Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8904/18.8T9LSB-B.L1-5
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: ARRESTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: - Para a verificação da existência de justo receio de perda da garantia patrimonial, importa ter em atenção que não é necessária a certeza de que a perda da garantia se torne efectiva, mas apenas que haja um receio justificado de que tal perda virá a ocorrer, pelo que a alegação e prova de que o devedor já praticou ou se prepara para praticar actos de alienação ou oneração, relativamente ao seu património, desde que, razoavelmente interpretados, inculquem a suspeita de que se prepara para subtrair os bens à acção dos credores, integra tal requisito.
- Estando indiciado que os fundos em questão foram indevidamente creditados numa conta titulada pela requerida e a requerente não os conseguiu recuperar por não ter a requerida dado autorização para essa devolução, tendo inclusivamente dado destino desconhecido a uma parte substancial dos mesmos, pois em 17/10/2018 a sua conta tinha o saldo de 41.570,89 €, quando o valor das transferências indevidamente efectuadas se eleva a l18.933,77€, a não devolução da quantia em causa, por um lado, e a movimentação dessa quantia, por outro, consubstanciam o requisito do justo receio de perda da garantia patrimonial, receio que não é um mero receio subjectivo, fundado em simples convicções ou conjecturas, mas antes de um receio baseado em factos e circunstâncias, provados ainda que indiciariamente, que de acordo com as regras de experiência fazem antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do provável crédito já constituído, justificando-se a intervenção cautelar, pelo que estavam reunidos os fundamentos bastantes para o decretamento da providência.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1. Nos autos com o NUIPC n.º 8904/18.8T9LSB, sob requerimento de LVSA, foi proferido despacho judicial que determinou o arresto preventivo do saldo da conta bancária do Banco Comercial Português, SA, da titularidade da requerida A. , com o IBAN …, até ao montante de 118.933,77 €.

2. Inconformada com esse despacho, recorreu a mencionada A. , finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
A - A Requerente adquiriu 3 viaturas de marca Mercedes-Benz, à sociedade Santogal, Comércio e Reparação de Automóveis, Lda, no valor total de € 118.933,77 euros.
B - Para pagamento, a Requerente efetuou duas transferências na totalidade do referido valor para a conta com o IBAN ....
C - Na sequência das transferências a Requerente deu o negócio por concluído junto da referida empresa.
D - A Requerente foi interpelada pela Santogal, Lda., sobre o motivo da falta de regularização das faturas e pagamento do valor em causa.
E - Foi então detetado que o IBAN para cuja conta bancária fizera a transferência não lhe pertencia.
F - Atento o hiato de tempo decorrido entre a data da transferência e a deteção do lapso, não foi possível cancelar a ordem de transferência, pelo que, teria de ser o beneficiário da conta bancária a autorizar a devolução.
G - Nunca o beneficiário da conta, ora Requerida, foi interpelada por qualquer meio para devolver os fundos recebidos, nem resulta dos autos qualquer prova nesse sentido.
H - É dado como comprovado ou indiciado que a Requerida não devolveu à Requerente os valores, privando aquela do seu uso ou rendimento que deles podia retirar, causando prejuízos à Requerente e receando esta não vir a obter a devolução por ocultação, dissipação ou gasto.
I - O Tribunal a quo, considera indiciada a prática de um crime p. e p. no art.° 209.° do Código Penal.
J - Considera ainda o referido Tribunal, que nos termos dos artigos 391.° e 392.° do CPC "... o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, arresto esse que consiste na apreensão judicial desses bens.".
K - O Douto Tribunal, fundamenta o despacho que decretou a providência, frisando que o arresto é decretado, examinadas as provas, sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais, sem especificar e concretizar em concreto quais.
L - Ainda considera o referido Tribunal a quo, que "... a suspeita/requerida supra mencionada terá obtido uma vantagem coma atividade ilícita que constitui o objeto do inquérito de que estes autos constituem um apenso que se quantifica em 118.933,77 Euros cujo arresto o requerente pretende.".
M - O Tribunal a quo considerou ainda que "Mais existe como supra se mencionou perigo de que a denunciada/requerida dissipe o saldo da referida conta, o que dificultará ou impossibilitará o ofendido de ser ressarcidos do prejuízo que teve na atividade ilícita em investigação no processo principal.".
N - O Tribunal a quo promove o arresto preventivo, porque considera verificados os pressupostos para que o mesmo seja decretado.
O - A Requerida com o devido respeito, considera que não estão preenchidos os requisitos legais para que o arresto fosse decretado, pelo que, foi violado o disposto no art.° 391,° do CPC.
P - Nunca e por qualquer meio a Requerida foi contactada pela Requerente para devolver o dinheiro recebido, sem que tenha concorrido para que tal acontecesse, e qualquer testemunho, informação ou indicação, não corresponde à verdade.
Q - A Requerente justifica o justo receio referindo que a Requerida poderia usar de expediente e fazer dissipar o seu património, colocando-os em nome de terceiros e assim ficar diminuída a sua garantia patrimonial.
R - Os documentos juntos pela Requerente foram elaborados por si e por fornecedores seus, ou entidades com quem têm interesse sério em manter boas relações comerciais e/ou pessoais.
S - Não existe nos autos nenhum documento produzido pela Requerida, nem existe qualquer prova, ainda que indiciária, que a Requerida ficou com dinheiros e que foi contactada e não que pretende devolver o montante em causa.
T - A providência foi decretada sem audição da Requerida, tendo apenas sido ouvida ao que parece a testemunha HM, ou que pelo menos convenceu o Tribunal com seu testemunho.
U - A decisão proferida sofre do vício de falta de fundamentação, ou seja, é quase completamente omissa, nos fundamentos de facto e de direito, que conduziram à decisão, daí ser nula.
V - Os argumentos que existem na decisão, limitam-se a aderir aos invocados pela Requerente.
X - Não existem factos provados e não provados, nem fundamentação para uns e outros.
Z - Não esteve bem o Tribunal a quo, quando decretou o arresto.
AA - A Requerente não fez prova, ainda que indiciária, de que era titular dum direito de crédito sobre a Requerida, e que tinha receio de perda de garantia patrimonial e mais importante que esse receio era fundado.
AB - Mesmo que a conta bancária da Requerida à data de 17/10/2018, tivesse um saldo de 41.570,89 euros, não significa que não possua o restante valor reclamado, ou, bens que permitam salvaguardar o crédito da Requerente.
AC - Conforme refere o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 16.01.2006: Proc. n.° 2145/05-2.dgsi.net), refere que "Num procedimento cautelar de arresto, duas condutas são impostas ao Juiz: A - Quanto à aparência do direito - Fumus Bonus Iuris - bastar-lhe-á um juízo de mera probabilidade." e "Quanto ao perigo de insatisfação já é exigida a "demonstração", isto é, não se pode o Juiz quedar pela mera "aparência" mas sim por uma probabilidade forte, embora sem atingir as raias da certeza absoluta exigível para sustentar uma decisão de mérito (justifica o receio invocado).".
AD - O justificado receio de perda da garantia patrimonial, para efeitos de decretar o arresto de bens do devedor, tem que ser aferido com base em critérios objetivos e, portanto, terá que assentar em factos concretos que revelem ou indiciem uma real situação de perigo de insatisfação do seu crédito decorrente da inexistência de bens que por ele possam responder.
AE - A mera circunstância de o devedor não ter cumprido a obrigação a que está obrigado relativamente ao Requerente de arresto e de ter a intenção de vender imóveis, no caso em apreço, de dissipar ou ocultar as verbas recebidas, conforme é alegado, não é bastante para justificar o receio de garantia patrimonial do crédito, pois que, sendo desconhecido o valor do ativo ou passivo do devedor, não tendo sido alegado e provado que não exista outro património, ou o propósito do devedor de ocultar ou delapidar o seu património, não é possível antever, em termos objetivos um real e efetivo perigo de insatisfação do crédito por inexistência de bens que possibilitem a sua cobrança coerciva, conforme entendimento do acórdão da relação de Guimarães, de 3.7.2012, Proc. 2382/10.7TBFLG-B.G1. dgsi.net.
AF - Da prova junta e dos factos alegados, não se mostra provado o receio de garantia patrimonial, nem um perigo efetivo de insatisfação do crédito da Requerente, ou que a Requerida está a ocultar ou delapidar o seu património.
AG - Decorre que o Tribunal a quo, violou o disposto no art.° 391.° do CPC, em virtude de não estarem reunidos os requisitos legais, para que o arresto preventivo, tivesse sido decretado, pelo que, deve ser ordenado o seu levantado, seguindo os autos os ulteriores termos.
Nestes termos, e nos melhores de direito e com o mui douto suprimento de V. Exas. deve em face de todo o supra exposto, o presente recurso de apelação ser considerado procedente por provado, e, em consequência, deve ser alterada a decisão recorrida, no sentido de ser ordenado o levantamento do arresto preventivo decretado da conta da Requerida, com o IBAN ..., por violação dos requisitos legais decorrentes do art.° 391° do CPC.
3. O Ministério Público respondeu ao recurso, sustentando que não deve merecer provimento, concluindo (transcrição das conclusões):
1. O despacho recorrido não violou os requisitos legais do artigo 391° do CPC;
2. o tribunal "a quo", analisou de forma correta todos os indícios existentes nos autos e a prova até ao momento recolhida, designadamente, as declarações das testemunhas, os documentos bancários e restante documentação junta nos autos;
3. bem andou o tribunal "a quo" ao determinar a o arresto preventivo do saldo de conta bancaria;
4. não incorreu a decisão recorrida em qualquer vicio, designadamente, falta de fundamentação de facto e direito, apresentando-se bem fundamentada, com a aplicação do direito ao caso concreto.
4. Respondeu também a requerente, pugnando pelo não provimento do recurso.

5. Subidos os autos a esta Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta limitou-se a apor o seu visto.
 
6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

II – Fundamentação
1. Atento o teor das conclusões formuladas pela recorrente, as questões a apreciar e decidir podem ser assim enunciadas, de modo sintético:
- Da alegada falta de fundamentação da decisão recorrida;
- Da falta de verificação dos pressupostos do arresto.
2. Despacho recorrido
É do seguinte teor o despacho recorrido:
Nos presentes autos veio por apenso ao inquérito com o NUIPC 8904/18.8T9LSB a LVSA, requerer ao abrigo do disposto no art° 362° do CPC CPP o arresto do saldo da conta bancária da requerida A. , indicada a fls. 9 até ao montante de 118.933,77 Euros.
No NUIPC de que o presente procedimento cautelar de arresto constitui apensa é denunciada a aqui requerida pela prática de um crime de apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa ou animal achados p. e p. pelo art° 209° do Cod. Penal.
Alega que adquiriu três veículos da marca mercedes pelo preço de 118.933,77. Pagou o referido preço por transferência bancaria para uma conta bancária que lhe foi indicada pela Santogal M-Comércio e Reparação de Automóveis, Ld°. Acontece que tal conta bancária não pertencia à Santogal, mas à denunciada/requerida que se recusou a devolver tal quantia e que tinha já usado parte daquela, apesar de não ser sua.
Alega ainda o requerente que existe fundado receio que a requerida dissipe o resto da referida quantia.
Cumpre decidir:
Tendo em conta o teor dos documentos juntos aos presentes autos e aos autos de inquérito e o teor do depoimento da testemunha HM, inquirido nos autos cujo depoimento foi de molde a confirmar parte dos factos denunciados e referidos na denuncia e requerimento que deu origem nos presentes autos, por deles ter conhecimento devido à sua atividade profissional -é funcionário da requerente/denunciante há treze anos-, com interesse para a decisão ora a proferir resulta indiciado que:
A Requerente é uma sociedade comercial que tem por objeto a celebração de contratos de locação e de gestão de veículos automóveis,
No exercício da sua atividade comercial, a Requerente procede à aquisição de veículos junto de concessionários automóveis,
Assim, e de forma a corresponder a solicitações efetuadas pelos seus clientes a Requerente necessitou de proceder à aquisição de três veículos.
Nomeadamente:
- Veículo automóvel marca Mercedes-Benz, modelo C 300 h Station;
- Veículo automóvel marca Mercedes-Benz, modelo CLA SB 180 d;
- Veículo automóvel marca Mercedes-Benz, modelo GLA 180 d SUV,
Para o efeito, contactou com a empresa Santogal M - Comércio e Reparação de Automóveis, Lda.
Face à proposta apresentada a Requerente formalizou a encomenda dos veículos.
Pelo que:
- Em 15-05-2018 adquiriu o veículo automóvel marca Mercedes-Benz, modelo C 300 h Station, matrícula 92…, conforme fatura n° FAVN 10218/00305;
- Em 15-05-2018 adquiriu o veículo automóvel marca Mercedes-Benz, modelo C 300 h Station, matrícula 1I…, conforme fatura n° FAVN 10218/00309.
- Em 09-05-2018 adquiriu o veículo automóvel marca Merccdcs-Benz, modelo C 300 h Station, matrícula 48…, conforme fatura n.° FAVN 11118/00767
O preço de aquisição foi de:
- 48.385,51 Euros, relativamente ao veículo automóvel marca Mercedes-Benz, modelo C 300 h Station, matrícula 92…, conforme factura n° FAVN 10218/00305,
- 35,983,26 Euros, relativamente ao veículo automóvel marca Mercedes-Benz, modelo C 300 h Station, matrícula ll…, conforme fatura n° FAVN 10218/00309.
- 34.565,00 Euros, relativamente ao veículo automóvel marca Mercedes-Benz, modelo C 300 h Station, matrícula 48…, conforme fatura n° FAVN 11118/00767.
O que perfaz o valor total de € l18.933,77 (cento e dezoito mil novecentos e trinta e três euros e setenta e sete cêntimos).
Para o pagamento das faturas em questão a requerente procedeu a duas transferências;
- Em 28/05/2018 transferiu a quantia de 70.548,26 Euros para o IBAN ....
- Em 05/06/2018 transferiu a quantia de 48.385,51 Euros para o IBAN PT50 0033 00004552 9694 90705.
A primeira transferência para o pagamento das faturas FAVN 10218/00309 e FAVN 11118/00767.
A segunda transferência para o pagamento da fatura FAVN 10218/00305
Pelo que, tendo rececionado os veículos e liquidado o preço a Requerente deu os negócios por concluídos.
Sucede que, em 12/06/2018, a Requerente foi interpelada pela Santogal M - Comércio e Reparação de Automóveis, Lda sobre o motivo da falta de regularização das faturas supra identificadas.
Ao que a Requerente respondeu que as mesmas se encontravam já devidamente liquidadas.
Tendo em fase posterior remetido os comprovativos de transferência já juntos sob o número quatro e cinco.
Para surpresa da Requerente, a Santogal M - Comércio e Reparação de Automóveis, Lda respondeu que o IBAN referenciado nos comprovativos de transferência não lhe pertencia.
Não obstante e tendo em vista proceder à recuperação do valor transferido e de acordo com as instruções do Banco de Portugal contactou com o Novo Banco (banco ordenante) para requerer a devolução da quantia transferida para o Banco Comerciai Português (banco beneficiário).
Ou seja, a Requerente ordenante, contactou com a sua instituição bancária para diligenciar junto da instituição bancária do beneficiário do sucedido e requerer a devolução da quantia erradamente transferida.
A ordem dada foi aceite.
O dinheiro foi para uma conta que não deveria.
A Requerente contactou o seu banco a alertar, tendo em vista o possível cancelamento da ordem.
O que, face ao hiato de tempo decorrido já não foi possível.
A Requerente contactou o seu banco, que por sua vez contactou o banco de destino, para que este por sua vez contactasse o seu cliente que recebeu o dinheiro.
Atento que, uma vez creditados os fundos, terá de ser o beneficiário desses montantes a autorizar a devolução do dinheiro indevidamente creditado.
Não obstante, e segundo esclarecimento prestado não foi autorizada tal devolução.
Ora, recusando o beneficiário a devolução dos fundos indevidamente creditados na sua conta, a Requerente ordenante não consegue recuperar os fundos através do sistema bancário.
Tendo a Denunciada/Requerida recusado a devolução das quantias transferidas.
Mantendo-se, assim, o beneficiário da transferência na posse de valores e manifestamente contra a vontade da ora Requerente, sua legítima proprietária.
Termos em que, a Requerente instaurou procedimento cautelar para apuramento do titular da conta bancária e, bem assim, do dinheiro transferido.
Tal procedimento correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto. Juízo Central Cível do Porto, Juiz 7, sob o n.º 15437/18.0 T8 PRT,
Tendo sido proferida douta sentença em 12/10/2018 que determinou que o requerente fosse informado da identificação do titular da conta com o IBAN para onde havia feito a transferência e do montante do saldo daquela.
A Requerida em tal procedimento - Banco Comercial Português - dando cumprimento a douta sentença proferida juntou requerimento aos referidos autos, cuja cópia faz fls. 71 dos presentes autos e aqui se dá por reproduzido donde consta ser titular da referida conta a requerida A. , e ter em 17/10/2018 a referida conta o saldo de 41.570,89 Euros.
A Denunciada/Requerida não devolveu à Requerente os valores, privando aquela do seu uso e rendimento que deles poderia retirar, causando prejuízos à Requerente e receando esta não vir a obter a sua devolução por ocultação, dissipação ou gasto, dado que parte do dinheiro transferido pela requerente já não se encontra depositado na referida conta bancaria.
Resulta assim indiciado nos autos que na conta pertencente à requerida foi depositada a quantia de 118.933,77 Euros pela requerente. Tal ocorreu por engano dado que tal quantia não pertence nem era devida à requerida. Mais se indicia que a requerida não devolveu o dinheiro ao requerente e que na conta em causa já não se encontra parte da quantia transferida.
Indiciam assim os autos a prática pela requerida do crime p. e p. pelo art° 209° do Cod. Penal.
Da factualidade e circunstancialismo supra mencionado é de antever que na hipótese de a investigação continuar a avançar no sentido de recuperar a quantia indevidamente transferida para a conta da requerida aquela possa dissipar o saldo ainda existente na mencionada conta bancária ou que coloque aquele fora da sua titularidade prejudicando desse modo o direito a ser ressarcida da requerente.
Resulta do disposto no art° 228° do CPP que a requerimento do Ministério Publico ou do lesado, pode o Juiz decretar o arresto preventivo nos termos da lei do processo civil.
Do disposto no art° 391° do CPC c 392° do CPC resulta que o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, arresto esse que consiste na apreensão judicial desses bens.
Resultando ainda do disposto no art° 393° do CPC que o arresto é decretado examinadas as provas, sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais.
Do supra exposto resulta que a suspeita/requerida supra mencionada terá obtido uma vantagem com a atividade ilícita que constitui o objeto do inquérito de que estes autos constituem um apenso que se quantifica em 118.933,77 Euros cujo arresto o requerente pretende.
Mais existe como supra se mencionou perigo de que a denunciada/requerida dissipe o saldo da referida conta, o que dificultará ou impossibilitará o ofendido de ser ressarcidos do prejuízo que teve em consequência da atividade ilícita em investigação no processo principal.
Assim sendo e como se promove julgo verificados os pressupostos para que seja decretado o arresto preventivo do saldo da conta bancária pertencente à requerida até ao montante da transferência efetuada ou seja 118.933,77 Euros, pelo que será tal arresto decretado, até porque tal diligencia face ao referido, face ao fim que se pretende com a mesma c a gravidade dos factos e crimes indiciados, se mostra igualmente proporcional e adequada.
Mais se determinará ao invés do pretendido pela requerente a colocação do montante arrestado à ordem dos presentes autos e indeferindo-se no mais o requerido pela requerente.
DECISÃO
Face ao exposto, tendo em conta as considerações expendidas e disposições legais citadas designadamente nos termos do art. 228° n°l e art°s 391° a 395 do CPC decreto o arresto, preventivo do saldo da conta bancária do Banco Comercial Português, SA com o IBAN …,, até ao montante de 118.933,77, que deverá ser colocado à ordem dos presentes autos.
No mais se indefere o pretendido.
Proceda ao Arresto em conformidade com o supra exposto.
Notifique.

***
3. Apreciando.
           
3.1. Questiona a recorrente a alegada falta de fundamentação da decisão recorrida.

No caso em apreço, está em causa um arresto preventivo, medida de garantia patrimonial prevista no artigo 228.º do C.P.P., cujo n.º1 estabelece:
«Para garantia das quantias referidas no artigo anterior, a requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil; se tiver sido previamente fixada e não prestada caução económica, fica o requerente dispensado da prova do fundado receio de perda da garantia patrimonial

Entre as “quantias referidas no artigo anterior” contam-se a indemnização ou outras obrigações civis derivadas do crime.
 O arresto é decretado por despacho, como de forma expressa resulta do n.º 3, do artigo 228.º, do C.P.P.
A nosso ver, a eventual falta ou insuficiência da fundamentação da decisão recorrida, que não constitui uma sentença - definida no artigo 97.º do C.P.P. como o acto decisório que conhece a final do objecto do processo -, por referência ao artigo 194.º, n.º6, do C.P.P., poderá constituir uma nulidade sanável, a qual não se integra em nenhuma das nulidades previstas no artigo 120.º, n.º2, e que como tal devia ter sido arguida no prazo geral e perante o tribunal recorrido, o que não aconteceu, pelo que, a existir tal vício, estaria sanado.
Faz-se notar o seguinte:
Mesmo que se parta do pressuposto da aplicação do Código de Processo Civil (C.P.C.) a esta específica questão, importa reter que constitui entendimento pacífico, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que a falta de fundamentação enquanto causa de nulidade ocorre apenas nos casos de falta absoluta de motivação. A eventual insuficiência ou mediocridade da fundamentação é espécie diferente: afecta o valor doutrinal da decisão, sujeitando-a ao risco de ser alterada ou revogada em recurso, mas não produz a nulidade.
Quer isto dizer que mesmo em processo civil e no que toca
à sentença, só enferma de nulidade aquela em que se verifique a falta absoluta de fundamentos, seja de facto, seja de direito, que justifiquem a decisão, e não aquela em que a motivação é deficiente.

No caso em apreço, o despacho recorrido satisfaz as exigências legais de fundamentação, contendo a concretização dos factos indiciados e das razões dessa indiciação – “Tendo em conta o teor dos documentos juntos aos presentes autos e aos autos de inquérito e o teor do depoimento da testemunha HM, inquirido nos autos cujo depoimento foi de molde a confirmar parte dos factos denunciados e referidos na denúncia e requerimento que deu origem nos presentes autos, por deles ter conhecimento devido à sua atividade profissional - é funcionário da requerente/denunciante há treze anos-, com interesse para a decisão ora a proferir resulta indiciado que: (…)” -, dos quais o tribunal retirou a probabilidade da existência do crédito, por um lado, e da existência de justo receio de perda da garantia patrimonial (periculum in mora), por outro, como requisitos do arresto, apresentando também o despacho, de forma sintética, os fundamentos de direito da decisão.
Por conseguinte, visando a fundamentação permitir a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial e não promover, necessariamente, o convencimento do destinatário da decisão quanto ao bem fundado dessas razões, conclui-se, sem margem para dúvidas, da análise do despacho recorrido, que este não enferma de falta de fundamentação.

3.2. O arresto decretado em sede de processo-crime é realizado nos termos da lei processual civil, de harmonia com o disposto no supra citado n.º1 do artigo 228.º do C.P.Penal,
Os artigos 342.º e 372.º do C.P.C. estabelecem os mecanismos de reacção ao decretamento de um arresto, que nos termos do artigo 393.º, n.º1, é decretado “sem audiência da parte contrária”, que se consubstanciam em:
- oposição por embargos de terceiro (para não requeridos);
- recurso do despacho ou dedução de oposição - em alternativa, note-se, e não cumulativamente - (para requeridos).
O arresto pode constituir-se como medida de garantia patrimonial autónoma, ou medida substitutiva da caução económica que tenha sido previamente fixada, mas não prestada.
In casu, a requerida recorre do despacho que decidiu o arresto, o que pressupõe a consideração de que, face aos elementos apurados, o mesmo não devia ter sido decretado pelo tribunal a quo.

Vejamos.
O tribunal recorrido deu como indiciado, além do mais:
- A requerente é uma sociedade comercial que tem por objecto a celebração de contratos de locação e de gestão de veículos automóveis.
- No exercício da sua atividade comercial, a requerente procede à aquisição de veículos junto de concessionários automóveis e assim, de forma a corresponder a solicitações efetuadas pelos seus clientes, a requerente necessitou de proceder à aquisição de três veículo à empresa Santogal M - Comércio e Reparação de Automóveis, Lda., a saber:
-em 15-05-2018 adquiriu o veículo automóvel marca Mercedes-Benz, modelo C 300 h Station, matrícula 92-UQ-84, conforme factura n.º FAVN 10218/00305;
- em 15-05-2018 adquiriu o veículo automóvel marca Mercedes-Benz, modelo C 300 h Station, matrícula 1I-US-84, conforme factura n.º FAVN 10218/00309;
- em 09-05-2018 adquiriu o veículo automóvel marca Merccdcs-Benz, modelo C 300 h Station, matrícula 48-UR-44, conforme factura n.º FAVN 11118/00767.
O preço de aquisição dos três veículos foi de l18.933,77€ (cento e dezoito mil novecentos e trinta e três euros e setenta e sete cêntimos), para cujo pagamento a requerente procedeu a duas transferências para o IBAN ....
- Porém, em 12/06/2018, a requerente foi interpelada pela Santogal M - Comércio e Reparação de Automóveis, Lda, sobre o motivo da falta de regularização das facturas supra identificadas, vindo a requerente a saber que o IBAN referenciado nos comprovativos de transferência não pertencia à Santogal.
- Tendo em vista proceder à recuperação do valor transferido, a requerente contactou com o Novo Banco (banco ordenante) tendo em vista o possível cancelamento da ordem de transferência, o que já não foi possível, e para requerer a devolução da quantia transferida para o Banco Comercial Português (banco beneficiário).
- A requerente contactou o seu banco, que por sua vez contactou o banco de destino, para que este por sua vez contactasse o seu cliente que recebeu o dinheiro.
- Não obstante, segundo esclarecimento prestado, não foi autorizada pelo beneficiário da transferência – no caso, a ora requerida - a devolução dos fundos indevidamente creditados na sua conta.
- Foi necessário que a requerente instaurasse procedimento cautelar não especificado para apuramento do titular da conta bancária com o IBAN supra referido, procedimento que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Cível do Porto, Juiz 7, sob o n.º 15437/18.0T8PRT, tendo sido proferida decisão em 12/10/2018 que determinou que a requerente fosse informada da identificação do titular da conta com o IBAN para onde havia feito a transferência e do montante do saldo daquela.
- A requerida em tal procedimento - Banco Comercial Português, SA -, dando cumprimento ao decidido, juntou requerimento aos referidos autos donde consta ser titular da referida conta A. , e ter em 17/10/2018 a referida conta o saldo de 41.570,89 €.
Está, assim, indiciado que os fundos em questão foram indevidamente creditados numa conta titulada pela requerida e a requerente não os conseguiu recuperar por não ter a requerida dado autorização para essa devolução, tendo inclusivamente dado destino desconhecido a uma parte substancial dos mesmos, pois em 17/10/2018 a sua conta tinha o saldo de 41.570,89 €, quando o valor das transferências indevidamente efectuadas eleva-se a l18.933,77€.
Os elementos indiciados no procedimento cautelar n.º 15437/18.0T8PRT e as informações do BCP quanto à falta de qualquer resposta por parte do titular da conta em questão são prova suficiente, para este efeito, da interpelação da requerida por intermédio da sua entidade financeira.
A nosso ver, a probabilidade da existência do crédito está verificada e o requerimento de interposição de recurso não articula um único argumento minimamente consistente que contrarie tal requisito do arresto. Referindo-se aos “factos que se consideram incorrectamente julgados”, a motivação não concretiza nenhuma prova que devesse ter sido apreciada e valorada em contrário da indiciação da probabilidade da existência do crédito, que não chega a negar.
Quanto à existência de justo receio de perda da garantia patrimonial, importa ter em atenção que não é necessária a certeza de que a perda da garantia se torne efectiva, mas apenas que haja um receio justificado de que tal perda virá a ocorrer.
A alegação e prova de que o devedor já praticou ou se prepara para praticar actos de alienação ou oneração, relativamente ao seu património, desde que, razoavelmente interpretados, inculquem a suspeita de que se prepara para subtrair os bens à acção dos credores, integra tal requisito.
Ora, no caso vertente está em causa uma quantia monetária, bem fungível de fácil e rápida alienação e ocultação.
A não devolução da quantia em causa, por um lado, e a movimentação dessa quantia, por outro, pois, como já se disse, em 17/10/2018, a conta da requerida tinha o saldo de apenas 41,570.89 €, quando o valor das transferências indevidamente efectuadas para essa conta foi de l18.933,77€ (e, aparentemente, no momento da efectivação do arresto, já só veio a ser arrestada a quantia de 6.017,10€!), consubstanciam, a nosso ver, o requisito do justo receio de perda da garantia patrimonial.
Não se trata de um mero receio subjectivo, fundado em simples convicções ou conjecturas, mas antes de um receio baseado em factos e circunstâncias, provados ainda que indiciariamente, que de acordo com as regras de experiência fazem antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do provável crédito já constituído, justificando-se a intervenção cautelar, pelo que estavam reunidos os fundamentos bastantes para o decretamento da providência.
Conclui-se que o recurso não merece provimento.
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III – Dispositivo
Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso interposto por A.  e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se em 3 Ucs a taxa de justiça.

Lisboa, 28 de Maio de 2019
(o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)

Jorge Gonçalves
Carlos Espirito Santo