Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5307/13.4T2SNT.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: PRIVAÇÃO DO USO
LOCADO
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: - Tendo o tecto do andar ruído parcialmente, impedindo o gozo do mesmo pelo inquilino, e não tendo o senhorio procedido a quaisquer obras, apesar de para tal instado pelo mesmo inquilino, conclui-se que o senhorio, com a sua omissão, privou o inquilino do gozo do locado.
- Sendo essa a obrigação essencial do locador, nos termos do art. 1031º b) do Código Civil, é lícito, enquanto tal omissão perdurar, que o inquilino recuse o pagamento das rendas, aplicando-se aqui a exceptio in adimpleti contractus prevista no art. 428º do mesmo diploma.
- A excepção do não cumprimento pressupõe que o contrato está em vigor e que existe mora no cumprimento de uma das partes, que justifica a recusa do cumprimento da correlativa obrigação da outra parte.
(sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

M... veio instaurar a presente ação de despejo contra J... e A...,, pedindo que seja declarado resolvido o contrato de arrendamento que identifica, sendo os RR. Condenados a despejar imediatamente o locado e a entregar-lho livre e devoluto de pessoas e bens, bem como a pagar-lhe as rendas vencidas no total de € 2.431,00 e as que se vencerem até efetiva entrega do locado, acrescidas de juros à taxa legal, a contar da citação dos RR. e ainda em custas e procuradoria condigna.

Alega, em síntese, as heranças de que é cabeça-de-casal são donas e legítimas proprietárias do prédio urbano que identifica. Por transação homologada por sentença proferida a 9 de Outubro de 2005 os RR. receberam em dação em cumprimento a loja direita do referido prédio, tendo aceitado os mesmos como seu inquilinos. O locado destina-se a café e salão de jogos; sendo a renda desde Fevereiro de 2012 no montante de € 187,00.

Os RR. não procederam ao pagamento das rendas vencidas desde Fevereiro de 2012, quantia que se encontra em dívida, pese embora as insistências para que procedam ao pagamento da mesma.  

A R. A... citada, pessoal e regulamente não contestou, O R. J... veio contestar e deduzir pedido reconvencional.

Aceita a celebração do contrato bem como a falta de pagamento das rendas. Alega que a falta de pagamento das rendas se deve unicamente ao facto do locado não estar em condições de ser explorado: com efeito. foram feitas obras há 4 anos no piso superior do imóvel pelo respetivo inquilino e com anuência dos senhorios, as quais causaram grandes danos ao nível do locado, tendo desse facto informado a A., que se comprometeu a efetuar obras, o que até esta data não fez.

 Com a senhoria nunca mais fazia as obras, para explorar o local, informou que iria suspender o pagamento das rendas, opção com a qual a senhoria concordou.

A título de reconvenção, alega que por factos que não lhe são imputáveis viu-se privado de explorar o locado, situação que se mantém desde 2009, sem que os senhorios se dignassem fazer o necessário para tornar o local apto para o fim a que se destina. Estando aberto o estabelecimento proporcionava um locro diário de €120,00, o qual reclama a título de indemnização.

Conclui pela improcedência da ação. por não provada e pela sua absolvição do pedido; sendo julgada procedente por provada a reconvenção e, em consequência, a reconvinda condenada a pagar ao reconvinte a indemnização de € 172.800,00.

A A. veio responder à contestação, alegando ser falso que tenha sido informada da existência de estragos no arrendado e, como tal, que se tenha comprometido a fazer quaisquer obras. Sendo igualmente falso que o R. a tenha informado que iria suspender o pagamento da renda e que pessoalmente ou alguém por si tivesse aceitado tal situação.

No que respeita ao pedido reconvencional, alega que: depois de 2005 o R. explorou durante pouco tempo o arrendado tendo-se limitado a ocasionalmente ceder a exploração do mesmo a terceiros, que terão praticamente destruído o estabelecimento, que ficou sem condições de funcionar, nunca mais tendo sido aberto ao público. Impugna igualmente que o estabelecimento proporcione um lucro diário de € 120,00.

O processo seguiu os seus termos, realizando-se audiência de julgamento e vindo a ser proferida sentença que julgou procedente por provada a presente ação, e, consequentemente decretou a resolução do contrato de arrendamento urbano para habitação em litígio, condenando os RR. a despejar imediatamente o locado correspondente à loja direita, com entrada pelo n° 158, sita no r/c do prédio urbano sito na Rua Elias Garcia, nºs 154 a 160, no Cacém, freguesia do Cacém, concelho de Sintra, entregando-o à A. livre e devoluto de pessoas e bens.

Mais condenou os RR., solidariamente, a pagar à A. a quantia de € 2.431,00 (dois mil quatrocentos e trinta e um euros) referente às rendas vencidas e não pagas até ao mês de Fevereiro de 2013, inclusive, e a pagar-lhe as vencidas e vincendas desde essa data, até efetiva entrega do locado, à razão de € 187,00 (cento e oitenta e sete euros), mensais;

Às quantias supra referidas acrescem juros de mora vencidos e vincendos contabilizados desde 24 de Abril de 2013, até integral e efetivo pagamento, à taxa legal de 4 % ao ano, ou às sucessivas taxas legais civis.

Foi julgado improcedente por não provado o pedido reconvencional, absolvendo-se a A. do mesmo.   

Foram dados como provados os seguintes factos:

a) As heranças de que a A. é cabeça-de-casal são donas legítimas proprietárias do prédio urbano sito na Rua Elias Garcia, nºs 154 a 160 no Cacém, freguesia do Cacém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva - Cacém sob o nº 378 da freguesia do Cacém e inscrito na respetiva matriz sob o art. 166.

b) Por transacão homologada por sentença proferida a 09 de Outubro de 2005, nos autos de Embargo de Executado que sob o nº 633-B/200l, correram seus termos pela extinta 2ª Vara Mista de Sintra, os RR. receberem em dação em cumprimento a loja direita, com entrada pelo nº 158 do prédio urbano identificado na cláusula anterior.

c) Tendo a A., na sequência da referida dação em cumprimento, aceite os RR. como seus inquilinos.

d) Destinando-se o arrendado a café e salão de jogos.

e) Sendo a renda atual de € 187,00, desde Fevereiro de 2012.

f) Sucede que os RR. não procederam ao pagamento das rendas vencidas entre Fevereiro de 2012 e Fevereiro de 2013, no total de € 2.431,00, quantia que se encontra em dívida, pese embora as diversas insistências da A. para os RR. procederem ao seu pagamento. 

g) O locado está instalado no rés-do-chão da moradia identificada em a).

h) Por cima do locado, no 1º andar da mesma moradia, propriedade da A., está instalado o "Núcleo Sportinguista do Cacém".

i) A construção da moradia onde se insere o locado é bastante antiga, sendo o teto do locado de estuque e o piso do 1º andar originariamente em soalho de madeira.

j) Entre o estuque de teto do R/c  e o soalho do 1º andar existem vigas/barrotes de madeira.

k) Em data anterior a 1 de Julho de 2003, foram feitas obras no piso superior do imóvel, pelo respetivo inquilino e com a anuência dos senhorios.

l) Em 15 de Outubro de 2007 o R cedeu a exploração do seu estabelecimento a terceiros, através de contrato de locação de estabelecimento celebrado entre os RR. e N... e M....

m) Na cláusula Quarta do mesmo contrato consta o valor da renda mensal da locação do estabelecimento, que é de € 2.500,00.

n) Os cessionários deixaram de pagar a renda do estabelecimento ao R..

o) O R. foi forçado a instaurar ação judicial competente e, em Julho de 2010, conseguiu reaver o locado.

p) Quando o R. conseguiu reaver o locado haviam sido furtados vários objetos do seu interior, que pertenciam ao R .

q) Em data não apurada, parte do teto do locado ruiu em consequência do apodrecimento da sua estrutura suporte e da sobrecarga provocada pelo piso superior.

r)  No decurso do ano de 2012 o R. solicitou à A. que consertasse o teto do locado.

                                                                                                                             

 Inconformado recorre o Réu J..., concluindo que:

- A douta sentença condenatória julgou procedente por provada a acção e consequentemente decretou a resolução do contrato de arrendamento urbano em litígio, condenando os RR. a despejar imediatamente o locado e a, solidariamente, pagar à A. a quantia de € 2.431,00 (dois mil quatrocentos e trinta e um euros) referente às rendas vencidas e não pagas até ao mês de Fevereiro de 2013, bem como as vincendas, acrescidos os juros de mora, julgando improcedente por não provado o pedido reconvencional, absolvendo a A. do mesmo.

- Entre os factos provados encontram-se os seguintes: 

d) Destinando-se o arrendado a café e salão de jogos.

(. . .)

g) O locado está instalado no rés-da-chão da moradia identificada em a).

i) Por cima do locado, no 1° andar da mesma moradia,  também  propriedade da A., está instalado o "Núcleo Sportinguista do Cacém".

j) A construção da moradia onde se insere o locado é bastante antiga, sendo o tecto do locado de estuque e o piso do 1° andar originariamente em soalho de madeira.

k) Entre o estuque do teto do R/c e o soalho do 1° andar existem vigas/barrotes de madeira.

l) Em data anterior  a 1 de Julho de 2003, foram feitas obras no piso superior do imóvel, pelo respetivo inquilino e com a anuência dos senhorios - a A./Recorrida.

m)  Em 15 de Outubro de 2007 o R. cedeu a exploração do seu estabelecimento a terceiros, através de contrato de locação de estabelecimento celebrado entre os RR. e N... e M...

n) Na cláusula Quarta do mesmo contrato consta  o valor da renda mensal da locação do estabelecimento, que é de 2.500,00€.

(. . .)

q) Em data não apurada parte do tecto do locado ruiu em consequência do apodrecimento da sua estrutura suporte e da sobrecarga provocada pelo piso superior.

r) No decurso do ano de 2012 o R. solicitou à A. que consertasse o teta do locado. " (sublinhado nosso)

- Analisada a douta sentença recorrida verifica-se que, com todo o respeito e salvo melhor opinião, existe uma clara contradição entre os factos considerados provados e a decisão.

- Isto porque, o R. alega nos art°s 26° e 27° da petição inicial aperfeiçoada que não consegue explorar ou ceder a exploração do estabelecimento porque o mesmo não tem quaisquer condições de segurança e salubridade e os danos no tecto agravam-se cada vez mais, tendo alastrado a uma das casas-de-banho, com a consequência directa de não conseguir obter qualquer rendimento proveniente do mesmo.

Fazendo a análise da Motivação que serviu para formar a convicção do Tribunal na douta sentença recorrida, concretamente quanto à aos factos provados q) e r) refere-se que:

"No que respeita à matéria de facto controvertida procedeu o Tribunal à análise crítica da prova produzida (. .. ) pela testemunha Pedro Barbosa - filho e gestor de negócios da A./Recorrida -  que afirmou ter sido abordado pelo R. em 2012 a propósito do estado do tecto, sem que celebrasse com ele qualquer acordo ou autorização para o não pagamento das rendas. (. . .)

O Tribunal atendeu ainda ao teor do relatório pericial, no que respeita aos danos existentes no locado e às causas dos mesmos. "(sublinhado nosso)

- Ora, por aqui se percebe que o R. comunicou à A. a necessidade da realização de obras no locado, estando provado nos autos que o locado não tinha (como não tem) as condições necessárias para que o ora Recorrente pudesse utilizá-lo para o fim a que se destina (funcionamento de estabelecimento da área da restauração), conclusão que facilmente se retira através da análise das respostas constantes do referido relatório pericial, nomeadamente, as transcritas no corpo das presentes alegações.

- A A./Recorrida tinha conhecimento de que o locado precisava de obras e que as mesmas eram imprescindíveis para que o estabelecimento instalado no locado pudesse funcionar aberto ao público com condições de segurança e conforto.

- Uma das obrigações do locador é a de lhe assegurar o gozo do locado para os fins a que a coisa se destina [art. 1031º b) CC] e, se as partes nada convencionarem, cabe ao senhorio executar as obras de conservação (art. 1111º CC).

- Por sua vez, quando a coisa locada apresentar vício que lhe não permita realizar cabalmente o fim a que é destinada, ou carecer de qualidades necessárias a esse fim ou asseguradas pelo locador, considera-se o contrato não cumprido, nomeadamente, se o defeito surgir posteriormente à entrega, por culpa do locador (art. 1302º CC), o que sucedeu.

- Neste caso, verificou-se a excepção de não cumprimento do contrato, prevista no artigo 428º do CC, tendo o Inquilino/Recorrente a faculdade de recusar a sua prestação, não pagando a renda, enquanto a Senhoria/Recorrida não efectuar a prestação que lhe cabe, nomeadamente, a criação das condições para o gozo da coisa locada para o fim a que se destina, pelo que não são devidas as rendas que os RR. foram condenados a pagar.

- Independentemente de se considerar que o Recorrente iria obter muito ou pouco lucro com a exploração do locado, certo é que está impedido de o utilizar para o fim a que se destina, pelo facto de a Recorrida não ter realizado as obras de manutenção/conservação no mesmo, que são essenciais para o efeito, nomeada e principalmente, para afastar o risco de derrocada do tecto sobre os frequentadores do estabelecimento nele instalado.

- Desta forma, incorre a Recorrida em responsabilidade civil, sendo que a simples omissão dá lugar à obrigação de reparar os danos, por, independentemente dos outros requisitos legais, haver o dever de praticar o omitido, proporcionando ao Inquilino/ Recorrente o gozo do locado.

- Não tendo efectuado as obras, a Senhoria/Recorrida não permitiu ao Inquilino o gozo do locado para os fins a que se destina, impedindo-o de explorar ou ceder a exploração do estabelecimento de restauração instalado no locado, necessariamente, provocando um prejuízo ao Inquilino, que é indemnizável.

- Sustenta a Recorrida que, de qualquer forma, o Recorrente não tinha um estabelecimento instalado no locado e, como tal, dele não poderia retirar rendimento, mas, não é essa a questão em juízo.

- A questão principal é que o locado não dispunha (como não dispõe) das condições necessárias para ser utilizado com o fim a que se destina, porque a Senhoria/Recorrida não efectuou as obras imprescindíveis para que tal pudesse suceder.

- O que provoca um prejuízo ao Inquilino/Recorrente, que, como consequência directa da omissão da Senhoria/Recorrida, não pode explorar o estabelecimento e daí obter um rendimento.

Nestes termos, deverão as presentes alegações ser julgadas procedentes e, consequentemente, ser proferido acórdão que, concedendo provimento ao recurso, revogue a douta sentença ora recorrida, substituindo-a por acórdão que:

-  absolva os RR. do pedido da A.,

- condene a A. a reparar os danos sofridos pelos RR., pagando uma indemnização aos mesmos, a liquidar em execução de sentença.

A A contra-alegou sustentando a bondade da decisão recorrida.

Cumpre apreciar.

As questões que aqui se colocam são a excepção de não pagamento das rendas por falta das obras pelo senhorio e a pretendida indemnização do Réu pelo senhorio pelos prejuízos resultantes da não realização de obras no locado.

Diga-se antes do mais e a propósito da invocada contradição entre os fundamentos de facto e a decisão recorrida, que tal contradição não existe.

Por um lado, não ficou assente que a A tivesse acedido a que o Réu deixasse de pagar as rendas. Por outro lado, entendeu-se na sentença recorrida, que a falta de realização de obras não confere ao inquilino o direito de deixar de pagar as rendas.

Logo, poderá o recorrente discordar do entendimento jurídico do Mº juiz a quo mas não existe qualquer contradição.

A respeito dos estragos, e para lá de se ter provado que a construção do edifício é bastante antiga, sendo o tecto do locado de estuque e o piso do 1º andar originariamente em soalho de madeira e que entre o estuque do tecto do r/c e o soalho do 1º andar existem vigas/barrotes de madeira, ficou assente que, em data não apurada parte do tecto do locado ruiu em consequência do apodrecimento da sua estrutura suporte e da sobrecarga provocada pelo piso superior.

Destinando-se o locado a café e salão de jogos, é manifesto que a queda de parte do tecto tornaria impossível o seu funcionamento.

Contudo, não se provou que aquando da queda de parte do tecto, o Réu exercesse tal actividade no estabelecimento. Aliás, nem se provou que exercesse ali qualquer espécie de actividade. O Réu cedera a exploração do estabelecimento em Outubro de 2007 a N... e M..., os quais deixaram de lhe pagar as rendas, o que levou o Réu a instaurar acção judicial, conseguindo reaver o locado em Julho de 2010.

O Réu alegara que em Fevereiro de 2012 a cafetaria funcionava, com serviço de almoços e jantares, pastelaria e jogos de snooker ou dardos, mas tal matéria foi dada como não provada.

Contudo, do relatório pericial de fls. 119 e 120 resulta inequivocamente que o apodrecimento das estruturas de suporte, dos barrotes de madeira, causou a queda de parte do tecto e que a estrutura do pavimento não apresenta estabilidade suficiente.

É manifesto que o locado não reúne quaisquer condições para uma utilização normal e muito menos para o fim a que estava destinado.

O Mº juiz a quo sublinhou que o Réu não logrou provar uma relação causal entre os danos que existem no tecto do locado e a falta de exploração deste pelo mesmo Réu ou, pelo menos, o momento em que devido aos danos o Réu ficou privado de proceder a tal exploração.

Não nos parece que, no tocante à primeira das questões em apreço nesta apelação, tal falta de prova seja relevante.

Com efeito, nos termos do art. 1031º b) do Código Civil, é obrigação do locador assegurar ao locatário o gozo da coisa locada, atentos os fins a que ela se destina. E o art. 1032º prevê que quando a coisa locada apresente vício que não permita a sua utilização para o fim a que é destinada, considera-se o contrato não cumprido.

Embora o Réu não pudesse deixar de conhecer que o locado era muito antigo, não é aí que se situa o problema. O problema coloca-se quando parte do tecto ruiu não existindo quaisquer condições de estabilidade que garantam a segurança das pessoas no interior do locado.

Provou-se que a Réu no decurso do ano de 2012 pediu à Autora que reparasse o tecto do locado.

A Autora não procedeu a qualquer reparação.

Existe incumprimento manifesto do locador, ou pelo menos mora no tocante à realização de obras de reparação que assegurem a possibilidade de utilização do locado.

O art. 1036º do Código Civil prevê a possibilidade do arrendatário proceder às obras com carácter urgente, com direito ao seu reembolso pelo locador.

Neste âmbito, o que está em causa não é saber se o Réu exercia a sua actividade no locado e ficou privado de a exercer pelos estragos referidos e a sua não reparação pelo senhorio, mas pura e simplesmente que a obrigação contratual do senhorio não foi cumprida. O Réu podia pretender utilizar o estabelecimento mas também podia querer ceder a sua exploração a terceiros, como já tinha feito em 2007. E nenhuma dessas opções era viável face ao estado do locado e à manifesta falta de estabilidade e segurança., tal como alertou o perito nomeado pelo tribunal.

A questão não é a de saber, para efeitos do incumprimento, se o Réu usava o locado, mas sim que, nas circunstâncias descritas, o locado passou a não ser utilizável, sem que tenham sido feitas as obras indispensáveis para tal utilização.

Questão diversa é a de saber se o incumprimento contratual do senhorio pode fundamentar a exceptio non adimpleti contractus pelo inquilino, deixando este de pagar as rendas.

O art. 1036º nº 1 do Código Civil apenas prevê a possibilidade de o inquilino se substituir ao senhorio na realização das obras urgentes, com direito a posterior reembolso pelo senhorio. Além disso, quaisquer prejuízos causados ao inquilino pela não realização das obras pode dar origem a responsabilidade civil do senhorio nos termos gerais do art. 562º do mesmo diploma.

Contudo, o facto de o art. 1036º não prever a excepção de não cumprimento, não significa que a exclua. De resto, pode muito bem acontecer que, perante a inércia do senhorio, não realizando as obras, o inquilino não disponha dos meios financeiros necessários para se substituir ao senhorio na realização de tais obras, mesmo sabendo que terá o direito a posterior reembolso.

O art. 428º nº 1 do Código Civil dispõe que:

“Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”.

O Mº juiz a quo entendeu que a invocação da excepção de não cumprimento não se aplica ao arrendamento. Além disso, afirma que a excepção de não cumprimento pressupunha que o Réu tivesse procedido à interpelação admonitória do Autor, o que não sucedeu.                                                                                                                                  

Discordamos de tal entendimento.

Citaremos a propósito o acórdão da Relação de Évora de 26/10/1995, sumariado no BMJ nº 450, pág. 582, que apesar de aparentemente se harmonizar com a tese da sentença recorrida, coloca o problema na sua justa perspectiva, conduzindo no caso dos autos a uma conclusão diametralmente oposta.

Lê-se no referido acórdão:

“Ao inquilino não assiste o direito de não pagamento da renda pelo facto de o senhorio não proceder a reparações no locado. Efectivamente, a exceptio non adimpleti contractus só se verifica relativamente às prestações interdependentes relativamente às obrigações em que uma é correlativa da outra. E a obrigação de pagar a renda é a contrapartida de o senhorio proporcionar o gozo das coisas e não tem como contrapartida o dever de o senhorio proceder a reparações no locado”.

Como se vê, esta doutrina contrária à aplicação do art. 428º ao caso do arrendamento, acaba por gerar os próprios fundamentos de tal aplicação. É que, se o senhorio não proceder a obras que possibilitem o gozo do locado ao inquilino, incumpre uma obrigação correlativa da obrigação do pagamento de rendas, o que legitima a excepção do não cumprimento.

Ora, no caso dos autos parte do tecto ruiu. O perito nomeado, engenheiro civil, refere a fls. 120:

“O tecto do rés-do-chão está dividido em duas áreas separadas por um arco. Em um dos lados, não são visíveis danos, mas no outro lado a estrutura do pavimento de madeira está completamente podre, estando à vista a face interior da betonilha executada no piso superior. Além deste espaço também num sanitário o tecto ruiu, mas este era um “tecto falso”. Este tecto também ruiu devido ao apodrecimento da estrutura de madeira que o suportava. Em termos de mobiliário o balcão em vidro está partido certamente em consequência da queda do tecto sobre si.”

E termina dizendo:

“Não faz parte dos quesitos, mas como técnico, tenho a obrigação de alertar para o facto de a estrutura do pavimento entre pisos não apresentar indícios de estabilidade suficientes para as acções a que está sujeita (...)”.

De resto, é o próprio senhor juiz que refere a fls. 163:

“Assim, não obstante o A enquando locador, não assegurar que o locado proporcione ao R o gozo para o fim a que se destinou (...)”.

Se o senhorio não cumpre a sua obrigação de proporcionar o gozo da coisa ao inquilino, este fica desobrigado do pagamento da renda, já que são obrigações correlativas uma da outra. Não esqueçamos a definição de locação dada pelo art. 1022º do Código Civil:

“Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição”.

O Mº juiz a quo afirma ainda, em abono da sua perspectiva, que a excepção de não cumprimento pressupunha que o Réu tivesse procedido à interpelação admonitória do Autor para realização das obras.

Provou-se apenas que o Réu pediu ao Autor que realizasse as obras no tecto do locado.

Tal não corresponde, é verdade, a uma interpelação admonitória. Esta consiste em dar conhecimento ao devedor da prestação, em mora, que tem um dado prazo para cumprir, findo o qual o credor perderá o interesse na relação contratual. É um mecanismo essencial para efeito do art. 808º nº 1 do Código Civil. Mas aquilo a que a interpelação admonitória conduz, em caso de reiteração do incumprimento, é ao incumprimento definitivo do contrato, permitindo a sua resolução justificada pela outra parte.

Ora, no caso da excepção de não cumprimento não estamos – nem poderíamos estar – perante uma situação de incumprimento definitivo. É exactamente porque o contrato continua em vigor e as partes obrigadas ao cumprimento das respectivas obrigações, que a mora de uma, no âmbito do sinalagma, permite o não cumprimento da correlativa prestação pela outra.

Logo, nem sequer faz sentido vir-se invocar a falta de interpelação admonitória, inaplicável à situação prevista no art. 428º do Código Civil.

Do que se conclui que o Réu não estava obrigado ao pagamento das rendas enquanto o Autor não realizar as obras que possibilitem ao Réu o gozo da coisa, gozo de que se acha privado desde pelo menos 2012.

Não existindo fundamento para a resolução contratual pelo senhorio e para o pedido das rendas em atraso.

Em reconvenção, veio o Réu pedir a condenação do Autor no pagamento de uma indemnização em resultado dos lucros que deixou de auferir por estar impossibilitado de gozar o locado.

Aqui sim, não basta ao Réu demonstrar o incumprimento contratual do Autor. Já vimos que este, após parte do tecto ruir, existindo uma manifesta instabilidade dos pavimentos, que torna inviável o gozo do imóvel pelo inquilino, não fez quaisquer obras de reparação, apesar de para tal instado pelo Réu.

A omissão de uma conduta exigível legalmente, desde logo nos termos dos artigos 1031º b) e 1036º nº 1 do Código Civil, pode fundamentar a responsabilidade contratual do Autor – e tal mora, como vimos, releva para efeitos da invocada excepção do não cumprimento – mas não gera obrigação de indemnizar sem que o Réu demonstre que sofreu prejuízos, e que existe um nexo de causalidade entre a omissão do Autor e tais danos (art. 486º CC).

Incumbia ao reconvinte a prova dos danos. Contudo, não só o Réu não provou que antes de o tecto ruir exercesse actividade comercial – ou qualquer outra actividade lucrativa - no locado como também não provou que a iria exercer não fora o episódio do desabamento de parte do tecto. O prejuízo não pode ser meramente abstracto: tem de existir uma diminuição patrimonial do lesado (danos emergentes) ou ganhos que o lesado deixou de auferir em virtude da lesão (lucros cessantes).                                                                                                                                       

Por outro lado, além de não ter provado que estivesse a explorar ou fosse explorar o estabelecimento, também não provou que estivesse a negociar a cessão de exploração com um terceiro e que o contrato se frustrou devido à lesão. O que o Réu diz, nas suas alegações, não é apenas que a omissão do locador o privou do gozo do locado (o que é verdade) mas que tal lhe provocou prejuízos indemnizáveis. Contudo, ao definir tais prejuízos, volta a remeter para a impossibilidade de gozar o locado. Os prejuízos, insiste-se, mesmo os futuros, têm de derivar de situações de facto e de direito concretas. Um lesado num acidente de viação que fica gravemente incapacitado pode invocar os prejuízos que teve em despesas de hospital, tratamentos, acompanhamento de terceira pessoa etc. (danos emergentes) e a diminuição da capacidade de trabalho que irá acarretar prejuízos patrimoniais futuros. Mas a causa é presente e concreta.

O Réu limita-se a invocar a violação do direito de gozo do imóvel, o que, só por si, não constitui um prejuízo indemnizável. Cabia ao Réu, insiste-se, demonstrar que tal privação de gozo do locado, o fez perder ganhos que tinha na sua actividade comercial ou tornou inviável um ganho futuro resultante de uma cessão de exploração que estaria a negociar.

Como não provou nada disto, o Réu não pode reclamar a indemnização por prejuízos (reais) que não demonstrou.

Conclui-se assim que:

-  Tendo o tecto do andar ruído parcialmente, impedindo o gozo do mesmo pelo inquilino, e não tendo o senhorio procedido a quaisquer obras, apesar de para tal instado pelo mesmo inquilino, conclui-se que o senhorio, com a sua omissão, privou o inquilino do gozo do locado.

-   Sendo essa a obrigação essencial do locador, nos termos do art. 1031º b) do Código Civil, é lícito, enquanto tal omissão perdurar, que o inquilino recuse o pagamento das rendas, aplicando-se aqui a exceptio in adimpleti contractus prevista no art. 428º do mesmo diploma.

-   A excepção do não cumprimento pressupõe que o contrato está em vigor e que existe mora no cumprimento de uma das partes, que justifica a recusa do cumprimento da correlativa obrigação da outra parte.

Termos em que se julga a apelação parcialmente procedente e em consequência:

Improcedem os pedidos do Autor relativos à resolução do contrato de arrendamento e consequente despejo, bem como o relativo ao pagamento das rendas vencidas.

Improcede o pedido reconvencional do Réu.

Custas pelo recorrente e pela recorrida em partes iguais.

LISBOA, 7/7/2016

António Valente

Ilídio Sacarrão Martins

Teresa Prazeres Pais