Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
634/15.9T8VFX.L1-1
Relator: MANUEL RIBEIRO MARQUES
Descritores: DECISÃO DE FACTO
FACTO NOTÓRIO
REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM
OBRIGAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
SEPARAÇÃO DE FACTO
ALIMENTOS ENTRE CÔNJUGES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. É público e notório que na sociedade actual qualquer cidadão tem despesas correntes com a sua alimentação, vestuário, água e energia eléctrica.
2. Daí que se não possa manter a resposta de não provado dada pelo tribunal a quo, devendo, em matéria de quantificação dessas despesas, na falta de produção de prova documental, testemunhal ou outra, recorrer-se às regras de experiência comum, apelando-se a padrões de normalidade.
3. A obrigação de alimentos dos cônjuges separados de facto, não se reduz ao indispensável, antes visa manter, tendencialmente, a igualação ao trem de vida económico e social, já alcançado desde a celebração do casamento e que se verificava à data da separação, sem que tal importe a demonstração de uma situação de necessidade de auto-subsistência.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:



RELATÓRIO:


I. LR instaurou procedimento cautelar de alimentos provisórios contra o seu marido, RR, peticionando seja o mesmo condenado a pagar-lhe, desde 01/02/2015, alimentos no montante mensal de €500,00.

Alegou, em síntese, que é casada com o requerido; que este em Setembro de 2014 puxou os cabelos à requerente e desferiu-lhe um murro nos lábios, tendo em meados de Janeiro de 2015 saído do lar conjugal, encontrando-se a viver com outra mulher; que é auxiliar de acção médica, auferindo a quantia mensal ilíquida de €745,00, a que acrescem subsídios; que o requerido é mecânico e chefe de secção de manutenção de um hangar na ..., auferindo aproximadamente a quantia mensal de €2500,00; que aufere ainda uma renda de um imóvel sito em Sines, no valor de €550,00 mensais; que carece mensalmente para as despesas da casa de morada da família, de alimentação, vestuário, gasóleo, medicamentos e consultas médicas da quantia de €1.000,00; que a esta quantia acresce o montante necessário para pagar a prestação relativa ao mútuo com hipoteca da casa de morada da família (€409,00 mensais); que o requerido está obrigado a prestar alimentos em caso de separação de facto, nos termos dos arts.1671º, 1675º, n.ºs 1, 2 e 3, 2009º, n.º 1, al. a) e 2015º do C. Civil.

Designado dia para julgamento, veio o requerido a apresentar contestação, tendo alegado, além do mais, que saiu de casa por ser acusado pela requerente de ter uma amante, sendo as discussões, os insultos e ameaças constantes; que é falso que esteja a residir com outra mulher; que aufere uma quantia mensal líquida não superior a €2300,00; que mantém os pagamentos que lhe cabiam anteriormente à separação (casas, impostos, seguros) à excepção, desde 11 de Fevereiro de 2015, dos fornecimentos domésticos (água etc ... ) que deixou de fazer na sequência da separação, suportando a quantia mensal de €1.338,31.

Conclui pela improcedência da providência.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar improcedente o procedimento cautelar, tendo o requerido sido absolvido do pedido.

Inconformada, veio a requerente interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:

a) O tribunal a quo deu como não provado o facto alegado no art. 9.° do requerimento inicial da providência ("há perto de um ano o requerido tenha diminuído drasticamente a contribuição para as despesas do lar"); contudo, dos depoimentos das testemunhas MF (minuto 11,20) e AR (minutos 59,00 e 59,35) resulta que tal facto deveria ter sido dado como indiciariamente provado;
b) O facto alegado no art. 21.° do requerimento inicial ("o requerido não utilizou o dinheiro que levantou em proveito da economia do lar, nomeadamente, não o utilizou na compra de bens alimentícios, ou outros necessários para o lar, nem o utilizou para a aquisição de serviços necessários ao lar") não foi considerado como pertinente pelo tribunal a quo, mas o mesmo deve ser considerado constitutivo do direito da recorrente aos alimentos e, bem assim, ser dado como provado, pois que tal resulta do depoimento da testemunha AR (minuto 46,48).
c) O facto alegado no art. 23.° do requerimento inicial foi dado como não provado, embora quanto a esse o tribunal tenha assinalado a respectiva pertinência para a decisão da causa. Contudo, e ainda que indiciariamente, o 7 mesmo deveria ter sido dado como provado, atento o depoimento da testemunha AR (minuto 44,40 da gravação), que afirmou ser ela a ajudar a recorrente a sustentar-se.
d) O facto alegado no art. 34.° do requerimento inicial ("a recorrente sofre de arritmia e que necessite de constante auxílio médico") foi dado como não provado, mas o mesmo deverá ser dado como provado, atendendo aos depoimentos das testemunhas MF (minutos 21,50 e 22,50 da gravação) e AP (minutos 45,20 e 52,55 da gravação).
e) O facto alegado no art. 39.° do requerimento inicial ("a recorrente sempre tratou da limpeza do lar, assim como do tratamento das roupas do recorrido, confecção de refeições e organização de todo o governo do lar conjugal") nem foi considerado pertinente pelo tribunal a quo, mas, atento o disposto no art. 2016-A/l do CC, o mesmo é relevante e deve, ademais, ser considerado provado, atendendo aos depoimentos das testemunhas MF (minuto 23,47) e AP (minuto 63,00).
f) Pelo que o tribunal a quo deveria ter dado como provados os factos alegados sob os artigos 9.°, 21.°, 23.°, 34.° e 39.° do requerimento inicial.
g) Da articulação de tais factos (artigos 9.°, 21.°, 23.°, 34.° e 39.° do requerimento inicial) com os demais dados como provados na douta sentença, seria sempre necessária a conclusão do tribunal a quo de que a recorrente carece de alimentos, e de que o recorrido está em condições para lhos prestar - consignando-se que, da articulação de tais factos, resulta que a recorrente tem um rendimento de perto de 745,00 € mensais, provindo exclusivamente do seu salário, ao passo que o recorrido aufere cerca de 2100,00 € de salário e ainda 550,00 € mensais de renda de um imóvel comum do casal, o que perfaz 2650,00 €, ou seja, perto de 3 vezes e meia superior ao da recorrente.
h) O tribunal a quo deu como provado que é o recorrido quem paga os empréstimos para aquisição de dois imóveis do casal; mas não deu como provado os valores de tais prestações, pelo que não pode utilizar esse argumento (de que o recorrido paga os empréstimos) para negar o direito a alimentos da ora recorrente.
i) Ao julgar improcedente a providência, o tribunal a quo violou, com todo o respeito, os arts. 2015.° e 2016-A/l do CC, e, bem assim, os art. 384.° e seguintes do CPC,
j) Pelo que deve ser revogada a douta sentença proferida em primeira instância e substituída por outra que, julgando procedente o pedido, decrete a providência requerida.

 O requerido não apresentou contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*
        II. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria de facto:

1.LR casou com RR em 9 de Setembro de 1978.
2.Até Janeiro de 2015 LR e RR moravam juntos no Casal Pocinho, Forte da Casa.
3.Em meados de Janeiro de 2015 o R.do passou a morar em Arruda dos Vinhos, permanecendo a R.te na casa do Casal Pocinho.
4.LR é auxiliar de acção médica, com o salário de 745: euros.
5.LR faz habitualmente turnos e horas extraordinárias, recebendo nalguns meses mais de oitocentos euros.
6.RR trabalha na ... e tem o vencimento de 2.052: euros, fazendo regularmente turnos e horas extraordinárias, chegando a receber nalguns meses 2.300: euros.
7.Em Dezembro, Janeiro e Fevereiro, o R.do não entregou nem disponibilizou à R.te dinheiro para encargos com água, electricidade, gás, telefone, alimentação, vestuário, consultas e medicamentos nem levou para a casa do casal alimentos nem produtos de higiene.
8.Até Janeiro de 2015 o R.do suportou o pagamento dos fornecimentos da água, electricidade e gás à casa de Casal Pocinho, deixando desde então de o fazer.
9.Anteriormente solicitara à R.te que procedesse à alteração dos respectivos contratos.
10. Ainda estão a ser pagos os empréstimos da aquisição da casa de Casal Pocinho e de casa adquirida em Sines pelo casal.
11. É o R.do quem suporta o pagamento dos referidos empréstimos e do IMI e dos seguros de vida e multirriscos referentes ao crédito à habitação, tal como o seguro de saúde de que beneficia a R.te.
12.A R.te tem pago contas de filho de ambos.
13.O R.do recebe em conta dele o vencimento e a renda da casa de Sines, no valor de 550: euros.
14. A R.te tem tido assistência médica.

***

III. As questões a decidir resumem-se, essencialmente, a saber:
- se é caso de alterar a matéria de facto fixada em 1ª instância;
- se é caso de fixar uma pensão de alimentos provisórios a favor da requerente.

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IV. Quanto à impugnação da matéria de facto fixada na 1ª instância:

A apelante impugnou a decisão sobre a matéria de facto, propugnando que se considerem provados os seguintes factos:

- O alegado no art. 9.° do requerimento inicial ("há perto de um ano o requerido tenha diminuído drasticamente a contribuição para as despesas do lar"), em face dos depoimentos das testemunhas MF e AR;
-O facto alegado no art. 21.° do requerimento inicial ("o requerido não utilizou o dinheiro que levantou em proveito da economia do lar, nomeadamente, não o utilizou na compra de bens alimentícios, ou outros necessários para o lar, nem o utilizou para a aquisição de serviços necessários ao lar"), em face do depoimento da testemunha AR;
-O alegado no art. 23.° do requerimento inicial (“para suportar as despesas do lar, a requerente carece mensalmente de cerca de 200,00€ mensais (água, electricidade, gás e telefone) [visto tratar-se de uma moradia, com gastos superiores aos de uma apartamento]; para alimentação, a requerente carece de aproximadamente 400,00€ mensais; para vestuário, a requerente carece de aproximadamente 50,00€ mensais; para gasóleo, a requerente carece de aproximadamente 100,00€ mensais; para medicamentos e consultas médicas,, a requerente carece de aproximadamente 100,00€ mensais”), em face  do depoimento da testemunha AR, que afirmou ser ela a ajudar a recorrente a sustentar-se;
-O alegado no art. 34.° do requerimento inicial ("a recorrente sofre de arritmia e que necessite de constante auxílio médico"), em face dos depoimentos das testemunhas MF e AP;
-O alegado no art. 39.° do requerimento inicial ("a recorrente sempre tratou da limpeza do lar, assim como do tratamento das roupas do recorrido, confecção de refeições e organização de todo o governo do lar conjugal"), em face dos depoimentos das testemunhas MF e AP.

Ouvidos os depoimentos prestados em audiência, cumpre decidir.

Quanto aos factos alegados nos arts. 9.° e 21º do requerimento inicial:

Baseia a apelante a sua impugnação nos depoimentos das testemunhas MF (amiga da requerente e do requerido) e AR (irmã da requerente).
Porém, não derivou daqueles depoimentos que as testemunhas tivessem um conhecimento preciso desta matéria, para além do que consta provado (apurou-se, sem impugnação, que desde Fevereiro de 2015, o requerido deixou de disponibilizar dinheiro para o pagamento dos fornecimentos da água, electricidade e gás da casa de morada da família, tendo igualmente deixado de suportar as despesas de telefone, alimentação, vestuário e com consultas e medicamentos da requerente, continuando, porém, a pagar as prestações atinentes à amortização dos empréstimos bancários referentes à aquisição da casa de morada da família é da casa sita em Sines, bem como o IMI, os seguros de vida e multirriscos referentes ao crédito à habitação, tal como o seguro de saúde de que beneficia a requerente), como, de resto, flui da própria transcrição que consta das alegações de recurso.

Concorda-se, por isso, com o juízo de valoração da prova efectuado em 1ª instância.

Quanto ao facto alegado no art. 23.° do requerimento inicial:

A apelante baseia a sua impugnação no depoimento da testemunha da testemunha AR, por esta ter declarado estar a ajudar a sua irmã a sustentar-se.

Trata-se mais uma vez de um depoimento pouco esclarecedor da factualidade controvertida.

Seja como for, apelando às regras de experiência comum, não pode deixar de se considerar assente que a requerente tem despesas relativas aos consumos de água, electricidade, gás e telefone, bem como de alimentação e vestuário, as quais importam o dispêndio de quantias monetárias.

É, de resto, público e notório que na sociedade actual, qualquer cidadão tem despesas correntes, em especial com a sua alimentação, vestuário, água e energia eléctrica.
Daí que se não possa manter a resposta de não provado do tribunal a quo.

No que tange à quantificação das quantias médias mensais despendidas a esse nível pela requerente, na falta de junção aos autos de documentos a tal atinentes, haverá que recorrer a padrões de normalidade, tendo presente que a mesma reside numa moradia, que se trata de uma pessoa que trabalha fora de casa e tem 56 anos de idade (nasceu a 23-12-1958 – vide doc. de fls. 41).
Ora, normalmente, os gastos de uma pessoa com a energia eléctrica, água, gás e telefone não são, respectivamente, de valor inferior a €50,00, €30,00, €10,00 e €20,00.

No que toca às despesas de alimentação e vestuário, por estas dependerem também das disponibilidades monetárias de cada pessoa, é difícil quantificar os valores concretamente despendidos pela requerente.

Sem embargo, a experiência comum diz-nos que, por norma, uma pessoa nas circunstâncias da requerente não poderá deixar de despender com a sua alimentação uma quantia média mensal inferior a €300,00 e uma quantia média mensal na ordem dos €25,00 com a aquisição de vestuário.

Quanto às despesas com a aquisição de gasóleo, nada se apurou, desconhecendo-se inclusivamente se a requerente possui veículo automóvel.

Relativamente às despesas médicas (consultas e medicamentos), apurou-se que a requerente beneficia de seguro de saúde.
E deriva dos docs. juntos pela requerente a fls. 30 a 35 que esta despendeu as seguintes quantias:
-no dia  02-09-2014, a quantia de €8,50, de um episódio de urgência;
-no dia  15-09-2014, a quantia de €8,50, de uma consulta de medicina geral e familiar;
-no dia  13-10-2014, a quantia de €8,50, de uma consulta de medicina geral e familiar;
-no dia  17-10-2014, a quantia de €8,50, de uma consulta de psiquiatria;
-no dia  19-12-2014, a quantia de €8,50, de uma consulta de psiquiatria.

Assim, num período de 4 meses a requerente demonstrou ter pago a quantia global de €42,50 de despesas com consultas.

Quanto aos montantes despendidos com os medicamentos, nada demonstrou.

Tendo presente estes parâmetros, máxime a circunstância da requerente beneficiar de seguro de saúde, e recorrendo a padrões de normalidade, dá-se como assente que a mesma, de despesas com consultas e medicamentos, despende uma quantia média mensal não inferior a €15,00.

- Quanto ao facto alegado no art. 34.° do requerimento inicial:
A apelante fundamenta a sua pretensão nos depoimentos das testemunhas MF e AP.

Porém, como deriva das declarações prestadas por estas testemunhas e que constam, em parte, da transcrição constante das alegações, as mesmas não aludiram ao facto da requerente sofrer de qualquer arritmia, tendo apenas a testemunha AP referido que a sua irmã sofre de anemia.

Para além disso, a requerente não apresentou qualquer documento médico atestando sofrer de arritmia.
Deste modo, concorda-se com a valoração da prova efectuada em 1ª instância.

- Quanto ao facto alegado no art. 39.° do requerimento inicial:
A apelante baseia a sua impugnação nos depoimentos das testemunhas MF e AP.

Efectivamente, decorre dos depoimentos destas testemunhas que a requerente sempre se ocupou daquelas tarefas.

Esse conhecimento pessoal derivou das relações de amizade e familiares existentes entre as testemunhas e a requerente.

Considera-se, por isso, provado que a requerente sempre tratou da limpeza do lar, assim como do tratamento das roupas do requerido, confecção de refeições e organização de todo o governo do lar conjugal.

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 Deste modo, aditam-se aos factos provados em 1ª instância os seguintes:
a. A requerente despende com os seus consumos de energia eléctrica, água, gás, telefone, despesas de alimentação, de vestuário e médicas (consultas/medicamentos) quantias médias mensais de valores não inferiores a €50,00, €30,00, €10,00, €20,00, €300,00, €25,00 e €15,00, respectivamente.
b. A requerente sempre tratou da limpeza do lar, assim como do tratamento das roupas do requerido, confecção de refeições e organização de todo o governo do lar conjugal.

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V. Da questão de direito:

Decidida a questão de facto, passemos agora à análise da questão de Direito, a qual consiste em saber se a requerente/apelante tem direito a alimentos provisórios do requerido.

A requerente e o requerido são casados entre si, encontrando-se tão-só separados de facto desde meados de Janeiro de 2015.

Consequentemente, o pedido formulado pela requerente/apelante deve ser analisado no âmbito da sociedade conjugal, com aplicação do disposto nos artigos. 2015º e 1675º do Código Civil, e não na situação de cessação de tal sociedade conjugal, caso em que é aplicável o disposto nos artigos 2016.º, n.º 1 e 2016.º-A do mesmo diploma legal (aí estabelece-se, além do mais, que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio – artigo 2016., n.º 1 – e que o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio” – artigo 2016.º-A, n.º 3).

O dever de assistência, que se mantém durante a separação de facto, se esta não for imputável a qualquer dos cônjuges, compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar, em conformidade com o estipulado pelo artigo 1675º, nºs 1 e 2, do CC.

E não se tendo demonstrado que a separação de facto verificada entre os cônjuges, desde meados de Janeiro de 2015 fosse imputável à requerente, é inequívoco que esta tem o direito de exigir do requerido o cumprimento do dever de assistência e a correspondente prestação alimentícia, em harmonia com o preceituado pelo artigo 1675º, nº 3, do CC.

Ora, como salienta Remédio Marques (in Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores), pag. 62), “a contribuição para os encargos (normais) da vida familiar é quantificada estritamente em função do trem de vida ou status criado pelo casamento in fieri -podendo afirmar-se, com propriedade que, salvaguardado o princípio da proporcionalidade, essas prestações, em princípio pecuniárias, visam manter o estalão social e económico já alcançado, desde a celebração do casamento”.

Como se entendeu no Ac STJ de 16 de Março de 2011 (relatado pelo Cons. Helder Roque), acessível in www.dgsi.pt, a obrigação de alimentos dos cônjuges separados de facto, não se reduz ao indispensável, antes visa manter, tendencialmente, a igualação ao trem de vida económico e social, já alcançado desde a celebração do casamento e que se verificava à data da separação, sem que tal importe a demonstração de uma situação de necessidade de auto-subsistência.

Assim, muito embora a obrigação alimentícia a prestar deva respeitar uma aproximação o mais vizinha possível do nível de vida antes mantida pelo casal, não nos podemos esquecer também de socorrer do princípio da proporcionalidade, a estabelecer entre as necessidades económicas do alimentando e as disponibilidades financeiras do devedor, respeitando a independência desses dois agregados familiares autónomos, formados a partir da separação de facto – artigo 2004º do CC – para que ambos os cônjuges possam viver com dignidade e em situações de facto idênticas – cfr. neste sentido o Ac. desta Relação de 9 de Julho de 2014 (Des. Dina Maria Monteiro), acessível in www.dgsi.pt.

Analisemos então a situação concretamente apurada nos autos.

           Flui do provado que:

Quanto à requerente:

Rendimentos:
Apurou-se que é auxiliar de acção médica, no que aufere o salário de €745,00; que a mesma faz habitualmente turnos e horas extraordinárias, recebendo nalguns meses mais de oitocentos euros.

Despesas apuradas:
Provou-se que despende com os seus consumos de energia eléctrica, água, gás, telefone, despesas de alimentação, de vestuário e médicas (consultas/medicamentos) quantias médias mensais de valores não inferiores a €50,00, €30,00, €10,00, €20,00, €300,00, €25,00 e €15,00, respectivamente.

Provou-se ainda que a requerente tem pago contas de filho de ambos.

Quanto ao requerido:

Rendimentos:
Apurou-se que trabalha na ... e tem o vencimento de €2.052,00, fazendo regularmente turnos e horas extraordinárias, chegando a receber nalguns meses €2.300,00; e que recebe em conta dele a renda da casa de Sines, no valor de €550,00.

Despesas apuradas:
Provou-se que suporta o valor das prestações mensais atinentes à amortização dos empréstimos bancários referentes à aquisição da casa de morada da família, onde a requerente reside, e de uma casa adquirida pelo casal e sita em Sines, bem como dos seguros de vida e multirriscos referentes ao crédito à habitação, o IMI e de um seguro de saúde de que beneficia a requerente.

Para além das despesas da requerente concretamente apuradas (de montante não inferior a €450,00), existem outras como sejam as despesas de calçado e com a aquisição de produtos de higiene e de transporte (nomeadamente nas deslocações do e para o trabalho).

Ora, tendo em conta os montantes apurados e as quantias auferidas pela requerente, esta tem valores suficientes para prover às despesas com a sua subsistência (note-se que o valor do salário mínimo é do montante mensal de €505,00).

No que toca ao requerido, não se apuraram as suas concretas despesas habitacionais (ignora-se se paga renda de casa), de vestuário e de higiene.

De igual modo, se passam as coisas quanto às despesas com os consumos de energia eléctrica, água, gás, telefone, despesas de alimentação, de vestuário e médicas.

Todavia, as despesas a este nível a considerar pelo tribunal deverão ser similares às apuradas quanto à requerente (e que totalizam a quantia de €450,00).

Também não se apuraram os valores concretamente despendidos pelo requerido relativamente às despesas mensais atinentes à amortização dos empréstimos bancários referentes à aquisição da casa de morada da família e da casa sita em Sines, bem como dos seguros de vida e multirriscos referentes ao crédito à habitação, o IMI e de um seguro de saúde de que beneficia a requerente.

Nesta sede a requerente alegou que o valor mensal das amortizações dos empréstimos das casas de morada da família e de Sines eram de €409,00 e €290,00 (arts. 24 e 25 da p.i.), respectivamente.

De sua vez o requerido alegou serem dos montantes de €726,37 (€300,19 + €426,18) e €367,09, a que acrescem as quantias mensais de €210,85 (seguros de vida pelo crédito à habitação) e €34,00 (seguro de saúde da requerente) e as quantias anuais pelo seguro multirriscos (€69,61) e pelos IMI – arts. 14º, 15º, 16º, 17º e 18º da contestação.

Não obstante a sentença recorrida ser omissa quanto aos valores despendidos pelo requerido a este título, o certo é que, mesmo na tese deste, as quantias por si despendidas totalizam uma quantia média mensal inferior a €1.500,00, restando-lhe, por isso, uma quantia na ordem dos €1.350,00 (€2300 + €550 – €1500,00) para fazer face às restantes despesas, quantia essa bem superior à que dispõe a requerente (cerca de €800,00), se bem que esta disponha gratuitamente da casa de morada da família.

Por outra via, como supra se deixou expresso, haverá que, tendencialmente, manter o padrão social e económico alcançado desde a celebração do casamento, para que ambos os cônjuges possam viver com dignidade e em situações aproximadas.

Nesta matéria, deriva dos factos apurados que na constância da vivência conjugal, para além da requerente dispor das quantias por si auferidas, a mesma beneficiava da circunstância do requerido suportar o pagamento dos fornecimentos da água, electricidade e gás à casa de morada da família.

A manutenção do status de vida económico criado pelo casamento exige assim, no que respeite à requerente, que tal situação continue a ocorrer no pós separação de facto dos cônjuges, quantificando-se no montante despendido pela requerente com aqueles consumos o valor a suportar pelo requerido a título de alimentos provisórios.

Deste modo, considera-se proporcional e adequado fixar no valor mensal de €90,00 o montante da pensão de alimentos provisórios devidos pelo requerido à requerente desde o dia 1 de Março de 2015, com vencimento, quanto aos alimentos vincendos, no dia 8 de cada mês – arts. 2004º do C. Civil, e 386º, n.º 1, do CPC.
Procede, assim, em parte, a apelação.

Sumário:
1.É público e notório que na sociedade actual qualquer cidadão tem despesas correntes com a sua alimentação, vestuário, água e energia eléctrica.

2.Daí que se não possa manter a resposta de não provado dada pelo tribunal a quo, devendo, em matéria de quantificação dessas despesas, na falta de produção de prova documental, testemunhal ou outra, recorrer-se às regras de experiência comum, apelando-se a padrões de normalidade.

3.A obrigação de alimentos dos cônjuges separados de facto, não se reduz ao indispensável, antes visa manter, tendencialmente, a igualação ao trem de vida económico e social, já alcançado desde a celebração do casamento e que se verificava à data da separação, sem que tal importe a demonstração de uma situação de necessidade de auto-subsistência.
 
***

V. Decisão:

Pelo acima exposto, julga-se a apelação, em parte, procedente e, em consequência, julga-se parcialmente procedente o pedido formulado, condenando-se o requerido a pagar à requerente, a título de alimentos provisórios a quantia mensal de €90,00 (noventa euros), a qual é devida desde o dia 01.03.2015, vencendo-se as prestações vincendas no dia 8 de cada mês;
Custas devidas em 1ª instância e nesta Relação, pela requerente/apelante e pela requerida/apelada, na proporção do respectivo decaimento.
Notifique.

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Lisboa, 9 de Junho de 2015

(Manuel Ribeiro Marques - Relator)
(Pedro Brighton - 1º Adjunto)
(Teresa Sousa Henriques – 2ª Adjunta)