Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7151/07.9TDLSB.L1-9
Relator: MARIA DA LUZ BATISTA
Descritores: ABSOLVIÇÃO
RECURSO
ASSISTENTE EM PROCESSO PENAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I - se a sentença recorrida contiver decisão contra a assistente ou que directamente o afecte, passa assim por saber se, "in casu", a mesma tem ou não um concreto interesse próprio em recorrer, se só através do recurso pode assegurar a tutela de um direito subjectivo seu.


II - se o recorrente não deduziu acusação nem sequer pedido de indemnização civil, não vai alcançar qualquer efeito útil para si com a interposição do recurso da sentença quanto à matéria criminal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão sumária, proferida ao abrigo do disposto no artigo 417° n° 6 b) do C. P. Penal.

No processo comum n° 7151/07.9 TDLSB do 3° Juízo Criminal de Lisboa o M° P° acusou o arguido CP... da prática de um crime de não cumprimento de obrigações relativas á protecção de dados, previsto e punível nos artigos 43.°, n.° 1, alínea c), e 49.°, n.'s 1, alínea b), e 3, ambos da Lei n.° 67/98, de 26 de Outubro.

A queixosa "S...SA" constitui-se assistente, mas não deduziu acusação, nem pedido de indemnização civil.

Submetido a julgamento veio o arguido a ser absolvido da imputação do sobredito crime.

Inconformada com a decisão absolutória, a assistente "S...SA" pretende dela interpor recurso com a motivação de fs. 689 a 699 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzida.

Responderam,

- o arguido nos termos constantes de fs. 702 a 707 e

o M° P°, conforme fs. 708 a 713.

tudo aqui se dando também por integralmente reproduzido.

Nesta instância a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta teve vista dos autos, emitindo douto parecer em adesão ao expendido pelo Magistrado do M° P° em primeira instância.

Resultando do exame preliminar dos autos que é caso de rejeição do recurso, profere-se para o efeito, ao abrigo do disposto no artigo 417° n° 6 b) do C. P. Penal revisto, decisão sumária

***

Foi suscitada na douta resposta do M° P° a questão da ilegitimidade do assistente para, no presente caso, interpor recurso da decisão absolutória do arguido.

Cumprindo assim apreciar e decidir do que lhe respeita, vejamos:

O arguido nos presentes autos foi absolvido da imputação de crime de não cumprimento de obrigações relativas a protecção de dados, p. e p. pelos arts. 43°, n° 1, al. c) e 49°, n°s 1, al. b) e 3, da Lei n° 67/98, de 26.10, de que vinha acusado por se entender que, sendo este um crime especifico próprio, dependendo a imputação da sua autoria da verificação de um certa condição jurídica na pessoa do agente ­concretamente de o agente ter a qualidade de "responsávelo pelo tratamento" - não se podem julgar preenchidos pela actuação do arguido os seus elementos material e subjectivo, e, "não sendo a assistente quem usou os dados de forma incompatível com a finalidade da recolha, mas sim o arguido que, à data em que o fez, não mantinha colaboração com a assistente ... a autoria não lhe pode ser imputada por força do artigo 12.° do Código Penal."

No recurso que pretende interpor a assistente defende o contrário, ou seja que, contrariamente ao decidido, esses factos integram aqueles elementos, pedindo por isso a condenação do arguido pelo seu cometimento.

Como bem refere o M° P° na sua resposta

"Os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, embora com o poder de deduzirem acusação independente e, no caso de procedimento dependente de acusação particular, ainda que aquele a não deduza.

Entre as atribuições que são conferidas aos assistentes figura a de poderem interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito (art. 69.°, n.° 2, al. c), do C. Processo Penal)."

Porém,

«...se por um lado, se lhe reconhece o direito de recorrer das decisões que o afectem, independentemente da posição que tome o Ministério Público, por outro, é pacífico o entendimento de que não pode recorrer sempre que discorde da justiça da decisão.

Desde logo,

... a lei não reconhece ao assistente em processo penal, desacompanhado do Ministério Público, um direito substantivo a exigir do Estado a punição de um crime público com determinada pena.

Tal significaria uma manifestação do espírito de vindicta privada, que progressivamente tem sido postergado por sistemas penais modernos. Efectivamente, as questões atinentes à espécie e medida da pena fazem parte do núcleo punítívo do Estado, do seu jus puniendi, cuja defesa não cabe aos particulares, sendo antes um ônus do Ministério Público e, portanto, não se reconhece ao assistente, desacompanhado do Ministério Público, um direito subjectivo a exigir do Estado a punição de um crime público ou semi-público com uma determinada pena.

Por isso, só deverá reconhecer-se legitimidade ao assistente "quando, no caso, tiver um interesse concreto e próprio em agir, por da medida da pena poder tirar um benefício" (cfr. Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, "Recursos Penais", Rei dos Livros, 82 edição, 57), ou seja, quando se demonstre que só através do recurso o assistente assegura a tutela de um direito subjectivo seu.

«Sobre esta matéria foi proferido acórdão pelo Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, em 30-10-1997 (Acórdão n° 8/99), fixando jurisprudência no sentido de o assistente não ter legitimidade para recorrer desacompanhado do Ministério Público relativamente à espécie e medida da pena, salvo quando demonstrar um concreto interesse em agir.

No fundo, o "interesse em agir tem de ser concreto e próprio, pelo que é insuficiente se o tribunal, concluindo que não se está face a um mero desejo de vindicta privada, nada mais encontrar" (cfr. acórdão referido).

Parece assim líquido, face aos fundamentos do referido acórdão para fixação de jurisprudência, que o direito dos assistentes ao recurso passa pela verificação de um interesse em agir concreto e próprio.»

(...)

«É essa a orientação predominante, senão mesmo uniforme, na jurisprudência, exigindo-se que o assistente demonstre que só através do recurso assegura a tutela de um direito subjectivo seu, pois "se a punição do arguido está dominado por um interesse público, não pode competir ao assistente ser ele o intérprete do interesse colectivo, designadamente se conflituar com a posição assumida a esse respeito pelo Ministério Público. No que contende com o cerne do jus puniendi do Estado, o assistente não pode deixar de estar subordinado ao MP" (cfr. acórdão do STJ, de 07.05.2009, em www.dgsitpt).
No mesmo sentido, pode-se ler nos acórdãos do STJ, de 17.05.2001 e 27.03.2003 que, estando em causa um crime público (como no presente caso) e não tendo o Ministério Público interposto recurso, é de admitir o recurso do assistente se a decisão judicial tiver sido contra si proferida, entendendo-se esta como aquela em que, em sentido amplo, o desfavorece e contrarie posição processual anteriormente assumida, mas já não aquela que afecte interesses pessoais seus.»

Saber se a sentença recorrida pode considerar-se uma decisão proferida contra a assistente (cf. art° 401° n° 1 b) do CPP) ou que directamente o afecta, passa assim por saber se, "in casu", a mesma tem ou não um concreto interesse próprio em recorrer, se só através do recurso pode assegurar a tutela de um direito subjectivo seu.

De tal dependerá assim a sua legitimidade para interpor recurso.

Ora ponderando os concretos contornos do presente caso, entendemos assistir razão ao M° P° quando defende que tal não acontece.
Assim, como bem refere, "no caso, o recorrente não deduziu acusação nem sequer pedido de indemnização civil, pelo que não vai alcançar qualquer efeito útil para si com a interposição do recurso da sentença quanto à matéria criminal".

E, sendo certo, considerando os contornos dos factos, o que na decisão concretamente se refere no sentido do afastamento de qualquer responsabilização sua ("sendo este um crime específico próprio, dependendo a imputação da sua autoria da verificação de um certa condição jurídica na pessoa do agente - concretamente de o agente ter a qualidade de "responsávelo pelo tratamento" - não se podem julgar preenchidos pela actuação do arguido os seus elementos material e subjectivo, e, "não sendo a assistente quem usou os dados de forma incompatível com a finalidade da recolha, mas sim o arguido que, à data em que o fez, não mantinha colaboração com a assistente ... a autoria não lhe pode ser imputada por força do artigo 12.° do Código Penal)", não se vê como pudesse ser-lhe assacada qualquer responsabilidade criminal pelo dito uso, e bem assim que tenha o "interesse em agir" que invoca, ou qualquer concreto interesse próprio.

Com o que, tendo de concluir-se que a recorrente/assistente carece de interesse em agir, não pode a sentença recorrida considerar-se uma decisão proferida contra ele ou que directamente o afecte, devendo o recurso ser rejeitado (cf. ainda art°s 420° n° 1 b) e 414° n°s 2 e 3 do CPP).

DECISÃO

Por tudo o exposto decide-se rejeitar o recurso que a assistente "S...SA" pretendia interpor da decisão absolutória proferida nos presentes autos.

Condena-se a recorrente na quantia correspondente a 4UC.

Lisboa, 9 de Julho de 2014

Maria da Luz Batista