Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6141/17.8T8ALM.L1.L1-6
Relator: NUNO LOPES RIBEIRO
Descritores: PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
VIOLAÇÃO
NULIDADE DA DECISÃO
MEIO PROCESSUAL DE ARGUIÇÃO
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: A. A arguição de nulidade de decisão final, por violação do princípio do contraditório, apenas pode ser efectuada em sede de recurso (sendo este admissível) e não em incidente próprio, perante o tribunal que proferiu aquela decisão, nos termos do art. 615º, nºs 1, d), in fine e 4 do Cód. Proc. Civil.
B. Em consequência, resulta prejudicada a apreciação da única questão invocada nas conclusões do recurso interposto contra despacho que apreciou o incidente processualmente inadmissível - a alegada nulidade por violação do princípio do contraditório -, na medida em que tal nulidade é assacada a um despacho que já transitou em julgado, nos termos do art. 628º do Cód. Proc. Civil e não ao despacho sob recurso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
A [Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS)]  instaurou a presente execução contra B, dando à execução certidão de dívida emitida pela respectiva Direcção, pelo valor de € 37.451,01.
Em 22/1/2018, foi proferido despacho liminar, no sentido da declaração de incompetência, em razão da matéria, do Tribunal a quo e consequente absolvição da instância da executada da instância executiva.
Notificada, a exequente apresentou em 15/2/2018, requerimento denominado como «reclamação de acto», arguindo a nulidade da decisão supra referida, decorrente da omissão de pronúncia por parte da CPAS sobre a competência do tribunal judicial para dirimir o litígio.
Com data de 22/10/2018, foi proferido despacho no tribunal a quo, no sentido de indeferimento da arguida nulidade, mais se determinando Custas do incidente anómalo pela CPAS, fixando-se em 10 UC a taxa de justiça, a título de taxa sancionatória excepcional (art. 531º do NCPC e 10º do RCP).
                                              *
Inconformada, a exequente interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
1- A decisão de que se recorre viola os artigos 3º, nº 3 e 531º ambos do Código de  Processo Civil.
2- A recorrente arguiu a nulidade de ato processual por omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve (artigo 195º, nº 1 do C.P.C.-), in casu por violação do princípio do contraditório.
3- A decisão de que se recorre defende que não havia que dar cumprimento ao princípio do contraditório por quanto esta não era uma decisão surpresa para a exequente face à existência de diversos acórdãos que entendem que os Tribunais Judicias não são competentes em razão da matéria para tramitar as execuções em que a exequente é a CPAS.
4- É certo que a questão jurídica controvertida da incompetência material dos tribunais judiciais nas execuções propostas pela CPAS, tem vindo a ser colocada no âmbito de vários processos de execução intentados pela exequente, mas, também é certo, que até à data da decisão de que se recorre, uma grande parte dos Tribunais do país (de várias comarcas do país) proferiram despachos liminares de citação, pelo que se julgaram competentes para prosseguirem com as execuções.
5- Aliás, o próprio Tribunal donde emana a decisão recorrida, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Execução de Almada – Juiz 1, já após ter proferido a decisão que foi objeto de reclamação, proferiu em 28.02.2018 despacho de citação numa execução em tudo similar à atual (Proc. nº 5617/17.1T8ALM). (Doc.1)
6- Por outro lado, assiste razão à Recorrente para arguir a nulidade por omissão de ato – omissão do princípio do contraditório – uma vez que a questão da competência dos tribunais judiciais para julgar e tramitar as execuções propostas pela CPAS não é tão unânime como quer fazer crer a decisão de que se recorre.
7-Tanto assim, que o Tribunal da Relação de Lisboa – proc. 143/2018- 1ª Secção - por Acórdão de 13-07-2018, proferido no âmbito do processo n.º 3930/17.7T80ER.L 1, acolheu a argumentação da CPAS, e julgou que «… os Tribunais Comuns e nomeadamente os Juízos de Execução, são competentes em razão da matéria para tramitar as execuções em que, como a presente, é exequente a CPAS».
8-Uma vez que o presente recurso tem como objeto o despacho que indeferiu a arguição de nulidade por omissão de ato ou de formalidade que a lei preveja e não a questão controvertida da competência do Tribunal, a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa supra citada, é a prova de que a jurisprudência já não é toda contrária à argumentação da CPAS e que esta deveria ser ouvida antes da tomada de decisão.
9- Não tendo a ora recorrente sido previamente ouvida sobre a competência do tribunal para tramitar e julgar a presente ação, a decisão que julgou incompetente o tribunal em razão da matéria, tem de ser considerada uma decisão-surpresa, violando o princípio do contraditório previsto no art.º 3.º, n.º 3 do CPC.
10- Aliás já existe numerosa jurisprudência que, em casos em tudo idênticos ao presente, decidiu a favor da arguida nulidade por violação do contraditório. Veja-se neste sentido Ac. TRP, de 29-05-18 (proc. nº2484/17.9T8MAI.P1), Ac. TRL de 17-01-18 (proc. nº 16591/17.4T8LSB.L1), Ac. TRE, de 30-04-18 (proc. nº 1508/17.4T8SLV.E1), Ac. TRP, de 21-02-18 (proc. nº 2878/17.0T8LOU.P1) e Ac. TRC, de 30-02-17 (proc.nº6097/17.7T8CBR.C1).
11- Face a tudo o supra argumentado não pode deixar de se entender que a condenação da CPAS numa taxa sancionatória excecional, nos termos do artigoº 531º  do C.P.C. não tem qualquer fundamento.
12- É que, ao contrário do que a decisão recorrida defende, o recorrente agiu com a prudência e diligência devidas conforme atesta a vária jurisprudência citada, que decidiu que a CPAS deve ser previamente notificada para se pronunciar sobre a competência do Tribunal em razão da matéria.
13- A decisão que condena a CPAS no pagamento de uma taxa sancionatória viola o artigo 531º do Código de Processo Civil, pelo que deve ser revogada.
                                          *
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos autos e com efeito meramente devolutivo.
                                           *
II. Objecto e delimitação do recurso
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
- Admissibilidade da arguição de nulidade da decisão de absolvição da instância, por violação do princípio do contraditório, perante o juiz que proferiu a referida decisão.
- em caso afirmativo, apreciação da consequência jurídica da omissão da audição prévia da exequente sobre a competência material do tribunal a quo.
- verificação dos pressupostos de aplicação de taxa sancionatória excepcional.
                                               *
III. Os factos
A. A Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) instaurou a presente execução contra B, dando à execução certidão de dívida emitida ela respectiva Direcção, pelo valor de € 37.451,01.
B. Em 22/1/2018, foi proferido despacho liminar, no sentido da declaração de incompetência, em razão da matéria, do Tribunal a quo e consequente absolvição da instância da executada da instância executiva.
C. Notificada, a exequente apresentou em 15/2/2018, requerimento denominado como «reclamação de acto», arguindo a nulidade da decisão supra referida, decorrente da omissão de pronúncia por parte da CPAS sobre a competência do tribunal judicial para dirimir o litígio.
 D. Com data de 22/10/2018, foi proferido despacho no tribunal a quo, no sentido de indeferimento da arguida nulidade, mais se determinando Custas do incidente anómalo pela CPAS, fixando-se em 10 UC a taxa de justiça, a título de taxa sancionatória excepcional (art. 531º do NCPC e 10º do RCP).
                                                   *
IV. O Direito
1. Da admissibilidade da arguição de nulidade da decisão de absolvição da instância, por violação do princípio do contraditório, perante o juiz que proferiu a referida decisão.
A primeira questão que cumpre apreciar consiste na admissibilidade da arguição de nulidade da decisão de absolvição da instância, por violação do princípio do contraditório, perante o juiz que proferiu a referida decisão.
Fundou a então reclamante, a arguida nulidade, na violação do contraditório prévio à prolacção da decisão, que categoriza esta como uma «decisão surpresa» censurável.
Cumprirá discutir de a exequente utilizou o meio processual adequado, quando reclamou daquele despacho liminar ao invés de recorrer do mesmo, arguindo a respectiva nulidade no âmbito do recurso.
E a nossa opção vai, convictamente, para a 2ª alternativa; senão, vejamos:
 Revisitemos, ainda que brevemente, as palavras de Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pg. 26 e segs: Mas a questão nem sempre encontra resposta tão evidente noutros casos, designadamente quando é cometida nulidade de conhecimento oficioso ou em que o próprio juiz, ao proferir a sentença, omite uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa.
A sujeição ao regime das nulidades processuais, nos termos dos arts. 195º e 199º levaria a que a decisão que deferisse a nulidade se repercutisse na invalidaçãoda sentença, com a vantagem adicional de tal ser determinado pelo próprio juiz, fora das exigências e dos encargos (inclusive financeiros) inerentes à interposição do recurso.
Porém, tal solução defronta-se com o enorme impedimento constituído pela regra praticamente inultrapassável, ínsita no art. 613º, norma a que presidem razões de certeza e de segurança jurídica que levam a que, proferida a sentença (ou qualquer outra decisão), esgota-se o poder jurisdicional, de modo que, sendo admissível recurso, é exclusivamente por esta via que pode ser alcançada a revogação ou modificação do teor da decisão.
(…)
Por conseguinte, num campo de direito adjectivo em que devem imperar factores de objectividade e de certeza no que respeita o manuseamento dos mecanismos processuais, parece mais seguro assentar em que sempre que o juiz, ao proferir alguma decisão, se abstenha de apreciar uma situação irregular ou omita uma formalidade imposta por lei, a parte interessada deve reagir através da interposição de recurso sustentado na nulidade da própria decisão, nos termos do art. 615º, nº1, al. D). Afinal, designadamente quando a sentença traduza para a parte uma verdadeira decisão-surpresa (não precedida do contraditório imposto pelo art. 3º, nº3), a mesma nem sequer dispôs da possibilidade de arguir a nulidade processual correspondente à omissão do acto, sendo o recurso a via mais ajustada a recompor a situação integrando no seu objecto a arguição daquela nulidade.
Naturalmente, este Ilustre Juiz Conselheiro plasmou a sua opinião no Ac. do STJ de 23/6/2016, por si relatado, disponível em www.dgsi.pt.:
É usual afirmar-se que a verificação de alguma nulidade processual deve ser objecto de arguição, reservando-se o recurso para o despacho que sobre a mesma incidir.
Sendo esta a solução ajustada à generalidade das nulidades processuais, a mesma revela-se, contudo, inadequada quando nos confrontamos com situações em que é o próprio juiz que, ao proferir a decisão (in casu, o despacho saneador), omitiu uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com a falta de convocação da audiência prévia a fim de assegurar o contraditório.
Em tais circunstâncias, depara-se-nos uma nulidade processual traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve, mas que se comunica ao despacho saneador, de modo que a reacção da parte vencida passa pela interposição de recurso da decisão proferida em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), in fine, do CPC.
No mesmo sentido, veja-se o Ac. deste Tribunal da Relação, de 11/7/2019 (Ana de Azeredo Coelho), disponível na mesma base dados:
III) O princípio do contraditório independe de o juiz considerar irrelevante a audição das partes, quando persistam no processo questões sobre que se não pronunciaram, v.g., a possibilidade de decisão de mérito sem produção de prova.
IV) A omissão de audiência prévia quando a mesma não podia ser dispensada determina a nulidade da decisão.
V) Esta nulidade deve ser invocada em sede de recurso da decisão de mérito, pois é o conteúdo desta que impõe a realização da audiência prévia e revela a omissão de acto prescrito pela lei; a reação adequada é a do recurso da sentença.
No mesmo sentido, veja-se Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, pg. 52 bem como Teixeira de Sousa, em comentário ao Ac. da Rel. do Porto de 2/3/2015, consultado em https://blogippc.blogspot.pt.
                                                *
Seguindo este entendimento – a violação do princípio do contraditório consequencia a nulidade da decisão final proferida, a arguir apenas em sede de recurso (sendo este admissível), nos termos do art. 615º, nºs1, d), in fine e 4 do Cód. Proc. Civil – será de concluir que mal andou a recorrente na sua reacção ao despacho de absolvição da instância.
Efectivamente, ao invés de arguir a respectiva nulidade perante o juiz de 1ª instância, estava a exequente obrigada a recorrer contra o mesmo despacho, arguindo a respetiva nulidade, nos termos supra expostos.
Não o fazendo, praticou um acto inútil e processualmente inadmissível, que não pode impedir o avanço inexorável do tempo, culminando no trânsito em julgado daquele despacho de absolvição da instância da executada.
Logo, será de manter a decisão da Exma. Juiz a quo, no sentido do indeferimento da arguição de nulidade, ainda que com distinto fundamento – a inadmissibilidade legal dessa arguição.
Diferente será a conclusão, no que tange ao segmento do despacho que aplicou a taxa sancionatória excepcional, pois aí trata-se da alegação de um vício próprio desse despacho, como veremos.
Face a este entendimento, resulta prejudicada a apreciação da questão fundamental invocada nas conclusões - a alegada nulidade por violação do princípio do contraditório - isto porque (repete-se) tal nulidade é assacada a um despacho que já transitou em julgado, nos termos do art. 628º do Cód. Proc. Civil e não ao despacho sob recurso.  
Repare-se que não se poderá invocar a integração do despacho que apreciou a nulidade no despacho objecto dessa arguição, por inaplicabilidade do disposto no art. 617º, nº2 do Cód. Proc. Civil, respeitante este à arguição de nulidade nas alegações de recurso e não à arguição de nulidade autónoma perante o juiz que profere o despacho recorrido.
                                               *
2. Da verificação dos pressupostos de aplicação de taxa sancionatória excepcional
Resta, para apreciação, o segmento do recurso referente à aplicação de taxa sancionatória excepcional, decidida no despacho recorrido.
Ainda se discute a sujeição deste recurso aos pressupostos gerais de valor do processo, da sucumbência e alçada dos tribunais, face à redacção ambígua do art. 27º, nº6 do Regulamento das Custas Processuais.
Contudo, acompanhamos o entendimento do STJ, em Ac. de 26/3/2015, disponível em www.dgsi.pt
4. A norma do n.º 6 do art.º 27.º do RCP tem por objetivo introduzir uma regra geral de recorribilidade das decisões de condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória, fora dos casos de litigância de má fé, de modo a colmatar o bloqueio decorrente do fator condicionante da sucumbência.
5. A circunstância de existir esse bloqueio decorrente dos limites legais das multas e penalidades anteriormente fixados e mantidos nos artigos 10.º e 27.º, n.º 1, do RCP, excluídos os casos de litigância de má fé, bem como a previsão, no alínea e) do n.º 2 do art.º 644.º do CPC, do mecanismo de apelação autónoma para as decisões que condenem em multa ou cominem outra sanção processual, apontam no sentido do objetivo referido no ponto precedente.
6. Nessa conformidade, a expressão fora dos casos legalmente admissíveis contida no n.º 6 do art.º 27.º do RCP deve ser interpretada no sentido de delimitar os tipos de sanções ali enunciados, de modo a ressalvar daquela previsão normativa os casos de litigância de má fé.
7. Assim, nos termos do n.º 6 do art.º 27.º do RCP, é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa ou da sucumbência, das decisões que condenem em multa, penalidade ou taxa sancionatória excecional, fora dos casos de litigância de má fé, mas apenas em um grau, por paralelismo com o disposto no n.º 3 do art.º 452.º do CPC.
No mesmo sentido, veja-se o Ac. do STJ de 19/5/2016, relatado por Abrantes Geraldes, disponível na mesma base de dados.
                                            *
Vejamos, pois, se se verificam os requisitos legais de aplicação ao recorrente da taxa sancionatória especial, prevista no art. 531º do Cód. Proc. Civil.
Define este preceito que:
Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida.
Entendeu a Sra. Juiz a quo que Mais que imprudência, com o requerimento apresentado a CPAS evidenciou o propósito de praticar um acto perfeitamente inútil e contra toda a Jurisprudência fazendo com que tivessem sido mobilizados meios materiais e humanos que agravaram, escusadamente, os custos do processo.
Não acompanhamos este juízo desvalorativo da Exma. Juiz.
Desde logo, terão sido reduzidos os meios humanos e materiais desperdiçados pela dedução do incidente de arguição de nulidade, consistindo o mesmo apenas na apresentação do requerimento, registo da respectiva taxa de justiça, abertura de conclusão, prolação de despacho e respectiva notificação à reclamante.
Em segundo lugar, a pretensão da reclamante mostra-se apoiada por alguma jurisprudência e foi fundamentada.
O entendimento da inadmissibilidade legal dessa reclamação – que ora defendemos – não se mostra pacífico e nem sequer foi argumento invocado pela Exma. Juiz a quo na aplicação desta taxa excepcional.
Como se decidiu no Acórdão desta Relação de 12/11/2013, relatado por Vieira Lamim e disponível em www.dgsi.pt:
Com a taxa sancionatória excepcional, pretende-se sancionar comportamentos abusivos manifestamente improcedentes - censuráveis enquanto decorrentes de exclusiva falta de prudência ou diligência da parte que os utiliza, com isto se induzindo as partes a evitar comportamentos que excedam os limites do razoável ou se situam abaixo do patamar da diligência mínima.
A recorrente arguiu a nulidade de uma decisão, por não ter sido previamente ouvida sobre o fundo da questão (a competência material dos tribunais judiciais para executar uma certidão de dívida por si emitida).
E, efectivamente, não foi ouvida previamente.
Repare-se que não cuidamos agora do mérito da arguição, ou seja, não verificamos se a recorrente deveria ter sido ouvida. Mas a circunstância da arguição se basear exclusivamente na falta de audição prévia e de tal omissão se ter verificado, exclui o comportamento da recorrente da esfera negativa de ausência de prudência ou diligência devidas, pressupostos de aplicação daquela taxa sancionatória.
Em suma, cremos que, no caso em apreço, não se verifica fundamento legal para aplicar à recorrente a taxa sancionatória excepcional, antes nos parece desajustada à situação sub judice.
Procedem, nesta parte, as conclusões da recorrente.
                                               *
V. Decisão                                    
Pelo exposto, decide-se em:
a) Julgar parcialmente improcedente a apelação, no segmento do despacho recorrido respeitante à apreciação de nulidade, mantendo-se tal decisão, ainda que com distinto fundamento e
b) Na procedência da restante apelação, revogar a decisão recorrida, na parte em que aplica à apelante a taxa sancionatória excepcional.
Custas pela apelante, na proporção de 2/3.
                                              *
Lisboa, 26 de Setembro de 2019
Nuno Lopes Ribeiro
Gabriela de Fátima Marques
Adeodato Brotas