Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19705/16.8T8SNT-C.L1-8
Relator: CARLA MARIA OLIVEIRA
Descritores: EXECUÇÃO
PENHORA
PENHORA DE CRÉDITOS
DEPÓSITOS BANCÁRIOS
RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I–Para a formação do título executivo a que alude o nº 3, do art.º 773º, do NCPC é absolutamente essencial o envio ao terceiro devedor da notificação a que alude o art.º 773º, nº 1, do NCPC.

II–Porém, actualmente, a penhora de saldos bancários não equivale a uma penhora de direito de crédito, nem obedece ao regime legal desta.

III–Não é aplicável à penhora de saldos bancários o preceituado no art.º 773º, nºs 3 e 4, do NCPC.

IV–O direito a uma tutela jurisdicional efectiva, na dimensão de que a cada direito deve corresponder um meio adequado para o tornar efectivo em caso de violação, não significa o não respeito por imposições e condições processuais de exercício, nem direito a obter decisão positiva e favorável sobre as pretensões manifestadas.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA



I.–Relatório


J… veio intentar execução de sentença contra A… (na qualidade de herdeira habilitada de M…), a qual corre termos sob o nº 19705/16.8T8SNT, sendo as funções de agente de execução exercidas por oficial de justiça.
Para o que ora releva, em 2.08.2021, o exequente, ora recorrente, veio requerer a penhora dos “valores que se encontram depositados na conta bancária”, titulada no momento da morte de M… na C…, no B... e no BP…, mais pedindo que a identificação das contas bancárias fosse confirmada junto do Banco de Portugal.
Em 5.10.2021, foi proferido despacho a ordenar o seguinte:
“Solicite à C…, B… e BP…, bem como ao Banco de Portugal, informação no sentido de saber da existência de contas tituladas pela falecida M… e dos respectivos saldos à data do falecimento.”.
Em 5.11.2021, o Banco de Portugal, em resposta, informou que, após consulta da Base de Dados, relativa às contas de depósito, de pagamento, de crédito, de instrumentos financeiros e de cofre, identificou titulados pela falecida, as seguintes identidades bancárias: BB …, C… e F…, SFC, SA, acrescentando que as restantes informações deveriam ser solicitadas directamente às instituições de crédito.
Em 28.11.2021, o exequente apresentou novo requerimento, desta feita a solicitar, para além do mais, que a instituição F…, SFC, SA fosse notificada para informar a existência de contas bancárias em nome de M…, NIF …, à data do seu óbito (24/09/2010), o que reiterou em 09.03.2022 e 2.05.2022.
Por despacho de 05.05.2022 foi ordenado o seguinte: “Solicite informação ao BB…, C…, S.A. e F…, S.F.C., S.A. nos termos requeridos pelo exequente.”.
O que foi de imediato foi dado cumprimento pela secretaria (cfr. refª 137334546).
Não tendo existido qualquer resposta da dita F…, SFC, SA, por requerimento de 25.06.2022, o exequente veio requerer que a mesma fosse notificada com as cominações previstas no art.º 773º, do NCPC.
A secretaria dirigiu nova notificação à instituição financeira em causa, datada de 27.06.2022, sem qualquer cominação em caso de não resposta no prazo de 10 dias.
Através de requerimento datado de 01.07.2022 o exequente veio insistir pela realização da notificação com as ditas cominações.
Em 21.07.2022, veio a entidade financeira prestar as devidas informações requeridas, dizendo que a falecida não dispunha de qualquer conta bancária de depósito naquela instituição de crédito, sendo apenas titular de um cartão de crédito.
Em 13.12.2022, o exequente veio pedir a condenação da referida entidade em multa e que a acção executiva corresse contra a mesma em virtude da falta de informação entre 5.05.2022 e 21.07.2022, por força do art.º 777º, nº 3, do NCPC.
Na sequência, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
“Requerimentos de 25.06.2022, 01.07.2022, 22.07.2022 e 13.12.2022:
Considerando que as entidades notificadas prestaram as informações constantes dos respetivos requerimentos/ofícios, indefere-se a pretensão do exequente por falta de fundamento legal.”.
Inconformado com este despacho, veio o exequente recorrer, apresentando no final das suas alegações de recurso as seguintes conclusões:
A)–O douto despacho de fls. mal andou indeferir a pretensão do Exequente de fazer incorrer a entidade F… nas cominações do art. 777º, nº 3 (não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou o adquirente exigir, nos próprios autos da execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito) aplicável in casu, ex vi art. 773º, nº 4 do CPC.
B)–Isto porque tal entidade, notificada para prestar informação, demorou mais de 2 (dois) meses a prestá-las;
C)–Sem prejuízo da insistência feita pelo Tribunal;
D)–Relevando o facto de o Exequente ter requerido desde 28/11/2021 que tal notificação se fizesse para uma resposta em 10 dias sob cominação legal;
E)–O que nunca foi cumprido, indevidamente, pela Secretaria;
F)–Sendo certo que esta entidade incorreu em falta de colaboração para com o Tribunal;
G)–Sujeitando-se às consequências previstas nos arts. 777º, nº 3 e art. 773º, nº 4 do CPC;
H)–O que o Exequente requereu expressamente e foi indeferido na decisão recorrida;
I)–Decisão que periga o gozo pela parte de não poder plenamente exercer o seu direito de acesso à justiça – art. 20º CRP
J)–Qual seja o de através da acção judicial fazer valer os seus direitos;
K)–E através da presente execução obter a satisfação do seu crédito;
L)–Sendo-lhe vedado lançar mão de mecanismo legal à sua disposição;
M)–Situação que pelo presente se pretende reverter.”.
O recorrente pugnou pela procedência do recurso e, em consequência, pediram que seja revogada a decisão proferida pelo tribunal a quo e substituída por outra que admita o prosseguimento da execução contra a dita entidade financeira.
Não foram apresentadas contra-alegações.
De seguida, foi proferida decisão singular pela aqui Relatora que julgou totalmente improcedente a apelação, confirmando o despacho recorrido.
Notificado, veio o recorrente reclamar para a conferência nos termos do disposto no art.º 652º do NCPC, reiterando, na essência, o teor das suas conclusões e insistindo que, tendo sido requerido pelo exequente a notificação da entidade financeira nos termos previstos no art.º 773º, nºs 3 e 4, do NCPC, a secretaria incorreu em omissão que o impediu de ver satisfeito o seu crédito.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II.–Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, ora reclamante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º nº4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal).
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No caso vertente, as questões a decidir, tendo em conta o teor da reclamação e das conclusões de recurso formuladas pelo recorrente são as de saber:
se o exequente dispõe de titulo executivo, formado nos termos previstos no art.º 777º, nº 3, do NCPC, que lhe permita requerer o prosseguimento da execução contra a Financeira El Corte Inglês, quando não foi remetida a à entidade financeira em causa a notificação a que alude o art.º 773º, nº 1, do NCPC; e
se ocorreu omissão da secretaria ao não remeter tal notificação, impedindo o exequente de ver satisfeito o seu crédito; e
se, em consequência, a decisão reclamada viola o art.º 20º, da Constituição da República Portuguesa.
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III.– Fundamentação
3.1.– Fundamentos de facto
Com interesse para a decisão relevam as incidências fáctico-processuais que se evidenciam no relatório supra.
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3.2.– Apreciação do mérito do recurso
Como já delimitamos, as questões suscitadas no recurso (e na reclamação) que importam conhecer é da a de saber se o exequente dispõe de título executivo, formado nos termos previstos no art.º 777º, nº 3, do NCPC, que lhe permita requerer o prosseguimento da execução contra a F…, quando não foi remetida a à entidade financeira em causa a notificação a que alude o art.º 773º, nº 1, do NCPC; e, sobretudo, a de saber se ocorreu omissão da secretaria ao não remeter tal notificação, impedindo o exequente de ver satisfeito o seu crédito.
Ora, tais questões já foram objecto de pronúncia na decisão singular proferida pela ora Relatora, em cuja fundamentação se pode ler:
«É consabido que, toda a execução tem que ter por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (cfr. art.º 10º, nº 5, do NCPC), razão porque, inexistindo título executivo bastante, inevitável é o indeferimento liminar do requerimento coercivo (cfr. art.º 726º, nº 2, al. a) do NCPC).
No caso, o exequente/recorrente invoca, como vimos, como fundamento da sua pretensão executiva contra a F…, SFC, SA, o regime da penhora de créditos prevista nos art.ºs 773º a 777º, do NCPC, no âmbito do qual se estabelece a possibilidade de formação de um título executivo contra o terceiro devedor.
Com efeito, incidindo a penhora sobre créditos do executado, dispõe o art.º 773º, nº 1, do NCPC, que a penhora consiste na notificação ao devedor, a qual é efectuada com as formalidades de uma citação pessoal.
Ou seja, a penhora de crédito do executado sobre um terceiro devedor, é efectuada por notificação com as formalidades exigíveis para uma citação pessoal, o que desde logo resulta que não se está perante uma simples notificação, mas antes perante uma notificação atípica, que é realizada com as formalidades previstas para a citação (cfr. José Alberto dos Reis, in Processo de Execução, vol. II, (reimpressão), 1985, p. 191), o que se compreende em face da necessidade de se garantir a boa recepção da notificação, e, outrossim, de informar/esclarecer devidamente o terceiro devedor dos factos pelos quais é demandado e como se pode dos mesmos defender.
Em suma, a penhora de crédito, consistindo na notificação ao devedor de que o crédito fica penhorado, equivale a uma apreensão simbólica, exactamente como na penhora de imóveis, fazendo-se saber “ao devedor, mediante notificação, que o crédito do executado sobre ele fica penhorado” (cfr. José Lebre de Freitas, in “O Silêncio do Terceiro Devedor”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 62, Vol II, (Abril 2002).
Realizada a referida notificação, maxime com observância do disposto no art.º 227º, do NCPC (com as devidas adaptações), tem-se assim a penhora como legalmente efectuada, decorrendo a partir de então e desde logo a obrigação para o terceiro devedor de prestar esclarecimentos quanto à existência, natureza e ónus que eventualmente incidam sobre o crédito indicado, devendo-o fazer por comunicação escrita dirigida ao agente de execução no prazo de 10 dias, quando não o possa fazer no próprio acto de notificação (cfr. art.º 773º, nº 2, do NCPC ).
Nada dizendo, ou reconhecendo por escrito a existência do crédito, fica então o terceiro devedor obrigado a proceder ao seu depósito, comprovando-o, tudo nos termos dos art.ºs 777º, nº 1 e 779º, nºs 1 e 2, ambos do NCPC.
Não cumprindo a obrigação referida [de efectuar o depósito do crédito assim reconhecido em instituição de crédito], adquire de imediato o exequente a faculdade de accionar - nos próprios autos da execução - judicialmente o devedor, “servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efectuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito” (cfr. nº 3, do art.º 777º, do NCPC).
No essencial, o título executivo a que alude o nº 3, do art.º 777º, do NCPC, forma-se e/ou emerge de uma acção executiva já instaurada [possibilitando o referido título executivo “fundar uma execução contra terceiro devedor (cfr. José Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, 5ª edição, Coimbra Editora, p. 249)], e no âmbito da qual foi efectuada a notificação desse terceiro, nos termos dos art.ºs 773º, nº 1 e 779º, nº 1, ambos do NCPC.
Isto dito, e tendo presente a facticidade acima descrita, temos por inquestionável que, nos autos executivos apensos, não se formou qualquer título executivo contra a aludida F…, SFC, SA, nos termos previstos no aludido art.º 777º, nº 3, do NCPC, que permita ao exequente requerer o prosseguimento daqueles autos contra a mesma.
Na verdade, e como facilmente ressuma do acima descrito não se formou no caso um título executivo de tal natureza, desde logo, porque não foi remetida à entidade financeira em causa a notificação a que alude o art.º 773º, nº 1, do NCPC, notificação esta absolutamente essencial para a formação de tal executivo.
Veja-se que, como referem Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre [in, Código Processual Civil, Anotado, volume 3º, artigos 627º a 877 º, 3ª edição, Almedina, Março de 2022, p. 618/619], a notificação em causa deve «revestir as modalidades prescritas para a citação pessoal ou quase pessoal (ver os nºs 2 e 3 do art. 225), bem como conter os elementos de conteúdo e observar os elementos de forma impostos pelo art. 227º, devidamente adaptados, sob pena de nulidade (ver nº 2 da redacção do art. 191). Ao terceiro devedor há-de, pois, ser indicado, não só que o crédito contra ele fica à ordem do tribunal de execução, mas também o prazo que, nos termos do nº 3º, tem para fazer a declaração a que se refere o nº 2º, a cominação a que fica sujeito por via do nº 4 (…) e o regime de ineficácia a que os atos dispositivos e extintivos do crédito, a existir este, ficam imediatamente sujeitos, não bastando remeter para os preceitos legais, por não se tratar de notificação a mandatário judicial; igualmente terá de lhe ser entregue ou remetida cópia do ato de indicação do crédito à penhora, se tiver tido lugar (art. 724-I-i e 750-I), ou descrito o crédito, tal como o agente de execução o tenha configurado (não assim se apenas houver a suspeita da sua existência, como expressamente se prevê na penhora de saldos de contas bancárias – art. 780-6).».
Ora, no caso, nunca a aludida entidade financeira foi notificada de acordo com tais exigências legais, não se podendo concluir ter a mesma reconhecido ser devedora da falecida M…, para efeitos do disposto no nº 4, do art.º 773º, do NCPC.
Aliás é o próprio recorrente que coloca tal falta de notificação em evidência no recurso, quando diz que a secretaria nunca cumpriu tal notificação [cfr. conclusão E) das respectivas alegações de recurso].
E, como muito bem ressalta Manuel Januário Gomes [in, Penhora de direitos de crédito, Breves Notas, Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, Ano IV, nº 7, 2003, A reforma da acção executiva, Almedina, p. 111]: «É essencial que o terceiro devedor seja informado, aquando da notificação, da cominação em que incorre se nada disser, devendo-lhe ser entregue cópia do requerimento de nomeação de bem à penhora ou a reprodução do seu conteúdo. Como diz Lebre de Freitas, a indicação ao devedor da cominação não é apenas um requisito de validade do acto, mas também uma “condição da própria actuação da cominação.».
De todo o modo, importa salientar, que ao contrário do que veio defender o recorrente, temos igualmente por certo que, no caso, a secretaria (ou oficial de justiça a quem incumbe as funções de agente de execução) não agiu indevidamente ao não realizar tal notificação à dita entidade.
Na verdade, na execução em causa, o exequente não requereu a penhora de qualquer direito de crédito da falecida M… sobre a predita entidade financeira, mas antes e apenas, a penhora de valores eventualmente depositados em contas bancárias tituladas por aquela, tendo pedido ainda que fosse previamente averiguado da existência de tais contas bancárias e dos respectivos saldos (cfr. requerimentos datados de 2.08.2021 e 28.11.2021).
Assim sendo, não é aplicável ao caso sobre o qual nos agora debruçamos o regime previsto nos aludidos art.ºs 773º a 777º, do NCPC, mas antes o consagrado no art.º 780º, do mesmo compêndio legal, para a penhora de depósitos bancários, sendo certo que, este já não remete para o regime da penhora de créditos, como no pretérito.
Na verdade e conforme eloquentemente se chama à atenção no ac. desta Relação de Lisboa, de 2.10.2014, relatado por Maria Teresa Albuquerque e disponível in www.dgsi.pt:
“Foi, certamente, em função das dificuldades decorrentes da articulação entre a falta, vulgar de indicação precisa do crédito a penhorar na penhora de saldos bancários – em face da qual sempre se poderia dizer que o respectivo objecto não está determinado no momento da notificação - e a consequência estatuída no art 860º/3 – que o NCPC terá optado, no respectivo art 780º/1 CPC, em não remeter o regime da penhora de depósitos bancários para o regime geral da penhora de créditos, mas somente para o regime do art 417º/1 NCPC.
Com efeito, diz hoje o nº 1 dessa disposição legal: «A penhora que incida sobre depósito existente em instituição legalmente autorizada a recebê-lo é feita por comunicação electrónica realizada pelo agente de execução às instituições legalmente autorizadas a receber depósitos nas quais o executado disponha de conta aberta, com expressa menção do processo, aplicando-se o disposto nos números seguintes e no nº 1 do art 417º» (que rege a respeito do dever de cooperação para a descoberta da verdade).
Portanto, como reflecte Rui Pinto [in, Manual da Execução e Despejo, p. 646] «consagrou-se solução mais restrita, propugnada, nomeadamente por Januário da Costa Gomes, o que significa que se impõe às entidades bancárias o cumprimento do dever de cooperação para a descoberta da verdade, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados, redundando a violação deste «importante dever processual na litigância de má fé nos termos do art 542º/2 c) NCPC, com eventual condenação em multa e indemnização à parte contrária».”.
Ou seja, a falta de resposta pronta da entidade financeira, no caso, apenas poderia ter determinado uma eventual condenação em multa, por força do disposto no art.º 417º, nº 1, do NCOC (caso a entidade financeira, apesar de devidamente notificada com tal cominação, nada tivesse vindo dizer), mas nunca que a execução prosseguisse contra a mesma, nos termos previstos no regime da penhora de créditos.
Deste modo, e sem necessidade de maiores considerações haverá de concluir-se que em aspecto algum assiste razão ao apelante, sendo, pois, manifestamente improcedente o recurso.».
Ora, não tendo o reclamante invocado factos novos ou novos argumentos relativamente às questões que suscitara no recurso, igualmente por razões de economia processual, aderimos e reiteramos os fundamentos já constantes da decisão singular proferida pela Relatora que entendemos ser de confirmar.
Importa, pois, concluir que se tendo limitado o exequente, ora recorrente, a requerer a penhora de saldos bancários e não de direitos de crédito, ao caso, era aplicável o disposto no art.º 780º, do NCPC, e não o regime legal pugnado por aquele.
Reitera-se, destarte, que a supra mencionada entidade financeira não tinha que ser, como não foi, notificada para os termos do art.º 773º, nº 1, do NCPC, mas apenas e tão só notificada, como foi, para informar se a falecida M… eventualmente dispunha de valores depositados em contas bancárias sedeadas naquela, de acordo com o preceituado no art.º 780º, do citado código.
A penhora de saldos bancários não equivale a uma penhora de direito de crédito, nem obedece ao regime legal desta, pelo que a secretaria não estava, no caso, obrigada a fazer a notificação prevista no art.º 773º, do NCPC, muito menos só porque o exequente assim o requereu.
E, assim sendo, nem a decisão recorrida, nem a decisão sumária se revelam infundadas, nem violadoras de qualquer preceito constitucional, porquanto, contrariamente ao aventado pelo apelante, aquelas não afrontam o direito do exequente de acesso efectivo à justiça, consagrado tanto no art.º 8º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, como no art.º 20º da Constituição da República Portuguesa.
Note-se, de resto, que o direito constitucional invocado não é absoluto ou irrestrito. O direito a uma tutela jurisdicional efectiva, na dimensão de que a cada direito deve corresponder um meio adequado para o tornar efectivo em caso de violação, “não significa o não respeito por imposições e condições processuais de exercício, nem direito a obter decisão positiva e favorável sobre as pretensões manifestadas” (cfr. ac STJ de 24.09.2003, processo n.º 2299/03, in SASTJ). Sendo que o “respeito pelas exigências e imposições processuais é mesmo condição da tutela efectiva dos direitos, e o direito a tutela efectiva não é afectado por tais imposições processuais, salvo se estas se configurarem de tal modo intensas e desproporcionadas que esvaziem o direito da sua própria substância” (cfr. aresto citado). O que manifestamente não acontece no caso que nos ocupa.
Como tal, inexiste qualquer fundamento constitucional de onde resulte que tenha de haver correcção ou reparação das decisões nos termos pretendidos pelo recorrente/reclamante, sendo inequívoca a opção legislativa de sentido contrário conforme já repetidamente explanado e que não consubstancia qualquer ofensa constitucional.
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Nestes termos, não se mostram violadas pelo tribunal a quo nenhuma das disposições invocadas pelo recorrente/reclamante, improcedendo integralmente a reclamação e o recurso.
As custas da reclamação e do recurso são da responsabilidade do recorrente atento o seu integral decaimento (art.º 527º do NCPC).
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IV.–Decisão

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em confirmar a decisão singular proferida pela Relatora e, consequentemente, e, consequentemente, em julgar improcedente o recurso e manter o despacho recorrido.
Custas pelo reclamante/recorrente.


Lisboa, na data constante da assinatura electrónica


Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
Ana Paula Nunes Duarte Olivença
Rui Manuel Pinheiro de Oliveira