Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12399/15.0T8LSB.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: NRAU
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
CADUCIDADE DO DIREITO À RESOLUÇÃO
DIFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 663º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, da responsabilidade do relator, como segue:


I - A mora de dois meses, na renda, é autossuficiente, enquanto fundamento de despejo, nos quadros do artigo 1083º, n.º 3, do Código Civil.
II - A resolução do contrato de arrendamento com esse fundamento deve porém ser efetivada dentro do prazo de três meses a contar do conhecimento da completude desse período de mora, sob pena de caducidade do direito à resolução do contrato.
III – Cada uma das rendas vencidas tem, nesse caso, autonomia para a contagem do prazo de caducidade.
IV – No tocante à hipótese do n.º 4, do artigo 1083º, do Código Civil, o termo a quo de contagem do prazo de caducidade é o momento em que se verificar o conhecimento da situação de “mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses”.
V – Tal período não coincide com um qualquer ano civil.
VI – É de presumir o coetâneo conhecimento pelo senhorio da falta de pagamento de renda, na data do seu vencimento, recaindo sobre aquele o ónus de prova de, sem culpa sua, apenas posteriormente haver tomado conhecimento da situação de mora. VII – Para efeitos de diferimento da desocupação do locado, nos quadros do artigo 15º-N.º do NRAU, não pode retirar-se da circunstância da concessão de apoio judiciário à Ré/requerente, e sem o concurso de outros elementos, que a falta do pagamento de rendas “se deve a carência de meios do arrendatário”.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação


I – A requereu, no Balcão Nacional de Arrendamento, procedimento especial de despejo, cumulando o pedido de pagamento de rendas e de indemnização nos termos do artigo 1041º, do Código Civil, contra B, invocando, como fundamento do requerido despejo, a resolução, por falta de pagamento de rendas, do contrato de arrendamento relativo ao 2º andar do imóvel em regime de propriedade horizontal, sito na Rua , freguesia de , concelho de Lisboa, correspondente à fração "…", em que é senhoria, sendo inquilina a requerida.

Continuando em mora o pagamento das rendas vencidas nos meses de Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2014, e Janeiro de 2015, cada uma no valor de € 480,00, num montante global de € 4.320,00.

Notificada, deduziu a Requerida oposição, alegando ter 74 anos e ser reformada, sendo a sua fonte de rendimentos insuficiente para os encargos que tem com a saúde e alimentação, vive com as duas filhas maiores e dois netos.

E quer uma das filhas sofre de graves problemas de saúde que a impedem de se sustentar e aos seus dois filhos.

A outra filha apesar de auferir o salário mínimo nacional, ajuda todo o agregado familiar.

E sendo verdade que a Requerida não tem conseguido pagar as rendas atempadamente, reconhecendo “que foi em Abril de 2014 que (…) entrou em mora, a A. “só em Janeiro de 2015 é que tomou a iniciativa de resolver o contrato de arrendamento”, pelo que caducou o direito da Requerente de resolver o referido contrato.

Contudo, a Requerida tem efetuado os depósitos das rendas peticionadas, estando até ao momento pagas as rendas até Outubro de 2014, rendas essas aceites pela Requerente.

Remata com a declaração da caducidade do direito de resolução do contrato de arrendamento, absolvendo-se a Requerida do pedido, ou, caso assim se não entenda, requerendo, “ao abrigo do disposto no artigo 15º N da lei 6/2006, de 27/02, de 27/02 (aditado pela Lei 31/2012, de 14/8) e artº 9º da Portaria n.º 9/2013, de 10 de Janeiro (…) o adiamento do despejo por um prazo de 5 meses a contar da notificação da Requerida.”.

Distribuídos os autos, foi, em garantia do contraditório “Face à exceção alegada”, notificada a A. para querendo responder.

O que aquela fez, sustentando que “o direito da senhoria resolver o contrato não sofria de caducidade à data em que a resolução foi efetivada”.

Concluindo dever “o contrato de arrendamento ser resolvido por falta de pagamento das rendas nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 1083.º”.

Por despacho reproduzido a folhas 121, foi ordenada a notificação da A. “para esclarecer a forma em que imputou o pagamento das rendas e melhor esclarecer que rendas se encontram actualmente em dívida (meses correspondentes) total ou parcialmente.”, e, bem assim, “para se pronunciar quanto ao incidente de diferimento de desocupação.”.

Ao que aquela correspondeu, nos termos que de folhas 125-128, se alcançam, concluindo que “à data da resolução do contrato de arrendamento a inquilina deve a quantia de € 4.320”, e propugnando o indeferimento do “pedido de desocupação do locado por não se encontrarem reunidos os requisitos necessários nos termos do artigo 15 – N da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro”.

Com data de 26-04-2016, foi proferida sentença, reproduzida a folhas 131-140, que considerando encontrarem-se “por pagar as rendas desde Abril de 2014.”, não tendo a Ré arrendatária procedido “ao pagamento das rendas em atraso nos termos da parte final do n.º 3 do art. 1084 do CC.”, e que “inexiste qualquer elemento que permita concluir pela existência de qualquer um dos fundamentos previstos no nº 2 do artigo” 15º N.º do NRAU” – firmou o seguinte dispositivo:

“Nos termos e pelos fundamentos referidos, julgo procedente o presente procedimento especial de despejo intentado por A contra B, e consequentemente:

a. Julgo resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre as partes,

b. Condeno a Ré a entregar o locado à Autora, livre e devoluto de pessoas e bens,

c. Mais condeno a Ré a pagar à Autora o valor das rendas em dívida no montante de 4.320,00€ até Dezembro de 2014 e nos períodos mensais subsequentes, no valor unitário actualizado de 480,00€, até à data da entrega efectiva do locado.

Indefiro o pedido de Diferimento da desocupação do imóvel.”.

Inconformada, recorreu a R., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:

“a) Recorre-se da Sentença proferida em 26.04.2016 que julgou resolvido o contrato de arrendamento, condenando a Apelante a entregar o locado à Autora, livre e devoluto de pessoas e bens, indeferindo o pedido de diferimento da desocupação do imóvel;

b) Efetivamente a Autora reconhece que o incumprimento dos pagamentos das rendas teve início no mês de Agosto de 2012.

c) Contudo, só em 13 de Janeiro de 2015 é que a Autora notificou a Apelante da resolução do contrato de arrendamento com fundamento na mora no pagamento de rendas.

d) Atendendo as disposições dos artigos 1085º e 1083º, a resolução do contrato de arrendamento deveria ter tido lugar no prazo de três meses a contar do conhecimento do facto.

e) Estando, pois, caducado o direito à resolução do contrato de arrendamento.

f) O locado em causa constitui casa morada de família da Apelante (com 75 anos), mais duas filhas e dois netos.

g) Requereu a ora Apelante o diferimento do despejo por um período de cinco meses.

h) Porém, entendeu o Tribunal a quo que nenhuma prova foi feita, razão pela qual indeferiu o pedido.

i) Desconsiderou assim o Tribunal a quo a insuficiência económica da Apelante ao não valorar a concessão de apoio judiciário que lhe foi atribuída pelo Instituto de Segurança Social em virtude de insuficiência económica.

h) Devendo assim a douta sentença de que se recorre ser revogada e extintos todos os seus efeitos, vindo a proceder o presente recurso.”.

Contra-alegou a Recorrida, pugnando pela manutenção do julgado.

II- Disponibilizado que foi o “histórico” do processo às Exm.ªs Adjuntas, cumpre decidir.

Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal:

- se caducou o direito da A. à resolução do contrato de arrendamento em causa;

- na negativa, se estão verificados os requisitos do diferimento da desocupação do locado.


***

         Considerou-se assente, na 1ª instância, sem impugnação a propósito, a factualidade seguinte:

“1. Por contrato celebrado a 1.06.2012, a Ré , tomou de arrendamento para habitação o imóvel correspondente ao 2.º andar do prédio sito na Rua , em Lisboa, pelo período de 5 anos, com início a 1.06.2012 e termo no dia 31.05.2017 – conforme documento junto a fls. 12 a 15, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

2. A renda mensal inicial era de 480,00€

3. Nos termos do contrato celebrado, a renda acordada deveria ser paga entre o dia 1 e o dia 8 do mês anterior àquele a que a renda dissesse respeito.

4. A Ré liquidou em atraso as seguintes rendas:

a. 2012

- a renda referente ao mês de Agosto foi paga a 13.09.2012;

- a renda referente ao mês de Setembro foi paga a 11.10.2012;

- a renda referente ao mês de Outubro foi paga a 14.11.2012;

- a renda referente ao mês de Novembro foi paga a 12.12.2012;

- a renda referente ao mês de Dezembro foi paga a 11.01.2013.

b. 2013

-a renda referente ao mês de Janeiro foi paga a 13.02.2013;

-a renda referente ao mês de Fevereiro foi paga a 3.04.2013;

-a renda referente ao mês de Março foi paga a 15.05.2013;

-a renda referente ao mês de Abril foi paga a 24.06.2013;

- a renda referente ao mês de Maio foi paga a 13.08.2013;

- a renda referente ao mês de Junho foi paga a 13.09.2013;

- a renda referente ao mês de Julho foi paga a 10.10.2013;

- a renda referente ao mês de Agosto foi paga a 16.12.2013;

- a renda referente ao mês de Setembro foi paga a 27.01.2014;

- a renda referente ao mês de Outubro foi paga a 11.02.2014;

- a renda referente ao mês de Novembro foi paga a 28.03.2014;

- a renda referente ao mês de Dezembro foi paga a 13.05.2014;

c. 2014

-a renda referente ao mês de Janeiro foi paga a 26.06.2014,

-a renda referente ao mês de Fevereiro foi paga a 11.08.2014

-a renda referente ao mês de Março foi paga a 10.10.2014.

conforme extractos juntos aos autos.

5. A Autora, através de notificação judicial avulsa concretizada a 13 de Janeiro de 2015, notificou a Ré da resolução do contrato de arrendamento com fundamento:

a. “...encontram-se vencidas e não pagas as rendas respeitantes aos meses de Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2014, vencidas no 8º dia de cada um dos meses anteriores, cada uma no valor de 480,00€ (…) cujo montante total ascende, na presente data a 4.320,00€ (…) devidos por V. Exa.

b. As rendas vencidas e devidas por V. Exa respeitam aos últimos nove meses de rendas devidas pelo arrendamento do locado, o que constitui V. Exa em mora superior a dois meses (...)”

- conforme documento junto a fls. 9 a 20 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.”.


***

Vejamos.

II -1 – Da caducidade do direito da A. de resolver o contrato de arrendamento.

1. Não sofre crise que, nos termos do contrato dos autos, as rendas deveriam ser pagas até ao dia 8 do mês anterior àquele a que respeitam, cfr. n.º 3 da matéria de facto provada.

Nem que, quando assim se não verificasse, incorreria a arrendatária em mora, vd. artigo 805º, n.º 2, alínea a), do Código Civil.[1]

Ora, nos termos do artigo 1083º, e pelo que agora aqui está em causa:

“1. Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.

2. É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente quanto à resolução pelo senhorio:

a) (…);

b) (…);

c) (…)

d) (…);

e) (…).

3. É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a dois meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo seguinte.

4. É ainda inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato, não sendo aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo seguinte.

5. (…).”.

Sendo que, como anotam Januário da Costa Gomes e Cláudia Madaleno,[2] “A mora de dois meses, na renda, é auto-suficiente, enquanto fundamento de despejo. A lei proclama, perante a sua eventualidade, inexigível a manutenção do arrendamento. Não há lugar a uma autónoma ponderação sobre a sua gravidade ou as suas consequências. Em situações-limite, apenas é possível o controlo pelo abuso do direito”.

O mesmo, de resto, cabendo observar no tocante à hipótese de “mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato”.

2. A resolução do contrato de arrendamento com qualquer um desses fundamentos deve porém ser efetivada dentro do prazo de três meses a contar do conhecimento do correspondente facto, como se extrai da articulação dos n.ºs 1 e 2, do artigo 1085º.

Sem que cobre aqui aplicação – diversamente do julgado na sentença recorrida – o disposto no n.º 3 do mesmo artigo 1085º, inciso de acordo com o qual, “Quando se trate de facto continuado ou duradouro, o prazo não se completa antes de decorrido um ano da sua cessação”.

Repare-se que a lei se refere ao pagamento da renda – que não de renda – tanto no n.º 3 como no n.º 4 do artigo 1083º, assim apontando claramente no sentido de o fundamento da resolução ser a mora relativa a concretas rendas, posto o que o prazo de caducidade do direito de resolução se conta a partir da verificação da mora relevante.

Ocorrendo a caducidade do direito de resolução com fundamento nessa situação de mora, decorrido que seja o prazo respetivo, e independentemente de, após a ocorrência de tal fundamento, se verificarem novas situações de mora, que constituirão, ou não, novo fundamento de resolução do contrato.

Assim, no caso do fundamento da 1ª parte do n.º 3 do artigo 1083º, o prazo de caducidade reporta-se a cada situação de mora – necessariamente conhecida pelo senhorio – igual ou superior a dois meses no pagamento da renda.

Como refere Fernando Baptista de Oliveira[3] – conquanto ainda no domínio anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, mas com plena atualidade no que agora aqui interessa – “Tendo-se recorrido à resolução extrajudicial, o aludido prazo (…) para o exercício do direito de resolução conta-se, em relação a cada renda a partir do terminus da mora de (então) três meses a que se refere o art. 1083.°/3 - pois só a partir dessa data pode ter lugar tal comunicação resolutiva.

Isto é: para instaurar acção de despejo, o prazo de caducidade (…) conta-se a partir do "conhecimento do facto que lhe serve de fundamento" - no caso de não pagamento da renda, a partir do conhecimento de que o arrendatário está em falta (mora - ver art. 1039.° do CC); pretendendo recorrer à via extrajudicial, através da comunicação resolutiva, tal prazo de caducidade (…) conta-se a partir do fim da mora de (…) meses no pagamento da renda.

(…)

Como é bom de ver, cada uma das rendas vencidas tem autonomia para a contagem do prazo de caducidade, pelo que em relação a cada uma delas se aplica o disposto no art. 1085.º/1 CC.” (o negrito está no original).

No caso do n.º 4 do mesmo artigo 1083º, o termo a quo de contagem do prazo de caducidade é o momento em que se verificar o conhecimento da situação de “mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses”, que, como anota Maria Olinda Garcia,[4] “não coincidem com um qualquer ano civil”.

Aquele é um período “que se inicia com o primeiro incumprimento, independentemente do mês e do ano civil em causa. Iniciada essa contagem, o fundamento resolutivo verificar-se-á quando forem contabilizados 5 atrasos, desde que não tenham passado mais de 12 meses sobre o primeiro atraso no pagamento das rendas.

A passagem do período de 12 meses sobre a verificação de um atraso no pagamento da renda elimina esse facto da contabilização para efeitos de resolução. O início da contagem passa para o incumprimento subsequente, e assim sucessivamente.” (o grifado é nosso).

3. No caso em apreço, provado está que “A Autora, através de notificação judicial avulsa concretizada a 13 de Janeiro de 2015, notificou a Ré da resolução do contrato de arrendamento com fundamento em encontrarem-se “vencidas e não pagas as rendas respeitantes aos meses de Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2014, vencidas no 8º dia de cada um dos meses anteriores, cada uma no valor de 480,00€ (…) cujo montante total ascende, na presente data a 4.320,00€”.

Não havendo a Ré logrado atuar o ónus, que sobre ela recaía, da prova de pagamento de qualquer dessas rendas, cfr. artigo 342º, n.º 2.

Porém, e na conformidade do que se vem de expender, à data da notificação à Ré da resolução do contrato de arrendamento, eram decorridos mais de três meses sobre a mora de dois meses no pagamento das rendas – referidas na dita comunicação – relativas aos meses de Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto e Setembro, de 2014.

Presumindo-se, na circunstância, o coetâneo conhecimento pelo senhorio da falta de pagamento de renda, na data do seu vencimento, fazendo recair sobre aquele o ónus de prova de, sem culpa sua, apenas posteriormente haver tomado conhecimento da situação de mora e do “terminus” do período relevante respetivo, cfr. artigo 342º, n.ºs 1 e 3.

Sob pena de se transferir para o arrendatário o ónus de prova de um facto subjetivo, de outrem, cuja verificação dificilmente pode controlar, como seria a data em que o senhorio teve efetivo conhecimento da falta de pagamento da renda na data do vencimento da mesma.

E certo, a propósito, que as mais das vezes – e é esse o caso dos autos – a renda é paga por via bancária, através de débito em conta, por transferência ou por depósito direto.

Nessa circunstância dispondo o senhorio de imediato acesso, na data que sabe ser a do vencimento das rendas, à sua conta bancária, com recurso aos múltiplos instrumentos atualmente à disposição.

Tendo pois caducado, aquando da notificação à Ré da resolução do contrato de arrendamento, o direito da A. à resolução, com fundamento na mora, por dois ou mais meses, no pagamento das rendas relativas àqueles seis meses do ano de 2014.

Sendo no entanto decorridos mais de dois meses e menos de cinco, no tocante ao vencimento das rendas relativas aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2014 – ocorrido a 8 de Setembro, 8 de Outubro e 8 de Novembro de 2014, respetivamente.

Verificando-se assim que, à data da comunicação à Ré, da resolução do contrato de arrendamento, ocorria o fundamento daquela, previsto no artigo 1083º, n.º 3, 1ª parte, com referência às antecedentemente referidas rendas, não tendo caducado o direito da A. à resolução com aquele fundamento.

Sem que se mostre ter a Ré procedido à purga da mora, nos termos do artigo 1084º, n.º 3.

Diga-se também que à data da comunicação à Ré da declaração resolutiva da A. - 13 de Janeiro de 2015 – estava aquela em mora, superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes seguidas ou interpoladas, num período inferior a 12 meses, vd. n.ºs 4 e 5 da matéria de facto provada e o já referido em sede de ónus de prova do conhecimento da falta de pagamento da renda.

Verificado estando assim também o fundamento de resolução previsto no artigo 1083º, n.º 4.


*

Com improcedência, nesta parte, das conclusões da Recorrente.

II – 2 – Do diferimento da desocupação do locado.

Dispõe-se no artigo 15º-N, do NRAU, que:

“1. No caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo para a oposição ao procedimento especial de despejo, o arrendatário pode requerer ao juiz do tribunal judicial da situação do locado o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas, devendo logo oferecer as provas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três.

2. O diferimento de desocupação do locado para habitação é decidido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, devendo o juiz ter em consideração as exigências da boa fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas, só podendo ser concedido desde que se verifique algum dos seguintes fundamentos:

a) Que, tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, a falta do mesmo se deve a carência de meios do arrendatário, o que se presume relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção;

b) Que o arrendatário é portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.

3. No caso de diferimento decidido com base na alínea a) do número anterior, cabe ao Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social pagar ao senhorio as rendas correspondentes ao período de diferimento, ficando aquele sub-rogado nos direitos deste.”.

Sendo que, como refere Maria Olinda Garcia,[5] “Para que a pretensão do arrendatário venha a ser procedente não lhe basta invocar que se encontra em alguma das situações previstas nas alíneas a) ou b) do n.º 2. Será também necessário invocar e demonstrar as concretas circunstâncias a que o juiz deverá atender para conceder o diferimento da desocupação, ou seja, o facto de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam o local arrendado, a sua idade, o seu estado de saúde e a sua situação económica e social (…)”.

Devendo o juiz proceder à correspondente ponderação, nas palavras de Rui Pinto, [6]  “usando sempre de um "prudente arbítrio” ou seja balanceando os interesses em conflito, de inquilino e senhorio decorrente dos elementos de facto concretos, balizando pelos critérios normativos do número 2 do artigo.”.

Desde que, porém, a Requerente do diferimento da desocupação não ofereceu qualquer prova, não poderá o Tribunal, como se julgou no Acórdão desta Relação, de 14-04-2005,[7] “substituir-se-lhe e indagar todos os factos relevantes para a decisão, devendo o requerimento ser julgado improcedente.”.

Não podendo retirar-se da circunstância da concessão de apoio judiciário à Ré/requerente – na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo – que a falta do pagamento de rendas “se deve a carência de meios do arrendatário.”.

E desde logo por isso que tendo já sido criado, há muitos anos à data da publicação da Lei n.º 31/2012, o instituto do apoio judiciário, que o legislador não podia desconhecer, ponto é que aquele estabeleceu a presunção de que o não pagamento de rendas – fundamento da resolução do contrato de arrendamento – se deve a carência de meios do arrendatário, apenas “relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção.”.

Dessarte – e operando com as diretrizes interpretativas estabelecidas no artigo 9º, n.ºs 2 e 3, ainda e sempre, do Código Civil – excluindo claramente quaisquer outras situações que sustentassem a presunção de que a falta de pagamento de renda se deve à carência de meios do arrendatário.


*

Improcedendo assim, in totum, as conclusões da Recorrente.

III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu totalmente, sem prejuízo do concedido apoio judiciário.


***


Lisboa, 2016-07-13

(Ezagüy Martins)

(Maria José Mouro)

(Maria Teresa Albuquerque)


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[1] Sendo os demais, seguidamente referidos sem indicação de origem, do mesmo compêndio normativo.
[2] In “Leis do Arrendamento Urbano, Anotadas, Coordenação de António Menezes Cordeiro”, 2014, Almedina, pág. 240.
[3] In “A Resolução do Contrato no Novo Regime do Arrendamento Urbano”, Almedina, págs.163-165.
[4] In “Arrendamento Urbano - Regime Substantivo e Processual”, 3ª Ed., Coimbra Editora, 2014, págs. 37-38.
[5] In op. cit., pág. 228.
[6] In “Leis do Arrendamento Urbano, Anotadas, Coordenação de António Menezes Cordeiro”, 2014, Almedina, pág. 455.
[7] Proc. 9843/2004-6, Relator: AGUIAR PEREIRA, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf.