Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
389/16.0YHLSB.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: OBRA MUSICAL
PLÁGIO
CONFISSÃO DOS FACTOS
PERÍCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Em caso de audição fonográfica (canções) a fim de se aquilatar a existência ou inexistência de reprodução ou cópia, mormente, plágio, não obstante terem sido considerados confessados os factos articulados pelo autor, face à revelia do réu, há lugar à audiência de julgamento a fim de se proceder à audição, observando-se o princípio da audiência contraditória (art. 415/1 CPC).
II - Deve também o tribunal, oficiosamente, antes da audiência de julgamento, determinar a realização de perícia (art. 467 e sgs. CPC).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Apelação 389/16.0YHLSB.L1
               
Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

A, que também usa o nome abreviado de Fernand…, demandou B  e, eventualmente, Jorge ……., alegando que a canção Paixão, de autoria do réu e cantada pela cantora Mariza (álbum Mundo, publicado no dia 9/10/2015, através da editora Warner Music Portugal, Lda.) é um plágio da canção É o Fim do Mundo/Se Este Amor Acabar é o Fim do Mundo, obra do autor (criador intelectual em co-autoria com João Henrique, já falecido), criada em 1982, para o XIX Festival RTP da Canção, cantada e interpretada pelo cantor Marco Paulo, que a canção Paixão reproduz não só a música mas também parte da letra da canção É o Fim do Mundo, tratando-se de uma obra baseada em outra, sem uma clara identidade própria, concluiu pedindo que se declarasse que a canção “É o Fim do Mundo (ou Se Este Amor Acabar é o Fim do Mundo”), é pré-existente à canção “Paixão”, que no tema “Paixão” a parte A é uma colagem da ideia melódica e também harmónica da parte B do tema “É o Fim do Mundo/Se Este Amor Acabar é o Fim do Mundo”, havendo mais de 8 compassos com mesma melodia, com excepção de uma nota no meio da mesma que passa a ser uma oitava inferior; que o tema “Paixão” se baseia em obra do autor “É o Fim do Mundo/Se Este amor Acabar é o Fim do Mundo”, que ao tema “Paixão” falta identidade própria, existe plágio da canção “Paixão” relativamente à canção do autor, que a canção “Paixão” preenche os requisitos da contrafacção, os direitos do autor e a criação da qual o autor é co-autor foram violados e a condenação do réu a pagar ao autor uma indemnização e compensação, bem como o ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais relativamente a lucros cessantes causados pela sua conduta, a calcular em execução de sentença, precedendo conhecimento de vendas e direitos pagos ao réu ou que este se arrogue receber.
A contestação, intempestiva, foi apresentada com requerimento de justo impedimento da Exma. Mandatária – fls. 101 e sgs.
Opôs-se o autor à junção da contestação – fls. 111 e sgs.
Foi proferida decisão que julgando improcedente o justo impedimento ordenou o desentranhamento da contestação – fls. 118 e sgs.
Foi proferido despacho que “Sem prejuízo da demonstração, pelos documentos juntos, aos autos, dos factos a que se refere o  art. 568 d) CPC, de harmonia com o preceituado no art. 567/1 CPC”, julgou confessados os restantes factos articulados pelo autor – fls. 123.
Foi solicitada informação à Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), Audiogest e AFP Associação Fonográfica Portuguesa, PassMúsica e GDA - Cooperativa de Gestão dos Artistas Intérpretes ou Executantes informação relativa à canção Paixão, do álbum de música da cantora Mariza, número de exemplares comercializados independentemente do suporte, as passagens da canção, bem como os correspondentes direitos cobrados e pagos ao réu Jorge Fernando (cfr. art. 190 p.i) – fls. 127.
Juntas as informações foi proferida decisão que, julgando a acção improcedente, absolveu o réu do pedido – fls. 157 e sgs.
Inconformado o autor apelou formulando as conclusões que se transcrevem:
a) O réu não contestou, mas constituiu mandatário;
b) Nos presentes autos não se verifica a inexistência de situações a que se refere o art. 568 CPC;
c) Foram, indiscutivelmente, “julgo[ado] confessados os restantes factos articulados pelo autor, como refere a parte final do despacho com a referência CITIUS “307660”, de 12-07-2017;
d) Uma vez que o Tribunal a quo considerou plenamente provado por documentos os factos articulados pelo ora Recorrente, verificou-se desnecessidade de produção de prova, nos termos, designadamente do art. 393 CCC.
e) Pelo que o julgamento e a consideração como provados os factos articulados pelo autor tem força probatória plena contra o confitente, o Recorrido;
f) A sentença recorrida não retirou as devidas consequências da vinculação legal a que estava obrigada, nem do seu despacho de 12-07-2017, que desrespeitou;
g) A sentença recorrida não procedeu à especificação dos fundamentos de facto a que a decisão recorrida também estava vinculada, em face da prova dos factos articulados pelo Autor e suas consequências;
h) Tornando a decisão ambígua e obscura;
i) Tanto mais porque os factos provados e confessados juntamente com os fundamentos de direito que permitem tal cominação exigiam decisão em sentido oposto à que foi proferida, nos termos do art. 615/1 b) CPC.
j) Pelo que a decisão recorrida é nula nos termos do proémio do cit. art. Por outro lado,
k) Identificando a sentença recorrida o objecto da lide e verificando-se que foi considerado provado que a composição de uma canção integra a unidade de música e letra (cfr. art. 63 p.i.)e considerando que
l) O objecto dos presentes autos, como, de resto o Tribunal a quo reconhece, tem a ver com o plágio de uma canção, e não apenas e/ou isoladamente de uma melodia ou de um poema;
m) Foi confessado pelo réu e dado como provado que: "No tema Paixão, a parte A é uma colagem da ideia melódica e também harmónica da parte B do tema Fim Do Mundo, havendo mais de 8 compassos com a mesma melodia, com a excepção de uma nota no meio da mesma que passa para uma oitava inferior. Sendo assim devo concluir tratar-se de uma obra baseada em outra, sem uma clara identidade própria.” (cfr. art. 31 p.i. e Relatório da sentença recorrida, a págs.1). Por outro lado,
n) Desconhece-se e o Tribunal a quo também não refere que tipo de conhecimentos musicais e que critério musical a sentença recorrida utilizou, quando desconsidera a existência na canção plágio – do réu – de mais de 8 compassos com a mesma melodia, sendo certo que esta afirmação categórica consta do Relatório da sentença; e que, tendo sido confessado pelo réu, a sentença recorrida considerou facto provado;
o) Foi dado como confessado pelo réu é baseada em uma outra anterior, aquela que é de co-autoria do autor e que
p) A canção do réu tem mais de 8 compassos com a mesma melodia da canção do autor;
q) Foi, ainda, como, de resto é conhecido do Relatório da sentença recorrida e foi confessado pelo réu a canção do réu não tem identidade própria;
r) Pelo que a canção do qual o a. é co-autor encontra-se protegida pelas pertinentes normas de Direitos de Autor;
s) Sendo que, em face dos autos, não é possível qualificar como coincidência, aquilo que é uma cópia. Ou seja, plágio;
t) A sentença recorrida enferma de falta de fundamentação quando não identifica os compassos plagiados pela canção do réu.
u) Desconsiderando o sentença recorrida a vinculação a que estava obrigada;
v) Tornando a decisão ambígua e obscura, nos termos da al. c) do art. art. 615/1 CPC. Por outro lado,
w) A sentença recorrida deixou de se pronunciar sobre temas que conheceu e sobre os quais tinha o de ver de se pronunciar; e
x) Dizendo que procedeu à audição das canções do autor e réu não o fez em audiência.
y) Sendo certo que os juízos de valor têm de ser claros e transparentes, muito mais quando os factos não careciam de prova; e
z) O Tribunal a quo não manifestou existir dúvidas, não tendo sido necessário proceder à audiência contraditória;
aa) Nem, sequer o Tribunal a quo requereu perícia, pese embora, o autor se ter disponibilizado para tal, na petição inicial;
bb) Pelo que a decisão recorrida é ambígua e obscura;
cc) Com a sua decisão o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre temas que conheceu e sobre os quais tinha o de ver de se pronunciar; e
dd) Conheceu outros, de forma obscura, de que não podia tomar conhecimento, tudo nos termos da al. d) do art. 615/1 CPC;
ee) Tanto mais porque os factos provados e confessados juntamente com os fundamentos de direito exigiam decisão em sentido oposto à que foi proferida, nos termos da al. b) do art. 615/1 CPC.
ff) Pelo que a decisão recorrida é nula nos termos do proémio do art. 615 CPC.
gg) Em face dos múltiplos e amplamente identificados vícios da sentença recorrida e não se encontrando a sentença fundamentada, bem como o iter decisório, muitas vezes ininteligível que aparenta preconcepção de julgamento;
hh) A sentença é nula.
ii) Assim, deve o recurso ser julgado procedente e revogada a decisão recorrida substituindo-se por outra que reponha a legalidade e a justa decisão, considerando a canção do réu plágio da canção do qual o autor é co-autor.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Admitido o recurso o Sr. Juiz pronunciou-se no sentido de que a sentença não padece de nulidades – fls. 173.
Foram considerados assentes os seguintes factos:
Nos termos do disposto nos artigos 567/1 CPC, a falta de contestação do réu importa a confissão dos factos alegados pela autora.
Assim, dão-se aqui por reproduzidos os factos articulados pelo autor, considerados confessados ou demonstrados pelos documentos juntos com a petição, no essencial reproduzidos no relatório supra.
Das informações entretanto prestadas pelas entidades de gestão colectiva de direitos, a pedido do tribunal, resulta ainda provado o seguinte:
- A Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) cobrou um total de € 6.752,89 relativamente à totalidade das utilizações cobradas através desta entidade referentes à obra literário-musical intitulada ‘Paixão’, da autoria de Jorge Fernando, conforme documento junto a fls. 135-136 dos autos, que se dá por reproduzido.
- Entre o lançamento em 15.09.2015 do álbum ‘Mundo’, interpretado pela artista Mariza e que inclui o tema ‘Paixão’ da autoria de B, e 31.12.2017, nos retalhistas e plataformas digitais que fornecem dados `empresa de estudos de mercado GFK, foram vendidos 25.938 exemplares do dito álbum em formato físico, 513 exemplares em formato digital, 96 downloads da música ‘Paixão’ em formato digital (‘single track download’) e efectuados 618 ‘streams’ (escutas em serviços de streaming licenciados pelos produtores) da música ‘Paixão’, tendo ainda sido detectado um total de 1069 passagens da referida música nas várias emissoras de rádio e televisão portuguesas, conforme documento junto a fls. 148-150 dos autos, que se dá por reproduzido.
- Dos artistas, intérpretes e músicos executantes que participaram no tema musical ‘Paixão’, representados pela GDA, não consta o nome Jorge Fernando, conforme documento junto a fls. 155-156 dos autos, que se dá por reproduzido.
Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, colhidos os vistos, cumpre decidir.
Vejamos, então:
Atentas as conclusões da apelante que delimitam, como é regra o objecto de recurso – arts. 639 e 640 CPC – as questões que cabe decidir consistem em saber se a sentença é nula por falta de fundamentação, é ambígua e obscura e se houve omissão e/ou excesso de pronúncia, ex vi art. 615/1 b), c) e d) CPC, violação da audiência contraditória e se a canção “Paixão” é ou não um plágio da canção “É o Fim do Mundo/Se Este Amor Acabar é o Fim do Mundo”.
a) Nulidade da sentença
Defende o apelante a nulidade da sentença por falta de fundamentação porquanto esta não identifica os compassos plagiados pela canção do réu, ex vi art. 615/1 b) CPC.
É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão art. 615/1 b) CPC.
Tal dever decorre também do preceituado nos arts. 205 CRP e 154 CPC – as decisões sobre qualquer pedido controvertido devem ser fundamentadas, não se satisfazendo com a simples adesão aos fundamentos alegados pelas partes.
Esta nulidade tem lugar quando haja falta de motivação, ou seja, julgador não especifica os fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão.
Uma decisão sem fundamentos equivale a urna conclusão sem premissas.
A razão substancial reside no facto de que a sentença/despacho deve representar a adaptação da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à apreciação do juiz; ao comando abstracto e geral da lei, o juiz substitui um comando particular e concreto.
No entanto, este comando não se pode gerar arbitrariamente, urna vez que o juiz não tem o poder de ditar normas de conduta, de impor a sua vontade às vontades individuais que estão em conflito, porque a sua atribuição é unicamente a de extrair da norma formulada pelo legislador a disciplina que se ajusta ao caso sujeito à sua decisão, cumpre-lhe demonstrar que a solução dada ao caso é legal e justa, é a emanação correcta da lei.
As razões práticas residem no facto de que as partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão. Sobretudo a parte vencida tem o direito de saber por que razão a sentença lhe foi desfavorável (função de persuadir as partes e o cidadão em geral acerca da sua legalidade, correcção e justiça) e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o tribunal superior. Este carece também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso (função de auto-controlo/recorribilidade das decisões)
Não basta que o juiz decida a questão posta, é necessário e indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto. O valor doutrinal da sentença/despacho, valor como elemento de convicção, vale o que valerem os seus fundamentos.
Acresce ainda que existe uma distinção entre a falta total de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada.
O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiente ou deficiente motivação, afecta o valor doutrinal da sentença/despacho, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não acarreta nulidade – cfr. A. Reis CPC Anotado, vol. V — 138 segs., Coimbra Editora, ano 1981.
A falta de fundamentação, bem como o excesso de pronúncia, constituem deficiências intrínsecas da sentença.
Estas deficiências não são confundíveis com o chamado “erro de julgamento” que se traduz numa desconformidade entre a decisão e o direito - substantivo ou adjectivo aplicável.
Nesta situação o Tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque as interpretou e/ou aplicou mal o direito.
No caso em apreço, a sentença encontra-se suficientemente fundamentada.
Na verdade, o raciocínio lógico a ela subjacente, apoiando-se nos factos apurados com base na confissão do réu, concluiu pela inexistência de reprodução ou cópia da obra/canção “Paixão” relativamente à obra/canção do autor “É o Fim do Mundo/Se Este Amor Acabar é o Fim do Mundo”.
Destarte, falece a pretensão dos apelantes.
Defende também o apelante a nulidade da sentença sustentando que esta está ferida de ambiguidade/obscuridade uma vez que não se pronunciou sobre temas que conheceu e sobre os quais tinha o dever de se pronunciar, nomeadamente, a audição das canções não teve lugar em audiência, não requereu qualquer perícia apesar do autor se ter disponibilizado para tal (p.i), ex vi art. 615/1 c) CPC.
É nula a sentença quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível – art. 615/1 c) CPC.
A ininteligibilidade da decisão pressupõe a obscuridade - a redacção/explanação do pensamento do julgador é obscuro, i. é, não é inteligível – e a ambiguidade – a redacção/explanação comporta  dois ou mais sentidos distintos.
Ora, in casu, tal não acontece na decisão impugnada porquanto o raciocínio nela expendido/expresso é inteligível, claro e lógico.
A sentença, aplicando o direito aos factos (confessados) concluiu pela inexistência de violação dos direitos do autor, ou seja, que a canção “Paixão” não é uma reprodução ou cópia da canção É o Fim do Mundo/Se Este Amor Acabar é o Fim do Mundo”.
Acresce que, os fundamentos em que o apelante alicerça esta nulidade (sentença) – ambiguidade e obscuridade - não se confundem com a instrução do processo/prova (princípio da audiência contraditória e factos que não carecem de alegação ou prova, arts 415 e 412, respectivamente, CPC).
Assim, soçobra a sua pretensão.
Por último, no que à nulidade da sentença concerne, arguiu o apelante a nulidade da decisão com fundamento na alínea d)           art. 615/1 CPC, sustentando que o tribunal cometeu excesso e omissão de pronúncia porquanto conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, não se pronunciando sobre outras.
É nula a sentença quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – art. 615/1 d) CPC.
A sentença do juiz deve corresponder à acção, i. é, deve resolver  todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras … – art. 608 CPC.
O juiz deve conhecer, em regra, todas as questões suscitadas pelas partes.
Pedido é toda a questão que a parte submete ao juiz, todo o ponto acerca do qual reclama julgamento, um juízo lógico.
Pedido(s) não é só a questão principal, a existência ou não da relação litigiosa, pedidos são também as questões secundárias que constituem premissas indispensáveis para a solução daquela.
Pedidos não são unicamente os pontos sobre os quais o autor pretende o veredicto do juiz, a fim de obter a declaração positiva da relação (reconhecimento do direito que se arroga), são também os pontos sobre os quais o réu se propõe obter pronúncia negativa – vd. A. Reis. CPC anotado, Coimbra Editora, 81, V, p. 50 e sgs.
Para caracterizar e delimitar todas as questões postas pelas partes, não são suficientes as conclusões que elas tenham formulado nos articulados, é necessário atender também nos fundamentos em que elas assentam, i. é, para além dos pedidos é necessário ter em conta a causa de pedir.
A acção é assim delimitada pelos sujeitos, objecto e causa de pedir (princípio da coincidência entre a acção e a sentença).
Para se determinar a extensão do julgado há que atender, antes de mais nada, à parte dispositiva da sentença, à decisão propriamente dita.
É aí que o juiz exprime a sua vontade quanto ao efeito jurídico que tem em vista declarar ou produzir, é aí que formula o comando a impor aos litigantes; em suma é a decisão que nos há-de esclarecer, em princípio, sobre o conteúdo do julgamento, sobre as questões que o juiz quis arrumar e resolver.
O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação do direito – art. 5/3 CPC.
A nulidade da alínea d) do art. 615 CPC está em correspondência directa com o preceituado no art. 608/2 CPC.
Atento o supra mencionado, os factos e a decisão recorrida, a conclusão que se extrai é a de que a sentença não enferma dos vícios assacados – omissão e excesso de pronúncia – pelo que inexiste a nulidade arguida, improcedendo a pretensão do apelante.
b) Violação do princípio da audiência contraditória
Alega o apelante que a audição das canções não teve lugar em sede de audiência de julgamento, inexistência de audiência contraditória, nem o Tribunal requereu qualquer perícia, não obstante o apelante se ter disponibilizado para tal.
Do relatado supra constata-se que, face à ausência de contestação (desentranhamento) foram considerados confessados os factos articulados pelo autor (efeitos da revelia – art. 567 CPC).
Cumprido que foi o art. 567/2 CPC (alegação das partes) foi proferida decisão.
Do extractado na decisão consta que se procedeu à audição das canções, indicando-se o site respectivo, concluindo-se pela inexistência de reprodução ou cópia da canção “Paixão” relativamente à canção do autor “Fim do Mundo/Se este Amor Acabar é o Fim do Mundo”.
Ora, in casu, não obstante a confissão dos factos, tratando-se da imputação do plágio de uma canção, não podemos olvidar o preceituado nos arts. 410 e sgs. CPC no respeitante à instrução do processo.
A instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou quando não tenha de haver esta enunciação, os factos necessitados de prova - art. 410 CPC.
E, na esteira do princípio do inquisitório, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer – art. 411 CPC.
Há factos que não carecem de prova, circunscrevendo-se estes aos factos que são do conhecimento geral e os que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções e quando o tribunal se socorre destes factos deve juntar aos autos documentos que os comprove – art. 412 CPC.
Salvo disposição em contrário, não são admitidas nem produzidas provas, sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas – art. 415/1 CPC. (princípio da audiência contraditória).
In casu, o leit motiv da acção consiste no alegado plágio que a obra/canção do autor (co-autor) “Fim do Mundo/Se este Amor Acabar é o Fim do Mundo”, foi objecto por outrem, pelo autor da canção Paixão.
Face a isto dúvidas não restam de que necessário se torna a audição das canções em confronto a fim de se apurar a existência ou inexistência de reprodução e/ou cópia (Paixão versus É o Fim do Mundo).
Assim, a audição (fonográfica) das mesmas deverá ter lugar em sede de audiência de julgamento, observando-se o princípio da audiência contraditória da parte a que haja de ser oposta, i. é, o réu.
Acresce que, não obstante a perícia extra-judicial (fls. 3 a 27) deve o tribunal oficiosamente, (princípio do inquisitório), determinar a realização de uma perícia, ex vi art. 467 e sgs. CPC.
Destarte, procede a pretensão do apelante.
c) Se a canção “Paixão” é plágio da canção “É o Fim do Mundo”
Face ao explanado supra, prejudicada fica a apreciação desta questão.
Concluindo:
- Em caso de audição fonográfica (canções) a fim de se aquilatar a existência ou inexistência de reprodução ou cópia, mormente, plágio, não obstante terem sido considerados confessados os factos articulados pelo autor, face à revelia do réu, há lugar à audiência de julgamento a fim de se proceder à audição, observando-se o princípio da audiência contraditória (art. 415/1 CPC).
- Deve também o tribunal, oficiosamente, antes da audiência de julgamento, determinar a realização de perícia (art. 467 e sgs. CPC).
Pelo exposto, acorda-se em anular a sentença, devendo o   Sr. Juiz proceder à realização de uma perícia, após o que deverá designar dia para a realização de audiência de julgamento, a fim de se proceder à audição fonográfica (canções), observando-se o princípio da audiência contraditória, após o que será proferida sentença, mantendo-se incólumes os factos articulados pelo autor e considerados confessados.
Sem custas
Lisboa,4/4/2019
(Carla Mendes)
(Octávia Viegas)
(Rui da Ponte Gomes)