Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
588/12.3TCFUN.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: GARANTIA BANCÁRIA AUTÓNOMA
CLÁUSULA ON FIRST DEMAND
CONVENÇÃO DE MONTREAL
GARANTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Ressalvados os casos de abuso de direito ou determinadas hipóteses perfeitamente padronizadas pela doutrina e jurisprudência, não pode o garante que prestou uma garantia bancária autónoma on first demand discutir os termos em que o contrato base foi cumprido, desde logo porque, em princípio, não pode opor ao beneficiário as exceções de direito material que eventualmente o garantido pudesse invocar a seu favor.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

  
I.–RELATÓRIO:

Ação
Declarativa com forma de processo comum.
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Autor/apelado
C. – Promoção Imobiliária, Lda.”, declarada insolvente em 9 de julho 2014.
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Réus/apelantes
João... e mulher, Idalina...;
Caixa, S.A.
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Pedido.

Deve:
“a)– Declarar-se a extinção da garantia pelo cumprimento da obrigação a que a A. se encontra adstrita (boa execução da obra) e, em consequência ordenar-se à Caixa, S.A. que se abstenha de proceder ao pagamento da mesma.
Se assim não se entender:
b)– Declarar-se que a mesma apenas abrange a boa execução da obra de construção da moradia permutada e que não estão reunidos os pressupostos legais e contratuais do accionamento total da garantia, ordenando-se a redução para o valor que o Tribunal vier apurar ser o necessário para proceder às reparações adequadas das eventuais desconformidades da moradia em relação ao mapa de encargos.
c)– Condenar-se os RR. João .. e mulher a pagarem à A. os juros que esta pagou e vier a pagar à R. CAIXA, S.A. desde Dezembro de 2010 até à entrega da garantia ou ao trânsito em julgado da presente acção”.

Causa de pedir.
 A autora celebrou, em 17 de novembro de 2008 – juntamente com os seus sócios-gerentes e respectivos cônjuges – com a “Caixa, S.A.” um contrato de garantia bancária para garantir a boa execução das obras de construção de uma moradia objeto de permuta entre si e os aqui réus, João... e Idalina....

A referida garantia bancária foi emitida, em 22 de dezembro de 2008, até ao montante máximo de € 450.000,00, com a finalidade de garantir a boa execução das obras de construção da moradia permutada e, não obstante a construção ter sido efetuada em conformidade com o solicitado pelos réus João... e Idalina..., sempre com a supervisão e acompanhamento do réu marido e sem que tenham, alguma vez, dado a indicação de que a obra não estaria em conformidade com o acordado, estes acionaram a garantia em 13/06/2011.

A moradia foi construída e encontra-se em perfeitas condições de entrega aos réus; estes, apesar disso, acionaram a garantia junto da “Caixa, S.A.”, recusando aceitar a obra, alegando que os acabamentos efetuados não foram os acordados e que o prazo de entrega não foi, igualmente, cumprido pela autora.

Oposição.
Dos réus João... e Idalina...:
A garantia bancária foi assinada para garantir, não só a boa execução das obras, mas também a entrega da fracção nas condições acordadas, o que não foi cumprido pela autora.
Da ré Caixa, S.A.:
Recebeu a interpelação para pagamento da Garantia Bancária e não procedeu a esse pagamento por força da decisão proferida em sede de Procedimento Cautelar instaurado pela autora. Desconhece os factos que pautaram a relação entre a autora e os réus João... e Idalina...

Reconvenção.
Os réus João... e Idalina... peticionam a condenação da autora e da ré Caixa, S.A. a:
- “Reconhecer que a garantia foi accionada em Junho de 2011, sem que nada possa opor-se à sua execução e em consequência deve ser pago aos Réus o valor de 450.000€ mais os juros legais devidos desde essa data até ao efectivo pagamento”;
- “[R]reconhecer que a garantia bancária prestada não caduca a 22 de Dezembro de 2012 devendo esse prazo ser considerado suspenso até ao trânsito em julgado da decisão do presente processo ou do pagamento da mesma;  
- “[s]olidariamente a indemnizar os Réus por valor a fixar em sentença pelos prejuízos causados, lucros cessantes e danos morais que se vierem a provar, e em consequência
- Ser dado sem efeito o registo da titularidade do direito de propriedade da identificada fracção D no nome dos Réus”.
Indicando como valor do pedido reconvencional a quantia de 450.000 €.

Incidente de intervenção.
Por decisão proferida a 09/04/2015 foi admitida a intervenção principal provocada, como associados da autora, de JP..., Lídia... e Paulo...
Nenhum dos intervenientes apresentou contestação, sendo o JP... e o Paulo... representados pelo M.P. porque foram citados editalmente.


Saneamento.
Proferiu-se o despacho de fls. 383-392, com o seguinte teor:
“A nulidade arguida pela “Caixa, S.A.”, através do requerimento entrado em juízo sob a Ref.ª Citius 396413 (11874022) e datado de 10/12/2012 (fls. 130), mostra-se sanada pelo despacho proferido sob a Ref.ª Citius 1341180, datado de 11/12/2012 (fls. 140), que sanou as irregularidades de notificação, conforme se extrai do teor do requerimento da “Caixa, S.A.”, entrado em juízo sob a Ref.ª Citius 410036 (12289069), datado de 28/01/2013 (fls. 142-144).
*

Da Réplica:
(…)
Em face do exposto, por tempestiva e legalmente admissível, admito a réplica.
*

Da Tréplica:
(…)
Assim sendo, admite-se a tréplica.
*

Da reconvenção apresentada pelos Réus João... e Idalina...contra a Co-Ré “Caixa, S.A.” e contra a Autora:
No seu articulado de contestação, os Réus deduziram pedido reconvencional contra a Autora e, bem assim, contra a co-Ré “Caixa, S.A.”, peticionando se reconheça que a garantia bancária em causa se mostra válida e exigível e se condenem Autora e Co-ré a ressarci-los dos danos morais e lucros cessantes que se vierem a liquidar em execução de sentença.
A reconvenção, actualmente regulamentada pelos artigos 266º e 583º, ambos do Código de Processo Civil (e anteriormente prevista nos artigo 274º e 501º), consubstancia a formulação de um pedido do Réu contra o Autor, conduzindo ao enxertamento de uma contra-acção na lide, que se cruza com a acção proposta pelo Autor.
De acordo com o ali previsto, para que se possa admitir a reconvenção, esta tem de cumprir os requisitos processuais e substantivos aí enunciados.
Assim, para que se possa admitir a reconvenção é necessária a competência absoluta do tribunal, a identidade subjectiva das partes, a indicação do valor da causa e a correspondência da forma do processo. Quanto a este último requisito processual de admissão, haverá que ter em mente, o disposto pelo n.º 3 do referido artigo 266º, que determina não ser exigível este último requisito, quando a diferença provenha apenas do valor diverso dos pedidos ou quando o juiz a autorize, ao abrigo do disposto no artigo 37º, n.º2 e 3, do Código de Processo Civil.
A fim de ser admitida, a reconvenção tem ainda de obedecer a requisitos substantivos. De facto, exige-se que o pedido reconvencional apresente autonomia em relação a uma mera defesa, ao mesmo tempo que se não prescinde de uma conexão entre o pedido reconvencional e o pedido do autor. Não se compreenderia que o Réu pudesse enxertar na acção pendente uma outra que em nada estivesse conexa com ela. Assim, exige-se uma ligação entre pedido do autor e pedido reconvencional, quer seja através do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa, quer seja através do pedido de compensação de dívidas ou de uma indemnização por benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega é pedida, quer seja através de um pedido de reversão a favor do Réu do efeito jurídico pretendido pelo Autor.
Estes os requisitos necessários para que se possa aceitar a dedução de reconvenção.
Tendo em consideração tudo quanto supra se deixa exposto, uma primeira conclusão se retira.
O legislador não quis – e isso passou expressamente para a letra da lei – que se pudessem cruzar acções entre co-Réus.
Na verdade, a Reconvenção configura um cruzamento de acções, sendo que por força da sua admissão deixa de existir uma só acção e passam a existir duas acções cruzadas no mesmo processo. Esse cruzamento de acções só pode ser admitido em certos termos, sob pena de se poder facilmente subverter toda a disciplina do processo. Há pressupostos de admissibilidade da reconvenção de carácter processual, de carácter substancial e, também – face ao teor expresso do preceituado pelo artigo 266º, n.º1, do Código de Processo Civil – de ordem de identidade subjectiva das partes, embora em posições invertidas. – Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, págs. 324/326.
Do que supra se deixa exposto se extrai que, embora se admita a intervenção de outras pessoas que, de acordo com os critérios gerais aplicáveis à pluralidade de partes, possam associar-se aos litigantes ou intervir ao lado deles, a verdade é que a reconvenção deve ser sempre dirigida à parte que ocupa, na lide, posição contrária àquela que o reconvinte ocupa.
Assim sendo, por legalmente inadmissível, não se admite a reconvenção deduzida contra a Co-Ré, Caixa, S.A.
*

No que respeita ao pedido apresentado contra a Autora, temos que o mesmo assenta na alegação de que o cumprimento da garantia bancária é devido, não podendo a mesma considerar-se como caduca. Os Réus parecem, assim, pretender sustentar a sua alegação, no disposto pelo artigo 266º, n.º1, alínea a), do Código de Processo Civil, já que o seu pedido emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção.

Apreciando e decidindo.
Por contrariar a regra da imutabilidade da instância, os requisitos substantivos de que a reconvenção depende assumem carácter excepcional, devendo ponderar-se a alegação à luz do que neles expressamente se consagra. 
Tendo em mente o que vem de dizer-se e ponderada a alegação apresentada pelos Réus, no seu pedido reconvencional, concluímos que o pedido por si apresentado possui a conexão necessária para ser admitido, tendo em consideração o expressamente previsto pelo artigo 266º, n.º1, alínea a), do Código de Processo Civil.
Acresce que a reconvenção foi identificada, deduzida separadamente na contestação e foi indicado o respectivo valor. 
Assim sendo, em face do expressamente previsto pelo artigo 266º, n.º1, alínea a), do Código de Processo Civil), admito a presente reconvenção, no que respeita à Autora, relativamente ao primeiro pedido (reconhecimento de accionamento da garantia bancária) e ao segundo pedido (reconhecimento de não caducidade da garantia bancária).
No que respeita ao terceiro pedido apresentado (condenação em indemnizar os Réus pelos prejuízos causados, lucros cessantes e danos morais), cumpre referir que tal pedido se mostra, face ao actual estado de insolvência da Autora, supervenientemente inútil. 
Nem pode ser outra a conclusão a retirar do expressamente preceituado pelo artigo 128º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, onde se estabelece que todos os créditos havidos sobre a insolvente devem ser reclamados no processo de insolvência, dentro do prazo fixado pela sentença de insolvência, sendo que apenas dessa forma podem os credores obter o pagamento dos mesmos. Não logrando os credores obter o reconhecimento do seu crédito, somente através da instauração de acção contra os credores já graduados e a massa insolvente, pode o credor obter o reconhecimento do seu crédito para pagamento à custa da massa insolvente. Isso mesmo se depreende do previsto pelo artigo 146º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.  
(…)
Destarte, por tudo quanto supra se deixa exposto, de acordo com o disposto na alínea e), 2ª parte, do artigo 277º, do Código de Processo Civil, declaro extinta a instância reconvencional, no que concerne ao pedido de indemnização, por inutilidade superveniente da lide.
Custas, nesta parte, pela massa insolvente da Ré, por a esta ser imputável a inutilidade superveniente, atenta a data de trânsito em julgado da sua declaração de insolvência e a data de entrada em juízo dos autos – cfr. artigo 536º, n.º3, in fine, do Código de Processo Civil. Registe e notifique. 
*
 
Os autos prosseguirão, assim, também para o conhecimento dos pedidos reconvencionais deduzidos de reconhecimento de legitimidade de accionamento da garantia bancária e de reconhecimento de não caducidade da garantia bancária.
Em face do expressamente previsto pelo artigo 299º, n.º2 e pelo artigo 530º, n.º3, ambos do Código de Processo Civil, não há que proceder a alteração ao valor.
(…)”

Julgamento.
Realizou-se audiência de julgamento após o que, em 07-02-2017 foi proferida sentença que concluiu como segue:
“Nestes termos, de acordo com o supra exposto e de harmonia com o disposto nos preceitos legais supra citados, decido:
a.– Julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente acção, absolvendo os Réus dos pedidos contra si deduzidos;
b.– Julgar parcialmente procedente a instância reconvencional e, em consequência:
 i.- Reconhecer e declarar que a garantia bancária autónoma foi validamente accionada e deve ser cumprida pela “Caixa, S.A.”, com o pagamento dos € 450.000,00 ali fixados;
ii.- Condenar a Autora a reconhecer que a garantia bancária autónoma foi accionada e deve ser cumprida pela “Caixa, S.A.”, com o pagamento dos € 450.000,00 ali fixados;
iii.- Cancelar o registo de aquisição efectuado a favor dos Réus João... e Idalina..., pela Ap. ..., de 02/06/2011, incidente sob o prédio sito à ..., em Santo António e descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal, sob o n.º ...;
c.– Absolver a Autora dos demais pedidos reconvencionais deduzidos.

Após trânsito, comunique-se à Conservatória do Registo Predial do Funchal o teor da decisão agora proferida. 
Comunique aos autos n.º 910/14.8TBSCR, a correr termos no Juízo do Comércio do Funchal, o teor da sentença proferida nestes autos.
*
Custas por Autora e Réus.
Registe e notifique”.
 
Recurso.
Não se conformando a ré Caixa ... SA apelou, formulando as seguintes conclusões:
“1) A douta decisão de facto peca por considerar como factos provados matéria que mais não é do que simples juízos conclusivos, o que se verifica relativamente à alínea FF) na qual consta: “Os Réus  no  decurso  da  obra  aperceberam-se  que  a  construção não estava a respeitar  o que foi acordado na  permuta  quanto  à  fracção  que  lhes  ficou  de  ser entregue”; afirmar que “não estava a respeitar o acordado na permuta” constitui um simples juízo conclusivo e não um facto, pelo que deve esta matéria ser retirada dos factos provados;

2) É também o que se passa relativamente a vários pontos respeitantes à alínea NN) dos factos provados, que seguidamente se indicam a bold e sublinhado para melhor perceção:
- Os perfis de alumínio dos vãos exteriores não são “Technal” e as suas ferragens não correspondem ao mapa de acabamentos;
(…)
A  porta  de  segurança  da  entrada  principal da  moradia,  com  estrutura  interior metálica e o exterior com revestimento em madeira lisa “Pau conta” não foi executada de acordo com o mapa de acabamentos
(…)
- O fornecimento e montagem  do  equipamento  sanitário,  dos  móveis das casas-de-banho, dos espelhos,  não  foram  realizados  de  acordo  com  o  mapa  de acabamentos; 
- A placa de fogão, o exaustor, o forno, o micro-ondas, o frigorífico e a máquina de  lavar a  louça  montados na   cozinha   não   correspondem   ao   mapa   de acabamentos
- O granito polido colocado na cozinha e o rodapé do pavimento da cozinha não foram executados de acordo com o mapa de acabamentos;
- As  loiças  cerâmicas  não  foram  fornecidas  e  executadas  de  acordo  com  o  mapa de acabamentos;
Com efeito, dizer que a obra ou os materiais “não estão de acordo com o mapa de acabamentos” mais não é do que a emissão de um juízo conclusivo sobre factos, pelo que deve esta matéria ser retirada da fundamentação de facto;

3) A alteração indicada à alínea NN) dos factos provados implica igualmente uma “revisão” da matéria considerada provada na alínea OO) da douta fundamentação de facto atendendo a que os valores inerentes aos diversos itens acima indicados deverão ser reduzidos ao valor indicado na alínea OO) dos factos provados;
4) Deve a redação da alínea E) da douta fundamentação de facto ser alterada em respeito ao texto expresso na garantia bancária, na qual consta redação que não a aposta nesta alínea, e que deve ser alterada para o seguinte: Garantir boa execução das obras de construção de moradia para permuta;
5) No douto despacho saneador prolatado em 17.05.2016 o Tribunal decidiu relativamente ao pedido reconvencional deduzido contra a co-R. CAIXA, S.A. que “…por legalmente inadmissível, não se admite a reconvenção deduzida contra a Co-Ré, Caixa, S.A.” com o fundamento em que a reconvenção deve ser sempre dirigida à parte que ocupa, na lide, posição contrária àquela que o reconvinte ocupa, o que não era o caso da aqui apelante, decidindo mais adiante nesse mesmo douto despacho que: “Os autos prosseguirão, assim, também para o conhecimento dos pedidos reconvencionais deduzidos de reconhecimento de legitimidade de accionamento da garantia bancária e de reconhecimento de não caducidade da garantia bancária.”;
6) Ora, a douta sentença ao condenar nos termos em que condenou pronunciou-se para além do que lhe era permitido nos termos consignados e previstos no art. 609º nº 1 do CPC atendendo a que não lhe era permitido declarar que (i) a garantia bancária foi validamente acionada e deve ser cumprida pela CAIXA, S.A. com o pagamento dos 450.000,00 € ali fixados, condenação esta que se dirige claramente à CAIXA, S.A. atendendo a que em (ii) a douta sentença refere o seguinte “…condenando-se ainda a A. a reconhecer que a garantia bancária foi acionada e deve ser cumprida pela CAIXA, S.A. com o pagamento dos 450.000,00 € ali fixados”.
7) O que está em causa nesta ação pelo lado da A. é tão somente a declaração de extinção da garantia bancária e que se ordene à CAIXA, S.A. que se abstenha de efetuar o seu pagamento, isto a título principal e, subsidiariamente declarar-se que a  mesma  apenas  abrange  a  boa   execução   da   obra   de   construção  da  moradia   permutada  e  que  não  estão  reunidos  os  pressupostos legais  e contratuais  do  accionamento  total  da  garantia, ordenando-se a redução para o valor que o Tribunal vier apurar ser o necessário para proceder às  reparações adequadas das eventuais desconformidades da  moradia  em relação ao mapa de encargos, e condenar-se  os  RR.  João ...  e  mulher a pagarem à A. os juros que esta pagou e vier a pagar  à  R.  CAIXA, S.A.  desde  Dezembro  de  2010  até  à  entrega  da garantia ou ao trânsito em julgado da presente acção;
8) E, pelo lado dos co-RR. João... e mulher por força do seu admitido pedido reconvencional o que está em causa nesta ação é tão-somente o reconhecimento de legitimidade de accionamento da garantia bancária e de reconhecimento de não caducidade da garantia bancária prestada, conforme despacho saneador;
9) Nesta conformidade a douta sentença encontra-se ferida de nulidade, nos termos consignados no art. 615º nº 1 alíneas d) e e) do CPC, com as legais consequências;
10) A garantia bancária prestada pela CAIXA, S.A. nos termos em que o foi e que são os que constam do seu texto apenas abrangia a boa execução da obra, e nada mais do que isso;
11) Ora, a douta sentença assume que a garantia bancária prestada pela CAIXA, S.A. abrange e abarca muito mais do que esta realidade, integrando-a no âmbito do cumprimento do contrato e permuta celebrado entre A. e os co-RR. João... e
mulher, contrato este que é estranho à CAIXA, S.A. porquanto se não insere no âmbito da garantia que aceitou prestar, sendo certo que a garantia prestada é autónoma relativamente à relação causal;
12) O que obriga e vincula a CAIXA, S.A. perante a ordenante da garantia bancária e perante os seus beneficiários é apenas o que consta do texto da garantia bancária e nada mais do que isso, não lhe sendo oponível o que as partes contratantes do contrato de permuta entre elas estipularam e acordaram, pelo que o cumprimento ou incumprimento do contrato de permuta integra para a CAIXA, S.A. o conhecido brocardo latino res inter alios acta;
13) Apurou-se que a moradia foi edificada com desrespeito por parte da A. relativamente aos acabamentos constantes da alínea NN) dos factos provados (havendo todavia que tomar em consideração o supra alegado no respeitante aos diversos itens desta alínea que contêm meros juízos conclusivos e não factos);
14) E apurou-se igualmente que colocar a moradia com os acabamentos acordados importaria um custo máximo de € 126.812,27, conforme consta da alínea OO) dos factos provados, sendo que a este valor haverá que deduzir o valor correspondente aos itens constantes da alínea NN) e que contêm meros juízos conclusivos e não factos;
15) Pelo que a responsabilidade da aqui apelante teria sempre que se circunscrever e delimitar a este valor, com a dedução dos itens da alínea NN) dos factos provados que contêm meros juízos conclusivos e não factos;
16) Ora, a douta sentença ao interpretar que a garantia bancária cobria e abarcava o próprio incumprimento do contrato de permuta outorgado entre A. e co-RR. não respeitou os concretos termos em que a CAIXA, S.A. aceitou o risco inerente à emissão da garantia porquanto o que a CAIXA, S.A. aceitou garantir não foi o risco do incumprimento do contrato de permuta, mas apenas a boa execução das obras de construção da moradia;
17) Pelo que – e sempre sem embargo do que acima se expressou em sede do ponto “II.3. A condenação fora do âmbito e objeto do pedido admitido” das presentes alegações – mesmo que fosse possível e admissível a condenação da CAIXA, S.A. no âmbito desta ação ao pagamento de quantia pecuniária a mesma não poderia nem deveria ultrapassar o valor máximo de € 126.812,27, conforme consta da alínea OO) dos factos provados, sendo que a este valor sempre haveria que deduzir o valor correspondente aos itens constantes da alínea NN) e que contêm meros juízos conclusivos e não factos.
Pelo que deverá a douta sentença ser anulada e/ou revogada nos termos acima delineados nestas conclusões.
Assim se fará Justiça !”

Os réus apresentaram contra alegações, recorrendo ainda subordinadamente, formulando conclusões.

Pretendem a alteração da sentença recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido de juros, alegando, em síntese, que são devidos juros de mora desde o acionamento da garantia, isto é, desde 13-06-2011 (fls. 507 - 511) [ [1] ].

II.–FUNDAMENTOS DE FACTO.
O Tribunal de primeira instância deu como provada a seguinte factualidade:
A.– Em 17 de Novembro de 2008, a autora, na qualidade de Ordenante, JP..., Lídia... e Paulo..., na qualidade de Fiadores, e a ré “Caixa, S.A.”, celebraram acordo escrito denominado “contrato para prestação de garantia bancária”;
B.– No acordo referido em A. foram identificados como beneficiários os réus João... e mulher, Idalina... e fixada como finalidade “garantir a boa execução das obras de construção de moradia para permuta;
C.– Sob o ponto sete do acordo referido em A. ficou consignado o Prazo de Garantia de 48 meses, com início na data indicada no Termo de Garantia Bancária; 
D.– Sob o ponto dezoito do acordo referido em A. foram estabelecidas como contragarantias a fiança assinada por JP..., Lídia... e Paulo... e uma hipoteca constituída sobre o prédio misto, situado ao sítio de ..., freguesia de Santo António, concelho do Funchal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o número ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e matriz rústica sob o artigo..., Secção ... e sobre o prédio urbano, situado ao sítio de ..., freguesia de Santo António, concelho do Funchal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o número ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...;
E.– Na sequência do acordo referido em A., a ré “Caixa, S.A.”, emitiu, em 22 de dezembro de 2008, garantia bancária autónoma, pelo prazo de 48 meses a partir dessa data, tendo por Ordenante a aqui autora e por beneficiários os réus João... e mulher, Idalina..., pela responsabilidade até € 450.000,00 e por finalidade “garantir a boa execução das obras de construção da moradia permuta”;
F.– Em 22 de dezembro de 2008, a autora celebrou com os réus João... e mulher, Idalina..., escritura pública de “Permuta”, mediante a qual os réus entregavam à autora o prédio misto, situado ao sítio de Santo Amaro, Pico dos Barcelos, freguesia de Santo António, concelho do Funchal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o número ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e matriz rústica sob o artigo ..., Secção ... e o prédio urbano, situado ao sítio de ..., concelho do Funchal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o número ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e a Autora lhes dava, em troca, uma moradia, do tipo T3, designada pela letra “D”, destinada exclusivamente a habitação, inserida no edifício composto pelas moradias a edificar nos mencionados prédios;
G.– A autora e os réus João... e mulher, Idalina... atribuíram aos prédios entregues pelos réus o valor de € 330.000,00 e à moradia permutada o de € 300.000,00;
H.– Os réus João... e mulher, Idalina... receberam os € 30.000,00 de diferença de valor entre os bens permutados referidos em G.;
I.– A autora, na qualidade de Segundo Outorgante, e os réus João... e mulher, Idalina..., na qualidade de Primeiros Outorgantes, acordaram, em documento escrito assinado em 22 de dezembro de 2008, denominado “Documento Complementar” e arquivado em conjunto com a escritura referida em F., que a fração habitacional designada pela letra “D” seria entregue habitável e livre de encargos, ónus, pessoas e bens e com arredores, arrecadações e estacionamentos concluídos, com todos os materiais, revestimentos, pavimentos, coberturas, carpintarias, loiças, alumínios, serralharias e acabamentos constantes do anexo ao contrato, que dele faz parte integrante, com a qualidade considerada superior dos materiais de construção e acabamentos; 
J.– A autora comprometeu-se a concluir a construção no prazo máximo de dezasseis meses a contar do dia 15 de Janeiro de 2009;
K.– Sob a cláusula Terceira, número sete, do documento referido em I., ficou acordado que “logo que emitida a licença de utilização da fracção permutada, o segundo Outorgante fica obrigado a num prazo de cinco dias úteis comunicar aos primeiros outorgantes com a antecedência mínima de cinco dias úteis em relação à data, a realização da escritura de constituição de propriedade horizontal ou, se necessário, de designação do bem futuro permutado, através de carta registada com aviso de recepção”;
L.– Sob a cláusula Quarta, número dois, do documento referido em I., ficou acordado que “ 1. A sociedade representada pelo segundo outorgante presta garantia bancária, first demand, a favor de qualquer dos primeiros outorgantes, pelo valor de quatrocentos e cinquenta mil euros, assumindo o custo financeiro de tal operação (…) destinada a assegurar a entrega nas condições referidas da fracção acima identificada. “. Caso venha a ser accionada a garantia bancária, fazendo os primeiros outorgantes seu o valor de quatrocentos e cinquenta mil euros, a segunda outorgante fica desvinculada da obrigação de transmitir e entregar aquela fracção”;
M.– Sob a cláusula Sétima, do documento referido em I., ficou acordado que todas as comunicações e notificações contratuais devem ser feitas para as moradas indicadas acima indicadas”;
N. Na escritura pública de Permuta foi indicada, como morada dos réus João... e mulher, Idalina..., a Rua ..., S. Martinho, Funchal;
O.– A autora construiu o edifício composto pelas moradias a edificar nos dois prédios referidos em F., que pertenciam aos réus João... e mulher, Idalina...;
P.– A 07 de dezembro de 2010, Paulo..., na qualidade de director de fiscalização da obra, assinou Termo de Responsabilidade, onde declara que “a obra se encontra concluída desde 18 de Agosto de 2010, em conformidade com o projecto aprovado, com as condicionantes da licença, com a utilização prevista no alvará de licença das obras e que as alterações efectuadas ao projecto estão em conformidade com as normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis.”;
Q.– A 10 de dezembro de 2010, o Município do Funchal atribuiu ao edifício referido em O. o alvará de licença de utilização n.º ...;
R.– A 17 de dezembro de 2010, após a inscrição do prédio para efeitos de IMI e da emissão de licença de habitabilidade pelo Município do Funchal, a Autora submeteu o imóvel construído ao regime de propriedade horizontal;
S.– A fracção designada pela letra “D” do prédio sito ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal, freguesia de Santo António, sob o n.º ..., mostra-se inscrita, por permuta e pela Ap. ..., de 02/06/2011, a favor dos réus João... e mulher, Idalina...;
T.– A 8 de junho de 2011, a autora enviou missiva escrita dirigida ao réu João..., em que informava o registo da fracção “D” do prédio urbano sito ..., Santo António em seu nome e que as chaves se encontravam à disposição na sede social da empresa;
U.– A carta referida em T. foi endereçada à Rua ..., Funchal e foi devolvida ao remetente com a indicação, aposta pelos CTT, “Não atendeu”;
V.– A 13 de junho de 2011, os réus João... e mulher, Idalina... comunicaram, via fax, à ré “Caixa, S.A.”, que pretendiam acionar a garantia bancária, solicitando o pagamento da importância de € 450.000,00, referindo que a moradia não tinha sido entregue dentro do prazo contratualmente previsto, que a construção da indicada moradia não respeitara os materiais, revestimentos, pavimentos, coberturas, carpintarias, louças, alumínios, serralharia e acabamentos constantes do documento complementar à escritura de permuta e que a fração se encontra onerada com hipoteca a favor da Caixa, S.A.;
W.– No dia 28 de junho de 2011, a autora enviou, através do seu mandatário, à “Caixa, S.A.”, um fax de onde constam, entre outros, “o beneficiário da garantia recusou-se a receber uma carta que lhe foi dirigida, sob registo e com aviso de recepção, pela n/cliente, dando-lhe notícia que o registo da fracção permutada em seu nome já tinha sido efectuado, bem como que as chaves se encontram à sua disposição (…) Chamamos novamente a atenção dessa instituição para não pagar a garantia prestada uma vez que o beneficiário da mesma não tem motivo justificativo para o fazer. (…) ”;
X.– No dia 04 de julho de 2011, a autora enviou, através do seu mandatário, à “Caixa, S.A.”, com conhecimento ao mandatário dos réus, um fax onde comunicava entender não estarem reunidos os pressupostos para pagar a garantia bancária, dava conta do não recebimento da fração por parte dos réus João... e mulher, Idalina... e do registo da fração permutada em nome destes réus;
Y.– A “Caixa, S.A.; S.A.” enviou aos réus João... e mulher, Idalina..., carta datada de 30 de junho de 2011 em que informa ter recebido a comunicação de acionamento da garantia bancária n.º 0188.000106.293 e solicita informações acerca das razões que motivaram o acionamento somente após o envio da comunicação, pela sociedade ordenante, de que a aquisição por permuta já havia sido registada a favor dos réus e quando, segundo o alegado pelos réus, há muito se verificava fundamento para o acionamento agora verificado;
Z.– Os réus remeteram, através do seu mandatário, à “Caixa, S.A.” carta datada de 06 de julho de 2011, de onde constam, entre outros, os seguintes dizeres:” (…) só através da vossa carta e do email do meu colega é que tomamos conhecimento de que a propriedade da fracção D do empreendimento construído pela C., Lda em prédios que inicialmente eram dos meus constituintes, tinha sido registada a favor do Sr. João... e esposa. (…) o imperdoável atraso na entrega da fracção; a alteração injustificada dos materiais e acabamentos da fracção a que se tinham comprometido, sem que tivessem mostrado vontade em repará-los e a não notificação para que fosse melhor determinada a fracção objecto da permuta e certificada a sua qualidade, foram factos suficientes para que os meus constituintes accionassem a garantia em que confiaram e confiam”.
AA.– O registo referido em S. foi efetuado mediante pedido elaborado e assinado pelo mandatário da autora;
BB.– Por decisão proferida a 3 de julho de 2012, nos autos de Procedimento Cautelar n.º 390/11.0TCFUN, que correram termos nas Varas de Competência Mista do Funchal, foi ordenado à “Caixa, S.A.” que se abstivesse de proceder ao pagamento da garantia bancária emitida em consequência do contrato referido em A.; 
CC.– A “Caixa, S.A.” não pagou a garantia bancária;
DD.– A 02 de agosto de 2012, a “Caixa, S.A.” emitiu documento escrito em que declara que renunciará às hipotecas registadas sobre a fracção “D” do prédio ..., freguesia de ... (Funchal), aquando da entrega do TERMO da garantia bancária n.º ... prestada a 2008/12/22 aos beneficiários Sr. João... e D. Idalina..., pelo montante de € 450.000,00 eur (quatrocentos e cinquenta mil euros).”;
EE.– Os réus tinham escolhido a moradia referida em F. para sua residência pessoal;
FF.– Os réus no decurso da obra aperceberam-se que a construção não estava a respeitar o que foi acordado na permuta quanto à fração que lhes ficou de ser entregue; 
GG.– A autora não disponibilizou a chave da moradia referida em F. aos Réus;
HH.– A autora pôs a moradia referida em F. à venda em imobiliárias;
II.– À data referida em A., JP... e Paulo... eram sócios da autora;
JJ.– A autora foi avisada, durante a construção, da desconformidade de materiais;
KK.– A autora não corrigiu as alterações porque tinha no horizonte a alternativa de vender a fração e compensar os réus por isso;
LL.– Na altura da construção a autora sabia que os réus não iam aceitar a moradia tal qual estava a ser construída, mas estava confiante que a iria vender a terceiro;
MM.– Na data da emissão da autorização de utilização, a 10 dezembro de 2010, faltava assegurar os acessos não impermeabilizados, arranjar os arredores e havia moradias inacabadas;

NN.– A obra realizada não respeitou os seguintes pontos referenciados no mapa de acabamentos que foi anexo à escritura de permuta:
- Não foram executadas sancas em gesso; 
- Os perfis de alumínio dos vãos exteriores não são “Technal”e as suas ferragens não correspondem ao mapa de acabamentos;
- Não foram fornecidos e montados os equipamentos referentes ao automatismo das portas da garagem;
- Não foram fornecidos e montados os equipamentos referentes ao automatismo dos portões exteriores;
- Não foi colocado o guarda-mãos em madeira respeitante ao topo do corrimão das escadas interiores;
- A porta de segurança da entrada principal da moradia, com estrutura interior metálica e o exterior com revestimento em madeira lisa “Pau conta” não foi executada de acordo com o mapa de acabamentos;
- A estrutura da escada interior foi executada em betão armado e o acordado era ser executada em ferro;
- Não foram colocadas ferragens Tupay nas portas interiores;
- Os roupeiros não foram forrados em melanina branca, com portas de correr em vidro fosco e perfil de alumínio, com bloco de gavetas e divisão para maleiro;
- O fornecimento e montagem do equipamento sanitário, dos móveis das casas de-banho, dos espelhos, não foram realizados de acordo com o mapa de acabamentos; 
- A placa de fogão, o exaustor, o forno, o micro-ondas, o frigorífico e a máquina de lavar a louça montados na cozinha não correspondem ao mapa de acabamentos;
- As prateleiras e divisórias da cozinha não são em contraplacado marítimo; 
- Não foi colocada na cozinha a misturadora “Ofa-Cubus”;
- O granito polido colocado na cozinha e o rodapé do pavimento da cozinha não foram executados de acordo com o mapa de acabamentos;
- As loiças cerâmicas não foram fornecidas e executadas de acordo com o mapa de acabamentos;
- Os arranjos exteriores não foram executados de acordo com o mapa de acabamentos (foram colocadas resinas epóxi em vez das acordadas placas “Trespa Meteou”; os pavimentos foram executados em pedra de natureza calcária, quando estava prevista a execução em paralelepípedos basálticos; os pilares dos portões foram revestidos a pedras de natureza calcária e não a granito serrado); 
OO.– Colocar a moradia com os acabamentos acordados importaria um custo máximo de € 126.812,27.

III–FUNDAMENTOS DE DIREITO.
1.– Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos apelantes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635º e 639º do novo C.P.C. [ [2] ] – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.

No caso, ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar:
Quanto ao recurso principal:
- Da nulidade da sentença: a “condenação fora do âmbito e objeto do pedido admitido” (art. 615º, nº1, alíneas d) e e) do C.P.C.);
- Da impugnação do julgamento de facto;
- Das características da garantia prestada: garantia bancária autónoma à primeira interpelação;
- Da finalidade da garantia prestada.

Quanto ao recurso subordinado:
- Do pedido de juros.

2.– A nulidade da decisão por excesso de pronúncia ocorre, nos termos do art. 615º, nº1, alínea d) do C.P.C. quando o juiz “conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, tendo por contraponto a omissão de pronúncia.
“Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”, constitui nulidade de sentença quer a falta de apreciação, isto é o “o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão”, quer a apreciação “de causas de pedir não invocadas” quer de exceções não deduzidas e que estejam na exclusiva disponibilidade das partes” [ [3]  ].
Como acontece relativamente a outros vícios suscetíveis de afetar a sentença e que também são cominados com a nulidade, importa no entanto não confundir a omissão/excesso de conhecimento com as hipóteses em que o juiz se limita a expor o seu raciocínio, efetuando um juízo valorativo e considerando determinadas “linhas de fundamentação jurídica” [ [4] ]; está, então, em causa, eventual erro de julgamento e não qualquer vício de natureza formal que inquina a sentença.
Quanto à nulidade que advém da circunstância do tribunal condenar “em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido” – alínea e) –, está em causa a salvaguarda do princípio do dispositivo na vertente alusiva à conformação objetiva da instância, imposta pelo art. 609º, nº1. Assim, “a decisão, seja condenatória ou absolutória, não pode pronunciar-se sobre mais do que o que foi pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida”(…). O objeto da sentença coincide assim com o objeto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir mais além do que lhe foi pedido” [ [5]  ].
No caso, a apelante invoca que a sentença é nula – reconduzindo o vício apontado ao disposto nas alíneas d) e e) do nº 1 do art. 615º do C.P.C. – porquanto o tribunal “ao condenar nos termos em que condenou pronunciou- se para além do que lhe era permitido nos termos consignados e previstos no art. 609º nº 1 do CPC”.
Não se discute que, tendo o pedido reconvencional sido deduzido pelos réus contra a autora e contra a co-ré entidade bancária, o tribunal só admitiu a reconvenção formulada contra a autora, decidindo-se que “não se admite a reconvenção deduzida contra a Co- Ré, Caixa, S.A. SA”, decisão que transitou em julgado.
No entanto, a apelante não se queda por aí, pretendendo ainda delimitar a intervenção do juiz de julgamento com base num outro segmento de texto, enunciado aquando do saneamento do processo, como se o mesmo conformasse o objeto deste, o que não pode aceitar-se.
Assim, no despacho de fls. 382 a 392, expressamente referido no relatório, verifica-se que a Meritíssima Juiz, depois de apreciar da admissibilidade dos pedidos reconvencionais, e de julgar extinta a instância por inutilidade superveniente relativamente ao pedido indemnizatório, em face da insolvência da autora, refere:
“Os autos prosseguirão, assim, também para o conhecimento dos pedidos reconvencionais deduzidos de reconhecimento de legitimidade de accionamento da garantia bancária e de reconhecimento de não caducidade da garantia bancária.
Em face do expressamente previsto pelo artigo 299º, n.º2 e pelo artigo 530º, n.º3, ambos do Código de Processo Civil, não há que proceder a alteração ao valor”.
Ora, é precisamente com base neste último segmento de texto que a apelante entende que o tribunal incorreu em nulidade porquanto na parte dispositiva da sentença, “não lhe era permitido declarar que (i) a garantia bancária foi validamente acionada e deve ser cumprida pela CAIXA, S.A. com o pagamento dos 450.000,00 € ali fixados, condenação esta que se dirige claramente à CAIXA, S.A. atendendo a que em (ii) a douta sentença refere o seguinte “…condenando -se ainda a A. a reconhecer que a garantia bancária foi acionada e deve ser cumprida pela CAIXA, S.A. com o pagamento dos 450.000,00 € ali fixados”.
Ora, o que delimita a intervenção do tribunal é a reconvenção formulada contra a autora, nos precisos termos em que o foi, constituindo aquela determinação do tribunal quanto ao prosseguimento da ação não mais do que uma síntese conclusiva da apreciação que havia sido feita anteriormente; acrescente-se que essa referência nem sequer encerra em si mesma qualquer segmento dispositivo que envolva o conhecimento de determinada questão/pedido, para efeitos de caso julgado.
Aceitando-se que a parte dispositiva da sentença não corresponde, ipsis verbis, aos termos da condenação dirigida pelos réus contra a autora, daí não decorre que tenha sido praticada qualquer nulidade; ponto é que o juízo condenatório proferido se contenha no pedido formulado, ou, dito de outra forma, que o pedido se reveja na decisão, como no caso acontece.

Assim:
Afastada que está a reconvenção dirigida à apelante, co-ré, temos que os réus João... e Idalina... peticionam a condenação da autora a:
- “Reconhecer que a garantia foi accionada em Junho de 2011, sem que nada possa opor-se à sua execução e em consequência deve ser pago aos Réus o valor de 450.000€ mais os juros legais devidos desde essa data até ao efectivo pagamento”;
- “[R]reconhecer que a garantia bancária prestada não caduca a 22 de Dezembro de 2012 devendo esse prazo ser considerado suspenso até ao trânsito em julgado da decisão do presente processo ou do pagamento da mesma”  [ [6] ]; 
O tribunal decide:
“b.- Julgar parcialmente procedente a instância reconvencional e, em consequência:
 i.- Reconhecer e declarar que a garantia bancária autónoma foi validamente accionada e deve ser cumprida pela “Caixa, S.A.”, com o pagamento dos € 450.000,00 ali fixados;
ii.- Condenar a Autora a reconhecer que a garantia bancária autónoma foi accionada e deve ser cumprida pela “Caixa, S.A.”, com o pagamento dos € 450.000,00 ali fixados”;
Na parte em que o tribunal está a “[r]econhecer e declarar que a garantia bancária autónoma foi validamente accionada e deve ser cumprida pela Caixa, S.A., com o pagamento dos € 450.000,00 ali fixados” (i), o tribunal mais não faz senão um juízo valorativo típico da fundamentação de direito da condenação, juízo esse que transporta para a parte dispositiva da sentença, antecedendo o juízo condenatório; trata-se, aliás, de uma apreciação de natureza declarativa – como resulta dos termos da decisão – que é pressuposto do juízo condenatório formulado subsequentemente e que, em termos substantivos, em bom rigor, nada acrescenta, tanto assim que bem podia eliminar-se essa referência da parte dispositiva da sentença e passa-la para a fundamentação de direito respetiva, como conclusão, que o sentido da decisão manter-se-ia inalterado.
E, na parte em que o tribunal decide “condenar a Autora a reconhecer que a garantia bancária autónoma foi accionada e deve ser cumprida pela “Caixa, S.A.”, com o pagamento dos € 450.000,00 ali fixados” (ii), o tribunal decide, afinal, como os réus peticionam, que se reconheça que “nada possa opor-se à sua execução” – sendo a expressão “sua” reportada à garantia bancária – e que “em consequência deve ser pago aos Réus o valor de 450.000€”.
Saliente-se o óbvio: não está em discussão que o pagamento dos 450.000,00€ deva ser feito pelo garante, isto é, pela apelante, entidade bancária que prestou a garantia em causa.
Em suma, não se vislumbra que a parte dispositiva da sentença tenha um alcance mais vasto daquele que resulta da reconvenção formulada, ou que o tribunal tenha ido mais além do que devia.
A reconvenção formulada, na parte em que é pedido o reconhecimento que “nada possa opor-se à sua execução e em consequência deve ser pago aos Réus o valor de 450.000€” e juros, envolve uma apreciação sobre o direito (dos réus) à execução da garantia.
Assim, entendemos que inexiste qualquer vício de natureza formal que inquine a sentença.
Improcede a nulidade invocada.

3.– A apelante impugna o julgamento de facto, considerando que “a decisão de facto peca por considerar factos provados matéria que mais não é do que simples juízos conclusivos”, com referência ao circunstancialismo que a seguir se refere, concluindo que se deve eliminar essa matéria:
FF.– Os réus no decurso da obra aperceberam-se que a construção não estava a respeitar o que foi acordado na permuta quanto à fração que lhes ficou de ser entregue; 
NN.– A obra realizada não respeitou os seguintes pontos referenciados no mapa de acabamentos que foi anexo à escritura de permuta:
- Os perfis de alumínio dos vãos exteriores não são “Technal” e as suas ferragens não correspondem ao mapa de acabamentos;
- A porta de segurança da entrada principal da moradia, com estrutura interior metálica e o exterior com revestimento em madeira lisa “Pau conta” não foi executada de acordo com o mapa de acabamentos;
- O fornecimento e montagem do equipamento sanitário, dos móveis das casas de-banho, dos espelhos, não foram realizados de acordo com o mapa de acabamentos; 
- A placa de fogão, o exaustor, o forno, o micro-ondas, o frigorífico e a máquina de lavar a louça montados na cozinha não correspondem ao mapa de acabamentos;
- O granito polido colocado na cozinha e o rodapé do pavimento da cozinha não foram executados de acordo com o mapa de acabamentos;
- As loiças cerâmicas não foram fornecidas e executadas de acordo com o mapa de acabamentos;

Consequentemente, entende ainda que:
“O que implica igualmente uma “revisão” da matéria considerada provada na alínea OO) da douta fundamentação de facto atendendo a que os valores inerentes aos diversos itens acima indicados deverão ser reduzidos ao valor indicado na alínea OO) dos factos provados”.
Por último, pretende que se altere a redação da alínea E), de forma a que onde se lê “garantir a boa execução das obras de construção da moradia permuta”, passe a constar, de acordo com o texto da garantia bancária junta a estes autos, “garantir boa execução das obras de construção de moradia para permuta”.

Cumpre apreciar.

*

Com referência à matéria descrita em FF), dir-se-á apenas que está provado que a construção da moradia não obedeceu, relativamente a inúmeros pontos, descritos na factualidade dada por assente, em NN), ao mapa de acabamentos anexo à escritura de permuta (mapa constante de fls. 59-65 do procedimento cautelar, que aqui também consta a fls. 246-v- 249, em cópia pouco legível); como se referiu a apelante só questiona parte da resposta descrita em NN).

Assim sendo, a afirmação de que os réus se aperceberam desse circunstancialismo deve obviamente manter-se, não envolvendo qualquer juízo valorativo de natureza conclusiva; reporta-se apenas à constatação de um facto de índole subjetiva, atinente ao conhecimento de uma das partes sobre determinada realidade.
Improcede a impugnação.
*

Quanto à matéria indicada em NN) a apelante questiona a resposta sempre que se utiliza, relativamente aos vários tipos de equipamentos/materiais, etc. a expressão “não foi executado(a) de acordo com o mapa de acabamentos”.

Só aparentemente se trata de resposta conclusiva.

Assim e salientando-se que essa factualidade teve por base prova de natureza documental – o aludido mapa de acabamentos – e pericial – relatório e esclarecimentos constantes dos autos de procedimento cautelar, a fls. 475 - 490, 504 -508 e 561 – 572 [ [7] ] –, o que está em causa é apenas proceder a uma atividade confirmatória tendo por referência, por um lado, o documento que consubstancia o referido “mapa de acabamentos” e, por outro, a realidade física que se apresenta ou depara ao perito e que este pode constatar, ou seja, o que está em causa é averiguar de uma relação de identidade.

Assim e exemplificando.

Deu-se como assente que “[a] placa de fogão, o exaustor, o forno, o micro-ondas, o frigorífico e a máquina de lavar a louça montados na cozinha não correspondem ao mapa de acabamentos”.

Ora, compulsando o mapa de acabamentos constata-se que estava previsto o seguinte equipamento de cozinha:
A placa de fogão “Wirpool” AKM2741X;
O exaustor “Wirpool” AKR7661X;
O forno “Wirpool” AKZ4991X;
O micro-ondas “Wirpool” AMW590IX;
O frigorífico “Wirpool” Americano 2ORID3; 
A máquina de lavar a louça “Wirpool” ADPG947IX.
O que o perito fez foi constatar que não foi esse equipamento que foi aplicado na cozinha da moradia ou, dito de outra forma, o equipamento montado na cozinha da fração não corresponde à marca assinalada – como fez constar do relatório –, o que temos por suficiente, justificando, pois, a reposta dada, que, nesse contexto, não se apresenta como conclusiva.

Ou ainda:
- Os perfis de alumínio dos vãos exteriores não são “Technal” e as suas ferragens não correspondem ao mapa de acabamentos;
Ora, no mapa de acabamentos estava previsto, quanto às “serralharias”, o “fornecimento e assentamento de vãos exteriores em perfis de alumínio “Technal”, séries FB, GB26, lacado na cor cinza Ral 7011 mate, e com vidros duplos laminados 4+4 vidro incolor + vidro cinza de 6mm, incluindo, fixações e todos os acessórios e trabalhos necessários”.

O que o Sr. Perito constatou foi que os perfis de alumínio dos vãos exteriores não são “Technal” e as ferragens não correspondem ao mapa de acabamentos, nos moldes enunciados, o que é suficiente e não se apresenta como um juízo conclusivo.

E ainda:
- O granito polido colocado na cozinha e o rodapé do pavimento da cozinha não foram executados de acordo com o mapa de acabamentos;
Estava prevista a colocação de “granito polido Celestone entre o espaço do móvel inferior com o móvel superior da cozinha”, tendo o perito constatado que não foi efetuado.
O que se disse vale para a demais matéria impugnada, relativamente à porta de segurança da entrada principal da moradia, ao equipamento sanitário, dos móveis das casas de-banho e espelhos, e as loiças cerâmicas.
Improcede a impugnação.
*

Consequentemente, improcede igualmente a impugnação da factualidade dada por assente sob a alínea OO).
*

Quanto à alínea E), justifica-se a alteração da redação dessa alínea, atentos os precisos termos do documento que consubstancia a garantia prestada, em que efetivamente se pode ler, como a apelante refere, o seguinte semento de texto: “garantir boa execução das obras de construção de moradia para permuta” – e não, como referido pela Meritíssima Juiz “garantir a boa execução das obras de construção da moradia permuta” (cfr. o documento junto a fls. 31 junto aos autos de procedimento cautelar); em todo o caso refira-se que a alteração não é juridicamente relevante.
*

Termos em que, julgando parcialmente procedente a impugnação do julgamento de facto, determina-se a alteração da alínea E) da factualidade dada por assente, que passa a ter a seguinte redação:
E. Na sequência do acordo referido em A., a ré “Caixa, S.A.”, emitiu, em 22 de dezembro de 2008, garantia bancária autónoma, pelo prazo de 48 meses a partir dessa data, tendo por Ordenante a aqui autora e por beneficiários os réus João... e mulher, Idalina..., pela responsabilidade até € 450.000,00 e por finalidade “garantir boa execução das obras de construção de moradia para permuta”;

4.– A apelante discute o alcance que a Meritíssima Juiz assinalou à garantia bancária prestada, considerando que a garantia prestada “apenas abrangia a boa execução da obra, e nada mais do que isso” pelo que a responsabilidade da apelante “teria sempre que se circunscrever e delimitar” ao valor de 126.812,27€, valor correspondente ao custo máximo para “colocar a moradia com os acabamentos acordados”; insurge-se, pois, contra a decisão, indicando que “o que a CAIXA, S.A. aceitou garantir não foi o risco do incumprimento do contrato de permuta, mas apenas a boa execução das obras de construção da moradia”.

Vejamos.

Não se discute a qualificação jurídica dos negócios em causa nos autos e aludidos na decisão recorrida: o contrato principal, que se reconduz a um contrato de permuta [ [8] ], outorgado entre a autora e os réus apelados (contrato subjacente ou contrato-base), com referência à garantia autónoma titulada pelo documento junto a fls. 31 dos autos de procedimento cautelar e a que se reportam os factos dados por assentes em A) a D), alusivos ao contrato de cobertura, entendendo-se este como o contrato celebrado entre o interessado – o mandante – e o garante, a favor de um terceiro  (beneficiário) [ [9] ] [ [10] ].

Como refere Meneses Cordeiro, a “interpretação do texto da garantia é essencial para determinar o seu alcance”[ [11] ], sendo indiscutível que, no caso, estamos perante garantia à primeira solicitação (on first demand). O que significa, e por contraposição às garantias autónomas simples, que o beneficiário não está vinculado a provar o incumprimento por parte do garantido bastando, para acionar a garantia e obrigar o banco ao pagamento do valor respetivo, a mera afirmação daquele facto.

A característica apontada, automaticidade, não se confunde, como a doutrina e jurisprudência vem assinalando, com outra característica, a autonomia; esta (autonomia) reporta-se à independência relativamente às demais relações, ponderando a apontada estrutura triangular (contrato de cobertura, entre o banco garante e o devedor/ordenante/garantido, o contrato-base, celebrado entre este e o credor beneficiário e o título de garantia emitido), considerando-se que o garante não pode opor ao beneficiário os meios de defesa que assistam ao devedor garantido, com base em factos ou circunstâncias que se prendem com o contrato base; a automaticidade, como se disse, tem que resultar do texto da garantia e prende-se com a apontada caraterística, isto é, a vinculação ao cumprimento da garantia por mera solicitação do beneficiário.  

Como refere Meneses Cordeiro, “perante uma garantia autónoma à primeira solicitação, de nada servirá vir esgrimir com argumentos retirados do contrato principal: a garantia tem fins próprios, auto-suficientes, servindo, nas palavras de GALVÃO TELES, como um simples sucedâneo de um depósito em dinheiro. Mas não um equivalente perfeito, uma vez que, em casos de má fé manifesta, ela pode ser bloqueada” [ [12] ].

Para além das exceções que resultem diretamente do contrato de garantia têm, por isso, a doutrina e jurisprudência sido muito contidas quanto aos motivos que o garante pode invocar para obstar ao cumprimento, reconduzindo-se essas hipóteses a casos perfeitamente padronizados.

«A legitimidade da recusa tem sido defendida designadamente nas seguintes circunstâncias:
– Manifesta má fé ou a má fé patente, isto é, que não oferece a menor dúvida, por decorrer com absoluta segurança de prova documental em poder do ordenante ou do garante;
– Casos de fraude manifesta ou de abuso evidente por parte do beneficiário;
– Quando o contrato garantido ofender a ordem pública ou os bons costumes;
– Sempre que exista prova irrefutável de que o contrato-base foi cumprido [ [13] ] [ [14]  ] [  [15] ].
Quanto à função da garantia, diremos, como José Engrácia Antunes, que “de acordo com o critério da sua finalidade, as garantias dizem-se de oferta, de boa execução, ou de reembolso de pagamentos antecipados, consoante se destinam a assegurar a honorabilidade de uma proposta contratual, o adequado cumprimento de obrigações contratuais, ou o reembolso de quantias despendidas pelo beneficiário” [ [16]  ].


A questão que ora se nos coloca, feita esta síntese conclusiva – que corresponde, grosso modo, ao que a primeira instância havia considerado – é saber se a garantia prestada tem por função a boa execução da obra ou do contrato, a aceitar-se, pelo menos por ora, a dicotomia pretendida pela apelante.

Decorre do que se expôs que, ponderando as várias modalidades de garantia no que concerne à sua finalidade, parece-nos que aludir à boa execução da obra, significa ou é tendencialmente o mesmo que garantir a boa execução do contrato (contrato base) quando, como acontece no caso, este contrato passa pela obrigação de construção de um imóvel com determinadas características, previamente definidas entre o devedor/ordenante/garantido e o credor/beneficiário e a correlativa obrigação de entrega dessa coisa em determinado prazo.

Foi, aliás, nesses termos que o entenderam os contraentes: a autora e os réus apelados acordaram expressamente, fazendo consignar no documento complementar ao contrato de permuta que “[a] sociedade representada pelo segundo outorgante presta garantia bancária, first demand, a favor de qualquer dos primeiros outorgantes, pelo valor de quatrocentos e cinquenta mil euros, assumindo o custo financeiro de tal operação (…) destinada a assegurar a entrega nas condições referidas da fracção acima identificada. “. Caso venha a ser accionada a garantia bancária, fazendo os primeiros outorgantes seu o valor de quatrocentos e cinquenta mil euros, a segunda outorgante fica desvinculada da obrigação de transmitir e entregar aquela fracção” (cfr. a factualidade indicada em L) [ [17]  ].

Refere a apelante que esse clausulado não a vincula.

Assim será, mas o mínimo que pode dizer-se relativamente á garantia prestada é que “[o] banco deve, em todo o caso, esforçar-se por redigir cláusulas não ambíguas, precisando as condições em que a garantia será exigível e os seus limites”[[18]].

Sendo certo, por outro lado, que a obrigação de garantia tem como limite o valor do imóvel em causa, segundo a avaliação feita pelo próprio banco [[19] ], o que significa que a apelante assegura, em última ratio, a entrega de valor equivalente à coisa.

Ora, no caso, a coisa nem sequer foi entregue, como à evidência resulta da factualidade dada por assente, salientando-se o flagrante incumprimento do contrato-base por parte do garantido que agiu, aliás, com clamorosa má-fé na execução do contrato, chegando ao ponto de, por via da intervenção de um advogado, lograr registar o imóvel em nome dos réus apelados sem o conhecimento destes (cfr. a factualidade dada por assente, sem impugnação da apelante, em Z), AA) e FF) a OO), salientando-se que a comunicação dirigida pela autora aos réus apelados foi enviada para morada incorreta e não foi recebida por estes (cfr. as alíneas N), T) e U) dos factos assentes).
       
Tendemos, pois, a partilhar o entendimento da Meritíssima Juiz, expresso na sentença recorrida, contra o qual se insurge a apelante [ [20] ].

Noutra ordem de considerações, dir-se-á que, em bom rigor, a discussão é espúria.

É que se verifica, sem margem para dúvida, o condicionalismo previsto na garantia, uma vez que é líquido que a moradia não foi corretamente executada, como à evidência decorre da factualidade assente (alínea NN). Com a agravante de que o impacto financeiro dessa incorreta execução é muito significativo, porquanto, como se apurou, colocar a moradia com os acabamentos acordados importaria um custo máximo de 126.812,27€, valor que corresponde a mais de 25% do valor de avaliação da entidade bancária. Ou seja, não estamos sequer perante hipótese em que o incumprimento assume relevância diminuta ou pouco significativa na economia do contrato.

E, assim sendo, mesmo na tese da apelante, estariam reunidas as condições para que os réus apelados pudessem fazer acionar a garantia, como fizeram.
*

O que nos conduz ao último ponto de divergência da apelante com a sentença recorrida.

Assim, entende a apelante que a sua responsabilidade “sempre teria que se circunscrever e delimitar a este valor” – de 126.812,27€, uma vez que improcedeu a impugnação do julgamento de facto quanto às alíneas NN) e OO) – e não ao valor garantido, de 450.000,00€.

Trata-se, em nosso entender, de uma incorreta conceção da garantia prestada.

Ressalvados os casos de abuso de direito [ [21] ] ou as hipóteses a que supra aludimos, não pode a apelante discutir os termos em que o contrato base foi cumprido, desde logo porque, em princípio, não pode opor ao beneficiário as exceções de direito material que eventualmente o garantido pudesse invocar a seu favor. A apelante, ao peticionar como faz nas alegações de recuso, parte do pressuposto que os réus apelados estão obrigados a receber a coisa, no estado em que se encontra, com os vícios aludidos, devendo corrigir os mesmos motu proprio e sendo compensados, em igual medida, pela quantia correspondente ao valor necessário para “colocar a moradia com os acabamentos acordados” (alínea OO) dos factos assentes.

Ora, esse pressuposto não está adquirido no processo, não é ao garante que incumbe delimitar os termos em que o contrato base permanece em vigor e a admissão desse tipo de defesa por parte do banco garante, significa adulterar aquilo que carateriza a figura da garantia bancária autónoma à primeira solicitação, a sua essência, porquanto faria depender o cumprimento da garantia e a medida desse cumprimento, das vicissitudes da relação garantida; ora, como já se disse, “[e]xcepto em caso de fraude manifesta (…), o banco deve honrar de imediato o seu compromisso, tanto por respeito pela natureza e função da garantia assumida - autónoma e à primeira solicitação -, como igualmente por razões que se prendem com a reputação internacional do banco.

É que tudo se passa, tratando-se de uma garantia autónoma à primeira solicitação – e o ponto reveste fundamental importância –, como se o banco, no momento em que se obrigou perante o beneficiário, tivesse depositado à ordem deste o montante estipulado na garantia. Esta funciona, assim, como um substituto de um depósito de dinheiro ou de valores à ordem do credor/beneficiário, sem os inconvenientes que a imobilização do dinheiro acarretaria, não podendo esta substituição, porém, prejudicar o credor” [ [22] ]. 

Sendo certo que a apontada interpretação é aquela que é conforme à vontade expressa pelos outorgantes do contrato base e a que, na ponderação da relação tripartida a que se aludiu, melhor assegura uma justa composição de todos os interesses em jogo.   
 
Refira-se a constituição da garantia tem um custo – suportado pelo ordenante a favor do garante –, e que a entidade bancária, após satisfazer o pagamento ao beneficiário, tem direito a ser reembolsada pelo ordenante sendo que, no caso, até tem esse direito acautelado pela constituição de hipoteca imobiliária.
Improcedem, pois, as conclusões de recurso.
 
5.– Os réus recorreram subordinadamente, pretendendo a alteração da sentença recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido de juros. Alegam que são devidos juros de mora desde o acionamento da garantia, isto é, desde 13-06-2011.
Lê-se na sentença recorrida:
 “Quanto aos peticionados juros de mora, considerando que o pagamento não ocorreu também por força da decisão proferida nos autos de Procedimento Cautelar, entendemos não se verificar uma situação de mora, nos termos definidos pelo artigo 804º, n.º2, do Código Civil (na medida em que havia decisão cautelar que determinava que o pagamento não fosse efectuado).
Improcede, assim, o peticionado pagamento de juros de mora, calculados desde Junho de 2011.
No que concerne ao demais peticionado reconvencionalmente – pagamento dos danos morais e lucros cessantes -, não se tendo provado qualquer facto que sustente o requerido, não pode deixar de improceder”.

Vejamos.
Não foi admitida a reconvenção formulada contra a ré CAIXA, S.A., pelo que o pedido de condenação em juros reporta-se apenas, exclusivamente, à autora.
Ora, quanto a esta, com referência ao pedido de condenação da autora no pagamento de indemnização – abrangendo, pois, necessariamente, o pedido alusivo aos juros, que configura uma indemnização pelo retardamento ilícito da prestação devida –, a instância foi julgada extinta por inutilidade superveniente da lide, em razão da insolvência da autora, como já se deixou expresso.
Assim, qualquer pronúncia posterior do tribunal quanto a essa matéria violaria decisão anterior já transitada em julgado.
Estava, pois, a Meritíssima Juiz impedida de apreciar do pedido de juros, nos moldes em que o fez na sentença, como estava impedida de apreciar dos invocados “danos morais e lucros cessantes”, pela mesma razão.
Não tem, pois, cabimento o recurso subordinado, salientando-se que o que os apelantes podiam discutir – e não o fizeram, deixando consolidar o mesmo – é o juízo de condenação em custas formulado pela primeira instância, ponderando o que acaba de referir-se [ [23]  ].
E nem se diga que no despacho saneador a primeira instância aludiu à questão da inutilidade apenas com referência ao “terceiro pedido apresentado” porquanto, como se referiu, o pedido de condenação em juros consubstancia um pedido de condenação em indemnização pelos prejuízos que o retardamento do cumprimento da obrigação importa, pelo que tem de interpretar-se essa parte da decisão, proferida aquando do saneamento do processo, como englobando esse pedido, até pelo contexto em que essa questão foi apreciada.
*

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedentes os recursos de apelação interpostos pelos réus, mantendo a sentença recorrida.
A ré Caixa... será responsável pelo pagamento das custas pelo seu decaimento no recurso principal;
Os réus João M... e mulher serão responsáveis pelo pagamento das custas pelo seu decaimento no recurso subordinado.
Notifique.



Lisboa, 20-02-2018


                                       
(Isabel Fonseca)
(Maria Adelaide Domingos)                                       
(Ana Isabel Pessoa)




[1]Limitamo-nos a remeter para o suporte papel que consta do processo, procedimento que se adota sempre que o Sr. Advogado e os Srs. Funcionários Judiciais não cuidam de remeter o respetivo ficheiro eletrónico, como aconteceu no caso.
[2]Aprovado pela Lei 41/2013 de 26/06, em vigor desde 1 de Setembro de 2013.
[3]Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º,  3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, p.737.
[4]Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obr. e loc. citados.
[5]Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obr. cit. pp. 714-715. 
[6]Sublinhado nosso.
[7]Reportando-se o perito, a fls. 561 e seguintes à matéria relacionada com o valor de reposição da “casa – objeto dos presentes autos- da forma como foi inicialmente contratado e de acordo com o mapa de acabamentos”.
[8]Como referido na sentença recorrida, os réus, proprietários dos prédios rústico e urbano referidos em D. dos factos provados, venderam os prédios onde ia ser implantado um edifício, a construir pela autora, e adquiriram uma fração autónoma a construir; o construtor (no caso, a autora) adquiriu a propriedade do terreno e vendeu a referida fração; a este contrato aplica-se supletivamente o regime da compra e venda, enquanto contrato-tipo ou padrão.
[9]Meneses Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, p. 642.
[10]“O processo de formação do negócio de garantia que está na base da emissão do título respectivo tem estrutura complexa, triangular.
Decompõe-se, com efeito, em três relações distintas, a saber:
a)- um contrato base (no caso, de compra e venda, mas que pode ser, v.g., de empreitada, ou de fornecimento, etc), que constitui a relação principal, causal ou subjacente;
b)- um contrato de mandato, pelo qual o obrigado naquele primeiro contrato (na hipótese, ao pagamento do preço estipulado) incumbiu o garante (no caso, como em geral, um banco ), de prestar a garantia (neste caso, de pagamento) exigida pela contraparte; e, finalmente,
c)- o contrato de garantia pelo qual o garante, emitindo o competente título, se obrigou a pagar o montante convencionado”( acórdão do STJ de 30-01-2003, processo:02B4252 (Relator: Oliveira Barros), acessível in www.dgsi.pt.
[11]Obr. e loc. cit.
[12]Obr. cit., p. 644.
[13]Acórdão do STJ de 05-07-2012, processo 219/06.06TVPRT.P1.S1, (Relator: Abrantes Geraldes), acessível in www.dgsi.pt.
[14]Sobre a recusa da prestação pelo garante vide Miguel Brito Bastos, “[a] recusa lícita da prestação pelo garante na garantia autónoma «on first demand»”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor José Manuel Sérvulo Correia, III, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, (pp. 525-555). A propósito do exercício abusivo do crédito de garantia escreve o autor:
“Como a generalidade das posições jurídicas, o crédito de garantia do beneficiário está sujeito aos limites do art. 334º CC. Têm aqui particular relevância as situações em que a paralisação do beneficiário face ao garante se funda em factos relativos à relação entre aquele e o ordenante: fala-se – na esteira de Canaris – de um aproveitamento das excepções da relação de valuta por força do abuso de direito (…)
Não significa isto que sempre que, na relação de valuta, o ordenante puder opor qualquer excepção ao beneficiário, a solicitação por este do pagamento ao garante seja abusiva – o que equivaleria a acabar com a independência da obrigação de garantia face à obrigação de valuta –, sendo antes necessário que a perturbação da relação de valuta seja suficientemente grave para que a solicitação consubstancie uma violação da boa fé ou dos bons costumes. Pense-se assim em situações nas quais, não se excluindo a anulação do contrato de base do âmbito dos riscos assumidos pelo garante, esse contrato é anulado por dolo ou coacção do beneficiário ou nas situações em que, declarando séria e definitivamente que não pretende cumprir as suas obrigações da relação de valuta, o beneficiário solicita ao garante a execução da garantia (…).
Grande parte da discussão doutrinária sobre a recusa da prestação pelo garante com fundamento no carácter abusivo da solicitação pelo beneficiário centra-se na necessidade do carácter claro ou manifesto desse abuso (…). Essa discussão é, porém, sempre travada em torno da automaticidade da garantia, o que demonstra a correcta intuição de que não se trata de um limite ao exercício do crédito de garantia próprio sensu, mas ao direito decorrente da cláusula “solve et repete”” (p. 540).               
[15]Ainda sobre as hipóteses em que tem sido afirmada a possibilidade do garante recusar a soma objeto da garantia vide Mónica Jardim, A Garantia Autónoma, Almedina, 2002, Coimbra, pp. 261-312. Com referência à possibilidade de recusa do garante com fundamento em factos referentes ao contrato base, refere a autora que “o garante pode recusar a soma objecto da garantia, sempre que:
a)- O contrato base seja contrário à ordem pública ou aos bons costumes do país do ordenamento jurídico competente para regular o contrato de garantia. (…).
b)- A prova líquida da fraude ou de abuso de direito seja plenamente possível na altura da solicitação, sem necessidade de mais diligências. É o que ocorre, por exemplo, quando: o beneficiário solicita a soma objecto da garantia apesar do incumprimento do contrato de base lhe ser imputável de acordo com a prova pronta e inequívoca em poder do banco; o beneficiário solicita a entrega da soma objecto da garantia tendo o banco em seu poder prova pronta e líquida do cumprimento do contrato base por parte do exportador; ocorre a solicitação, não obstante o contrato base ser inválido de acordo com decisão judicial definitiva. (…).
c)- Ocorra uma modificação do contrato-base, sem que o garante seja consultado, que comporte uma alteração substancial dos riscos por si assumidos.
Sempre que a modificação do contrato base determine a alteração dos pressupostos de funcionamento da garantia relativos ao resultado garantido, determina também a alteração dos riscos inerentes à obrigação assumida pelo garante e, não tendo este sido consultado, pode considerar-se desvinculado (…).
d)- Ocorra cessão da posição contratual detida no contrato base pelo exportador/devedor, pois as garantias prestadas por terceiro não se mantêm, a não ser que o autor as queira renovar (…).
e)- Ocorra a cessão do crédito derivado do contrato base, sem que ocorra a cessão do direito de garantia por falta do consentimento do garante.
Afirmamos a possibilidade de recusa nesta hipótese, uma vez que defendemos a intransferibilidade ex lege do direito de garantia aquando da cessão do crédito derivado do contrato base. Consideramos indispensável, para a cessão do direito de garantia, o acordo do garante na operação económica e entendemos que, na ausência de tal acordo a garantia se extingue” (pp. 277-279).       
[16]Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2017, 5ª Reimpressão da edição de outubro de 2009, p.538).  
[17]Sublinhado nosso.
[18]In Garantias Bancárias, O contrato de garantia bancária à primeira solicitação, parecer dos Prof. Dr. Mário Júlio Almeida Costa e Dr. António Pinto Monteiro, C.J. Ano XI,1986, T.5, p.20. 
[19]Cfr., nomeadamente, o doc. de fls. 442- 451, junto pela apelante, e que se reporta a avaliação feita em 29-05-2008, estando ainda a construção por inicial, tendo sido feita com base em diversos itens, nomeadamente o que constava do projeto.
[20]Lê-se na decisão:
“Mostram-se, assim, preenchidos os pressupostos acordados pelas partes para fundamentar o accionamento da garantia, razão pela qual o pedido da Autora não pode deixar de improceder.
Perante um incumprimento definitivo do contrato de permuta, a lei faculta ao credor (in casu, os Réus João Melim e Maria Idalina de Freitas Miranda) a supressão do contrato de permuta da fracção, fonte das obrigações (artigo 905º, aplicável ex vi do disposto pelo artigo 913 nº 1 do Código Civil). Tal circunstância, aliada ao que expressamente foi acordado pelas partes, permite, assim, que o segundo segmento do contrato de permuta se tenha por inexistente, ficando a Autora com a propriedade de todas as fracções que construiu sobre os prédios dos Réus e assistindo a estes últimos o direito a accionar a garantia bancária acordada, uma vez que essa foi a consequência, contratualmente acordada, para a circunstância de a contrapartida pela venda dos prédios referidos em F. não ser cumprida por parte da Autora.
Nem se diga, como entende a Autora, que a garantia bancária apenas abrangia a boa execução da obra (e já não o tempo de entrega) e que, por o facto de as reparações necessárias orçarem em cerca de € 127.000,00, aos Réus não assiste o direito de accionar a garantia por inteiro.
Primeiro porque, analisando o teor expresso dos acordos celebrados entre Autora e Réus, deles se retira que a garantia foi celebrada com o objectivo de abranger tempo e forma de construção, na medida em que as partes acordaram na possibilidade do seu accionamento se a moradia não fosse entregue nas condições acordadas (o que, analisado à luz da impressão do normal destinatário - cfr. artigo 236º, do Código Civil – abrange tudo o que foi analisado pelas partes, ou seja, tempo e acabamentos definidos em docuemtno complementar).
Segundo porque, não tendo a Autora diligenciado para que os Réus adquirissem a coisa futura nos exactos moldes em que havia sido acordado, não pode agora pretender que os Réus adquiram uma coisa que não corresponde ao acordado, alegando que o valor determinado para a garantia é, em muito, superior ao valor das reparações que se mostravam necessárias para colocar a coisa no estado em que devia ter sido construída. Não foi esse o acordo celebrado pelas partes.
Acresce que, como expressamente acordaram as partes, o accionamento da garantia determina que a propriedade do bem futuro reverte a favor do vendedor (neste caso, a Autora), pelo que não se vislumbra qualquer situação de ilegal locupletamento dos Réus.
Tudo ponderado, conclui-se que, face à factualidade supra elencada como provada, todos os pedidos da Autora não podem deixar de improceder, na medida em que dela resulta que a Autora não cumpriu com a obrigação com que se comprometeu.
Consequentemente, em face dessa mesma factualidade, procede o pedido reconvencional apresentado pelos Réus João Melim e Maria Idalina de Freitas Miranda, na medida em que os mesmos accionaram a garantia bancária nos moldes que foram acordados, numa altura em que ainda não havia decorrido o seu prazo de vigência, assim impedindo a ocorrência de qualquer caducidade”.
[21]Como concluímos no ac. desta Relação de 31-05-2016, processo 1065/14.3TVLSB.L1-1, acessível in www.dgsi.pt, “[a] autonomia da garantia (garantia bancária autónoma on first demand) não é absoluta; o garante pode opor ao beneficiário determinadas exceções, não fundadas nessa relação e assentes em factos relativos ao contrato base, sendo consensual que uma dessas hipóteses ocorre quando o beneficiário, acionando a garantia, atua notória ou com manifesta com má-fé e de forma abusiva (art. 334º do Cód. Civil), impondo-se, casuisticamente, aferir da verificação desses pressupostos, cujo ónus de alegação e prova impende, inequivocamente, sobre o garante”.
[22]Mário Júlio Almeida Costa e António Pinto Monteiro, obr. e loc. citado.
[23]Como resulta do relatório, o tribunal de primeira instância tinha condenado a massa insolvente pelas custas alusivas à extinção da instância por inutilidade superveniente.