Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
957/16.0PCCSC-A.L1-9
Relator: CLÁUDIO DE JESUS XIMENES
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
PRAZO PROCESSUAL
OFENDIDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO
Sumário: Pese embora a ofendida já ter sido notificada da acusação, o prazo para deduzir pedido de indemnização civil apenas corre depois da notificação da mesma acusação ao respectivo patrono oficioso
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acórdão da 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. A…, recorre do despacho que não admitiu o pedido de indemnização civil por entender que ele foi apresentado fora do prazo legal. Pretende a revogação da decisão recorrida, a sanação da irregularidade da falta de notificação do defensor do oficioso e a admissão do pedido de indemnização civil.
Termina as alegações do recurso com as seguintes conclusões:
A. Sumariamente, o presente recurso versa sobre a seguinte questão: foi proferido despacho judicial em 31-10-2017, pelo tribunal a quo, no qual foi rejeitado o pedido de indemnização civil apresentado pela Recorrente que é a Denunciante/Ofendida com fundamento em extemporaneidade.
B. Passamos de seguida a analisar os acontecimentos cronológicos dos factos:
B.1 - O Defensor oficioso é nomeado para representar a ofendida /denunciante e aqui recorrente, em finais do mês de Janeiro de 2017.
B.2 - O despacho de acusação é notificado ao Arguido em 22/04/2017.
B.3 - O despacho de acusação é notificado à Ofendida em 27/04/2017.
E começam a correr 4 (quatro) prazos distintos:
- 20 dias para Requerimento de abertura de Instrução;
- 20 dias para deduzir pedido de indemnização cível;
- 20 dias para constituição de assistente;
- 10 dias para deduzir/ aderir à acusação particular.
B.4 - Em 12 de Junho de 2017 é o Defensor oficioso notificado do despacho que designa a data de audiência de discussão e julgamento, e é aí que toma conhecimento da acusação deduzida pelo Ministério Público.
B.5 - Em 16 de Junho de 2017 a ofendida é notificada da data de audiência de discussão e julgamento.
B.6 - E, no dia 21 de Junho é apresentado aos autos requerimento com vista a:
- Constituição de assistente da ofendida;
- Adesão à acusação pública deduzida;
- Dedução do pedido de indemnização cível.
C. Da apreciação desse mesmo requerimento, vem o tribunal a quo, recusar o pedido de indemnização cível com fundamento em extemporaneidade, uma vez que o prazo se teria iniciado em Abril com a notificação do despacho de acusação. E portanto, em 21 de Junho de 2017 (aquando da apresentação do requerimento) os prazos estariam largamente ultrapassados.
D. Releva aludir que o Defensor oficioso não foi notificado do despacho acusação, não obstante a nomeação do mesmo ter sido anterior, e estar o mesmo já devidamente identificado, e associado aos autos.
E. E é sobre o referido despacho que recusa o pedido de indemnização cível que versa o presente recurso, pois salvo o devido respeito, que é muito, não deve o pedido de indemnização cível ser recusado, uma vez que o defensor oficioso teria de ser notificado do despacho de acusação, de acordo com as disposições legais em vigor, o que não aconteceu nos presentes autos.
F. Resulta do disposto nos artigos 277º número 2 e 283º nº 5 do Código de Processo Penal, que o despacho de arquivamento do inquérito, bem como a acusação, são comunicadas, ao Arguido, ao Assistente, ao denunciante com faculdade de se constituir assistente, e a quem tenha manifestado o propósito de deduzir o pedido de indemnização civil, bem como ao respetivo defensor ou advogado. “Por sua vez, também resulta do nº 10 do artigo 113º do Código de Processo Penal que as notificações são feitas ao ofendido/lesado e ao seu advogado ou defensor sempre que este já esteja constituído nos autos.” (a este propósito veja-se o Ac. Tribunal da Relação de Lisboa, proc. 304/11.7PTPDL.L1-9, Relatora: Dra. Maria Guilhermina Freitas).
G. Uma vez que já havia mandatário/Defensor nos autos antes do despacho de arquivamento/acusação, deveria também o mandatário/defensor da denunciante ser notificado de tal despacho, em conformidade com o disposto nos artigos 113º nº 10, 277º nº 3 e 283º nº 5 todos do Código de Processo Penal, e não apenas a denunciante na qualidade de Ofendida e aqui recorrente, como foi o caso.
H. Assim, e conforme demonstrado, o defensor oficioso devia ter sido notificado do despacho de acusação, que apenas foi notificado à ofendida.
I. Neste sentido vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, proc. 304/11.7PTPDL.L1-9, Relatora: Dra. Maria Guilhermina Freitas, bem como os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 31/05/2006 no âmbito do processo nº 0641155 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 27/04/2009 proferido no âmbito do processo nº 315/08.0TAFLG.G1.
J. Não tendo ocorrido a notificação do defensor oficioso do despacho de acusação, como deveria tê-lo sido, não pode nem deve o tribunal a quo decidir pela preclusão do direito, em consequência do decurso do prazo, uma vez que face à omissão da notificação ao defensor oficioso, os prazos, que são 4 (quatro) conforme supra atrás mencionado, não tiveram o seu início. Logo, o pedido de indemnização cível não pode ser rejeitado com fundamento em extemporaneidade, uma vez que o defensor oficioso não foi notificado do despacho de acusação, e o prazo para o efeito é de 20 dias a contar da notificação do despacho de acusação.
K. Sempre se dirá ainda, e a considerar-se o decurso do prazo de 20 dias, sem ter ocorrido a notificação ao defensor oficioso do despacho de acusação, que determina precisamente o inicio desse mesmo prazo, que os direitos e garantias inerentes ao processo penal ficam notoriamente inquinados e afetados, nomeadamente o princípio do contraditório, até porque a notificação ao do despacho de acusação, que conforme já apontado, gera o início do decurso de 4 prazos judiciais distintos. O que de acordo com os princípios basilares de um Estado de Direito Democrático consubstanciaria numa clara redução dos direitos e garantias consagrados.
L. Assim, a omissão da notificação do despacho de arquivamento /acusação ao mandatário/defensor configura uma irregularidade nos termos do disposto no artigo 118º nº 2 do Código de Processo Penal, com reflexos no exercício dos direitos da denunciante, a qual tem a faculdade de se constituir assistente, de requerer a abertura de instrução, deduzir o pedido de indemnização cível, e deduzir acusação particular, afetando dessa forma a validade de todos os atos processuais posteriores, nos termos previstos no artigo 123º do Código Processo Penal.
M. Assim, é entendimento da Recorrente, que o tribunal a quo não observou os procedimentos de notificação, não tendo ordenado a notificação em falta, e em consequência, não se considera sanada a irregularidade.
N. De acordo com a jurisprudência maioritária, designadamente, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, proc. 304/11.7PTPDL.L1-9, “o tribunal a quo pode conhecer oficiosamente da irregularidade relativa à falta de notificação da acusação ao ilustre mandatário do denunciante, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 123º do CPP (…)” “Deverá, porém, a Sra. Juíza do tribunal a quo ordenar a reparação da irregularidade em causa, da qual conheceu oficiosamente, pelo seus próprios serviços (…)”.
O. Por fim, é entendimento da Recorrente, que face à irregularidade que se verifica nos autos pela omissão da notificação da acusação ao defensor oficioso, o mesmo só teve conhecimento da acusação, em Junho, com a notificação que designou a data para a realização da audiência de discussão e julgamento. E, nesse momento, em que tomou conhecimento da acusação nos autos, lançou, com prontidão, o que se pode constatar pelas datas supra mencionadas, dos procedimentos que a ofendida disponha, à exceção do Requerimento de Abertura de Instrução.
P. Assim, é entendimento da Recorrente que se não encontra esgotado o prazo de 20 dias, para deduzir o pedido de indemnização cível em Abril/Maio, conforme determinou o tribunal a quo, uma vez que o defensor oficioso apenas tomou conhecimento da acusação em Junho, na data já supra indicada.
Q. Nesta senda a omissão da notificação da acusação ao defensor oficioso constitui uma irregularidade com reflexos no exercício dos direitos da denunciante e que por isso afeta a validade de todos os atos processuais posteriores, enquanto a notificação em falta não for sanada.
R. Por fim, e em conclusão, deve o douto despacho recorrido, ser declarado sem efeito, e em consequência, sanada a irregularidade que se verifica nos autos, seguindo-se os regulares termos do processo em função do que vier a ser requerido em sequência dessa notificação em falta, ou, em alternativa, ser o douto despacho recorrido declarado sem efeito, e substituído por outro que determine que o decurso dos prazos que se iniciariam com o despacho de acusação, começaram com a notificação que designa o dia para realização da audiência de discussão e julgamento, pois coincide com a data em que o defensor oficioso tomou conhecimento da acusação, e em consequência, seja admitido o pedido de indemnização civil, por tempestivo.
O Ministério Público defende a procedência do recurso.
II. De acordo com as conclusões da motivação do recurso, temos que decidir aqui se o recorrente apresentou o pedido de indemnização civil dentro do prazo legal.

A recorrente alega que o pedido de indemnização civil devia ter sido admitido por ter sido apresentado dentro do prazo.
E tem razão.
A decisão recorrida é a seguinte:
No dia 21/06/2017, a ofendida A…, juntou requerimento, a aderir à acusação pública deduzida nos autos pelo Ministério Público, e a deduzir pedido de indemnização civil contra o arguido B…, pugnando pela condenação deste no pagamento à ofendida do montante de €5.000,00, acrescida de juros legais, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
O art. 77.º, n.º 3 do Cód. Processo Penal dispõe que “Se não tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização (…), o lesado pode deduzir o pedido até 20 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação”.
No âmbito dos presentes autos o ilustre patrono nomeado à ofendida A…, foi notificado da sua designação nessa qualidade em finais do mês de Janeiro de 2017.
O arguido considera-se notificado da acusação deduzida no dia 22/04/2017 (cfr. fls. 144 e 160).
Resulta, assim, do que antecede, e como decorre da interpretação conjugada do disposto nos arts. 24.º, n.ºs 4 e 5, al. a) da Lei n.º 34/2004, de 29/07, e 77.º, n.º 3 do Cód. Processo Penal, que o pedido de indemnização civil deduzido pela ofendida não o foi dentro do prazo de 20 dias a que alude o segundo dos citados preceitos, nem num dos três dias úteis subsequentes, motivo pelo qual se rejeita o mesmo, com fundamento em extemporaneidade.
A propósito do prazo para a formulação do pedido cível está escrito no artigo 77.º o seguinte:
1 - Quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido é deduzido na acusação ou, em requerimento articulado, no prazo em que esta deve ser formulada.
2 - O lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do n.º 2 do artigo 75.º, é notificado do despacho de acusação, ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se a ele houver lugar, para, querendo, deduzir o pedido, em requerimento articulado, no prazo de 20 dias.
3 - Se não tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização ou se não tiver sido notificado nos termos do número anterior, o lesado pode deduzir o pedido até 20 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação ou, se o não houver, o despacho de pronúncia.
4 - Quando, em razão do valor do pedido, se deduzido em separado, não fosse obrigatória a constituição de advogado, o lesado, nos prazos estabelecidos nos números anteriores, pode requerer que lhe seja arbitrada a indemnização civil. O requerimento não está sujeito a formalidades especiais e pode consistir em declaração em auto, com indicação do prejuízo sofrido e das provas.
O artigo 383.º, n.º 5, do CPP manda aplicar à acusação do Ministério Público o disposto no artigo 377.º, n.º 3, do mesmo diploma que diz que o despacho de arquivamento é comunicado ao arguido, ao assistente, ao denunciante com faculdade de se constituir assistente e a quem tenha manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil nos termos do artigo 75.º, bem como ao respectivo defensor ou advogado.
Assim, o despacho de acusação do Ministério Público deve ser comunicado ao arguido, ao assistente, ao denunciante com faculdade de se constituir assistente e a quem tenha manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil nos termos do artigo 75.º, bem como ao respectivo defensor ou advogado.
Como resulta dos autos, o despacho de acusação do Ministério Público foi notificado à recorrente em 16.06.2017 e ao arguido em 22.04.2017.
Mas não foi notificado ao patrono oficioso da recorrente, apesar de estar nomeado desde Janeiro de 2017. O patrono oficioso da recorrente, que era ofendida no processo, devia ter sido notificado do despacho de acusação, por força dos artigos 383.º, n.º 5, e 377.º, n.º 3.
O patrono oficioso da recorrente só foi notificado da data para a audiência de julgamento, em 12.06.2017. E apresentou em 21.06.2017 requerimento em representação da recorrente a pedir que esta fosse constituída assistente, a aderir à acusação deduzida pelo Ministério Público e a deduzir pedido de indemnização civil.
É certo que o pedido de indemnização civil foi apresentado depois de decorrerem 20 dias sobre a data em que o arguido foi notificado da acusação. Mas tal deve-se ao facto de o patrono oficioso da recorrente não ter sido notificado do despacho de acusação, como impunham os artigos 383.º, n.º 5, e 377.º, n.º 3. Portanto, o pedido de indemnização civil deve considerar-se apresentado em tempo, visto que o patrono oficioso da recorrente, que o subscreveu em representação desta, só tomou conhecimento da acusação com a notificação da data para o julgamento, em 12.06.2017. A notificação da data do julgamento sana a irregularidade constituída por essa omissão de notificação e faz correr o prazo de 20 dias para o patrono da recorrente deduzir o pedido de indemnização civil.
Assim, o pedido de indemnização civil feito pelo patrono em nome da recorrente em 21.06.2017 foi apresentado dentro do prazo legal. A decisão recorrida deve ser alterada no sentido de se admitir o pedido de indemnização civil da recorrente.
III. Perante a procedência total do recurso, a recorrente (assistente) não tem que suportar as custas do processo (515.º do CPP).
IV. Pelo exposto, deliberamos, por unanimidade,
a) Julgar procedente o recurso interposto por A…,;
b) Revogar a decisão recorrida; e
c) Admitir o pedido de indemnização civil apresentado por A…

Lisboa, 28 de Junho de 2018
Relator – Cláudio de Jesus Ximenes
Adjunto – Manuel Almeida Cabral