Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
30851/16.8T8LSB.L1-6
Relator: ANA DE AZEREDO COELHO
Descritores: CONTRATO INTERNACIONAL
NOVA CONVENÇÃO DE LUGANO/LUGANO II
CLÁUSULA DE DESCONEXÃO
QUALIDADE DE CONSUMIDOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) Uma única pretensão indemnizatória pode ser accionada com duplo fundamento - responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual.

II) O concurso real de normas, a consumpção de um regime pelo outro ou a aplicação cumulativa dependem da ponderação das circunstâncias do caso (em que se inclui o clausulado contratual) e dos fins visados pelas normas aplicáveis.

III) É internacional um contrato celebrado entre uma parte domiciliada em Portugal, o Autor, e diversas domiciliadas na Suíça, os Réus, na medida em que coloca em presença elementos de ligação a diferentes ordens jurídicas nacionais.

IV) Estabelecendo-se os elementos de ligação com as ordens jurídicas Portuguesa e Suíça, regula a competência internacional dos respectivos tribunais, a Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, estabelecida entre a União Europeia e a Suíça, a Islândia, a Dinamarca e a Noruega de 10 de Junho de 2009 , que alterou a Convenção de Lugano, de 30 de Outubro de 2007 (Nova Convenção de Lugano ou Lugano II).

V) A Convenção prevalece sobre as normas internas nos termos do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, que institui o princípio da recepção automática do direito internacional, nomeadamente convencional.

VI) A conjugação da Convenção (aliás celebrada pela EU) com o direito da União, estabelecida pela cláusula de desconexão constante do artigo 64.º, n.º 1, da NCL, deve ser apreciada em concreto; os tribunais nacionais encontram-se vinculados, ao abrigo dos nº 1 e 2 do artigo 1º, do Protocolo nº 2 à NCL, a respeitar a interpretação do TJUE quanto às normas equivalentes dos Regulamentos Bruxelas I e II.

VII) A validade de pacto atributivo de jurisdição nos termos da Convenção de Lugano II depende da observância da forma escrita ou, sendo o acordo oral, de confirmação que obedeça à forma escrita à qual é equivalente qualquer comunicação electrónica que permita registo duradouro.

VIII) O critério de conexão “matéria contratual” deve ser analisado de acordo com as finalidades visadas pela Convenção, mormente, as de estabelecer uma relação entre o tribunal e a matéria que é chamado a apreciar e decidir que facilite a tramitação do processo e a apreciação jurisdicional.

IX) Tratando-se de contrato de prestação de serviços, é factor de conexão o lugar onde os serviços são prestados, não aquele onde a obrigação de indemnização deva ser cumprida; todavia o autor qualificado como consumidor pode optar por demandar no Estado onde tem o seu domicílio.

X) A competência para as acções de efectivação de responsabilidade extracontratual cabe ao tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso; desde que tal responsabilidade seja imputada em contexto contratual, a diversidade de fundamento da pretensão indemnizatória não releva para efeito de determinação da competência por dever ainda integrar o conceito amplo e independente de “matéria contratual” para os efeitos da Convenção.

XI) A aplicação do foro protector do consumidor depende desta qualificação, do exercício pela contraparte de actividade profissional e que esta seja dirigida ao Estado vinculado.

XII) O TJUE elege como crédito de aferição da qualidade de consumidor a celebração do contrato fora do contexto da actividade profissional.

XIII) A disponibilização pelo profissional de informação sobre a actividade em sítios electrónicos não é índice bastante a integrar o conceito de «dirigir actividade».

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM na 6ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I) RELATÓRIO[1]


J…, com domicílio em Lisboa e com os demais sinais dos autos, intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra SWISSQUOTE BANK, S.A., M.. , A.., MK.. R, MN…, JE.., JO.. e E.., todos com domicílio na Suíça e com os demais sinais dos autos, pedindo a sua condenação a pagarem-lhe a quantia de € 1.067.206,33, a título de indemnização (por danos patrimoniais e não patrimoniais), pelo facto de ter perdido a quantia de € 982.206,33, no âmbito de investimentos financeiros de elevado risco realizados entre meados de Dezembro de 2014 e Janeiro de 2015 através de uma conta da sua titularidade aberta junto do 1.º R., perdas essas que ocorreram por culpa e negligência dos RR. na gestão da referida conta e na realização dessas operações financeiras, com omissão e sonegação de informação ao A., sem o seu conhecimento ou consentimento e em contrário das suas indicações expressas.

Na sua contestação os RR. invocaram a excepção dilatória da incompetência internacional dos Tribunais Portugueses, com fundamento em violação a) de pacto atributivo de jurisdição, contido no contrato de abertura de conta celebrado entre o A. e o 1.º R., ou b) de normas de competência internacional do Código de Processo Civil Português.

O A. respondeu por escrito, pronunciando-se pela improcedência da referida excepção, negando o conhecimento, aceitação ou vinculação a qualquer pacto atributivo de jurisdição e alegando que os elementos de conexão existentes determinam a competência dos Tribunais Portugueses, já que toda a operação de abertura da conta bancária em causa foi concretizada em Portugal, onde foram preenchidos e de onde foram enviados os formulários pertinentes, através de um representante do 1.º R., sendo certo que o princípio da igualdade impõe que ao A. seja reconhecida legitimidade para interpor acção contra os RR. perante qualquer tribunal competente do seu próprio país de domicílio.

Procedeu-se à inquirição das testemunhas oferecidas pelas partes à matéria da referida excepção tendo o Autor prestado declarações de parte.

Finda a produção de prova, o Tribunal proferiu decisão que apreciou a factualidade relativa à matéria da excepção e julgou internacionalmente incompetentes os Tribunais Portugueses, absolvendo os Réus da instância.

O Autor interpôs o presente recurso dessa decisão e, alegando, concluiu como segue as suas alegações:
1. Veio a ser proferida sentença, em despacho saneador, que pondo termo ao processo, não pode pelo recorrente ser aceite, conforme melhor resulta das alegações supra, isto porquanto a mesma revela um juízo de interpretação limitado, onde tendo encontrado refúgio para decidir pela incompetência internacional dos Tribunais nacionais, não cuidou de ver se a Lei da Suíça (lei helvética) se consideraria competente ou ao invés, determinaria a competência dos tribunais nacionais, devolvendo a mesma.
2. Pois que, conforme supra melhor se demonstrou, sempre a Lei Suíça se irá considerar incompetente para julgar os presentes autos, ao abrigo do melhor disposto no seu artigo 74.º da Loi Fedérale Completant Le Code Civil Suisse.
3. Como é do conhecimento jurídico abundante, segundo o ónus de repartição de prova, incumbe a quem alega apresentar prova suficiente para que se dê por provado o facto e tal, como é manifesto, não ocorreu nos presentes autos, no quanto concerne ao conhecimento, anuência e aceitação por parte do autor recorrente do pacto privativo de jurisdição.
4. Neste tocante, teve o autor recorrente oportunidade de através requerimento datado de 29.11.2017 impugnar não só matéria de facto, como ainda, impugnar documentos, que alegadamente servia de prova aos RR. para fundamentarem a existência de um pacto privativo de jurisdição.
5. Tendo o recorrente oportunidade de impugnar o DOC1, DOC2, DOC3, DOC4, DOC5, DOC6, DOC7, DOC8, DOC9, DOC10, DOC11, DOC12, DOC13 e DOC14, todos junto com a Contestação, invocando desconhecimento dos mesmos, por estes nunca lhe terem sido apresentados; invocando falsidade de endereço electrónico, porquanto o aí indicado contacto nunca foi pertença do autor recorrente nem ao mesmo teve acesso, por si ou por interposta pessoa; invocando falsidade de letra e de assinatura; invocando falsidade de documento por nunca o mesmo se apresentar devidamente rubricado e assinado;
6. No mesmo requerimento veio o autor recorrente requerer então a junção de tais documentos em original, sendo que curiosamente (por favorabilidade aos RR) nunca tais originais vieram a ser juntos, pese embora, tenha vindo o próprio douto Tribunal a quo a oficiosamente ordenar a junção dos mesmos.
7. Sobremaneira importância recaia sobre o endereço de correio electrónico - ....................@gmail.com – endereço utilizado pelos RR., para transmitir todas as alegadas condições ao autor recorrente, porém, é este o mesmo endereço de correio electrónico que o autor recorrente sempre IMPUGNOU e NEGOU/CONTESTOU que fosse seu ou que ao mesmo tivesse acesso,
8. Tendo por esta mesma razão o autor recorrente EXPRESSAMENTE REQUERIDO que se oficiasse as entidades competentes para que diligenciassem na obtenção e comprovação de existência do referido endereço e-mail bem como e em particular, o IP e respectivo local de acesso ao mesmo, servidor e todas as demais informações que se revelassem úteis à boa descoberta da Verdade Material.
9. Porém, não só o Tribunal nada determina, como vem depois não dar por provado que o autor recorrente não tivesse acesso a tal e-mail, mesmo sendo notório, mais que não fosse pelas simples regras de experiência comum, que após a indicação NEGANDO que tal endereço de e-mail é o seu, os próprios RR. deixam de o utilizar e passam a utilizar o seu e-mail de sempre: ..............@net......pt
10. No quanto assim concerne à invocada, mas certamente ora improcedente excepção invocada pelos RR., o autor recorrente não se limitou a pronunciar-se pela improcedência da mesma, como indica o douto despacho decisão ora em crise, como que minimizando o alegado e requerido pelo autor recorrente e indeferido pelo douto Tribunal a quo, outrossim, o autor recorrente pronunciou-se pela IMPROCEDÊNCIA da referida excepção, IMPUGNOU documentos, alegou FALSIDADES de letra e assinatura, REQUEREU PERÍCIAS à letra e assinatura, REQUEREU PERÍCIAS ao endereço de electrónico, tudo em sustento da pronúncia da referida excepção e que melhor constam dos autos.
11. Devendo assim dar-se por provado que o autor recorrente não tinha o controlo ou sequer o conhecimento da existência de um endereço do correio electrónico - ................@gmail.com – e consequentemente ser eliminado dos factos provados o número 12, onde se lê: “12. Após a recepção pelo 1.º R. do pedido de abertura de conta do A. e da aceitação do mesmo, o departamento de registo de clientes (Client Register) do 1.º R. enviou para o endereço ....................@gmail.com a mensagem de correio eletrónico cuja cópia consta de fls. 281, onde se refere “O... C... – EN 2......pdf” bem como um link para informação;”
12. Ou querendo, acrescentar ao mesmo que não obstante tal alegado e-mail ter sido remetido, nunca o mesmo foi do conhecimento do autor recorrente, que nunca o recebeu ou leu, porquanto o endereço electrónico em questão, não obstante a semelhança do mesmo com o nome do autor recorrente, não foi por si ou por interposta pessoa a seu mando criado.
13. Não obstante e ao não ter promovido tais diligências requeridas, não só deverá o facto provado número 12 ser eliminado, como na verdade, deverá ser declarada nula a sentença proferida, por omissão de pronúncia e omissão de realização de perícia requerida, atenta a importância que o facto de per si teria para a boa decisão de mérito dos presentes autos.
14. “I. No âmbito da vigência do actual CPC, a decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.
II. Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado.” In Ac. TR de Évora, Proc. 170/16.6T8MMN.E1, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/-/78EA0DD6330617B8802582CC004620F1
15. Reitere-se ao que importa para a boa decisão dos presentes autos: “afirmações genéricas, conclusivas”.
16. Deu o douto Tribunal a quo como provado que, “2. Para o efeito, o A. preencheu e assinou um formulário de abertura de conta, que é, pelo menos, semelhante àquele cuja cópia consta de fls. 275v a 276v (tradução a fls. 392 a 394), formulário esse que foi depois enviado para o 1.º R.;” com evidente relevo para a expressão genérica “semelhante” e, chama-se a atenção para que são estes os documentos semelhantes NÃO IDÊNTICOS/IGUAIS sobre os quais o douto Tribunal vem depois basear a convicção de que o autor recorrente teve conhecimento de um pacto privativo de jurisdição, reitere-se,
17. O Tribunal a quo DÁ POR PROVADO UM FACTO de extrema relevância para os presentes autos com base em DOCUMENTO SEMELHANTE!
18. A expressão genérica “semelhante” refere-se assim a duas coisas, distintas e autónomas entre si, que detém mera semelhança, o qual não se confunde como idêntico, podendo esta significar uma semelhança em relação ao número de páginas, a apostos símbolos ou logotipos, ao tipo de caligrafia utilizado, sendo que não se detém de forma única e exclusiva, com o teor que o mesmo documento encerra em si mesmo, porquanto foi o mesmo IMPUGNADO pelo autor recorrente e ademais,
19. Seguindo assim com base no facto provado em 2, para dar o douto Tribunal a quo como provado o facto em 3, i e, de que o autor recorrente leu e aceitou o que consta desse formulário, ou seja, o pacto privativo de jurisdição.
20. O que mais uma vez se encontra ESPECIFICAMENTE IMPUGNADO pelo autor recorrente porquanto se apresenta como uma falsidade.
21. Tais documentos faziam parte do lote de documentos que o autor recorrente requereu que recaísse perícia e que fossem apresentados os ORIGINAIS, que nunca o foram, por mais que tal bastasse para os RR. provarem a sua tese, i e, era do interesse especial dos RR. apresentarem os originais, QUE NUNCA APRESENTARAM.
22. Razão pela qual se requer a ELIMINAÇÃO do facto dado por provado em 2 e 3, o que de per si, sempre determinará, como melhor se requer, a improcedência de se dar por provado de que o autor recorrente teve conhecimento e anuiu no pacto privativo de jurisprudência.
23. Mais ainda, deverá ser ELIMINADO o facto dado por provado em 9, porquanto uma vez mais, se socorre o douto Tribunal a quo de expressões genéricas: “9. A actividade do 1º R. era e é, essencialmente, desenvolvida online”, sendo aqui a expressão genérica o conceito de “essencialmente”.
24. Quando a mesma é na verdade plenamente irrelevante para os presentes autos, porquanto prova testemunhal é efectuada nos autos, de que o autor recorrente nunca recorreu a nenhum método de actividade online, ao invés, assinou documentos físicos e outros documentos físicos existem nos quais a sua assinatura surge como falsificada, tudo através do legal representante dos RR. em Portugal, na sua dependência física sita em Av. ... ... de ..., de seu nome AG.......
25. O facto dado por provado em 13 terá de ser necessariamente eliminado isto porquanto, assim se demonstra a falsidade do facto dado por provado em 13, isto porquanto a actividade da 1º R. era desenvolvida em território nacional, através de um funcionário da 1º R., funcionário este Português de seu nome AG......, numa dependência física da 1ª R. em Portugal.
26. E se na verdade o autor recorrente nunca abriu qualquer conta directamente na 1ª R., se nunca se deslocou à Suíça para o fazer, como bem dá o douto Tribunal por provado no facto 17, se como bem dá por provado o Tribunal no facto provado 16, o formulário foi preenchido em Portugal, e de Portugal foi enviado para a 1ª R. (elementos de conexão que de per si sempre determinariam também a aplicação do direito nacional), então não pode o Tribunal a quo dar por provado que a 1ª R. não tinha sucursal, agência, balcão, escritório de representação ou representante em Portugal, isto porquanto certamente “alguém” abriu a conta bancária do autor recorrente junto da 1ª R. em Portugal que não o autor recorrente.
27. Então não poderá o douto Tribunal dar por provado o facto 13, mas outrossim, dar por provado exactamente o inverso, assim importando a eliminação do facto provado 13.
28. Deve ainda ser eliminado o facto dado por provado sob o número 10, bastando para tanto quedarmo-nos pelo tempo verbal aí utilizado: “10. As condições contratuais aplicáveis aos contratos de abertura de conta junto do 1.º R. são disponibilizadas online, juntamente com o formulário mencionado no n.º 2, no sítio electrónico do 1.º R.;”.
29. Em bom rigor é irrelevante quais SÃO as condições contratuais aplicáveis aos contratos de abertura de conta junto do 1º R. aos dias de hoje, no ano de 2020, outrossim, relevante seriam saber quais ERAM as condições contratuais aplicáveis aos contratos de abertura de conta no ano de 2014, i e, há mais de seis anos atrás, momento no qual o autor recorrente procedeu à abertura de conta, o que na verdade e uma vez mais, não se encontra provado nos autos.
30. E ainda na senda das expressões genéricas, dos documentos semelhantes e da actividade essencialmente desenvolvida online, a verdade é que também o facto dado por provado em 11 deverá ser eliminado.
31. No mesmo lê-se que: “11. Essas condições contratuais gerais são as que ora estão impressas no documento de fls. 277 a 280v (tradução a fls. 416 a 426), que se dão por reproduzidas, dispondo a Cláusula 9.ª o seguinte: «LEI APLICÁVEL E JURISDIÇÃO As presentes Condições Gerais de Negócio e Regulamento de Custódia Segura são regidas pela lei suíça. O lugar de execução e a jurisdição para quaisquer ações, incluindo relativamente aos Clientes com domicílio no estrangeiro, é Lausanne, Suíça.
Contudo, o Banco reserva o direito a instaurar ações no país de domicílio do Cliente ou perante qualquer outro tribunal competente, permanecendo em qualquer caso aplicável a lei suíça»;”, i e, o alegado documento através do qual o autor recorrente toma conhecimento e anui no pacto privativo de jurisdição.
32. Acontece porém que, para além de todo o supra exposto, os documentos de fls. 277 a 280v não foram, não são e não representam ou sequer enformam ou constituem, os alegados documentos que terão sido entregues ao autor recorrente, na verdade, estamos novamente na presença do que o douto Tribunal a quo entende por alegados documentos “semelhantes”.
33. O caso concreto não se resolve ou sobre o mesmo não se aplica a douta Justiça, com base em semelhanças, isto porquanto os documentos originais que se deveriam encontrar na posse dos RR., nunca vieram a ser juntos aos autos, ainda que tivessem os mesmos sido interpelados directamente pelo douto Tribunal, que ordenou a referida junção dos originais, não obstante encontrarem-se todos especificamente IMPUGNADOS pelo autor recorrente.
34. Razão pela qual e tendo em conta a aparente aparência dos mesmos – não o teor – veio o autor recorrente alegar que estava perante um documento semelhante.
35. No que diz respeito ao facto 4, também não se entende como pode o douto Tribunal entender que das declarações de parte “(…) de onde decorreu que pretendeu (o autor) efectivamente, através da subscrição do formulário em causa, abrir uma conta no estrangeiro e, portanto, que aceitou o que consta do formulário.”.
36. Quando o autor recorrente especificamente impugnou tal matéria, quando o autor recorrente nas suas declarações alegou nunca ter subscrito qualquer pacto privativo de jurisdição.
37. Não tendo sido efectuada prova nos autos – senão por alegado documento alegadamente semelhante – não poderá nunca o douto Tribunal a quo dar por provado que o autor recorrente tomou conhecimento do conteúdo e teor do mesmo e arrisca-se o mesmo a concluir que entender o contrário, i e, de que um documento alegadamente semelhante, é apto a provar o contrário do que o autor recorrente alega e especificamente impugna, é inverter a lógica de subsunção dos factos ao Direito, passível de uma análise constitucional.
38. Razão também pela qual deverá ser eliminado dos factos provados o facto provado número 11.
39. No que diz respeito à matéria dada por não provada, entra o douto Tribunal a quo em contradição logo na alínea a) e b) com contraposição na alínea c) porquanto não se dá por provado que o formulário a que se alude no n.º 2 dos factos provados fosse o que consta de fls. 275v e 276, também não se dá por provado que para além do que consta do n.º 5 dos factos provados, o autor recorrente tenha assinado qualquer outro documento,
40. No entanto, veio o Tribunal a quo dar por não provado (em dupla negativa) que as condições referidas no número 3, 10 e 11 dos factos provados nunca tenham sido o conhecimento do autor recorrente sendo que a contradição é por demais evidente, sendo óbvio que no facto dado por não provado em c) deveria constar dos factos provados, na vertente positiva, isto é, as condições referidas nos n.ºs 3, 10 e 11 dos factos provados NUNCA FORAM do conhecimento do autor recorrente.
41. As regras de experiência comum e de normalidade ditam claramente a obscuridade de todo o processo dos RR., em particular em nunca terem junto aos autos os alegados existentes originais que sempre vinculariam o autor (MAS QUE INEXISTEM E NÃO SE ENCONTRAM JUNTOS AOS AUTOS) ou ainda, com a apresentação de duas testemunhas cujo conhecimento é apenas INDIRECTO e que só tomaram conhecimento dos factos após a interposição da acção e não em 2014, momento da prática dos factos aqui controvertidos,
42. O que aliás é admitido pelo próprio douto Tribunal a quo, “testemunhas ….il, ambos funcionários do 1.º R., há mais de 10 anos, sendo o segundo chefe do respectivo departamento jurídico, os quais, embora não conhecendo o A., nem tendo tido intervenção no processo de abertura de conta do A. e sua gestão ou movimentação subsequentes, descreveram, de forma objectiva, segura e desinteressada, os procedimentos internos do 1.º R. no que respeita aos processos de abertura de conta…”.
43. Ou ainda: “(…) als. a) e b), o A. negou os factos em causa, admitindo, apenas, que o formulário que subscreveu era semelhante ao de fs. 275v e 276 e só confessando como sendo suas as assinaturas apostas no documento de fls. 276v, sendo certo que nenhuma outra prova foi produzida (como se disse, as testemunhas …il não intervieram no processo de contratação do A.); (…)”.
44. Em suma e no que à Verdade Material dos Factos importa, o autor recorrente não reconhece os formulários juntos, nunca os tendo visto, razão pela qual nunca consentiu, anuiu, de forma clara ou de forma expressa, a qualquer pacto privativo de jurisdição e bem assim,
45. O mesmo nunca lhe pode ser aposto ou imputado na sua esfera jurídica, porquanto reitere-se, os formulários nos quais se consubstancia o alegado pacto privativo de jurisdição nem tão-pouco dizem respeito ao caso concreto, outrossim são meramente documentos “semelhantes”, sendo que “semelhantes” envolve toda a carga negativa de um conceito abstrato não aplicável ao caso concreto, alegadamente perante formulários que não se encontram devidamente rubricados, e na última página dos mesmos não estão assinados, que nunca foram apresentados em original.
46. Impugnada que se encontra a matéria de facto controvertida e dada por provada, requerendo-se a eliminação dos factos dados por provados especificamente indicados, não tendo os RR. provado a sua tese e não se encontrando assim verificado procedente o ónus de repartição de prova, não existindo prova que o autor recorrente subscreveu qualquer pacto privativo de jurisdição, outro não pode ser o entendimento sob pena de violação do melhor disposto nos artigos 12º, 13º, 18º, 20º, 202º e 203º todos da Lei Fundamental, senão o de que não pode ter aplicação aos presentes autos o disposto no artigo 94.º CPC, o que desde já se requer.
47. Ainda na senda da não aplicação aos presentes autos do disposto no artigo 94.º Código de Processo Civil diga-se que o mesmo não poderá nunca proceder, isto porquanto, nunca a Lei Suíça (lei do alegado país de destino) aceitaria tal competência, por força do disposto no artigo 74.º da Lei Suíça (lei helvética que é aplicável ao caso concreto), “Loi Fedérale Completant Le Code Civil Suisse”, de 30 de Março de 1991, isto porquanto estamos na presença de um pedido que versa sobre a putativa obrigação de indemnização ou de indemnizar, a qual se reconduz a uma obrigação que tem por objecto certo quantia em dinheiro, i e, uma prestação pecuniária, dos RR. (devedores) para com o autor (credor), determinando a Lei Suíça que na falta de disposição em contrário, a obrigação de pagamento de uma quantia em dinheiro deve ser cumprida no lugar onde o credor (le créancier) está domiciliado à data do pagamento.
48. É ainda erróneo o entendimento do douto Tribunal a quo, que não mais representa senão uma conclusão subjectiva e ausente de base factual, de que o recurso aos tribunais Suíços não representaria um inconveniente para o autor recorrente.
49. O autor recorrente deslocou-se, conforme suas declarações, 2 (duas) vezes à Suíça, e apenas após ter tido conhecimento que havia perdido um milhão de euros, na tentativa de obter prova para interpor a competente acção.
50. Não se entendendo como entende o douto Tribunal a quo como pode vislumbrar o mesmo o inconveniente para o autor recorrente, depois de perder um milhão de euros, ir pleitear o seu Direito para os tribunais suíços.
51. Quando é exactamente o inverso i e, inexiste qualquer inconveniente para os RR. pleitearem no ordenamento jurídico nacional, quando os mesmos contratam uma das mais dispendiosas sociedades de advogados nacional e que quando na possibilidade das suas testemunhas serem ouvidas via videoconferência/Skype ou outra, fazem as mesmas comparecer pessoalmente em juízo.
52. As regras de experiência comum sempre ditariam que perante um particular (autor) e uma entidade bancária de investimento (1ª R), sempre o primeiro se encontraria numa posição sobremaneira inferior e desprotegida, com uma maior necessidade de protecção perante o maior inconveniente MANIFESTO em pleitar em ordenamento jurídico estrangeiro, devendo também com base neste argumento improceder o entendimento do douto Tribunal de ter aplicabilidade aos presentes autos, por se encontrarem preenchidos os requisitos (que não se encontram) do disposto no artigo 94.º CPC.
53. Mas, ainda que assim se não entendesse sempre chegaríamos a idêntica conclusão, isto porquanto, o caso dos autos, respeitando a uma relação transfronteiriça, encontra-se sujeito à Nova Convenção de Lugano de 30.10.2007, relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, que, como é consabido, se sobrepõe às regras de competência nacionais.
54. E assim falha censuravelmente o douto Tribunal a quo, porquanto quando a Convenção de Lugano determina que “(…) atribui competência ao tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação (…)”, não se refere ao contrato jurídico existente entre autor recorrente e RR recorridos, ao invés, refere-se ao facto de, ao ter procedência a acção de condenação dos RR. recorridos, onde deva ser cumprida a obrigação de indemnização.
55. Podendo alegar-se de outra forma, o lugar da celebração do contrato no caso concreto, apresenta-se como irrelevante, para a boa decisão de mérito a proferir sobre a invocada excepção de incompetência dos Tribunais nacionais.
56. Caso se entenda, como aliás o faz o recorrente e do mesmo não prescinde, que o contrato tenha sido celebrado em Portugal, será aplicável a lei nacional, por força do estatuído no artigo 42.º/2 do Código Civil.
57. Por outro lado, os presentes autos se ocupam de discutir fundamentalmente, questões de responsabilidade civil contratual, peticionando-se o pagamento de uma indemnização que se reconduz a uma obrigação que tem por objecto certo quantia em dinheiro, i e, uma prestação pecuniária, reitera-se assim a competência internacional dos Tribunais nacionais, por força da aplicação do disposto no artigo 774.º do Código Civil, i e, tal obrigação que tem por objecto certo quantia em dinheiro – prestação pecuniária – deve ser cumprida no lugar do domicílio do credor (autor recorrente) ao tempo do seu cumprimento, i e, em Portugal, assim tornando competente os Tribunais nacionais.
58. Por outro lado, ainda que se admita que o contrato foi celebrado na Suíça – o que não é admitido pelo autor recorrente, mas que se concebe sem conceder e por mero exercício de Patrocínio de coagita – a devida análise jurídica integral do caso concreto, determina a competência dos Tribunais nacionais, ao ser aplicável a lei helvética ao caso concreto a “Loi Fedérale Completant Le Code Civil Suisse”, de 30 de Março de 1991, no seu artigo 74.º.
59. Entendimento este vertido já por este douto Tribunal superior, bastando para tanto que se compulse o douto Acórdão proferido pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. 2784/08.9TVLSB-A.L1-6, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/BE0F4CB5ECC768568025774C00596AE8
60. Assim sendo e independentemente de se concluir que o contrato foi celebrado em Portugal ou na Suíça, temos que, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 5º da Convenção de Lugano, se deve concluir que, à luz das normas substantivas aplicáveis por força da norma de conflitos nacional, a obrigação de indemnização emergente do contrato tem de ser cumprida em território nacional, e deste modo, resta considerar que os tribunais nacionais, em razão da nacionalidade e, dentro destes, em particular, o Juízo Central Cível de Lisboa, em razão da matéria, são competentes para a tramitação e decisão da causa, o que respeitosamente se requer para todos os devidos efeitos legais.
Termos em que com os mais de Direito doutamente supridos por este douto Tribunal superior, respeitosamente se vem requerer a revogação da decisão proferida ora em crise e in fine, em estrita consonância com o proferido por este douto Tribunal, considerarem-se (como sempre o deveriam ter feito) os doutos Tribunais nacionais como competentes, assim dignificando a tão douta e costumada JUSTIÇA!

Os Recorridos apresentaram contra-alegações em que se pronunciaram pela rejeição da impugnação da decisão de facto por incumprimento dos ónus impostos pelo artigo 640.º, do Código de Processo Civil, e em que defenderam o julgado.

O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II) OBJECTO DO RECURSO

Tendo em atenção a arguição de inadmissibilidade da impugnação da decisão de facto e as conclusões do Recorrente - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC – cumpre apreciar das seguintes questões:
1) Da admissibilidade do recurso da decisão de facto
2) Da nulidade da decisão 
3) Da competência internacional dos Tribunais Portugueses

III) FUNDAMENTAÇÃO

1. QUESTÃO PRÉVIA

1. Defendem os Recorridos que o Recorrente não cumpriu com os ónus impostos pelo artigo 640.º, do Código de Processo Civil, norma que impõe ao recorrente que especifique (i) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (alínea a)), (ii) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b)) e (iii) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c)).
Entendem os Recorridos que tal não foi cumprido na medida em que não foram individualizados e identificados os depoimentos  e, no que respeita à impugnação da matéria de facto dada por provada e não provada pela instância a quo, aquele [Recorrente] não procedeu à transcrição e/ou indicação de um único trecho dos depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas arroladas pelo Recorrente e pelos Recorridos, nem das declarações prestadas pelo Recorrente e não indica, sequer, os meios de prova documental juntos aos autos, ao abrigo dos quais a instância ad quem deve proceder à alteração da factualidade dada por provada e não provada na sentença a quo.

2. Percorrendo as alegações do Recorrente.

Quanto aos pontos 2 e 3 da decisão de facto, alega ser inadmissível, a inclusão da palavra “semelhante” por a considerar genérica e conclusiva, devendo ser eliminados esses pontos de facto, o que pede nas conclusões 16 a 22.

Quanto ao ponto 4 invoca que impugnou especificadamente tal matéria e, nas declarações de parte, alegou nunca ter subscrito qualquer pacto privativo de jurisdição. Mais refere que a única prova a tal respeito é o teor do documento considerado semelhante. Pede que seja julgado não provado na conclusão 35.

Quanto ao ponto 9 da decisão de facto, alega ser inadmissível, a inclusão da palavra “essencialmente” por a considerar genérica e conclusiva, devendo ser eliminado esse ponto de facto, o que pede na conclusão 23.

Quanto aos pontos 10 e 11 da decisão de facto, salienta que decorre do ponto 10 que o tribunal considerou a situação presente, atento o tempo verbal utilizado, quando o que interessa é a situação vigente na data dos factos, referindo a respeito que a apreciação que o tribunal faz do testemunho da testemunha AB...... e das suas imprecisões não prejudica tal depoimento, uma vez que passaram anos sobre a ocorrência, devendo ser considerado que nada demonstra que os documentos de fls 277 a fls 280 verso foram entregues ao Recorrente ou por ele conhecidos, devendo ser eliminados os factos 10 e 11. Pede a eliminação nas conclusões 28, 30 e 38.

Quanto ao facto 12, o Recorrente entende que deve ser eliminado por o tribunal não ter considerado que o Recorrente negou em declarações de parte ser o titular desse endereço e faz outras considerações a tal respeito. Pede a eliminação na conclusão 13.

Quanto ao facto 13 o Recorrente alega que deve ser dado como não provado nos termos constantes da sua própria alegação. Pede a eliminação na conclusão 27.

Quanto aos factos julgados não provados nas alíneas a), b) e c), entende o Recorrente que existe contradição entre as duas primeiras e a terceira, voltando a expender as suas razões quanto ao formulário indicado como semelhante ao que assinara. Pede nas conclusões 39 a 44 que o facto enunciado na alínea c) seja julgado provado.

3. Apreciando.

3.1. Impõe o artigo 640.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, que o recorrente que pretenda impugnar a decisão de facto indique i) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, (ii) os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa, com indicação exacta, tratando-se de prova sujeita a gravação, das passagens em que funda o recurso, e (iii) a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
3.2. Os ónus impostos ao Recorrente pela norma citada e em parte transcrita não são, naturalmente, arbitrários, antes visam cumprir o objectivo do duplo grau de jurisdição quanto à decisão de facto nos termos da lei processual civil que são os de apreciação da decisão na parte que o recorrente entende errada, não o novo julgamento genérico, e possibilitar o contraditório adequado, nomeadamente face ao ónus imposto ao recorrido na alínea b) do n.º 2.
Pacífico é que o não cumprimento pelo recorrente dos ónus mencionados determina a liminar rejeição do recurso. Rejeição que deve pautar-se pelos critérios de razoabilidade e proporcionalidade da imposição de ónus, mormente em relação com os fundamentos que os determinam[2].
3.3. Isto posto, dir-se-á que a impugnação da decisão de facto constante das alegações e conclusões do Recorrente cumpre com os referidos ónus se confrontada com os objectivos que os mesmos visam atingir. Como decorre do resumo da mesma impugnação que fizemos em 2, em todos os casos se encontra indicado o ponto de facto impugnado e peticionado o sentido da decisão entendida como correcta.
a) Em alguns casos não vem indicado o meio de prova que impõe a decisão entendida correcta.
Assim é quanto aos pontos de facto 2, 3 e 9 e a), b) e c).
Todavia, a impugnação refere-se, no primeiro caso, a inadmissibilidade de inserção de expressões conclusivas e, no segundo caso, a contradição entre as alíneas. Não estão em causa meios de prova pelo que não faria sentido que fossem invocados.
b)Noutros casos, vem indicada prova pessoal gravada sem identificação das passagens da gravação que devem ser consideradas.
Assim é quanto aos pontos 4 e 12 referindo-se às declarações de parte.
No entanto, transcreve o teor das mesmas em que funda a alteração do ponto 4 - alegou nunca ter subscrito qualquer pacto privativo de jurisdição – e indica que negou a matéria contida no ponto 12 quanto ao endereço electrónico.
Tais indicações são bastantes para situar a questão suscitada e orientar o contraditório de forma que não dificulte a defesa dos recorridos, uma vez que é inteiramente perceptível quais as declarações convocadas.
Assim é, igualmente, quanto aos pontos 10 e 11 em que menciona o depoimento de AB...... como tendo sido indevidamente desconsiderado pelo tribunal sem referir o que quer que seja quanto ao teor do mesmo.
Acontece que não funda a impugnação apenas no que teria resultado de tal depoimento, mas também na insuficiência dos documentos de fls 277 a 280 verso. Não há, em consequência motivo de rejeição, mas, apenas, de consideração do fundamento exposto e de nenhum outro.
c) Noutro ponto, quanto ao facto 13, não invoca meios de prova, mas apenas a sua própria alegação. A questão não é rejeição mas de apreciação do mérito da impugnação, uma vez que não se verifica situação subsumível à norma do artigo 640.º do Código de Processo Civil.
Em conclusão, improcede a pretensão de inadmissibilidade da impugnação da decisão de facto.

2. DA NULIDADE DA SENTENÇA

1. O Recorrente defendeu a nulidade da sentença com fundamento em omissão de pronúncia e omissão de realização de perícia requerida, invocando ainda a importância que o facto de per si teria para a boa decisão de mérito dos presentes autos.
A perícia à letra e assinatura foi requerida pelos Réus em sede de instrução e foi deferida pelo tribunal. Posteriormente, solicitados os originais dos documentos, únicos que permitiriam realizar a perícia conforme foi considerado implicitamente pelo tribunal e pelas partes, o processo prosseguiu sem perícia por os originais não terem sido encontrados pelos Réus.
Da alegação do Recorrente quanto a esta questão parece resultar que, ao mesmo tempo que invoca a nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto à realização da perícia, invoca a nulidade geral fundada na omissão de acto prescrito pela lei. Num caso da previsão do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), no outro da previsão do artigo 195.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.

2. A nulidade da sentença suscitada verifica-se quando o juiz deixe de se pronunciar sobre matéria que esteja obrigado a conhecer. A determinação do que deva ser conhecido na sentença decorre do artigo 608.º do Código de Processo Civil. A questão da perícia foi suscitada nos autos no momento próprio e foi deferida. Não se encontrava sujeita a apreciação na sentença recorrida o que liminarmente implica que a omissão de apreciação não só não constitui uma omissão em sentido próprio como, por maioria de razão, não gera qualquer nulidade.

3. A nulidade por omissão de acto prescrito pela lei implica avaliar se o acto tem essa qualidade, se a omissão influi no exame da causa e se a arguição é tempestiva e feita perante o tribunal competente para a decidir.
Iniciando pelo último requisito, diremos que a nulidade, que não é de conhecimento oficioso, devia ter sido arguida em primeira instância no prazo estabelecido pelo artigo 199.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Por outro lado, a não realização da perícia decorreu não de omissão mas, antes, de impossibilidade, tendo o tribunal praticado actos diversos em ordem a vencer a dificuldade. Não se verifica, assim, uma verdadeira e própria omissão.
Por tudo, improcede a arguição.

3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1. Da impugnação

1.1.Como acima se mencionou, o Recorrente impugna a decisão de julgar provado o que consta dos pontos 2, 3, 4, 9 a 13 e a de julgar não provado o que consta da alínea c).
Apreciar-se-á com referência aos indicados pontos[3].
1.2.Quanto aos pontos 2 e 3 da decisão de facto, alega o Recorrente ser inadmissível a inclusão da palavra “semelhante”, por a considerar genérica e conclusiva, defendendo que devem ser eliminados esses pontos de facto.

É o seguinte o teor desses pontos:
2. Para o efeito, o A. preencheu e assinou um formulário de abertura de conta, que é, pelo menos, semelhante àquele cuja cópia consta de fls. 275v a 276v (tradução a fls. 392 a 394), formulário esse que foi depois enviado para o 1.º R.;
3. No referido formulário consta, nomeadamente, o seguinte:
«TIPO DE CONTA
Pretendo abrir uma conta em conformidade com as Condições Negociais Gerais e com as Normas de Custódia Segura do Banco.
COMÉRCIO ONLINE
Pretendo ter acesso a um ou mais terminais, incluindo um terminal de acesso através do browser da internet do banco, para transmissão electrónica de ordens e/ou transacções, para as minhas contas do Banco MIG.
CONDIÇÕES GERAIS E DOCUMENTOS CONTRATUAIS
Ao assinar este documento, você concorda que recebeu, leu, compreendeu, consentiu e aceitou quaisquer e todas Condições Negociais Gerais e com as Normas de Custódia Segura do Banco. Você confirma que recebeu, leu, compreendeu, consentiu e aceitou a brochura de “Riscos específicos no comércio de valores mobiliários”. Além disso, você confirma que solicitou expressamente ao banco os seus serviços Bancários (denominados “solicitação contraria”)…»;

A impugnação funda-se, exclusivamente, em ser genérica a expressão “semelhante”, de tal resultando a introdução de um pendor conclusivo no facto dado como provado que, assim, constitui conclusão e não facto.

A qualificação, disso se trata o que é bem expresso pela utilização de um adjectivo, do formulário de abertura de conta assinado pelo Autor como semelhante ao mencionado no ponto de facto, é necessariamente conclusiva, por isso que expressa uma conclusão retirada da comparação entre um e outro.
No entanto, do teor do ponto de facto 3 resulta quais os elementos que determinam essa semelhança, os quais estão descritos. Assim, da decisão resulta que o formulário assinado pelo Autor continha os elementos que o formulário referido contém e que são descritos no ponto 3. Esta concretização afasta o carácter genérico e conclusivo que o adjectivo semelhante poderia, sem ela, introduzir.

Improcede a impugnação, sem prejuízo de ser explicitado que a semelhança se refere aos factos constantes do ponto 3. Como segue:
2.Para o efeito, o A. preencheu e assinou um formulário de abertura de conta, que é, pelo menos, semelhante àquele cuja cópia consta de fls. 275v a 276v (tradução a fls. 392 a 394), formulário esse que foi depois enviado para o 1.º R.;
3.No referido formulário consta como semelhante, nomeadamente, o seguinte:
«TIPO DE CONTA
Pretendo abrir uma conta em conformidade com as Condições Negociais Gerais e com as Normas de Custódia Segura do Banco.
COMÉRCIO ONLINE
Pretendo ter acesso a um ou mais terminais, incluindo um terminal de acesso através do browser da internet do banco, para transmissão electrónica de ordens e/ou transacções, para as minhas contas do Banco MIG.
CONDIÇÕES GERAIS E DOCUMENTOS CONTRATUAIS
Ao assinar este documento, você concorda que recebeu, leu, compreendeu, consentiu e aceitou quaisquer e todas Condições Negociais Gerais e com as Normas de Custódia Segura do Banco. Você confirma que recebeu, leu, compreendeu, consentiu e aceitou a brochura de “Riscos específicos no comércio de valores mobiliários”. Além disso, você confirma que solicitou expressamente ao banco os seus serviços Bancários (denominados “solicitação contraria”)…»;

1.3. Quanto ao ponto 4 invoca o Recorrente que impugnou especificadamente tal matéria e, nas declarações de parte, disse nunca ter subscrito qualquer pacto privativo de jurisdição. Mais refere que a única prova a tal respeito é o teor do documento considerado semelhante. Pede que seja julgado não provado.
É o seguinte o teor desse ponto:
4. O A. leu e aceitou o que consta desse formulário;

Na fundamentação da decisão, disse a primeira instância:
- quanto ao n.º 4, as declarações de parte do A., de onde decorreu que pretendeu, efectivamente, através da subscrição do formulário em causa, abrir uma conta no estrangeiro e, portanto, que aceitou o que consta do formulário. No que respeita à leitura do teor do formulário, não obstante o A. ter negado que o tivesse feito, tal versão não se mostra plausível, em face das regras da experiência comum e da normalidade da vida, uma vez que o A. tem formação jurídica superior, é advogado de profissão e, à data dos factos, era consultor de um escritório de advogados, sendo, por conseguinte, muito pouco provável que assinasse documentação relativo à abertura de uma conta no estrangeiro (para onde pretendia transferir a elevada quantia de um milhão de euros…), sem ler o que lá constava e sem saber a que clausulado se sujeitava;

Nas suas alegações o Autor afirmou a respeito:
No que diz respeito ao facto 4, também não se entende como pode o douto Tribunal entender que das declarações de parte “(…) de onde decorreu que pretendeu (o autor) efectivamente, através da subscrição do formulário em causa, abrir uma conta no estrangeiro e, portanto, que aceitou o que consta do formulário.”.
Quando o autor recorrente especificamente impugnou tal matéria,
Quando o autor recorrente nas suas declarações alegou nunca ter subscrito qualquer pacto
privativo de jurisdição.
Ademais, o autor recorrente sempre alegou que nunca viu tal documento,
Razão pela qual, a alegada formação jurídica superior, bem conhecida por este douto Tribunal a quo,
Em nada revela perante a inexistência, na esfera jurídica do autor recorrente, de qualquer documento.
Porquanto as regras de experiência comum e de normalidade de vida devem ser aplicadas a toda a plenitude dos autos e não apenas a este ponto em concreto,
Regras de experiência comum e de normalidade que versam nomeadamente sobre a inexistência de documentos originais,
Que versam sobre a repartição do ónus da prova na qual os RR. trazem como testemunhas dois seus colaboradores que NUNCA tiveram qualquer intervenção concreta no presente caso concreto.
As regras de experiência comum e de normalidade ditam claramente a obscuridade de todo o processo dos RR., o qual bem andou o douto Tribunal a quo reconhecer nos despachos que foram sendo proferidos ao longo dos autos, excepto no presente ora em crise.

O facto provado sob o ponto 4 consiste em considerar assente que o Autor leu o formulário que assinou, sendo este formulário o que consta do ponto 3 da matéria de facto.

Como já se indicou, a afirmação (ponto 2) de que o Autor assinou um formulário semelhante encontra-se concretizada quanto à semelhança no ponto 3. No ponto 4 agora em causa, é julgado provado que o Autor leu e aceitou o que consta desse formulário.

Tem inteira razão o Recorrente ao afirmar que nunca admitiu ter acordado numa cláusula com o teor da cláusula 9 indicada no ponto 11 dos factos provados. É o que resulta abundantemente das suas declarações ouvidas nesta Relação. No entanto, tal cláusula não consta do formulário em causa, nem do formulário na sua globalidade, nem da parte dele que o ponto 3 afirma semelhante ao assinado pelo Autor. A referida cláusula não consta também da página desse formulário que o Autor admitiu conter a sua assinatura aposta três vezes. Em suma, é inócua a invocação da negação do Autor nas suas declarações, uma vez que a mesma se reporta a coisa diversa – a cláusula 9 – da que é considerada no ponto de facto 4 – formulário de fls 275v a 276 (quanto a fls 276v foi admitida a aposição de assinaturas), nos termos concretizados no ponto 3.

Nas suas declarações, aliás, o Autor acaba por aceitar isso mesmo, com a exclusão de que lhe tenham sido entregues as mencionadas condições gerais e que delas tenha tomado conhecimento e a elas tenha anuído.

Da fundamentação expressa pelo Tribunal de primeira instância, resulta que se considera demonstrado por presunção judicial que o Autor ao assinar o formulário leu e aceitou o que dele constava. O Recorrente entende que o Tribunal considerou por isso que deu o seu assentimento à cláusula 9 por a mesma se enquadrar entre as condições genéricas a que o Banco Réu tinha a prática de sujeitar a aceitação de abertura de contas.

Embora este entendimento não resulte do teor do ponto 4 da decisão de facto, como já indicámos, acaba por ser expresso na decisão recorrida mais adiante, em interpretação da matéria provada. A saber, quando refere: E, sendo inegável, em face da factualidade provada, que o contrato celebrado entre o A. e o 1.º R. está sujeito às condições gerais referidas nos n.ºs 10 e 11 e que o A. as aceitou, terá de concluir-se que o A. se vinculou ao pacto privativo de jurisdição contido na cláusula 9.ª dessas condições gerais.

Ora, em nenhum outro lugar da sentença é dado como assente que o Autor aceitou a cláusula 9.

Nenhuma prova foi feita a esse respeito por ninguém de tal ter conhecimento e por o Autor sempre o ter negado. O raciocínio do tribunal de que, sendo o Autor advogado, nunca assinaria algo sem se inteirar do seu conteúdo, mesmo a subscrever-se, e em muitos casos essa asserção é desmentida, apenas serviria para esse mesmo formulário, nunca para a globalidade das condições gerais publicitadas pelo Banco Réu.

Assim, entende-se precisar o ponto 4 julgando provado apenas o seguinte:
O A. leu e aceitou o que consta do ponto 3.
1.4. Quanto ao ponto 9 da decisão de facto, alega ser inadmissível, a inclusão da palavra “essencialmente” por a considerar genérica e conclusiva, devendo ser eliminado esse ponto de facto.
É o seguinte o teor desse ponto:
9. A actividade do 1.º R. era e é, essencialmente, desenvolvida online;
No que se refere a este ponto de facto, considera o Recorrente que a utilização da expressão “essencialmente” determina o carácter conclusivo do mesmo.
Não se afigura poder concordar. A palavra utilizada exprime o modo como a actividade é exercida, julgando provado que o é maioritariamente através de meios on line. Não contém nenhuma conclusão, antes a indicação de que a actividade do Banco Réu exerce-se mais por meios on line do que por meios físicos.
Improcede a impugnação.

1.5.Quanto aos pontos 10 e 11 da decisão de facto, salienta o Recorrente que decorre do tempo verbal utilizado no ponto 10 ter o tribunal considerado apenas a situação presente na data da audiência, quando o que interessa é a situação vigente na data dos factos.
Refere a respeito que a apreciação que o tribunal faz do testemunho de AB...... e das suas imprecisões não prejudica tal depoimento, uma vez que passaram anos sobre a ocorrência, devendo ser considerado que nada demonstra que os documentos de fls 277 a fls 280 verso foram entregues ao Recorrente ou por ele conhecidos, devendo ser eliminados os factos 10 e 11. Pede a eliminação.
É o seguinte o teor desses pontos:
10. As condições contratuais aplicáveis aos contratos de abertura de conta junto do 1.º R. são disponibilizadas online, juntamente com o formulário mencionado no n.º 2, no sítio electrónico do 1.º R.;
11. Essas condições contratuais gerais são as que ora estão impressas no documento de fls. 277 a 280v (tradução a fls. 416 a 426), que se dão por reproduzidas, dispondo a Cláusula 9.ª o seguinte: «LEI APLICÁVEL E JURISDIÇÃO
As presentes Condições Gerais de Negócio e Regulamento de Custódia Segura são regidas pela lei suíça. O lugar de execução e a jurisdição para quaisquer ações, incluindo relativamente aos Clientes com domicílio no estrangeiro, é Lausanne, Suíça. Contudo, o Banco reserva o direito a instaurar ações no país de domicílio do Cliente ou perante qualquer outro tribunal competente, permanecendo em qualquer caso aplicável a lei suíça»;

O tempo verbal utilizado, presente do indicativo, tem que ver com o carácter generalizado do procedimento a que os factos se referem e não com o período em que esse procedimento foi utilizado pelo Banco Réu.
Para além de respeitar uma das utilizações típicas do presente do indicativo, tal resulta claramente do contexto da decisão. Vejam-se os passos relativos à fundamentação da decisão de facto em que claramente é referido um âmbito temporal passado, v.g. a menção “há mais de 10 anos” reportada ao procedimento narrado pelas testemunhas identificadas e pela referência ao processo de fusão com o MIG:
- quanto aos n.ºs 6 a 14, os depoimentos das testemunhas …l, ambos funcionários do 1.º R., há mais de 10 anos, sendo o segundo chefe do respectivo departamento jurídico, os quais, embora não conhecendo o A., nem tendo tido intervenção no processo de abertura de conta do A. e sua gestão ou movimentação subsequentes, descreveram, de forma objectiva, segura e desinteressada, os procedimentos internos do 1.º R. no que respeita aos processos de abertura de conta, nomeadamente, à documentação disponibilizada, sua recepção e análise e comunicações posteriores, bem como ao tipo de actividade desenvolvida pelo 1.º R., ao processo de fusão com o Mig Bank, ao período de transição com a utilização das duas marcas.

De igual modo, da fundamentação quanto aos aspectos jurídicos da causa, resulta claro o alcance temporal da decisão. Assim:
E, sendo inegável, em face da factualidade provada, que o contrato celebrado entre o A. e o 1.º R. está sujeito às condições gerais referidas nos n.ºs 10 e 11 e que o A. as aceitou, terá de concluir-se que o A. se vinculou ao pacto privativo de jurisdição contido na cláusula 9.ª dessas condições gerais.

Em consequência, improcede a impugnação.
1.6. Quanto ao facto 12, o Recorrente entende que deve ser eliminado por o tribunal não ter considerado que o Recorrente negou em declarações de parte ser o titular desse endereço. Pede a eliminação.

É o seguinte o teor desse ponto:
Após a recepção pelo 1.º R. do pedido de abertura de conta do A. e da aceitação do mesmo, o departamento de registo de clientes (Client Register) do 1.º R. enviou para o endereço ....................@gmail.com a mensagem de correio eletrónico cuja cópia consta de fls. 281, onde se refere “O... C... – EN 2.......pdf” bem como um link para informação;

A negação pelo Autor de que esse fosse efectivamente o seu endereço de correio electrónico é indiferente ao facto que foi julgado provado, a saber, que foi esse o endereço de correio electrónico de envio da mensagem do Réu a que o ponto de facto alude.
Em alternativa, pretende o Recorrente que seja acrescentado ao mesmo que não obstante tal alegado e-mail ter sido remetido, nunca o mesmo foi do conhecimento do autor recorrente, que nunca o recebeu ou leu, porquanto o endereço electrónico em questão, não obstante a semelhança do mesmo com o nome do autor recorrente, não foi por si ou por interposta pessoa a seu mando criado.
Inexiste fundamento para que se considerem provados tais factos, a tal não sendo suficiente a afirmação do Autor, naturalmente interessado, inexistindo outros elementos que a corroborem. Anote-se, lateralmente, que sempre caberia aos Réus demonstrar que tal era o endereço do Autor e que através dele recebia comunicações, em lugar de caber ao Autor demonstrar o contrário.
O que se encontra provado é tão somente o que consta do ponto de facto, ou seja, que a comunicação foi enviada para aquele endereço, não que o endereço exista ou não, ou que, existindo, seja do Autor.

Improcede a impugnação.
1.7. Quanto ao facto 13 o Recorrente alega que deve ser dado como não provado nos termos constantes da sua própria alegação. Pede a eliminação.

É o seguinte o teor desse ponto:
O 1.º R. não tinha sucursal, agência, balcão, escritório de representação ou representante em Portugal;
Funda a sua pretensão como segue:
Também o facto dado por provado em 13 terá de ser necessariamente eliminado.
Conforme supra melhor alegou, no caso concreto do autor recorrente, inexistiu qualquer
actividade desenvolvida online,
Antes foi com base em documentos e formulários físicos,
Que a conta do autor recorrente foi aberta.
Através de um funcionários dos RR. em Portugal de seu nome, AG......,
Numa dependência física da 1ª R. sita em Av. ... ... de ....
Assim se demonstrando a falsidade do facto dado por provado em 13, isto porquanto a
actividade da 1º R. era desenvolvida em território nacional,
Através de um funcionário da 1º R.,
Funcionário este Português,
Numa dependência física da 1ª R. em Portugal.
E se na verdade o autor recorrente nunca abriu qualquer conta directamente na 1ª R.,
Se nunca se deslocou à Suíça para o fazer, como bem dá o douto Tribunal por provado no
facto 17,
Se como bem dá por provado o Tribunal no facto provado 16, o formulário foi preenchido
em Portugal,
E de Portugal foi enviado para a 1ª R.,
Então não pode o Tribunal a quo dar por provado que a 1ª R. não tinha sucursal, agência,
balcão, escritório de representação ou representante em Portugal,
Isto porquanto “alguém” abriu a conta bancária do autor junto da 1ª R. em Portugal.
Então não poderá o douto Tribunal dar por provado o facto 13, mas outrossim, dar por
provado exactamente o inverso.
Razão pela qual se requer a eliminação do facto provado 13.

Resulta da alegação que o Recorrente entende, por um lado, que da sua própria alegação resulta que o facto em causa não pode ser julgado provado, e, por outro lado, entende que se verifica contradição entre esse facto e os factos 16 e 17 na medida em que destes consta que o Autor não se deslocou à Suíça, que o formulário foi preenchido em Portugal e de Portugal foi enviado para o Banco Réu.

A alegação não é, naturalmente meio de prova, antes constitui meio de trazer aos autos a narração dos factos a provar segundo a versão da parte que a apresenta. Não se verifica qualquer contradição entre os factos 13 e 16/17, sendo do conhecimento geral e, por isso, facto notório, que o envio de uma proposta negocial de um país para outro não implica necessariamente a representação física da contraparte no país de origem.

Improcede a impugnação.

1.8. Quanto aos factos julgados não provados nas alíneas a), b) e c), entende o Recorrente que existe contradição entre as duas primeiras e a terceira, voltando a expender as suas razões quanto ao formulário indicado como semelhante ao que assinara. Pede nas conclusões que o facto enunciado na alínea c) seja julgado provado.
É o seguinte o teor dessas alíneas:
a) o formulário a que se alude no n.º 2 dos factos provados fosse o que consta de fls. 275v e 276;
b) o A., para além o que consta do n.º 5 dos factos provados (documento de fls. 276v), tenha assinado ou preenchido os documentos cujas cópias constam de fls. 275v e 276;
(…)
c) as condições referidas nos n.º 3, 10 e 11 dos factos provados nunca tenham sido do conhecimento do A.;

Não se vê em que possa consistir a indicada contradição, desde logo porque a mesma não se pode verificar entre factos considerados não provados e, por isso, sem correspondência com a realidade. Essa ausência de correspondência com a realidade implica, desde logo, a impossibilidade lógica de contradição. O que não existe não pode ser contraditório.

Explicitando, apesar de tudo e por exaustão de razões, a alínea a) reporta-se ao facto 2 e julga não provado que o formulário assinado pelo Autor fosse o que consta a fls 275v e 276, depois de, no facto 2, ter julgado provado que o documento de fls 276v (original) foi assinado pelo Autor. Nenhuma contradição com ter julgado não provado o desconhecimento pelo Autor das condições referidas na alínea c).

A alínea b) formula o mesmo juízo sob uma outra forma, seguindo a alegação das partes. Nenhuma contradição, uma vez mais.

Improcede a impugnação.

1.3. Da fixação da matéria de facto

Estão assentes os factos constantes da decisão de primeira instância com a alteração decorrente da procedência parcial da impugnação, mantendo-se no mais a decisão de facto:
1.Em dia não concretamente apurado do mês de Fevereiro de 2014, o A. pretendeu abrir uma conta bancária junto do 1.º R., para realizar investimentos;
2.Para o efeito, o A. preencheu e assinou um formulário de abertura de conta, que é, pelo menos, semelhante àquele cuja cópia consta de fls. 275v a 276v (tradução a fls. 392 a 394), formulário esse que foi depois enviado para o 1.º R.;
3.No referido formulário consta como semelhante, nomeadamente, o seguinte:
«TIPO DE CONTA
Pretendo abrir uma conta em conformidade com as Condições Negociais Gerais e com as Normas de Custódia Segura do Banco.
COMÉRCIO ONLINE
Pretendo ter acesso a um ou mais terminais, incluindo um terminal de acesso através do browser da internet do banco, para transmissão electrónica de ordens e/ou transacções, para as minhas contas do Banco MIG.
CONDIÇÕES GERAIS E DOCUMENTOS CONTRATUAIS
Ao assinar este documento, você concorda que recebeu, leu, compreendeu, consentiu e aceitou quaisquer e todas Condições Negociais Gerais e com as Normas de Custódia Segura do Banco. Você confirma que recebeu, leu, compreendeu, consentiu e aceitou a brochura de “Riscos específicos no comércio de valores mobiliários”. Além disso, você confirma que solicitou expressamente ao banco os seus serviços Bancários (denominados “solicitação contraria”)…»;
4.O A. leu e aceitou o que consta do ponto 3;
5.O A. assinou, pelo menos, o documento cuja cópia consta de fls. 276v, apondo, pelo seu próprio punho, as três assinaturas que nele se visualizam;
6.O 1.º R. recepcionou o formulário referido no n.º 2, acompanhado de cópia do passaporte do A., e, após análise e aceitação, atribuiu ao A. a conta bancária n.º 2......;
7.O 1.º R. adquiriu o capital do MIG Bank, tendo a fusão dos dois ocorrido em Dezembro de 2013;
8.Por isso, os documentos que foram disponibilizados ao A. para efeitos de abertura de conta ainda contêm a referência ao MIG Bank;
9.A actividade do 1.º R. era e é, essencialmente, desenvolvida online;
10.As condições contratuais aplicáveis aos contratos de abertura de conta junto do 1.º R. são disponibilizadas online, juntamente com o formulário mencionado no n.º 2, no sítio electrónico do 1.º R.;
11.Essas condições contratuais gerais são as que ora estão impressas no documento de fls. 277 a 280v (tradução a fls. 416 a 426), que se dão por reproduzidas, dispondo a Cláusula 9.ª o seguinte: «LEI APLICÁVEL E JURISDIÇÃO
As presentes Condições Gerais de Negócio e Regulamento de Custódia Segura são regidas pela lei suíça. O lugar de execução e a jurisdição para quaisquer ações, incluindo relativamente aos Clientes com domicílio no estrangeiro, é Lausanne, Suíça. Contudo, o Banco reserva o direito a instaurar ações no país de domicílio do Cliente ou perante qualquer outro tribunal competente, permanecendo em qualquer caso aplicável a lei suíça»;
12.Após a recepção pelo 1.º R. do pedido de abertura de conta do A. e da aceitação do mesmo, o departamento de registo de clientes (Client Register) do 1.º R. enviou para o endereço ....................@gmail.com a mensagem de correio eletrónico cuja cópia consta de fls. 281, onde se refere “O... C... – EN 2......pdf” bem como um link para informação;
13.O 1.º R. não tinha sucursal, agência, balcão, escritório de representação ou representante em Portugal;
14.O 1.º R. tem sede em G.../Z..., C... de la C..., ..., CH 1..., Gland, Suiça;
15.No dia 24.10.2014, o A. deu uma ordem de pagamento internacional da quantia de um milhão de euros de uma conta de que era titular em Portugal, junto do BES, para uma conta de que é titular na Suíça, junto do 1.º R., conforme documento de fs. 27, que se dá por reproduzido;
16.O formulário referido no n.º 2 foi preenchido em Portugal e daqui enviado para o 1.º R. por e-mail;
17.O A. não se deslocou de Portugal à Suíça para abrir a conta referida nos n.ºs 2 e 6;
18.O A. é advogado de profissão.

4. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1.Na petição inicial o Autor fundou a pretensão que deduz na prática de actos ilícitos pelos Réus, actos estes praticados no contexto ou em execução de um contrato de abertura de conta bancária e depósito no Banco Réu, tendo os demais Réus intervenção enquanto colaboradores ou administradores do Banco.

Embora inicie por se acolher ao regime da responsabilidade extracontratual como consequência de actos praticados em contexto contratual, o Autor, em passo seguinte da sua petição, invoca o regime da responsabilidade contratual para fundar a sua pretensão em incumprimento do acordo estabelecido. Digamos que a petição, quanto ao direito aplicável, oscila entre um e outro regime.

Assim é que o Autor alega ter feito uma proposta de abertura de conta através de um representante do Réu em Portugal, proposta que o Réu aceitou, destinando-se a mesma conta a constituir uma conta similar a uma conta de depósito a prazo e excluindo toda a utilização dos montantes depositados em investimentos de risco, o que ficou claro desde sempre na relação com a representante em Portugal e com um funcionário do Banco Réu com quem contactou numa deslocação à Suíça. Os montantes depositados foram investidos em termos de o Autor ter perdido a quase totalidade do capital depositado, tendo ainda pago comissões ao Banco Réu, do que tudo são responsáveis os Réus por representarem ou administrarem o Banco Réu ou por serem os interlocutores/gestores dos activos do Autor.

A oscilação entre os dois tipos de responsabilidade é bem compreensível face à alegação factual que ela mesma situa a questão em pleno no concurso entre os dois fundamentos de responsabilidade civil.

A distinção entre a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual com uma delimitação estrita dos respectivos contornos e fronteiras merece há longo tempo amplo debate, mantendo-se em aberto as várias teorias que em abstracto se confrontam. Pese embora, no sistema jurídico Português apenas em casos fronteira essa distinção abstracta convoca na prática da aplicação concreta diferenças com relevo assinalável, mercê de uma posição do legislador suficientemente dúctil[4] [5].

Em casos como o dos autos entendemos nos encontramos perante uma única pretensão, a pretensão indemnizatória, alicerçada em normas legais de responsabilização com diversos fundamentos (contratuais e extracontratuais) a harmonizar na procura das circunstâncias concretas do caso e dos fins visados pelas normas cuja aplicação pode estar em concurso.

Na verdade, no esforço de harmonização assumem papel de relevo as disposições contratuais assumidas pelas partes, sem exclusão da aplicação cumulativa das regras de responsabilidade civil extracontratual, numa cumulação dos regimes de responsabilidade orientada pelo critério da consideração dos fins visados pelas normas em apreciação no caso concreto. Em sede de decisão de mérito, também pelas normas que instituem os regimes de responsabilidade.

O mesmo é dizer que esta cumulação crítica justifica o plúrimo fundamento  da causa de pedir nos presentes autos e não autoriza o afastamento a priori de nenhum dos fundamentos em ordem à apreciação da questão sujeita, a da competência internacional dos Tribunais Portugueses. Significa, por isso, que a tensão tem de manter-se para ser dilucidada na interpretação das normas aplicáveis e do seu fim, como critério de limitação ou de realização da cumulação de regimes quando os resultados de um ou outro surjam como menos compatíveis.

Em suma, nada obsta a que uma mesma pretensão indemnizatória se funde cumulativamente nas normas que regem a responsabilidade contratual e as que estatuem quanto à responsabilidade extracontratual, cabendo procurar a aplicação cumulativa com resolução das limitações ou incompatibilidades mediante o critério dos fins visados pelas normas em concurso. O que se fará quando/se o concurso ficar em concreto estabelecido.

2.O contrato foi celebrado entre uma parte domiciliada em Portugal, o Autor, e diversas domiciliadas na Suíça, os Réus. Tem assim de considerar-se um contrato internacional, na medida em que coloca em presença elementos de ligação a diferentes ordens jurídicas nacionais[6].

Estabelecendo-se os elementos de ligação com a ordem jurídica Portuguesa e com a ordem jurídica Suíça, regula a competência internacional dos respectivos tribunais, a Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, estabelecida entre a União Europeia e a Suíça, a Islândia, a Dinamarca e a Noruega de 30 de Outubro de 2007[7], que alterou a Convenção de Lugano, de 16 de Setembro de 1988 (Nova Convenção de Lugano ou Lugano II – doravante NCL), a qual entrou em vigor entre os Estados Membros da União Europeia e a Suíça em 1 de janeiro de 2011, em conformidade com o artigo 69.º, n.º 5, da mesma Convenção.

Face à data indicada quanto à celebração do contrato e quanto aos factos fundamentadores da responsabilidade civil, esta Convenção é aplicável.

A Convenção prevalece sobre as normas internas nos termos do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, que institui o princípio da recepção automática do direito internacional, nomeadamente convencional, sendo certo que a NCL foi celebrada pela União Europeia[8] (e não por cada um dos Estados Membros) com parecer prévio do Tribunal de Justiça[9] sobre a competência da União para a celebração.

A sua conjugação com o direito da União, nomeadamente com os Regulamentos (CE) 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, e (UE) 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012 (doravante, Bruxelas I e II), deve ser ponderada, uma vez que, embora a Suíça não seja um Estado Membro da União, os ditos Regulamentos têm aplicação nas relações entre Estados-Membros e Estados terceiros, como o é a Suíça. Esta conjugação, estabelecida pela cláusula de desconexão constante do artigo 64.º, n.º 1, da NCL, deve ser apreciada em concreto.

Colocado o quadro normativo, analise-se o caso concreto.

3. Nos termos da NCL regem as normas gerais dos artigos 2.º, n.º 1, e 3.º:
Artigo 2.º
1. Sem prejuízo do disposto na presente convenção, as pessoas domiciliadas no território de um Estado vinculado pela presente convenção devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.
Artigo 3.º
1. As pessoas domiciliadas no território de um Estado vinculado pela presente convenção só podem ser demandadas perante os tribunais de outro Estado vinculado pela presente convenção por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente título.
2. Contra elas não podem ser invocadas, nomeadamente, as regras de competência nacionais constantes do anexo I.
Estando os Réus domiciliados na Suíça[10] e Portugal e a Suíça vinculados pela Convenção, estas regras determinam a incompetência internacional dos Tribunais Portugueses, apenas podendo ser excepcionadas (i) pelas regras das secções 2 a 7, não o podendo ser, nomeadamente (ii) pelas regras de competência nacional constantes do anexo I. Vejamos as regras das secções 2, 4, 6 e 7 (não sendo pertinentes ao caso as regras constantes das secções 3 e 5) e a exclusão das normas nacionais.
4. A celebração de um pacto atributivo de jurisdição exclui as demais regras de modo genérico[11], pelo que se iniciará por tal a apreciação, embora desrespeitando a ordem das secções (sendo a 7 a que o prevê).
Importa considerar que a NCL permite seja estabelecido pacto atributivo de jurisdição no caso, que é o dos autos, em que alguma das partes se encontre domiciliada em Estados vinculados pela Convenção. É o que consta do seu artigo 23.º, n.º 1 e 2, os pertinentes ao caso:
1. Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado vinculado pela presente convenção, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado vinculado pela presente convenção têm competência para decidir qualquer litígio, presente ou futuro, decorrente de determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais são competentes. Essa competência será exclusiva, a menos que as partes convencionem o contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:
a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou
b) Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si; ou
c) No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.
2. Qualquer comunicação por via electrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale à «forma escrita».

A validade do pacto atributivo de jurisdição, como resulta da cláusula convencional, depende da observância da forma escrita do acordo que o estabelece ou, sendo este oral, de confirmação que obedeça à forma escrita, fazendo a norma equivaler à forma escrita qualquer comunicação electrónica que permita registo duradouro.
No caso, vem invocada a celebração de pacto atributivo de jurisdição por forma escrita, mas o documento de suporte não foi apresentado aos autos.
Ora, também não resultou provado o envio de comunicação electrónica do contrato entre as partes. A comunicação a que se refere o ponto 12 da matéria de facto foi enviada para um endereço de correio electrónico que o Autor nunca admitiu como seu e que os Réus não demonstraram fosse o por ele utilizado para receber e enviar comunicações.
Não se encontra assim demonstrada a celebração de pacto atributivo de jurisdição válido para os termos da NCL (forma que, aliás, a lei interna, a ser aplicável, também exigiria – artigo 94.º, n.º 3, alínea e), do Código de Processo Civil.
Em suma, a celebração de pacto atributivo de jurisdição aos Tribunais Suíços não ficou demonstrada, soçobrando esse fundamento da excepção de incompetência internacional dos Tribunais Portugueses previsto na secção 7.

5.Quanto às regras da secção 2, importa iniciar pela apreciação da regra aplicável às acções em matéria contratual. Dispõe o artigo 5.º, n.º 1, alínea a):
Uma pessoa com domicílio no território de um Estado vinculado pela presente convenção pode ser demandada noutro Estado vinculado pela presente convenção:
1. a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;
(…).
O que seja matéria contratual (e prescindindo, por ora, do que acima se expendeu quanto ao concurso de responsabilidade contratual com responsabilidade extracontratual) e, estabelecida esta, a delimitação dos conceitos que determinam a conexão, integrando a previsão da norma convencional, é questão de grande complexidade com que, reconhecidamente, se debateu a comissão de revisão da Convenção de Lugano I cujos trabalhos vieram a dar origem à Convenção de Lugano II[12] [13].

5.1.Importa ter presente que o Tribunal de Justiça vem estabelecendo que, mais do que uma abordagem conceptual no seio de uma ou outra ordem jurídica, devem ser consideradas as finalidades da Convenção, mormente, as de estabelecer uma relação entre o tribunal e a matéria que é chamado a apreciar e decidir que facilite a tramitação do processo e a apreciação jurisdicional.
Daí que, seguindo a jurisprudência do TJUE, deva considerar-se que a acção envolve matéria contratual quando é invocado o (in)cumprimento de obrigações estabelecidas pelas partes no âmbito da sua autonomia de regulação de interesses e que deva atender-se ao lugar de cumprimento da obrigação como aquele que determina a competência[14].

5.2.Neste âmbito, quanto ao conceito de conexão, v.g., lugar do cumprimento da obrigação, no caso dos autos, as dificuldades atenuam-se dada a natureza do contrato em causa, objecto de cláusula convencional específica.
Na verdade, é pacífico ter sido celebrado um acordo de prestação de serviços envolvendo depósito bancário, independentemente do específico conteúdo destes que é controvertido.
Assim é que se encontra afastada a dificuldade de encontrar critérios definidos quanto ao que seja lugar de cumprimento da obrigação, uma vez que a Convenção expressamente estipula o que deve considerar-se como determinante da conexão no caso do contrato de prestação de serviços, ao contrário de Lugano I[15].
Dispõe a respeito o artigo 5.º, n.º 1, alínea b), que, no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado vinculado pela presente convenção onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados.

Sendo este o caso sob apreciação na vertente contratual, não oferece dúvida, como aliás se refere na decisão recorrida, que os serviços haviam de ser prestados na Suíça, na ausência da prova de escritório ou representação em Portugal.

Defende o Recorrente que o factor de conexão é o lugar onde a obrigação de indemnização deva ser cumprida, Portugal, e não o lugar de cumprimento das obrigações contratuais.

Não é assim, uma vez que a referência a lugar do cumprimento da obrigação tem de articular-se com a referência matéria contratual, ou seja, a obrigação em causa é a que resulta do factor de conexão “matéria contratual”[16]: a obrigação contratual estabelecida e invocada.

6.A NCL prevê também, especificamente, a situação das acções de efectivação de responsabilidade extracontratual no artigo 5.º, n.º 3:
Em matéria de responsabilidade extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso.

A tal respeito, refere o parecer que vimos citando:
(…) em caso de quebra de uma obrigação contratual, pode ser intentada acção, em alternativa ao foro do requerido, no foro do contrato, tal como previsto no artigo 5.o, n.o 1. Há que ter presente que a noção de «matéria extracontratual», tal como a de «matéria contratual», tem de ser interpretada de forma independente, atendendo em primeiro lugar ao sistema e ao âmbito da Convenção, e não é uma questão a remeter para a lei nacional. Em particular, o Tribunal de Justiça concluiu que o conceito de «matéria extracontratual» abrange qualquer acção que tenha em vista pôr em causa a responsabilidade do requerido e que não esteja relacionada com um contrato, enquanto compromisso livremente assumido por uma parte perante a outra.

Tendo o Tribunal decidido na matéria em 17 de Setembro de 2020 (C-334/00 Tacconi):
19 A título preliminar, convém recordar que, de acordo com jurisprudência assente (v. acórdãos de 22 de Março de 1983, Peters, 34/82, Recueil, p. 987, n.os 9 e 10; Reichert e Kockler, já referido, n.° 15; e Handte, já referido, n.° 10), os conceitos de «matéria contratual» e «matéria extracontratual», na acepção do artigo 5.° , pontos 1 e 3, da Convenção de Bruxelas, devem ser interpretados de forma autónoma, por referência principalmente ao sistema e aos objectivos dessa Convenção. Estes conceitos não podem, portanto, ser entendidos como meras remissões para o direito interno de um ou outro dos Estados contratantes em causa.
20 Com efeito, esta interpretação é a única que permite assegurar a aplicação uniforme da Convenção de Bruxelas, cujo objectivo consiste, designadamente, em uniformizar as regras de competência dos órgãos jurisdicionais dos Estados contratantes e em reforçar a protecção jurídica das pessoas domiciliadas na Comunidade, permitindo simultaneamente ao requerente identificar facilmente o órgão jurisdicional a que se pode dirigir e ao requerido prever razoavelmente aquele perante o qual pode ser demandado (v. acórdãos de 20 de Março de 1997, Farrell, C-295/95, Colect., p. I-1683, n.° 13, e de 19 de Fevereiro de 2002, Besix, C-256/00, Colect., p. I-1737, n.os 25 e 26).
21 Conforme o Tribunal de Justiça declarou, o conceito de «matéria extracontratual», na acepção do artigo 5.° , ponto 3, da Convenção de Bruxelas, abrange qualquer acção que tenha em vista pôr em causa a responsabilidade do requerido e que não esteja relacionada com a «matéria contratual» na acepção do artigo 5.° , ponto 1, dessa Convenção (acórdãos Kalfelis, já referido, n.° 18; Reichert e Kockler, já referido, n.° 16; e de 27 de Outubro de 1998, Réunion européenne e o., C-51/97, Colect., p. I-6511, n.° 22).

Ora, nos termos da petição, o facto danoso é constituído pela gestão feita pelo primeiro Réu e pelos demais Réus do montante depositado no contexto do contrato celebrado com o Autor, logo a diversidade de fundamento da pretensão indemnizatória não releva para efeito de determinação da competência pelas regras do artigo 5.º, n.º 1 e 3, por dever ainda integrar o conceito amplo e independente de “matéria contratual”.
7.Quanto às regras estabelecidas na secção 4, dispõem os artigos 15.º e 16.º da NCL, na parte pertinente:
Artigo 15.º
1.Em matéria de contrato celebrado por uma pessoa para finalidade que possa ser considerada estranha à sua actividade comercial ou profissional, a seguir designada «consumidor», a competência será determinada pela presente secção, sem prejuízo do disposto no artigo 4.o e no ponto 5 do artigo 5.o:
(…)
c) Em todos os outros casos, quando o contrato tenha sido concluído com uma pessoa que tem actividade comercial ou profissional no Estado vinculado pela presente convenção do domicílio do consumidor, ou dirige essa actividade, por quaisquer meios, a esse Estado ou a vários Estados incluindo esse Estado, e o referido contrato seja abrangido por essa actividade.
2. O co-contratante do consumidor que, não tendo domicílio no território de um Estado vinculado pela presente convenção, possua sucursal, agência ou qualquer outro estabelecimento num Estado vinculado pela presente convenção será considerado, quanto aos litígios relativos à exploração daqueles, como tendo domicílio no território deste último Estado.
3. O disposto na presente secção não se aplica ao contrato de transporte, com excepção do contrato que prevê a prestação combinada de transporte e alojamento por um preço global.

Artigo 16.º
1. O consumidor pode intentar uma acção contra a outra parte no contrato, quer perante os tribunais do Estado vinculado pela presente convenção em cujo território estiver domiciliada essa parte, quer perante o tribunal do lugar onde o consumidor tiver domicílio.
2. A outra parte no contrato só pode intentar uma acção contra o consumidor perante os tribunais do Estado vinculado pela presente convenção em cujo território estiver domiciliado o consumidor.
3. O disposto no presente artigo não prejudica o direito de formular um pedido reconvencional perante o tribunal em que tiver sido instaurada a acção principal, nos termos da presente secção.

7.1. Tendo-se concluído que nos encontramos em sede de “matéria contratual”, a Convenção estabelece normas específicas quanto aos contratos celebrados por uma pessoa para finalidade que possa ser considerada estranha à sua actividade comercial ou profissional.

É pacífico que a alegação dos factos-índice que determinam a qualificação como consumidor têm de ser alegados pela parte que pretenda prevalecer-se dessa qualificação.

Como já referido, é no quadro da Convenção que deve ser avaliada a suficiência da factualidade para a integração da qualidade de consumidor, para o que é determinante a aplicação feita pelo TJUE, sendo os tribunais nacionais tribunais de aplicação do Direito da União.

Na verdade, os tribunais nacionais encontram-se vinculados, ao abrigo dos nº 1 e 2 do artigo 1º, do Protocolo nº 2 à NCL, a respeitar a interpretação das normas equivalentes dos Regulamentos realizada pelo TJUE.

O TJUE tem lembrado que existe um conceito de consumidor próprio do Direito da União que deve ser transversal aos diversos instrumentos, embora interpretado de acordo com as finalidades específicas de cada um deles[17].

No que deva entender-se como consumidor, em caso similar ao que nos ocupa, decidiu o TJUE:
Tendo em conta as considerações expostas, importa responder à questão submetida que o artigo 17. o , n. o 1, do Regulamento n. o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa singular que, nos termos de um contrato como o CFD, celebrado com uma sociedade de corretagem, efetue operações no mercado FOREX por intermédio dessa sociedade, deve ser qualificada de «consumidor», na aceção dessa disposição, se a celebração desse contrato não for abrangida pela atividade profissional dessa pessoa, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Para efeitos desta qualificação, por um lado, não têm, enquanto tais, em princípio, pertinência, fatores como o valor das operações efetuadas ao abrigo de contratos como os CFD, a dimensão dos riscos de perdas financeiras associados à conclusão de tais contratos, os eventuais conhecimentos ou experiência da referida pessoa no domínio dos instrumentos financeiros ou o seu comportamento ativo no âmbito de tais operações, e, por outro, o facto de os instrumentos financeiros não serem abrangidos pelo artigo 6. o do Regulamento Roma I ou de essa pessoa ser um «cliente não profissional» na aceção do artigo 4. o , n. o 1, ponto 12, da Diretiva 2004/39 é, enquanto tal, em princípio, irrelevante.

Excluindo a relevância da perícia da parte na matéria em causa, dos valores envolvidos ou da complexidade da operação ou do contrato, o TJUE elege como crédito de aferição da qualidade de consumidor a celebração do contrato fora do contexto da actividade profissional, com um profissional[18]. É esta a situação a avaliar.

Em termos factuais, o Autor nunca referiu a finalidade do depósito efectuado, para além das características que pretendia que o mesmo tivesse - depósito a prazo sem risco de perda de capital – e a origem dos montantes depositados – poupanças de uma vida de trabalho. Cumpre saber se tal é bastante para o qualificar como consumidor na intervenção no contrato em causa à luz daquele critério do TJUE.

Dito de outro modo, a simples alegação de que o autor utilizou no depósito as poupanças da sua vida de trabalho e que pretendia um depósito a prazo livre de risco é bastante para que se considere que fez o depósito fora do contexto da sua actividade profissional?
Relembremos que o Autor é advogado, sendo essa a actividade profissional que exerce. Conjugado este facto com a ausência de invocação de qualquer actividade profissional que enquadrasse o depósito e, bem assim, sendo o depósito meio de utilização das poupanças do trabalho do Autor, tem de concluir-se que o contrato foi celebrado fora do contexto da actividade profissional do Autor.
Decorre das posições assumidas pelas partes que o foi no contexto da actividade profissional do Réu Banco e dos demais demandados.
Encontra-se assim integrado na previsão do artigo 16.º da NCL que estabelece a competência dos tribunais do Estado do domicílio da parte consumidora ou nos do Estado de domicílio da parte contrária. Em suma, consagra o direito de opção da parte qualificada como consumidora.

7.2.Não basta a consideração da qualificação do Autor como consumidor, importando ainda que os demandados o contrato tenha sido concluído com uma pessoa que tem actividade comercial ou profissional no Estado vinculado pela presente convenção do domicílio do consumidor, ou dirige essa actividade, por quaisquer meios, a esse Estado ou a vários Estados incluindo esse Estado, e o referido contrato seja abrangido por essa actividade, conforme previsão da alínea c), do n,º 1, do artigo 15.º[19].

7.2.1.O Réu Banco e seus administradores e colaboradores demandados agiram no âmbito da sua actividade comercial, nos termos resultantes da petição.

7.2.2.Cumpre saber se pode considerar-se que dirigiam a sua actividade a Portugal.
A alegação de que o Banco Réu tinha representação em Portugal e de que o Autor estabeleceu o contrato com um representante do Banco Réu para Portugal, não resultou provada, tendo até resultado provado o contrário (cf. facto 13), soçobrando essa invocação passível de integrar a noção de actividade comercial dirigida a Portugal.
Consta da matéria de facto, com pertinência para a questão, que a actividade do Banco Réu era e é, essencialmente, desenvolvida online e que as condições contratuais aplicáveis aos contratos de abertura de conta eram disponibilizados online, no sítio electrónico do Banco, juntamente com o formulário de subscrição.
O Tribunal de Justiça em acórdão de 7 de Dezembro de 2010 (Pammer/Alpenhof) em referência aos processos apensos C-585/08 e C-144/09, enunciou assim uma das duas questões prejudiciais colocadas (única que interessa ao caso):
Com a segunda questão no processo C-585/08 e a questão única no processo C-144/09, o tribunal de reenvio pergunta, no essencial, por um lado, segundo que critérios se pode considerar que um comerciante cuja actividade é apresentada no seu próprio sítio na Internet ou num sítio de um intermediário «dirige» a sua actividade para o Estado-Membro do domicílio do consumidor, na acepção do artigo 15.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 44/2001, e, por outro, se basta, para se considerar essa actividade como tal, que esses sítios possam ser consultados na Internet.

Na ponderação da resposta à questão prejudicial e em interpretação do artigo 15.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 44/2001, o Tribunal enuncia o carácter de norma de protecção do consumidor da excepção do foro de domicílio deste e nota o carácter mais abrangente que foi sendo atribuído ao requisito «dirigir actividade», nomeadamente com o desenvolvimento do comércio electrónico.

O Tribunal considera que a norma não dilucida sobre se «dirigir actividade» tem uma abrangência subjectiva de vontade do comerciante visar um determinado Estado como lugar dessa actividade ou se se basta com a mera situação de facto. Todavia, defendendo que a protecção do consumidor não tem carácter absoluto[20], pondera que a norma não consagra a posição de que o mero anúncio de actividade na internet é bastante a considerar a actividade dirigida a plúrimos Estados[21].

Conclui por isso que a vontade de o comerciante visar um determinado Estado tem de ser patente da sua conduta anterior podendo ser indicada por diversos índices.

Índices que exemplificativamente indica (sendo nosso o sublinhado infra):
Entre os indícios que permitem determinar se uma actividade é «dirigida» ao Estado-Membro em que o consumidor está domiciliado, contam-se todas as expressões manifestas da vontade estabelecer relações comerciais com os consumidores desse Estado-Membro.
81Entre as expressões manifestas de uma tal vontade do comerciante está a menção de que oferece os seus bens ou serviços num ou vários Estados-Membros nominativamente identificados. O mesmo se diga da realização de despesas num serviço de referenciação na Internet de um explorador de um motor de busca, a fim de facilitar aos consumidores domiciliados em diferentes Estados-Membros o acesso ao sítio do comerciante, o que demonstra igualmente a existência dessa vontade.
82 Contudo, a qualificação de uma actividade como «dirigida» a vários Estados-Membros não depende apenas da existência de indícios tão manifestos. A este respeito, importa constatar que o Parlamento Europeu, com a sua resolução legislativa sobre a proposta de regulamento já mencionada no n.° 43 do presente acórdão (JO 2001, C 146, p. 101), recusou uma redacção nos termos da qual o comerciante deveria «dirigir intencionalmente a sua actividade, de forma substancial», para outros Estados-Membros ou para vários países, nomeadamente o Estado-Membro em que está domiciliado o consumidor. Com efeito, tal redacção teria como consequência enfraquecer a protecção do consumidor, exigindo-lhe que provasse a intenção do comerciante de desenvolver uma actividade de uma certa dimensão nesses Estados-Membros.
83 Outros indícios eventualmente combinados entre si são susceptíveis de demonstrar a existência de uma actividade «dirigida» ao Estado-Membro do domicílio do consumidor. Em processos como as causas principais, há que considerar que as características seguintes, alegadas no Tribunal de Justiça e que não são exaustivas, constituiriam, desde que a sua existência fosse confirmada pelo juiz nacional, indícios que uma actividade é «dirigida» a um ou vários Estados-Membros na acepção do artigo 15.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 44/2001. Trata-se da natureza internacional da actividade em causa, como certas actividades turísticas, a indicação de números de telefone com o indicativo internacional, a utilização de um nome de domínio de primeiro nível diferente do do Estado-Membro em que o comerciante está estabelecido, por exemplo «.de», ou ainda a utilização de nomes de domínio de primeiro nível neutros como «.com» ou «.eu», a descrição de itinerários a partir de um ou de vários outros Estados-Membros para chegar ao lugar da prestação de serviço e a menção de uma clientela internacional constituída por clientes domiciliados em diferentes Estados-Membros, designadamente através da apresentação de testemunhos desses clientes.
84 No que diz respeito à língua ou à moeda utilizada, na declaração conjunta do Conselho e da Comissão, mencionada no n.° 11 do presente acórdão e reproduzida no vigésimo quarto considerando do Regulamento n.° 593/2008, refere-se que aquelas não constituem elementos pertinentes para se apreciar se uma actividade é dirigida a um ou vários outros Estados-Membros. Com efeito, assim é quando elas correspondem às línguas habitualmente utilizadas no Estado-Membro a partir do qual o comerciante exerce a sua actividade e à moeda desse Estado-Membro. Se, pelo contrário, o sítio na Internet permitir aos consumidores utilizar outra língua ou uma moeda diferente, a língua e/ou a moeda podem ser tidas em conta e constituir um indício que permite concluir que a actividade do comerciante é dirigida a outros Estados-Membros.

No caso dos autos, nenhum outro índice, para além da disponibilização da informação on line, permite ligar a actividade desenvolvida pelo Banco Réu e seus colaboradores a Portugal, havendo que sublinhar que o formulário preenchido (outro dos escasso elementos pertinentes) se encontra escrito em língua Inglesa.

A norma de que nos ocupamos do artigo 15.º, n.º 1, alínea c), da NCL deve ser interpretada em conformidade com a interpretação que o Tribunal faça dos Regulamentos, nos termos dos nº 1 e 2 do artigo 1º, do Protocolo nº 2, como já referido.

7.3.Também nos termos desta norma e, por ela, da secção 4 da NCL, se verifica a incompetência internacional dos Tribunais Portugueses.

8.Quanto ao n.º 2 do artigo 3.º da NCL, apenas sublinha que as normas nacionais quanto à competência internacional não podem ser invocadas contra o que a Convenção estabelece, o que aliás já resultava do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e é meramente exemplificativo quanto às normas constantes do anexo I, aplicando-se de forma genérica[22].

9.Defende ainda o Recorrente que a Suíça não aceita a competência, esgrimindo com as normas internas de direito suíço e a interpretação que faz do factor de conexão como sendo o lugar onde a obrigação de indemnização deva ser cumprida, Portugal, e não o lugar de cumprimento das obrigações contratuais.

Não é assim, porque esse não é o factor de conexão como já indicado e  porque a Suíça se encontra vinculada pela mesma Convenção e não foi invocada litispendência ou caso julgado naquele sentido.

10.Conclui-se assim pela incompetência internacional dos Tribunais Portugueses e consequente procedência da excepção, devendo ser mantida a decisão recorrida.

IV) DECISÃO

Pelo exposto, ACORDAM em julgar parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto nos termos acima decididos e em julgar improcedente o recurso mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente – artigo 527.º, n.º 2, do CPC.
*


Data constante das assinaturas electrónicas 
(Ana de Azeredo Coelho)
(Eduardo Petersen Silva)
(Manuel Rodrigues)


Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC): (supra transcrito)



[1]Beneficia do relatório da primeira instância.
[2]Veja-se por todos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Fevereiro de 2020, proferido no processo 3920.14.1TCLRS.S1 (Nuno Pinto Oliveira) in ECLI:PT:STJ:2020:3920.14.1TCLRS.S1.
[3]Para facilidade de exposição e compreensão, reproduz-se o resumo da impugnação a que se procedeu no capítulo II)2.
[4]Sobre o tema, por todos, Fernando Ferreira Pinto in O concurso entre a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual, Revista de Direito Comercial, 20-11-2020, consultado em https://static1.squarespace.com/static/58596f8a29687fe710cf45cd/t/5fb7f1ad07ae9c7f2c8c806f/1605890479428/2020-38+-+1945-2018+-+LA-PV.pdf.
[5] (…) entre nós, a doutrina tende a desvalorizar a referida distinção, considerando não serem as discrepâncias do  regime das duas formas de responsabilidade suficientes para afirmar uma verdadeira diferença essencial ou de natureza entre elas refere Fernando Ferreira Pinto no esclarecido artigo que seguimos (cf. fls 68).
[6]Assim, Irineu Strenger in Contratos Internacionais do Comércio, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1986, p. 4. Apud Camila Oliveira in Os Contratos Internacionais e a Lex Mercatoria (consultado em https://eg.uc.pt/bitstream/10316/84047/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o-Camila- Lex%20Mercatoria%20e%20contratos%20internacionais%20.pdf): o contrato internacional é consequência do intercâmbio entre Estados e pessoas, cujas características são diversificadoras dos mecanismos conhecidos e usualmente utilizados pelos comerciantes circunscritos a um único território, e os transterritoriais.
[7]OJ L 147, 10.6.2009, p. 5–43, ELI: http://data.europa.eu/eli/convention/2009/430/oj.
[8]Cf. Decisão 2009/430/CE do Conselho — Celebração da Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.
[9]Parecer 1/2003, emitido nos termos do artigo 300.º, n.º 6, CE.
[10]Não existindo dificuldades concretas no que respeita à domiciliação.
[11]Sem prejuízo da existência de matérias que dele estão excluídas que no caso não interessa considerar.
[12]Dessa dificuldade dá nota o Professor Fausto Pocar in Relatório explicativo - Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial assinada em Lugano, em 30 de Outubro de 2007 (consultado em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=celex%3A52009XG1223%2804%29).
[13]Diz o Professor Fausto Pocar: A proposta mais radical, que encontra apoio autorizado na literatura (43), era suprimir o foro do lugar de cumprimento da obrigação, de forma a que a matéria contratual fosse deixada ao foro comum do requerido ou, em alternativa, à jurisdição escolhida pelas partes. Esta solução foi rejeitada pelo grupo de trabalho ad hoc uma vez que o foro do requerido pode não ser o mais apropriado se for necessário efectuar inspecções no lugar onde os bens devam ser entregues ou os serviços devam ser prestados, e que as partes podem abster-se de convencionar jurisdição para os litígios. Assim, o grupo de trabalho passou a considerar outras propostas, que mantinham o foro do contrato mas evitavam, ou pelo menos limitavam, as dificuldades do texto existente.
[14]Veja-se o processo 34/82 (ainda Lugano I): in that context , the designation by article 5 ( 1 ) of the convention of the courts for the place of performance of the obligation in question expresses the concern that , because of the close links created by a contract between the parties thereto , it should be possible for all the difficulties which may arise on the occasion of the performance of a contractual obligation to be brought before the same court : that for the place of performance of the obligation (https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=ecli:ECLI:EU:C:1983:87).
[15]Pela sua relevância, entende-se autorizada uma transcrição mais longa do Relatório a que nos vimos referindo: Tendo descartado a possibilidade de ter como referência a obrigação característica do contrato, o grupo de trabalho ad hoc considerou a possibilidade de restringir o âmbito do artigo 5.o, n.o 1, apenas a certos contratos, mais concretamente aos contratos de venda de bens, como propusera a Comissão, em que o lugar de cumprimento seria o lugar onde a entrega foi ou deveria ter sido efectuada, salvo se os bens foram ou deveriam ter sido entregues em lugares diferentes; isso retiraria toda e qualquer pertinência à obrigação de pagamento (44). Contra uma solução restritiva desta natureza, foi argumentado que era desejável o foro do contrato não só no caso de contratos de venda de bens, como também, e pela mesma ordem de razões, no caso de contratos de prestação de serviços. Por outro lado, verifica-se que é em contratos desta natureza que a obrigação de pagamento não é frequentemente o aspecto significativo que pode fundamentar a competência, excepto, claro, no caso de contratos de serviços financeiros.
Após madura reflexão, o grupo de trabalho ad hoc decidiu não fazer nenhuma alteração radical ao texto existente, mas sim adaptá-lo de forma a indicar, no caso de contrato de venda de bens ou contrato de prestação de serviços, qual era a obrigação cujo lugar de cumprimento podia fundamentar uma competência alternativa ao foro do requerido, e excluir qualquer referência ao lugar de pagamento decorrente de tais contratos, deixando a disposição inalterada para todos os outros contratos e para os casos em que as regras específicas descritas mostraram ser inaplicáveis (45).
50.O artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da nova Convenção retoma a disposição correspondente da Convenção de 1988, que atribui competência ao tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão. Mas o âmbito da disposição não é deixado à interpretação de quem quer que seja chamado a interpretá-la, como sucedia antes: para aplicação da alínea a), a alínea b) especifica que, no caso de contratos de venda de bens ou prestação de serviços, o lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão é o lugar – num Estado vinculado pela Convenção – onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues ou os serviços foram ou devam ser prestados. Assim, a alínea b) identifica a obrigação cujo lugar de cumprimento serve de fundamento para determinar autonomamente a competência de jurisdição sobre tais contratos, independentemente da obrigação cujo cumprimento é objecto de litígio. Sem utilizar o termo, adopta o princípio da obrigação característica e, por conseguinte, exclui uma referência à obrigação de pagamento, mesmo quando tal obrigação está na base do pedido.
[16]Sobre a questão pronunciou-se o TJUE no Processo 14/76 De Bloos, Col. 1976, p. 1497, n.o 13 [Ed. especial portuguesa, p. 608]: Numa acção para pagamento de indemnização por incumprimento de contrato, o Tribunal concluiu que a obrigação a ter em conta não era o pagamento de indemnização mas sim a obrigação cujo incumprimento foi invocado pelo requerente para justificar o pedido de indemnização. Referência recolhida no parecer já citado onde se lê: A procura do justo equilíbrio entre os dois requisitos – um vínculo genuíno com o litígio e a unicidade do contrato – levou o tribunal de Justiça a concluir que os termos «obrigação em questão» se referem à obrigação contratual que está na base da acção judicial, isto é, a obrigação em cujo incumprimento se baseia a acção do requerente, e não a obrigação cujo cumprimento é expressamente pedido pelo requerente.
[17]Caso C-694/17, a propósito da manutenção da qualificação de consumo, no quadro da Convenção de Lugano II, do mutuário num mútuo de valor superior ao considerado pela Directiva 2008/48/CE; ou C-774/19 sobre o que deve entender-se por actividade profissional.
[18]C-508/12: Além disso, o regime especial instituído, nomeadamente, pelas disposições do Regulamento n.o 44/2001 relativas à competência jurisdicional em matéria de contratos celebrados pelos consumidores, tem a função, como decorre do seu considerando 13, de assegurar uma proteção adequada do consumidor, como parte do contrato considerada economicamente mais fraca e juridicamente menos experiente do que o seu cocontratante profissional.
[19]Acórdão de 23 de dezembro de 2015, Hobohm, C-297/14.
[20]Assim: Com efeito, embora não ofereça dúvidas que os artigos 15.°, n.° 1, alínea c), e 16.° do Regulamento n.° 44/2001 têm por objectivo a protecção do consumidor, tal não implica que essa protecção seja absoluta [v., por analogia, no que toca à Directiva 85/577/CEE do Conselho, de 20 de Dezembro de 1985, relativa à protecção dos consumidores no caso de contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais (JO L 372, p. 31; EE 15 F6 p. 131), acórdão de 15 de Abril de 2010, E. Friz, C-215/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 44].
[21]Assim: Ora, apesar de pretender proteger mais o consumidor, o legislador não foi até ao ponto de declarar que a simples utilização de um sítio na Internet, que se tornou um meio habitual de comércio, qualquer que seja o país em causa, constitui uma actividade «dirigida» a outros Estados-Membros apta a desencadear a aplicação da regra de competência de protecção visada no artigo 15.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 44/2001.
73 Resulta assim da proposta de regulamento mencionada no n.° 43 do presente acórdão que o legislador da União afastou uma sugestão da Comissão com vista a incluir no Regulamento n.° 44/2001 um considerando segundo o qual a comercialização de bens e serviços por um meio electrónico acessível num Estado-Membro constitui uma actividade «dirigida a» esse Estado.
74 Esta interpretação é igualmente corroborada pela declaração conjunta do Conselho e da Comissão quando da aprovação do Regulamento n.° 44/2001, reproduzida no vigésimo quarto considerando do Regulamento n.° 593/2008: o simples facto de um sítio na Internet ser acessível não basta para tornar aplicável o artigo 15.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 44/2001.
[22]Ponto 36 do Relatório explicativo: A lista do Anexo I serve apenas de exemplo e não restringe o efeito do n.o 1, segundo o qual todas as regras nacionais que não são conformes com as regras da Convenção têm de ser consideradas inaplicáveis.