Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
375/12.9SILSB-A.L1-9
Relator: MARIA DO CARMO FERREIRA
Descritores: REGISTO CRIMINAL
TRANSCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/07/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.

II - Os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados.

III - Mas, tal poder não é discricionário, exige a verificação dos pressupostos mencionados na norma, ou seja: que a pena aplicada seja pena não privativa da liberdade ou de prisão até um ano e, “sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes”.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 9ª. Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO.

No processo supra identificado, da Instância Local- secção de Pequena Criminalidade da Comarca de Lisboa, o condenado M..., identificado nos autos, não se conformando com o despacho proferido em 26 de janeiro de 2015 (fls. 33 destes autos), que lhe indeferiu o requerimento apresentado em 31 de Outubro de 2014 (fls. 8 destes autos), vem do mesmo interpor recurso.

Apresenta na motivação de fls. 62 a 68 dos autos as conclusões que vão transcritas:

Reza, o n°. 1, do art°. 17º., da Lei n°. 57198, de 18 de Agosto, com a redacção conferida pela Lei n°. 11412009, de 22 de Setembro, que "(...),Os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior (...), a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os artigos 11º. e 12º.

Nesta conformidade, encontram-se preenchidos os pressupostos mencionados no n°. 1, do art°. 11º., nos ns. 1 e 2, do art. 12°., a contrario sensu, e no n°. 1, do art°. 17°., da Lei n°. 57/98, de 18 de Agosto, de molde a determinar a não transcrição da condenação fixada nos presentes autos, conforme solicitado pelo Arguido.

Em abono da verdade, o Arguido ora Recorrente, M..., pretende, tão-somente, a não transcrição no registo criminal da sobredita condenação, nas hipóteses previstas nos artigos 11º. e 12º., da Lei nº. 57/98, de 18 de Agosto.

A primeira disposição - artigo 11°., da Lei n°. 57/98, de 18 de Agosto -, referente aos certificados requeridos para fim de emprego, expressamente afasta, no seu número 1, alíneas a) e b), á possibilidade de a presente condenação constar do respectivo certificado, a saber:

«Artigo 11º.

(Certificados requeridos para fins de emprego ou de exercício de actividade)

1 - Os certificados requeridos por particulares que sejam pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de qualquer profissão ou actividade cujo exercício dependa de um titulo público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública devem conter apenas:

a) As decisões que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou actividade ou interditem esse exercício;

b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo.

2 - Nos casos em que, por força de lei, se exija ausência de quaisquer antecedentes criminais ou apenas de alguns para o exercício de determinada profissão ou actividade, os certificados são emitidos em conformidade com o disposto nos ns. 1 e 2 do artigo 12º., devendo o requerente especificar a profissão ou actividade a exercer.

(…),».

Negrito e Sublinhado do teor do art°. 11º., da Lei n°. 57/98, de 18 de Agosto, da autoria do subscritor!

Desta arte, se é certo que o artigo 17º., da Lei n°. 57/98, de 18 de Agosto, ao abrigo do qual foi proferido o douto Despacho recorrido, consagra um poder - dever a ser exercitado de acordo com determinados pressupostos legais, o certo é que, nos termos dos artigos 11º. e 12º. da mesma Lei, a não transcrição, em hipótese como a vertente, é automática - resultando da própria letra da lei -:

«Artigo 12°.

(Certificados requeridos para outros fins)

1 - Os certificados requeridos por, particulares, quer sejam pessoas singulares ou pessoas colectivas ou equiparadas, para fins não previstos no artigo anterior - artigo 11°. - [(...), emprego, público ou privado, ou para o exercício de qualquer profissão ou actividade cujo exercício dependa de um título público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública (...)] contêm a transcrição integral do registo criminal, excepto se a lei permitir transcrição mais restrita do seu conteúdo.

2 - Os certificados referidos no número anterior[ ou seja para os fins não previstos no artigo 11°. (...), emprego, público ou privado ou para o exercício de qualquer profissão ou actividade cujo exercício dependa de um título público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública (...)] não podem conter informação relativa:

(…)».

Negrito, Sublinhado e Glosa do teor do art°. 12º., da Lei n°. 57/98, de 18 de Agosto, da autoria do subscritor!

6ª.

Desta sorte, é exacto que, sobre o Arguido ora Recorrente, M..., recaiu uma decisão que não tem suporte legal!

Não pode indeferir-se aquilo que resulta directamente da lei!

8ª.

No sentido precedente, confira-se o ensinamento partilhado por banda do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3 de Novembro de 2004, proferido no âmbito do Processo n°. 1921/04, utilizando a roupagem de Nobre Relatora, a Veneranda Juiza Desembargadora, Exma. Sra. Dra. Elisa Sales "(... ), Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

- Revogar o despacho recorrido, considerando que a não transcrição da decisão condenatória nos termos e para os efeitos dos artigos 11º e 12º da Lei 57/98 resulta já da própria lei.

Sem custas (... )".

Vd. http://www dgsi pt/jtrc nsf/0/98acca71281 d709a80256f8c003d9f06?OpenDocument

 Negrito e Sublinhado nosso!

Pelo sucintamente exposto, e pelo mais que for doutamente suprido, deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, ser declarada ilegal a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra em ordem à sua reparação, considerando que a não transcrição da decisão condenatória, nos termos e para os efeitos dos artigos 11°. e 12º., da Lei n°. 57/98, de 18 de Agosto, resulta já da própria lei, assim se fazendo, JUSTIÇA.

               O Mº.Pº. respondeu ao recurso, na motivação junta de fls. 3 a 32 dos autos, com as conclusões que se transcrevem.

O arguido foi condenado nestes autos pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 16.02.2012, numa pena de 8 meses de prisão substituída por 240 horas de trabalho a favor da comunidade.

Do CRC do arguido do qual constam 26 boletins, o arguido foi condenado, para além dos crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, desobediência, evasão, furto qualificado tentado, furto simples, e falsificação ou contrafacção de documento, oito (8) vezes pela prática de tal crime de condução sem habilitação legal, a última das quais por factos e sentença, respectivamente de 07.10.2014 e 10. 11.2014.

Considerando estes factos, na esteira do decidido a fls. 125, "nada faz prever que o arguido não repita a sua conduta, bem pelo contrário", motivo pelo qual, não estando desde logo preenchido o requisito constante do cit. Artigo 17% aderimos totalmente ao decidido no despacho de fls. 125, considerando que o mesmo deve ser mantido nos seus precisos termos.
Assim, dir-se-á não assistir razão ao arguido.

Assim, julgando o recurso interposto totalmente improcedente V. Ex.as farão a costumada e habitual Justiça.

                  Neste Tribunal o Ex.m.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer que consta de fls.83 destes autos, no sentido do não provimento do recurso por manifestamente infundado.

                 Corridos os vistos, em conferência, cumpre decidir.

II- MOTIVAÇÃO.

É jurisprudência constante e pacífica (p. ex. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, em www.dgsi.pt) que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como se extrai do disposto no artº 412º nº 1 e no artº 410 nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal.

No caso a única questão colocada prende-se com o indeferimento do requerido pelo arguido sobre a não transcrição de uma condenação no seu CRC.

Vejamos.

-- Em 17 de Fevereiro de 2012, o arguido foi condenado por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p.p. pelo artigo 3º nº. 2 do Dec.Lei 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 8 meses de prisão substituída por 240 horas de trabalho comunitário.

-- Em 31 de Outubro de 2014 veio aos autos requerer que se determinasse a não transcrição da sentença exarada no pretérito dia 17 de Fevereiro de 2012, nos certificados a que se referem os artigos 11º e 12º, da Lei 58/98 de 18 de Agosto.

-- Alega as seguintes razões: “… por força da actual conjuntura laboral, impor, primordialmente, a preservação da maculidade do denominado Boletim do Registo Criminal e por entender que das circunstâncias que acompanharam o crime não induzir-se perigo de perpetrar novas actuações violadoras da lei penal.”

-- sobre este requerimento recaíu o despacho judicial agora sob recurso, donde consta: (transcreve-se)

Atento o facto do arguido, M..., ter averbado ao seu registo criminal várias condenações, anteriores e posteriores, à dos presentes autos, quer pela prática do mesmo tipo de crime, porque foi aqui condenado, quer pela prática de crimes de diferente natureza – condução de veículo em estado de embriaguez, desobediência, furto qualificado, na forma tentada, furto simples, falsificação ou contrafacção de documento e evasão, - sendo o seu certificado de registo criminal constituído por 26 boletins mostrando-se, ainda, registada uma condenação, posterior à dos presentes autos, pela prática do mesmo tipo de crime, dos presentes autos, por factos e sentença de Outubro de 2014, tendo aí sido condenado em pena de prisão, a cumprir em regime de prisão por dias livres, constando do referido certificado do registo criminal – cfr. fls. 104 a 124, dos autos - condenações em pena de prisão suspensa, com regime de prova e em pena de prisão efectiva, tendo sido condenado, nestes autos, em Fevereiro de 2012, por factos praticados em Fevereiro de 2012, como autor de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3°, nos 1 e 2, do Dec.-Lei n° 2/98, de 3 de Janeiro, numa pena de oito meses de prisão, substituída por 240 horas de trabalho a favor da comunidade - cfr. fls. 28 a 34, dos autos – indefere-se ao requerido, uma vez que, inequivocamente, nada faz prever que o arguido não repita a sua conduta, bem pelo contrário.

Indefere-se, assim, ao requerido.

***

Vejamos então a questão.

Dispõe o artigo 1º da Lei 114/2009 (que procedeu a alteração da Lei 57/98 de 18.8.) de 22 de Setembro:

1 — A identificação criminal tem por objecto a recolha, o tratamento e a conservação de extractos de decisões e de comunicações de factos referidos no artigo 5.º provenientes de tribunais portugueses e também de tribunais estrangeiros, neste caso relativamente a portugueses, a estrangeiros residentes em Portugal e a pessoas colectivas ou entidades equiparadas que tenham em Portugal a sua sede, administração efectiva ou representação permanente, julgados nesses tribunais, com o fim de permitir o conhecimento dos seus antecedentes criminais.

(…)

O artigo 5º reporta as decisões sujeitas a registo, onde se incluem as sentenças judiciais e o artigo 7º indica quais as entidades a quem é permitido o acesso àqueles dados/informações.

Por sua vez os artigos 11º e 12º estabelecem o teor dos certificados requeridos para fins de emprego ou de exercício de actividade para pessoas singulares ou colectivas ou equiparadas.

E, no artigo 17º estabelece-se que:

 1 — Os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os artigos 11.º e 12.º

2 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

3 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Também o artigo 30 da Constituição da República determina:

Limites das penas e das medidas de segurança

1. Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida.

2. Em caso de perigosidade baseada em grave anomalia psíquica, e na impossibilidade de terapêutica em meio aberto, poderão as medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade ser prorrogadas sucessivamente enquanto tal estado se mantiver, mas sempre mediante decisão judicial.

3. A responsabilidade penal é insusceptível de transmissão.

4. Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.

5. Os condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurança privativas da liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respectiva execução.

É assim, decorrente deste princípio fundamental, no que toca às informações contidas no C.R.C. surge o artigo 11º e 12º da Lei 114/2009 a regular o conteúdo dessas informações, consoante as finalidades a que se destinam.

No caso em análise as razões invocadas pelo requerente são restritas ao aspecto profissional, ou seja, para a obtenção de emprego. Assim, a questão resume-se ao estabelecido no artigo 11º da Lei citada ou no artigo 12º caso o emprego exija a ausência de antecedentes criminais- nº. 1 e 2. Ou seja, o C.R.C que venha a ser solicitado pelo arguido para colocação em emprego ou actividade que exija a ausência de antecedentes criminais não pode conter as informações a que alude o nº. 2 do artigo 12º, mas que, no caso do arguido, se não encontra ali abrangida já que o arguido não é primário nem a condenação em causa é inferior a 6 meses ou pena equivalente (alínea e) do nº. 2 do artigo 12º).

Ainda assim, e, conforme estabelece o artigo 17º do diploma citado, o Tribunal da condenação pode ordenar a não transcrição de uma determinada condenação para efeitos da situação aludida no artigo 11º e 12º. Mas, tal poder não é discricionário, exige a verificação dos pressupostos mencionados na norma, ou seja: que a pena aplicada seja pena não privativa da liberdade ou de prisão até um ano e, “sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes”.

Pelo que, nem o arguido alega ou demonstra esta circunstância e, como bem se disse no despacho recorrido, os próprios autos demonstram exactamente o contrário do legalmente exigido pela norma; bastando para isso atentar no rol de condenações já sofridas pelo arguido, a demonstrar inequivocamente que as penas que sofreu por crimes de diversa natureza, não fazem prever que o arguido não repita essas condutas ilícitas já que a sua personalidade vertida nos factos das condenações revelam uma intensa tendência para a prática reiterada de crimes. Não preenchendo os requisitos exigidos pelo normativo em referência não pode o Tribunal satisfazer a sua pretensão.

Donde se tem de concluir que o despacho recorrido não merece qualquer censura nomeadamente porque observou o legalmente estabelecido nas normas aplicadas.

Apenas acrescentaremos uma nota, para dizer que o Acórdão mencionado na resposta do recorrente ao parecer do Sr. Procurador Geral Adjunto não espelha situação idêntica à que é objecto destes autos. Antes se mostra consentâneo com o nosso entendimento acima exposto, em caso semelhante, o Ac. desta Relação de Lisboa, de 10/3/2005, relatado pelo Desembargador Carlos Benido, no processo 1041/05- 9º. Secção e no do mesmo Tribunal, datado de 1/7/2003, relatado pelo então Desembargador Vasques Diniz, no proc. 933/03-5ª.

Conclui-se assim, do exposto que o recurso não pode proceder.

III – DECISÃO.

Acordam os juízes da 9ª Secção do Tribunal desta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando integralmente a decisão proferida na 1ª. Instância e objecto deste recurso.

Fixa-se em 4Ucs. a taxa de justiça devida.

Lisboa, 07 de Maio de 2015

(Acórdão elaborado e integralmente revisto pela relatora – artº 94º, nº 2 do C.P.Penal)

                                                                 

Maria do Carmo Ferreira

Cristina Branco