direita não circulava qualquer veículo;

7- A sinalização semafórica encontrava-se na posição de verde para o tráfego automóvel que pretendia seguir nessa direção;

8- E vermelha para os peões;

9- Quando o …-…-… se encontrava já próximo da confluência com a Estrada …, mas ainda antes de chegar à passadeira destinada à travessia de peões, surgiu repentinamente na faixa de rodagem JM…, atravessando a Avenida … da esquerda para a direita, em passo de corrida;

10- JM… foi então embatido e projetado pela parte frontal direita do …-…-…, acabando por se imobilizar no solo junto ao passeio do lado direito, a 9,80 metros da passadeira destinada à travessia de peões;

11- A condutora do …-…-… não se apercebeu da presença de JM… antes do embate, pelo que não travou nem efetuou qualquer manobra de recurso com vista a evitar o acidente;

12- Nas circunstâncias de tempo e de lugar supra referidas, JM… trajava roupas escuras e trazia auriculares colocados nos ouvidos;

13- O tempo estava bom e o piso em boas condições;

14- Em resultado do embate, JM… sofreu as lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, faciais e torácicas, descritas no relatório de autópsia (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

15- Foi assistido no local pelo INEM e transportado, de ambulância, para o Hospital de Santa Maria, onde foi declarado o óbito pelas 2:00 horas do dia seguinte;

16- JM… nasceu no dia 02.08.1983;

17- Vivia há 12 anos com a autora AE… em união de facto, em condições análogas às dos cônjuges;

18- Dessa união nasceram os autores FJ… e RV…, respetivamente em 12.01.2006 e em 30.12.2011, que viviam com os seus pais;

19- JM… e a autora AE… eram muito unidos e amigos, e tudo faziam para proporcionar bem estar aos filhos;

20- A autora AE… não trabalhava nem auferia quaisquer rendimentos, vivendo a expensas do companheiro;

21- À data do acidente, FJ… frequentava o 1.º ano de escolaridade;

22- RV… estava em casa com a sua mãe;

23- JM… era muito dedicado à família, existindo grande amizade, alegria, amor e carinho recíprocos entre todos os elementos do agregado familiar;

24- Era saudável, alegre, bem-disposto e amigo do seu amigo;

25- Trabalhava ao dia como servente da construção civil, sem trabalho certo, auferindo, em média, entre €500,00 a €600,00 mensais nessa atividade;

26- Era pessoa poupada, entregando a maior parte do que ganhava à autora AE… para esta fazer às despesas familiares;

27- Os autores sofreram um enorme desgosto ao saberem da morte de JM…;

28- A autora perdeu a vontade de viver, não tendo tido até hoje qualquer outro relacionamento amoroso;

29- Ainda não conseguiu fazer o luto, continuando a guardar os pertences pessoais do falecido JM…;

30- A responsabilidade civil emergente de acidentes de viação causados pelo …-…-… encontrava-se transferida para a ré … Seguros, S.A., através da apólice com o n.º …/…;

31- O acidente dos autos deu origem a um processo de inquérito crime que correu termos sob o n.º …/…, no Ministério Público junto da Comarca de Lisboa Oeste, Amadora, DIAP, ….ª Secção, e que terminou com despacho de arquivamento.

*

III. FACTOS NÃO PROVADOS:

A restante matéria alegada pelas partes não se provou, designadamente:

a) Que a condutora do …-…-… circulasse de forma desatenta e descuidada, sem atenção ao trânsito;

b) Que JM… tenha sofrido dores horríveis até à sua morte e que se tenha apercebido de que ia morrer e deixar os seus entes queridos;

c) Que no momento do embate a condutora do …-…-… circulasse a uma velocidade de cerca de 30km/h;

d) Que JM… fosse beneficiário de rendimento social de inserção.”

*

DA REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 Insurge-se o recorrente contra a decisão que absolveu a recorrida do pedido formulado nos autos, impetrando a alteração da matéria de facto provada e da que o tribunal não considerou como provada.

Decidindo:

a) Da apreciação do recurso quanto à matéria de facto;

Relativamente aos requisitos de admissibilidade do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto pelo tribunal “ad quem”, versa o artº 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, o qual dispõe que:

«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

No que toca à especificação dos meios probatórios, «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).

No que respeita à observância dos requisitos constantes deste preceito legal, após posições divergentes na nossa jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» [1]

Assim, “O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do art. 640º do Novo CPC.

A saber:

- A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;

- A especificação dos meios probatórios que no entender do Recorrente imponham uma solução diversa;

- E a decisão alternativa que é pretendida.[2]

O recorrente nas suas alegações satisfaz estes requisitos, pelo que o recurso relativamente à impugnação da matéria de facto é de admitir.

Passando à sua apreciação concreta, impugna o recorrente nas suas conclusões recursórias as respostas dadas pelo tribunal recorrido ao ponto 9 da matéria assente, requerendo a sua alteração, dando-se como assente apenas que a vitima percorreu 2 metros da via antes do embate, mais dando-se como assente que a condutora da viatura seguiria desatenta conforme consta do facto dado como não assente na alínea a).

Funda a sua discordância quanto à não prova dos factos constantes da alínea a), quer no teor dos pontos 6 e 11 da matéria de facto provada, quer no teor do depoimento das testemunhas BD… e MJ…, agentes da PSP que elaboraram o auto de participação de acidente, no depoimento da condutora do BJ, MT… e no que toca ao facto provado nº 9, ainda na falta de credibilidade do depoimento da testemunha AC… (tendo em conta os depoimento das testemunhas AA… e MT…).

Posto isto, no que toca à possibilidade e limites da reapreciação da matéria de facto, não obstante se garantir um duplo grau de jurisdição[3], tem este de ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artº 607 nº 5 do C. P. Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o tribunal de recurso não pode já recorrer.

De acordo com Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.

Assim, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.

Nada obstando à apreciação do recurso sobre a matéria de facto, o tribunal com vista à apreciação desta impugnação, procedeu à audição integral da prova e examinou os articulados e documentos juntos aos autos.

É a seguinte a convicção do tribunal recorrido, quanto à matéria de facto:

A convicção do Tribunal assentou no acordo parcial das partes, na análise do teor dos documentos juntos, e nos depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência.

Mais concretamente, atendeu-se à participação de acidente de viação junta com a petição inicial que, nos termos do art. 371.º, n.º 1, do Código Civil, faz prova plena dos factos que refere como praticados pela autoridade pública, assim como daqueles que nele são atestados com base nas perceções do agente da PSP que o elaborou, a testemunha Bruno Pires, designadamente dia e hora a que o acidente ocorreu, estado do tempo, medições efetuadas, semáforos e passadeiras de peões existentes no local, e posição onde ficou o corpo do peão após o atropelamento.

Relativamente à dinâmica e circunstâncias do acidente, atendeu-se quanto à matéria controvertida ao depoimento da testemunha MT…, condutora do veículo atropelante (Civic), que relatou as circunstâncias em que o acidente ocorreu, afirmando que circulava na Avenida … a cerca de 40 ou 50 km/h e que pretendia virar à direita para entrar na Estrada …, com destino ao Casal de São Brás, não tendo abrandado a marcha na aproximação à confluência dessas vias uma vez que o semáforo estava na posição de verde para o trânsito que seguia nessa direção e não percecionou a presença de qualquer perigo ou obstáculo na via, só se apercebendo da presença do peão já depois de nele ter embatido, pelo que nem sequer efetuou qualquer travagem ou manobra de recurso que pudesse ter evitado o acidente. As testemunhas AA… e AC…, testemunhas oculares do acidente, confirmaram, no essencial, aquela versão dos acontecimentos, afirmando o primeiro que circulava na via da direita, no mesmo sentido de trânsito do Civic, à distância de mais ou menos dois carros, circulando o Civic na segunda via a contar da direita, que o semáforo estava na posição de verde para quem pretendia seguir para a direita, e que também não viu o peão antes do embate, já só o tendo visto “a voar pelo ar”; quanto a AC…, disse que estava parado no interior do veículo que conduzia, na via de trânsito do meio para quem segue em frente na Avenida …, atrás de outros 3 ou 4 veículos, por estar vermelho o semáforo destinado à circulação que se fazia nesse sentido, quando viu o peão surgir a correr por entre os veículos que estavam à sua frente, quase tendo sido atropelado por eles quando retomaram a marcha por o semáforo ter entretanto mudado para verde, prosseguindo em passo de corrida, com auriculares colocados nos ouvidos – que foram encontrados no local, junto ao seu corpo – fazendo uma diagonal, e invadindo a faixa de rodagem na parte destinada aos veículos que pretendiam virar à direita, cujo semáforo estava verde, onde foi colhido pelo Civic.

Em face destes depoimentos, ficou o Tribunal convencido que a condutora do Civic não teve qualquer hipótese de evitar o acidente, não se tendo sequer apercebido da presença do peão. A ausência de rastos de travagem é de resto demonstrativa desse facto. E não foi produzida absolutamente nenhuma prova de que o facto de a condutora o não ter visto resulte de qualquer desatenção ou descuido na condução, antes resultando provado ter derivado do facto do peão ter surgido repentinamente, em passo de corrida, à frente do veículo que o atropelou, na faixa de rodagem, ainda para mais trajando roupa escura, como afirmaram unanimemente aquelas testemunhas, e foi confirmado pelo agente Bruno Pires que assim o encontrou no local, como fez aliás constar da participação do acidente.

As referidas testemunhas depuseram de forma serena e credível, demonstrando idoneidade e conhecimento dos factos em causa, de molde a permitir formar a convicção do Tribunal nos termos sobreditos, não sendo de atribuir qualquer relevância ao facto da testemunha André Carvalho ter em tempos prestado alguns serviços de peritagem para a ré e de não surgir identificado como testemunha na participação de acidente elaborada pela PSP, pois que também André Albuquerque afirmou que seguia na altura acompanhado da esposa, que a tudo assistiu, sem que o nome dela conste também da aludida participação. Ademais, conforme resulta de documento também junto com a petição, AC… foi indicado como testemunha pela condutora do Civic junto da PSP, no próprio dia do acidente, e foi ouvido nessa qualidade no processo de inquérito, como confirmou a testemunha MA…, agente da PSP que procedeu às investigações subsequentes, sem que alguma vez se tenha questionado a sua presença no momento e no local do acidente.

Relativamente à idade do sinistrado, lesões sofridas pelo mesmo e hora do falecimento, a convicção do Tribunal assentou no teor no relatório de autópsia médico-legal junto com a petição inicial.

A matéria relativa aos factos pessoais do falecido peão e dos autores foi dada como provada em face dos depoimentos de LZ…, AP… e BS…, amigos do falecido e da autora que, depondo também de forma idónea e credível, demonstraram conhecimento direto, designadamente, quanto ao relacionamento existente entre estes e entre eles e os filhos, ao estado de espírito do falecido, à atividade profissional desenvolvida pelo mesmo, rendimentos auferidos e destino dado ao dinheiro, ao facto da autora não ter rendimentos próprios, e ao desgosto sofrido pela mesma e pelos filhos. Atendeu-se ainda ao teor das certidões juntas com a petição inicial para prova da filiação e das datas de nascimento dos menores.

Quanto à existência do contrato de seguro, a convicção do Tribunal fundou-se no acordo das partes e na apólice junta com a contestação, atendendo-se ao teor da certidão junta no decurso da audiência final para prova na matéria relativa à existência e desfecho do processo crime.

Relativamente aos factos não provados, a convicção do Tribunal baseou-se para além do já referido, na prova do contrário ou na ausência de prova quanto às matérias em causa.

Não se deu como provada a matéria alegada no art. 15.º da petição inicial por ter resultado dos depoimentos de todas as testemunhas presentes no momento e local do acidente que o sinistrado ficou em muito mau estado, com perda imediata de massa encefálica, o que é confirmado pelo relatório de autópsia; assim, não tendo sido possível apurar se o mesmo se encontrava consciente, tudo indicando que não, em face das lesões sofridas, não foi possível dar como provada a matéria em causa, ainda que com base em presunções judiciais.

Quanto à matéria alegada no art. 14.º da contestação relativa à velocidade a que seguia o Civic, deu-se a mesma como não provada em face do depoimento da própria condutora, que afirmou circular a cerca de 40 ou 50 km/h.”

Passando à apreciação concreta da matéria de prova impugnada, do depoimento dos agentes da PSP que compareceram no local logo após o acidente e elaboraram o auto, BP… e MJ…, decorreu em concreto a confirmação do auto de participação (nomeadamente da tipologia do local onde ocorreu o acidente, das medidas tiradas, da posição do corpo e da posição do veículo atropelante), decorrendo destes testemunhos, em especial do depoimento da testemunha MA…, no que toca à condutora do BJ, que este, ouvidas as suas declarações, logo considerou “estranho embater em algo e não saber em que embateu”, ressalvando que “salvo se o peão tiver surgido repentinamente entre os veículos”, razão pela qual se fez constar do relatório final, junto este a fls. 45 em audiência de julgamento, que teria existido provavelmente falta de atenção da condutora, mais referindo em reforço da sua convicção que o condutor de um veículo que circulava atrás lhe referiu ter visto o peão a atravessar a via.

Do depoimento da testemunha MT…, condutora do veículo atropelante, decorreu no essencial que “não vi o peão, só senti o embate”, mais referindo que “não estava muito trânsito”, “não havia trânsito”, “estava mesmo pouco trânsito”, “não havia veículos na sua frente” e no que toca ao atropelamento “não sabe o ponto do embate”, “só senti o embate, nem percebi o que aconteceu, até achei que me tinha caído qualquer coisa em cima do carro”, “não abrandou porque estava sinal verde para os veículos”, “só depois do embate é que parei”, “não sabe se estavam veículos parados nas faixas que seguiam em frente, porque estava focada na sua via”, “só depois do embate é que travou porque não teve noção do que aconteceu” e, por último, que tem ideia que o embate ocorreu antes do “vértice” existente no local, o que aliás é compatível com a posição do veículo e com a posição do corpo após o referido embate.

Referiu ainda que existia um jovem (a testemunha AC…) que referiu estar parado no semáforo vermelho nas hemi-faixas que seguiam em frente e que viu o peão em passo de corrida, uma vez que abrira o sinal verde para os veículos que seguiam em frente, a atravessar as várias faixas da estrada.

Por sua vez, do depoimento da testemunha AG…, que seguia, segundo declarou, na via da direita (das duas vias que inclinam para a direita na direcção da Estrada …) uns metros atrás da condutora atropelante (espaço de um ou dois carros), decorreu que este não viu o peão antes do embate, só o viu “a voar pelos ares”.

Por último, a testemunha AM…, referenciada pela condutora do BJ, referiu que se encontrava parado no sinal vermelho, na via do meio das que seguiam em frente, teria 3, 4 carros à sua frente e que, nessa ocasião, avistou o peão que atravessava a via a correr, à frente dos carros que se encontravam parados, precisamente quando o sinal mudou de vermelho para os veículos, a verde, prosseguindo após em passo de corrida pelo lancil (triângulo) em diagonal, sendo embatido quando se encontrava a atravessar a via da esquerda das duas faixas que flectem para a direita, sendo arremessado pelo ar e caindo, após, no passeio.

Referiu ainda e com relevância, nunca ter deixado de avistar o peão e que o primeiro momento em que avistou o veículo atropelante, foi quando este passou ao seu lado, ocorrendo o embate uns metros (cerca de 5 mts) à sua frente.

Deste depoimento, embora pouco perceptível no que se refere ao concreto iter da travessia do peão (que na versão desta testemunha terá atravessado no semáforo existente nas três vias que seguem em frente e depois obliqua e é embatido antes do triângulo, que separa estas das duas que obliquam para a direita) decorreu pelo menos que tinha uma visão clara deste peão (o que aliás é compatível com este local em que a linha de visão é completamente desobstruída) mesmo com veículos à sua frente e continuou a avistar o peão até ao seu atropelamento, ocorrido nas vias da direita.

Face a estes depoimentos, conjugados com o croquis do acidente (e visionamento do local), verifica-se ser este local uma recta com cinco vias de trânsito (seguindo três em frente e duas flectindo à direita), com excelente visibilidade, mesmo atendendo a que seria já noite e que o peão trajava roupa escura, não sendo mencionados obstáculos que impedissem a visibilidade, nem condições de tempo adversas, nem falta de iluminação no local.

Tendo em conta que este peão se deslocava da esquerda para a direita, que atravessou três hemi-faixas de rodagem e que iniciou a travessia da quarta hemi-faixa de rodagem, esta com a largura de 3,5 mts, atravessando pela frente do veículo atropelante e sendo embatido pela sua lateral direita, a questão que se coloca e que se colocou na ocasião ao juiz recorrido e para o qual não obteve este resposta, é como é que a condutora do BJ não o viu, nem antes (quando o peão se aproxima em corrida após atravessar três hemi-faixas), nem durante (a travessia pela frente do seu veículo), nem depois (quando embate), indo ao ponto de a sua primeira percepção ter sido a de que lhe teria “caído uma coisa em cima do carro”.

Se tivermos em consideração que este veículo, Honda Civic de 2006 (cfr. auto de notícia), de acordo com as suas especificações técnicas, tem de largura cerca de 176,5 mts, que a hemi-faixa por onde circulava tinha 3,5 mts, que circularia centrada com a sua via, local onde aliás se deteve, temos que este peão teria percorrido mais de 2 mts da hemi-faixa, pela frente do veículo atropelante, antes do embate, sem nunca ter sido avistado e sem que o facto de usar roupa escura (que permitiu o seu avistamento pela testemunha AC… a 3, 4 carros de distância) o justifique.

Por outro lado, tem de se ter ainda em atenção que um veículo a cerca de 50 km/h (velocidade máxima permitida para o local), percorre cerca de 17 mts em 1,2 segundos, sendo o alcance dos faróis deste veiculo superior a esta distância (cerca de 30 mts).

Ainda que em passo de corrida, o peão teve de percorrer mais de 2 mts da via onde foi atropelado, o que não conseguiria em menos de 1,2 segundos (sendo certo que se tratava de indivíduo obeso, conforme resulta do facto de medindo apenas 168 cm, pesar 106Kg, com panículo adiposo de 7 cms de espessura no abdómem, cfr. relatório de autópsia).

Assim, esta total falta de percepção da presença do peão, pela condutora do BJ, antes, durante e após o embate é inexplicável e incompatível com uma condução atenta.

O facto de nunca ter visto este peão que se atravessa pela sua frente e percorre quase toda a distância do veículo, o facto de a condutora atropelante parecer desconhecer todos os factos relativos ao atropelamento, torna impossível a conclusão a que chega o juiz recorrido no sentido de que “não foi produzida absolutamente nenhuma prova de que o facto de a condutora o não ter visto resulte de qualquer desatenção ou descuido na condução”. Não se vislumbra outra explicação, à excepção de uma total desatenção desta condutora, quer da efectiva condução, quer do meio envolvente, nem nenhuma outra foi apresentada.

Assim, ao contrário do que conclui o tribunal recorrido, a ausência de travagem ou de qualquer manobra de recurso da condutora, nenhuma relação tem com o facto de o peão surgir repentinamente a correr na via, mas antes com o facto de, nas palavras da própria condutora, nunca o ter visto, quer quando surge do seu lado esquerdo, quer quando atravessa pela frente do veículo, quer quando nele embate, sendo totalmente incapaz de relatar de onde surge este peão, se vinha a correr, ou não e onde ocorreu o próprio embate.

Por outro lado, também não decorre de nenhum elemento de prova que este peão tenha surgido repentinamente na via, tendo em conta que o peão atravessara já três das hemi-faixas de rodagem, percorrera parte da 4ª hemi-faixa de rodagem, sendo avistado pelo condutor de outro veículo (testemunha AC…) a 3 ou 4 veículos de distância, pelo que a conclusão retirada pelo tribunal de que este surgiu repentinamente, não se pode manter, por contrária a todos os meios de prova e às normais regras de lógica.

Esta total falta de atenção da condutora do BJ, não é no entanto e em si matéria fáctica, mas antes conclusão a retirar dos factos relativos ao acidente (atropelamento), pelo que não deve constar nem dos factos provados, nem dos não provados (cfr. artº 604 nº4 do C.P.C.).

Impõe-se pois a alteração da matéria de facto constante do ponto 9 e na sua decorrência também do ponto 10 e 11, passando estes a ter a seguinte redacção, porque mais conforme com os elementos de prova referidos:

“9-Nessa ocasião, o peão JM… encontrava-se a atravessar a Avª …, da esquerda para a direita, atento o sentido de trânsito do BJ, tendo atravessado as três vias que nesse local seguiam em frente, em passo de corrida, iniciando após a travessia da 4ª via, por onde circulava o BJ, atravessando pela frente deste.

10-Quando o peão tinha percorrido mais de 2 mts desta via, foi embatido pela parte frontal direita do …-…-…, em local situado a mais de 9.8 mts da passadeira destinada à travessia de peões (na direcção da Estrada …) e antes do vértice que separa as três vias que seguem em frente, das duas vias que seguem à direita.

Adita-se ainda um ponto com o nº 10-A com a seguinte redacção:

10-A Na sequência do embate o peão foi projectado pelo ar, acabando por se imobilizar no solo junto ao passeio do lado direito, a 9,80 metros da passadeira destinada à travessia de peões.”

Mais se altera a redacção do ponto 11, para o seguinte:

11- A condutora do …-…-… nunca se apercebeu da presença na via de JM… antes do embate, nem se apercebeu de que nele tinha embatido, pelo que não travou nem efetuou qualquer manobra de recurso com vista a evitar o acidente;

Elimina-se do elenco dos factos não provados a alínea a).

É pois a seguinte a matéria de facto a considerar:

“1- No dia 13.03.2014, pelas 21:17 horas, MT… conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Honda, modelo Civic, com a matrícula …-…-…, no sentido Sul/Norte da Avenida …, na Venteira, Amadora;

2- A Avenida …, no sentido de trânsito em que o …-…-… seguia, dispõe de três vias de trânsito, que se transformam em cinco na confluência dessa Avenida com a Estrada …, sendo três para quem pretende seguir em frente ou para a esquerda, para entrar no centro da Amadora ou para seguir na direção de Queluz, e duas para quem pretende mudar de direção à direita;

3- A faixa de rodagem no local tem uma largura de 7,30 metros e o trânsito é regulado através de sinalização semafórica;

4- Junto aos semáforos existe uma passadeira destinada à travessia de peões assinalada no solo;

5- O …-…-… circulava pela segunda via de trânsito a contar da direita, sendo intenção da sua condutora mudar de direção à direita, na confluência da Avenida … com a Estrada …;

6- Na via de trânsito da direita não circulava qualquer veículo;

7- A sinalização semafórica encontrava-se na posição de verde para o tráfego automóvel que pretendia seguir nessa direção;

8- E vermelha para os peões;

9- Nessa ocasião, o peão JM… encontrava-se a atravessar a Avª …, da esquerda para a direita, atento o sentido de trânsito do BJ, tendo atravessado as três vias que nesse local seguiam em frente, em passo de corrida, iniciando após a travessia da 4ª via, por onde circulava o BJ, atravessando pela frente deste.

10-Quando o peão tinha percorrido mais de 2 mts desta via, foi embatido pela parte frontal direita do …-…-…, em local situado a mais de 9.8 mts da passadeira destinada à travessia de peões (na direcção da Estrada …) e antes do vértice que separa as três vias que seguem em frente, das duas vias que seguem à direita.

10-A - Na sequência do embate o peão foi projectado pelo ar, acabando por se imobilizar no solo junto ao passeio do lado direito, a 9,80 metros da passadeira destinada à travessia de peões.

11- A condutora do …-…-… nunca se apercebeu da presença na via de JM… antes do embate, nem se apercebeu de que nele tinha embatido, pelo que não travou nem efetuou qualquer manobra de recurso com vista a evitar o acidente;

12- Nas circunstâncias de tempo e de lugar supra referidas, JM… trajava roupas escuras e trazia auriculares colocados nos ouvidos;

13- O tempo estava bom e o piso em boas condições;

14- Em resultado do embate, JM… sofreu as lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, faciais e torácicas, descritas no relatório de autópsia (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

15- Foi assistido no local pelo INEM e transportado, de ambulância, para o Hospital de Santa Maria, onde foi declarado o óbito pelas 2:00 horas do dia seguinte;

16- JM… nasceu no dia 02.08.1983;

17- Vivia há 12 anos com a autora AE… em união de facto, em condições análogas às dos cônjuges;

18- Dessa união nasceram os autores FJ… e RV…, respetivamente em 12.01.2006 e em 30.12.2011, que viviam com os seus pais;

19- JM… e a autora AE… eram muito unidos e amigos, e tudo faziam para proporcionar bem estar aos filhos;

20- A autora AE… não trabalhava nem auferia quaisquer rendimentos, vivendo a expensas do companheiro;

21- À data do acidente, FJ… frequentava o 1.º ano de escolaridade;

22- RV… estava em casa com a sua mãe;

23- JM… era muito dedicado à família, existindo grande amizade, alegria, amor e carinho recíprocos entre todos os elementos do agregado familiar;

24- Era saudável, alegre, bem-disposto e amigo do seu amigo;

25- Trabalhava ao dia como servente da construção civil, sem trabalho certo, auferindo, em média, entre €500,00 a €600,00 mensais nessa atividade;

26- Era pessoa poupada, entregando a maior parte do que ganhava à autora AE… para esta fazer às despesas familiares;

27- Os autores sofreram um enorme desgosto ao saberem da morte de JM…;

28- A autora perdeu a vontade de viver, não tendo tido até hoje qualquer outro relacionamento amoroso;

29- Ainda não conseguiu fazer o luto, continuando a guardar os pertences pessoais do falecido JM…;

30- A responsabilidade civil emergente de acidentes de viação causados pelo …-…-… encontrava-se transferida para a ré … Seguros, S.A., através da apólice com o n.º …/…;

31- O acidente dos autos deu origem a um processo de inquérito crime que correu termos sob o n.º …/…, no Ministério Público junto da Comarca de Lisboa Oeste, Amadora, DIAP, ….ª Secção, e que terminou com despacho de arquivamento.

*

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Funda a recorrente, nas suas conclusões, a sua discordância relativamente à decisão objecto de recurso, essencialmente no seguinte argumento:

- existe concorrência de culpas porque a condutora do BJ seguia totalmente desatenta e pela via mais à esquerda, quando deveria seguir pela da direita;

Em conformidade, peticiona que seja alterada a decisão que absolveu do pedido a seguradora, por culpa do peão no atropelamento e seja considerada a concorrência de culpas entre seguradora e peão, sendo fixada nessa proporção uma indemnização aos AA.

Decidindo

b) Da ocorrência de culpa na produção do atropelamento descrito nos autos.

Dispõe o n.º 1 do art. 483º do Cód. Civil que “Aquele que, com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

Assim, são pressupostos cumulativos da responsabilidade civil por actos ilícitos, enquanto fonte geradora da obrigação de indemnizar, nos termos da citada disposição legal: o facto; a ilicitude desse mesmo facto (ilicitude que pode revestir duas modalidades, traduzindo-se na violação do direito de outrem ou na violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios); o nexo de imputação do facto ao lesante; o dano e finalmente, o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

O facto ilícito revela-se no acidente enquanto ocorrência resultante da acção humana voluntária lesiva de um bem jurídico, tendo aí em atenção bens jurídicos pessoais e patrimoniais, enquanto o nexo de imputação subjectiva prende-se com a ligação psicológica do agente com a produção do evento (acidente) e ao respectivo grau de censurabilidade que a conduta merece.
Por seu turno, o dano traduz o desvalor infligido por acção do facto ilícito nos bens jurídicos alheios atingidos manifestando-se o nexo de causalidade no juízo de imputação objectiva do dano ao facto de que emerge.
A ilicitude decorre do carácter antijurídico do resultado do acidente, traduzido na lesão de bens jurídicos, in casu, na violação da integridade física e património da A.
Nos termos do art. 487º, n.º 1 do Cód. Civil é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão e, nos termos do n.º 2 do mencionado preceito, ela é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso.
Por força do contrato de seguro celebrado com a R. está esta obrigada ao pagamento dos danos causados pelo veículo objecto do seguro, até ao montante do capital seguro, se for provada a ocorrência de culpa (efectiva ou presumida) a seu cargo ou se tal lhe for imputável pelo risco decorrente da circulação da viatura.

Posto isto, conforme se refere em Ac. do S-T.J. de 09/04/14 [4] “O sistema português continua, malgrado as alterações que vêm sendo introduzidas na legislação sobre o direito segurador, mormente pelo direito comunitário, a manter o paradigma assente no primado da responsabilidade findada na culpa do agente – cfr. artigo 483.º do Código Civil – admitindo, no entanto, a responsabilização do detentor/beneficiário de um veículo de circulação pelos riscos inerentes à circulação do veículo – cfr. artigo 503.º do Código Civil.”

No entanto, se da dinâmica do acidente se apurar a culpa exclusiva do lesado o artigo 505.º do Código Civil exclui ou bane de forma taxativa a possibilidade de concorrência entre risco e facto do lesado. [5]
A 1ª instância conclui pela culpa exclusiva do lesado, solução que, tendo em conta os factos assentes, ainda que sem alteração dos mesmos efectuada nesta relação, se não poderia manter.
Com efeito, é certo que de acordo com o disposto no art. 101 do C. da Estrada, os peões não podem atravessar a faixa de rodagem sem previamente se certificarem de que o podem fazer sem perigo de acidente, tendo em conta a distância que os separa dos veículos que nela transitam e a respectiva velocidade.
Existindo passagens especialmente sinalizadas para esse efeito, só podem atravessar a faixa de rodagem nesse local (vulgo passadeira de peões) e devem respeitar a sinalização semafórica, se existente no local.
Ou seja, existindo passadeira e sinalização semafórica deve o peão nela atravessar, com o sinal verde para si e vermelho para os veículos que circulem na via.
Ora, dos factos que se deram como apurados, resulta que este peão iniciou a travessia de uma via com 5 hemi-faixas de rodagem, com o sinal vermelho para os peões e verde para os veículos, pelo menos em parte da travessia, em passo de corrida e fora do local adequado para o efeito, a passadeira de peões aí existente e sem atender aos veículos que nela circulavam (quer por distracção, quer devido a conduta temerária), pelo que incorreu efectivamente em violação dos deveres que estão cometidos aos peões no atravessamento de vias estradais.
Em decorrência deste facto, existe manifestamente culpa do peão na produção do acidente, sendo-lhe exigível que adoptasse outra conduta, quer não iniciando a travessia da referida avenida, sem que o sinal semafórico estivesse verde para os peões e no local próprio (passadeira), quer detendo a sua marcha, para deixar passar o BJ.
Existindo culpa do peão, a questão que se coloca e à qual o tribunal recorrido respondeu negativamente, é se esta culpa foi exclusiva na produção do acidente, ou se existiu culpa concorrencial do condutor do veículo atropelante que, por sua vez, nunca viu este peão, apesar das condições de boa visibilidade do local, não deteve a marcha no espaço livre e visível à sua frente, nem adoptou qualquer manobra, fosse de travagem, fosse de mudança de direcção, com vista a evitar o embate no peão.

A este respeito rege o art. 24.º n.º 1 do Código da Estrada, o qual impõe aos condutores o dever de regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.

Por outro lado, decorre do disposto no artº 103 do mesmo diploma que “ao aproximar-se de uma passagem de peões ou velocípedes assinalada, em que a circulação de veículos está regulada por sinalização luminosa, o condutor, mesmo que a sinalização lhe permita avançar, deve deixar passar os peões ou os velocípedes que já tenham iniciado a travessia da faixa de rodagem” e deve moderar especialmente a sua velocidade e permitir a passagem de peões que se encontrem já a atravessar a via, e deve fazê-lo, ainda que estes se encontrem fora da passadeira sinalizada no local.

Com efeito, assim como o peão não poderia deixar de avistar o BJ, assim a condutora do BJ não poderia ter deixado de avistar o peão, tendo em conta que não existiam, nem foram mencionados que existissem, obstáculos na via que impedissem ou dificultassem a visibilidade.

Trata-se por outro lado, de local, com 5 hemi-faixas de rodagem, três em frente e duas que obliquam para a direita, em sentido descendente, com boa visibilidade, não se tendo provado que o peão tenha surgido de entre veículos e que não fosse passível de ser avistado pela condutora do BJ.

Se acrescermos que a velocidade máxima no local é de 50Km/hora e que o peão, antes de ser embatido, percorreu três das vias e parte da 4ª via, por onde circulava o BJ, sendo embatido pelo lado direito deste veículo, teremos que o peão percorreu mais de 9 mts desta Avª (tendo em conta a largura das hemi-faixas), mais de 2 mts da hemi-faixa por onde circulava o BJ, sem que se vislumbre qualquer explicação para não ter sido avistado em momento algum pela condutora do BJ.

Tendo em conta a velocidade máxima a que o veículo poderia seguir, a condutora do BJ teria de ter avistado o peão, senão a travessar as referidas três hemi-faixas, pelo menos a iniciar a travessia da 4ª hemi-faixa e forçosamente teria de o ter avistado a mais de 17 mts de distância.

Assim sendo, não constituindo a circulação pela via de trânsito da esquerda das duas que obliquavam para a direita, qualquer contravenção ao disposto no artº 13 do C.E, tendo em conta que a condutora poderia sempre circular na via mais adequada ao seu destino, nos termos do artº 14 nº2 do C.E., o certo é que não circulando mais nenhum veículo na via à sua direita, nem se provando que circulassem veículos em qualquer das vias laterais desta condutora, sempre se impunha à condutora, pelo menos, a travagem da sua viatura e a mudança de direcção, de molde a evitar o embate, ou a minorar as consequências deste, o que não fez, concluindo-se pois pela sua total desatenção e pela relação causal entre esta desatenção e o referido embate.

Com efeito, se é certo que que quem circula numa via não tem que contar com imprevistos que lhe surjam, decorrentes de atitudes imponderadas dos demais utentes, também é igualmente certo que o condutor deve conduzir com atenção ao trânsito na via, adoptando uma condução prudente, não lhe sendo legítimo alhear-se de tal modo da condução que, surgindo um peão na via, nele embata sem sequer se aperceber da presença do peão e do embate. 

Assim, dispõe o artº 570 do C.C. que, quando um facto culposo do lesado tiver contribuído para a produção ou agravamento dos danos, ao tribunal caberá apreciar, com base na gravidade da culpa de ambas as partes e nas consequências resultantes, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

Demonstrada a violação pelo condutor das regras estradais previstas nas citadas normas dos arts. 24.º n.º 1, 25.º n.º 1 als. c) e e) e 103 n º 1 do Código da Estrada, mesmo apurando-se a presença do peão na faixa de rodagem fora da passadeira de peões e com sinalização semafórica na posição de verde para os veículos e vermelha para os peões, ponderando os factos relatados, bem como a maior capacidade do veículo na produção dos danos, procede-se à repartição das responsabilidades na proporção de 50% para o veículo e 50% para o peão (tendo em conta as conclusões recursórias e a impossibilidade de exceder o objecto de recurso).

c) Da fixação dos danos não patrimoniais e patrimoniais, sofridos na sequência da morte do peão atropelado
O mesmo facto ilícito pode provocar danos patrimoniais e não patrimoniais, distinguíveis consoante sejam ou não susceptíveis de avaliação pecuniária. Os primeiros, porque incidentes sobre interesses de natureza material ou económica, reflectem-se no património do lesado, ao contrário dos últimos, que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral, e que apenas “podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” (Antunes Varela, Das Obrigações Em Geral, 5ª Edição, Vol. I, pág. 561).

Por outro lado, nos termos do disposto no artº 562 do C.C., quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, devendo essa indemnização ser fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não for possível (artº 566 do C.P.C.), o que é o caso em apreço.

Assim, a atribuição de uma indemnização pressupõe a demonstração da verificação de danos na esfera jurídica do autor, bem como da existência de um nexo de causalidade que os ligue ao acidente, como decorre do disposto nos arts. 562º e 563º do Cód. Civil.

De acordo com o primeiro dos artigos mencionados, que consagrou a chamada teoria da diferença, o princípio geral é o de que a indemnização deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento danoso, ou seja, a medida da indemnização corresponde à medida do dano sofrido.

De acordo com o disposto no art. 564º do Cód. Civil, o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão e, na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.

Refere-se o n.º 1 ao que correntemente é designado por danos emergentes e lucros cessantes. Os primeiros correspondem aos prejuízos sofridos, ou seja, à diminuição do património (já existente) do lesado; os segundos, aos ganhos, ou á possibilidade de angariar esse ganhos em consequência da lesão, afectando o seu património. Os danos futuros, a que se refere o n.º 2, tanto podem representar danos emergentes como lucros cessantes (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ediç., Coimbra Editora, pág.s 579 e 580).

Assim sendo, dentro dos danos patrimoniais, podemos encontrar as seguintes espécies:

 -danos emergentes, que incluem os prejuízos directos e as despesas imediatas;

-ganhos cessantes que correspondem à perda da possibilidade de ganhos concretos do lesado;

-lucros cessantes que correspondem à perda de ganhos futuros, que o lesado não consegue obter em virtude do acto ilícito;

-danos futuros que compreendem os prejuízos que resultaram para o lesado, em consequência do acto ilícito e ainda os que poderiam resultar de uma hipotética manutenção de uma situação produtora de ganhos durante um certo período de tempo, incluindo ainda despesas que só se concretizarão em tempo incerto.

Por outro lado, tanto são computáveis os danos susceptíveis de expressão pecuniária - danos patrimoniais, como aqueles que, não o sendo, por traduzirem a violação de bens jurídicos eminentemente pessoais (como a vida, a integridade física, a liberdade, a honra) mereçam, pela sua gravidade, a tutela do Direito - os danos pessoais, que englobam os danos corporais, e os danos morais.

Passemos assim à apreciação da primeira questão comum ao recurso principal e subordinado:

-da fixação dos danos patrimoniais

Peticiona a recorrente a quantia de 84.937,50€, a título de danos patrimoniais, tendo em conta que a vítima auferia cerca de € 500 a € 600 mensais e que tinha à data do óbito 30 anos de idade.

No cômputo desta indemnização, a jurisprudência preconiza a ponderação de critérios como a idade do lesado, o seu tempo provável de vida, a actividade profissional desenvolvida, o tempo provável em que a mesma ainda se desenrolaria bem como eventual expectativa de aumento de rendimento, a previsível evolução da vida económica, bem como outros factores relacionados com a circunstância de a indemnização arbitrada consistir na imediata entrega de capital (com rendimentos que de imediato serão usufruíveis), a taxa de inflacção, etc.

Na nossa jurisprudência, como critério para a fixação da indemnização decorrente de desvalorização, e face à ausência de uma fórmula legal, tem-se vindo a fazer apelo a fórmulas e cálculos matemáticos, com base no salário auferido, no tempo provável de vida activa, na taxa de inflação e nos ganhos anuais de produtividade. Pretende-se com estas fórmulas retirar um pouco do carácter aleatório que têm presidido a estas indemnizações, fazendo-se uso de equações matemáticas, nomeadamente a descrita no Ac. do S.T.J. de 06/07/00, in C.J.S.T.J., Tomo I, págs.144 e num Estudo de Sousa Dinis publicado na C.J.STJ de 2001, Tomo I, pág.5.

Tendo em conta a idade do falecido (30 anos) e a sua esperança de vida activa (sendo a idade de reforma de 66 anos-Portaria 277/2014), bem como o valor de rendimentos percebidos, obteríamos um valor indemnizatório de (fazendo uma média de €550x14=€7.700 x 36) €277.200,00.

Tendo em conta que a A. e seus filhos irão receber este capital de uma só vez, mostra-se adequada a fixação de indemnização na totalidade do montante peticionado (que aliás peca por defeito).

Procede assim nesta parte o recurso dos AA.

Dos danos não patrimoniais:

A título de danos não patrimoniais peticionam os recorrentes a fixação de um valor no montante de € 15.000,00 a título de danos morais sofridos pela vítima, € 80.000,00 pela perda do direito à vida, a atribuir a todos em partes iguais e de danos morais sofridos pela companheira e filhos da vítima, o montante de € 30.000,00 a cada um.

Ora, consideram-se ressarcíveis os seguintes danos não patrimoniais. São eles:

(a) o dano pela perda do direito à vida;

(b) o dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte;

(c) o dano sofrido pela vítima antes de morrer, variando este em função de factores de diversa ordem, como sejam o tempo decorrido entre o acidente e a morte, se a vítima estava consciente ou em coma, se teve dores ou não e qual a sua intensidade, se teve ou não consciência de que ia morrer, etc.

Por sua vez a indemnização a fixar, embora com recurso a critérios de equidade, deve ter por base factores, tais como: a culpa do agente, as condições económicas de ofendido e do ofensor e as demais circunstâncias do caso concreto, etc. (artºs 496, 494 e 566 do C.C.)

Não se encontrando na lei positiva parâmetros objectivos para a quantificação destes danos morais, o legislador remeteu para os tribunais essa tarefa, com recurso às regras da equidade (cfr. o nº 3 do cit. art. 496º).

Passemos então à apreciação do primeiro pedido formulado a título de danos não patrimoniais.

Danos não patrimoniais sofridos pela A. e seus filhos

Dos factos assentes resultou que a A. e seus filhos sofreram profundo abalo com a morte súbita do companheiro e pai, que era ainda o seu único sustento e que a A. ainda não ultrapassou o desgosto deste falecimento, sendo até então uma família feliz.

Daqui decorre que quer a companheira quer os filhos do falecido, sofreram sem dúvida profundo abalo psíquico com a morte e com as circunstâncias em que o falecimento ocorreu, tendo em conta ainda que a A. se viu sem o seu companheiro ainda muito jovem, com dois filhos pequenos, tendo de suportar a dor da perda e o pesado encargo de educar e sustentar sozinha dois menores, que até então eram sustentados pelo falecido.

Por sua vez, os menores viram-se privados em tenra idade de um dos progenitores, tendo de crescer e viver sem um dos seus progenitores e sem o benefício da imagem paterna, com a agravante de a outra progenitora se encontrar fragilizada pelo mesmo facto danoso.

É certo que neste tipo de danos o princípio da reconstituição natural não é possível, a satisfação ou compensação destes danos não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão, antes visa proporcionar ao lesado, uma satisfação monetária que, de algum modo, neutralize a intensidade da dor pessoal sofrida.

Assim sendo, tendo em conta os danos sofridos e a sua gravidade, entende-se por adequado, fixar a cada um dos AA. a quantia de € 30.000,00, conforme peticionado.

Danos morais sofridos pelo falecido

Tratam-se estes de danos reportados ao próprio falecido.

Com efeito, é pacífico que «o sofrimento que, por regra, antecede a morte de vítima de acidente de viação decorrente de acto ilícito de terceiro gera direito a uma indemnização que se radica na própria vítima e que, com o seu decesso, se transfere aos parentes mais próximos» (Ac. da Rel. do Porto de 3/5/1999, sumariado in BMJ nº 487, p. 368).

Assim, o sofrimento sofrido pela vítima nos momentos que antecedem a sua morte, decorrente de acto ilícito de terceiro, gera o direito a uma indemnização à própria vítima que, pelo seu falecimento, se transmite aos seus sucessores.

No caso em apreço, o falecido era uma pessoa jovem com dois filhos pequenos.

Na sequência do atropelamento, foi projectado pelos ares, caindo após no passeio, vindo a falecer no hospital cerca de 5 horas após o embate.

É certo que o tribunal recorrido deu como não provado quer este sofreu dores terríveis antes da sua morte e que se tenha apercebido que iria morrer.

Não resultando provado este facto (que tenha sofrido dores terríveis e que se tenha apercebido que iria falecer), apercebeu-se sem dúvida da iminência do atropelamento e do próprio embate em si, vindo a morrer horas depois, após sofrer lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, faciais e torácicas.

Constituem tais factos uma ofensa grave aos seus direitos de personalidade, ao seu direito à integridade física e à vida, não sendo a sua morte imediata, indemnizáveis.

Assim sendo, considera-se adequado, tendo em conta estes factos, fixar pelos danos morais sofridos pelo falecido a quantia de € 15.000,00, a atribuir aos AA.

Do dano morte

O falecido à data da sua morte tinha apenas 30 anos.

Era pessoa saudável, alegre, bem-disposto e amigo do seu amigo e tinha toda uma vida na companhia da sua família pela frente.

Não viu crescer os filhos, viu-se privado ainda jovem, da vida e das suas legítimas expectativas.

Ora, sendo certo que é difícil quantificar o valor de uma vida humana, e que aqui o princípio da reconstituição natural é impossível de aplicar, temos que nos socorrer destes critérios e da mais recente orientação jurisprudencial firmada na matéria.

Como se refere no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Torres Vouga, proferido em 24/04/07, no Proc. Nº 10328/2006-1, disponível para consulta in www.dgsi.pt “desde que considerado esse valor em decisão do Provedor de Justiça de 19/3/2001, publicada no Diário da República, II Série, nº 96, de 24/4/2001 (Parte VIII, nº 56.), firmou-se no Supremo Tribunal de Justiça o montante de 10.000.000$00 como o adequado para ressarcir/compensar o dano/morte. Ora – como se sabe -, nas "demais circunstâncias do caso", a que a lei (o arte. 494º do Código Civil, aplicável por remissão do arte. 496º, nº 3, do mesmo diploma) manda atender para fixação da indemnização por danos morais, incluem-se os padrões normalmente utilizados pelos tribunais em casos análogos e tudo o mais que acompanhe o caso concreto.”

Mais recentemente o valor fixável pelo dano morte varia entre os € 60.000,00 e os € 80.000,00 e até montantes superiores, tendo em conta as circunstâncias concretas de cada caso[6].

Assim sendo, o pedido formulado no que toca ao dano morte, deve acompanhar o valor aceite pela generalidade da jurisprudência e da doutrina para ressarcimento deste dano que, tendo em conta a idade do falecido, o facto de deixar companheira e filhos muito jovens, se fixa em € 80.000,00, valor que se considera adequado, face às circunstâncias do caso, para o ressarcimento na medida do possível do dano morte, a atribuir a todos os AA. em partes iguais.

A todas estas quantias, terá de se atender à quota de responsabilidade fixada ao condutor do BJ, ou seja 50%.

Concede-se assim total provimento ao recurso interposto pelos AA.

*

DECISÃO
Pelo exposto, julgam os juízes desta relação em julgar procedente o recurso interposto pelos AA. e nessa decorrência acordam na alteração da matéria de facto e em condenar a R.  no pagamento aos AA.:
a) da quantia de €42.468,75, a título de danos patrimoniais;
b) da quantia de €40,000,00 a título de ressarcimento pela perda do direito à vida;
c) da quantia de € 7.500,00 a título de danos morais sofridos pelo falecido;
d) da quantia de € 15.000,00 a cada um dos AA. a título de danos morais por estes sofridos;
e) dos juros de mora sobre esta quantias, à taxa legal, desde a data da sentença prolatada em 1ª instância.

*
As custas da acção fixam-se pelos apelantes e apelada, na proporção do respectivo decaimento, sendo o decaimento no recurso fixado pela apelada.

Lisboa 13/09/18

Cristina Neves

Manuel Rodrigues

Ana Paula A.A. Carvalho


[1] Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ana Luísa Geraldes; Ac. STJ de 14.01.2016, proc. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ de 11.02.2016, proc. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, proc. nº 299/05, Tomé Gomes; Ac. STJ de 22.09.2015, proc. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção, Pinto de Almeida; Ac. STJ, datado de 29/09/2015,proc. nº 233/09, Lopes do Rego; Acórdão de 31.5.2016, Garcia Calejo, proc. nº 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, Ana Luísa Geraldes, proc. nº 449/410; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.1.2015, Clara Sottomayor, proc. nº 1060/07.
[2] Ac. STJ. de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, proc. nº 861/13.3TTVIS.C1.S
[3] Cfr. o Acórdão da Relação de Guimarães de 04.02.2016, no Proc. 283/08.8TBCHV-A.G1, disponível em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: «Para que a decisão da 1.ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada na resposta que se deu à factualidade controvertida, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.»
De igual modo, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016, no Proc.1572/12.2TBABT.E1.S1, disponível na mesma base de dados, decidindo que «O Tribunal da Relação deve exercer um verdadeiro e efectivo 2.º grau de jurisdição da matéria de facto e não um simples controlo sobre a forma como a 1.ª instância respondeu à matéria factual, limitando-se a intervir nos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, pois que só assim se assegurará o duplo grau de jurisdição, em matéria de facto, que a reforma processual de 1995 (DL n.º 329-A/95, de 12-12) visou assegurar e que o actual Código confirmou e reforçou.»
[4] Ac. do S.T.J. de 09/04/14, relator Gabriel Catarino, proferido no Proc. nº 121/10.1TBPTL.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt; vidé ainda Ac. do STJ de 01/06/17, relator Lopes do Rego, Proc. nº 1112/15.1T8VCT.G1.S1, igualmente disponível in www.dgsi.pt
[5] Vidé  a este respeito Calvão e Silva, Acidentes de Viação: concorrência do risco com a culpa do lesado (art. 505.º); limites máximos da responsabilidade objectiva (art. 508.º) e montantes mínimos obrigatórios do seguro; indemnização e juros de mora (arts. 566.º, n.º 2 e 805.º, n.º 3)” in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 134.º, p. 115.
[6] (Cfr, entre outros, os acs do S.T.J. de 31/01/12, 10/05/12  (proc. 451/06.7GTBRG.G1.S2), 12/09/13 (proc.1/12.6TBTMR.C1.S1), 24/09/13 (proc. 294/07.0TBETZ.E2.S1), 19/02/14 (proc. 1229/10.9TAPDL.L1.S1), de 09/09/14 (proc.121/10.1TBPTL.G1.S1), 11/02/15 (proc. 6301/13.0TBMTS.S1), 12/03/15 (proc. 185/13.6GCALQ.L1.S1), de 12/03/15 (proc. 1369/13.2JAPRT.P1S1), de 30/04/15 (proc.1380/13.3T2AVR.C1.S1), de 18/06/01, (proc. 2567/09.9TBABF.E1.S1), de 15/09/16,(proc. nº 492/10.0TBBAO.P1.S1), todos disponíveis in www.dgsi.pt).