Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
100811/10.2YIPRT.L1-1
Relator: GRAÇA ARAÚJO
Descritores: INJUNÇÃO
RECONVENÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. Não obstante corresponder a injunção a uma forma expedita de obtenção de um título executivo, foi o próprio legislador que reconheceu que, estando em causa um valor superior à alçada da Relação, a dedução de oposição ou a frustração da notificação inicial deveriam implicar a aplicação da forma de processo comum (artigo 7º nº 2 do DL 32/2003, de 17.2), por oferecer maiores garantias que as regras referidas no artigo 17º do DL 269/98.
II. Ou seja, nessa situação O legislador fez prevalecer sobre a celeridade um maior cuidado e justiça na composição dos direitos e interesses em jogo.
III. O titular de um crédito superior à alçada da Relação que aposta numa solução rápida e económica, tem, assim, de contar com a hipótese de uma tramitação processual solene, se vier a ser deduzida oposição.
IV. Mas conta, também, com a possibilidade de responder às excepções e/ou contestar a reconvenção, como se tivesse inicialmente optado por propor a acção declarativa comum.
V. Sendo certo que a reconvenção deduzida pela ré se enquadra na alínea b) do nº 2 no artigo 274º do Cód. Proc. Civ..de tal preceito e, em parte, também na respectiva alínea a), deveria a mesma ter sido admitida.
Decisão Texto Parcial:Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

Sociedade …, Lda. apresentou requerimento de injunção contra S.., Lda. para dela haver a quantia de 35.746,40€ - titulada por duas facturas relativas a um contrato de empreitada celebrado em 2.5.08 e executado entre 20.8.08 e 26.3.10 – acrescida de juros de mora no valor de 3.374,72€.

Demandada deduziu oposição, invocando, em síntese, que: em Maio de 2007, adjudicou à requerente, pelo preço de 85.000,00€, a execução de trabalhos para a remodelação integral de um imóvel que arrendara para nele instalar um estabelecimento de restauração; a obra deveria estar concluída no fim de Agosto de 2007, a fim de que a requerida pudesse abrir o restaurante no mês seguinte; a requerente atrasou o início das obras, disponibilizou mão-de-obra insuficiente e nada executou durante certos períodos; em Setembro de 2007, a requerida teve de começar a pagar o salário de 2.000,00€ do chefe de cozinha que contratara na perspectiva de, nessa altura, poder abrir o restaurante; e, por outro lado, estavam já a pagamento os materiais que encomendara para o equipamento e decoração do restaurante; em Novembro de 2007, não estando a obra concluída e já tendo a requerida pago à requerente a quantia de 59.000,00€, acordaram as partes que, caso a obra não fosse terminada até 1 de Dezembro, a requerente responsabilizar-se-ia pelo pagamento do salário do chefe de cozinha e da renda do imóvel, no montante de 1.000,00€ mensais; a obra só ficou concluída no início de Março de 2008 e a requerida abriu o restaurante no dia 14 do mesmo mês, pelo que a requerente lhe deve 10.500,00€ nos termos acordados; devido a alterações ao projecto inicial, a requerente não realizou trabalhos orçamentados no valor de 14.000,04€; o ar condicionado instalado pela requerente pelo preço de 11.971,15€ teve de ser substituído pela requerida por outro com o preço de 3.030,00€; o forno montado pela requerente pelo preço de 1.770,73€ não serve para o fim a que se destina; a obra realizada padecia de diversos defeitos, denunciados à requerente sem sucesso, e que, mercê da urgência, a requerida mandou corrigir, suportando 8.086,21€; a 1ª factura cujo valor foi peticionado pela requerente, no valor de 25.500,00€, corresponde à parcela que tinha sido combinado pagar na altura da concussão da obra; a 2ª factura não corresponde a qualquer trabalho executado pela requerente; compensando o valor da 1ª factura com os créditos que a requerida tem sobre a requerente, é esta devedora da quantia de 19.057,40€.

Em reconvenção, a requerida pediu a condenação da requerente a pagar-lhe tal montante, acrescido de juros. Requereu, ainda, a condenação da requerente em multa e indemnização por litigância de má-fé.

Remetidos os autos à distribuição, o tribunal não admitiu a dedução de pedido reconvencional, por se tratar se oposição a injunção.

Convidada, veio a autora aperfeiçoar o requerimento inicial, alegando, em resumo, que: em Agosto de 2007, a ré adjudicou à autora determinados trabalhos de construção civil destinados à remodelação do interior do estabelecimento de restauração da ré, pelo preço de 85.000,00€, a pagar em três prestações; os trabalhos decorreram de Junho de 2007 a Março de 2008 e foram totalmente executados; a pedido da ré e no decurso da obra, foram executados trabalhos a mais, no valor de 6.795,18€; a demora na execução da obra ocorreu por culpa da ré; a autora efectuou os trabalhos com perfeição, sendo que a ré nunca denunciou quaisquer defeitos, tendo aceite a obra; todavia, não pagou a última prestação do preço, no montante de 25.500,00€ e o preço dos trabalhos a mais, que a autora facturou, respectivamente, nos dias 20.8.08 e 30.12.09.

A autora veio, mais tarde, responder à contestação, quer por conter matéria de excepção, quer por não ter ainda transitado o despacho que não admitira a reconvenção. E, em suma, reiterou não ser responsável por quaisquer atrasos na execução, por quaisquer defeitos – que, aliás, não existiam – e por quaisquer reparações que a ré, por sua iniciativa e sem dar conhecimento à autora, entendeu mandar executar a terceiros. Mais requereu a condenação da ré em multa e indemnização por litigância de má-fé. O processo foi objecto de saneamento e condensação.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que condenou a ré a pagar à autora a quantia de 25.500,00€, acrescida de juros à taxa supletiva legal, a partir de 20.8.08, absolvendo-a do mais que peticionado fora.

A ré interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

(…)

Não foram apresentadas contra-alegações.

*

São os seguintes os factos que a 1ª instância deu como provados:

1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de construção civil, compra e venda de prédios rústicos e urbanos e revenda dos adquiridos, para esse fim e acabamentos não especificados.

2. A ré é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de restauração e com estabelecimento comercial na Rua … em ….

3. A Ré adjudicou à autora o orçamento que esta lhe apresentou em Agosto de 2007 e que tinha por objecto um conjunto de obras de construção civil destinadas a remodelação do interior do estabelecimento comercial sito na Rua …, nºs … em ….

4. O valor global do referido orçamento ascendia a 85.000,00 Euros, o qual deveria ser pago em três prestações, sendo 25.500,00 Euros com a adjudicação da obra, 34.000,00 Euros a meio da obra e os restantes 25.500,00 Euros com a entrega da obra.

5. Do orçamento constavam as seguintes obras:

DESMONTAGENS

Desmontar escadas, caixilharia e madeiras, incluindo transporte a vazadouro

DEMOLIÇÕES

Demolição de paredes, incluindo remoção de entulhos e vazadouro, inclui contenção ligeira Paredes cotadas a 45 cm

Paredes cotadas a 16 cm

Retirar pavimento do piso 0 do estabelecimento, incluindo remoção de entulhos a vazadouro

Rebaixar 40 cm no pavimento do piso -1, para pé-direito livre e 2.70 m, incluindo remoção de entulhos a vazadouro

Retirar terra na zona da futura cozinha, Inclui contenção do pavimento do piso 0 e paredes incluindo remoção de entulhos a vazadouro (m3)

Retirar azulejo de paredes, picar rebocos em todo o estabelecimento, incluindo remoção de entulhos a vazadouro

Piso -1

Piso 0

Demolição de escadas do terraço e criação de zona para caixotes de lixo, incluindo remoção de entulhos a vazadouro

ALVENARIAS

Fornecimento e assentamento de alvenaria de tijolo furado com argamassa de cimento areia ao traço 1:4. Inclui ligação com os paramentos existentes e verga nos vãos, Inclui rebocos e acabamentos para pintura ou colocação de azulejo

Execução de forno em alvenaria de tijolo maciço com interior em tijolo refractário com 1,20 m de diâmetro

Execução de escadas na zona do jardim

REVESTIMENTO DE TECTOS

Fornecimento e assentamento de tecto falso tipo “pladur” com isolamento acústico, na cozinha, copas, zonas de atendimento e sanitários. Inclui remates, acabamentos e ligação ao tecto existente

Piso -1

Piso 0

REVESTIMENTO DE PAREDES

Fornecimento e colocação de azulejo 31,6x44,5 cm, “Metaphor Blanco Omato” e “Metaphor

Burdeos Omato” da Aparici

Cozinha, Pizzaria e Copas altura 2,7 m

Fornecimento e colocação de azulejo 15x15 Arte Nova-Pavigrés até 2,40 m de altura

Vestiário e sanitários de pessoal, armazéns e casa de lixo

Fornecimento e colocação de revestimento cerâmico série “Malibea” azul Omato da “Apparici” 20x59,2 com faixa Lyley Lce T Gold da Aspiro

Sanitários de clientes altura 60+20+60+60+5=205 m

Fornecimento e colocação de azulejo 10x10 da “Cerbran” refª EE-1010f-76 com EE-1010f-68 colocado a 45º parede curva piso -1 a 2,00 m de altura

Revestimento de pilares com pastilha de vidro 2x2 “Shining” refª 782 da “Trend” em pilares rectos e curvos

Fornecimento e assentamento de rodapé curvo em grés porcelânico não polido branco na zona da cozinha

Fornecimento e colocação de azulejo, 15x7 vermelho celénio em relevo série industrial refª para revestimento exterior do forno

Fornecimento e assentamento de rodapé “Brescia Beje” da Domino com 8x41cm nas zonas 6.4

Fornecimento e assentamento de rodapé “Brescia Beje” da Domino com 8x41cm no piso -1

zona de pavimento “Coliseo Beje”

Fornecimento e aplicação de papel de parede

Reparação a aplicação de massa de regularização em paredes do restaurante e sanitário de clientes

REVESTIMENTO DE PAVIMENTOS

Execução de betonilhas de regularização no piso -1

Execução de betonilhas de regularização no terraço

Fornecimento e assentamento pavim. porcelânico “David Azul” da Apparici 31.6x59.2 no sanitário de clientes

Fornecimento e assentamento pavim. porcelânico “Coliseo Beje” da Domino 41x41 no pavimento da sala do restaurante piso 0 e piso -1

Fornecimento e assentamento pavim. porcelânico “Miramar creme” da Domino 41x41 no pavimento do terraço, circulações exteriores e casa de caixotes

Fornecimento e assentamento degraus porcelânicos “Terra Branco” da Domino 33.3x33.3 nas escadas interiores-degraus com 1.00m

Fornecimento e assentamento degraus porcelânicos “Terra Creme” da Domino

33.3x33.3 nas escadas exteriores-degraus com 0.90m

degraus com 1.00m

CANTARIAS

Fornecimento e colocação de soleiras em Lioz pedra a 3cm na entrada, pedra com 4,8x0,5m

CARPINTARIAS

Fornecimento e assentamento de porta “Placarol” inclui aduela, guarnições, ferragens e acabamento porta envernizada e guarnição pintada com vidro laminado opalino 3+3 de acordo c/desenho

Porta com 0,75x2,00m, sanitários clientes

Porta com 0,65x2,00m, sanitários clientes

Porta com 0,75x2,00m, armazém, sanit.pessoal

Porta com 0,60x2,00m, vestiário e armazém

Porta com 0,80x2,00m, saída de serviço

Fornecimento e colocação de divisória em madeira e vidro com porta, de acordo com os desenhos altura 2,7m

SERRALHARIAS

Fornecimento e colocação de frente em vidro na cozinha - vidro laminado 5+5 de acordo com os desenhos

Fornecimento e assentamento de portas de três folhas em vidro temperado na zona da copa suja

Fornecimento e colocação de escada metálica na zona do restaurante

Fornecimento e colocação de guardas na zona do jardim e corrimão de escadas em ferro envernizado

PINTURAS

Pintura a tinta de esmalte aquoso, a 2 demãos, sobre isolamento de paredes da cozinha, armazém, sanitários e vestiários de pessoal. Inclui reparações e barramentos

Revestimento de paredes a pintura “Polistof” da “Valpaint” sobre isolamento, de paredes nas zonas de clientes. Pintura à pistola. Inclui reparações e barramentos

Pintura a tinta “Artecó” da Valpaint na sala do jardim

Pintura a tinta de esmalte aquoso, 2 demãos sobre isolamento de tectos

LOIÇAS SANITÁRIAS

Fornecimento e assentamento de loiças sanitárias. Inclui parafusos e buchas de fixação, remates em cordão de silicone e ligação às redes

Sanitas sinfónicas com tampo “Reflex”Indusa

Lavatório semi-encastrar com pedra

Lavatório de encastrar com pedra

Urinol Valadares “Florida”

Urinol Valadares “Face 2”

INSTALAÇÕES DE ÁGUAS

Instalação de águas quentes e frias seguindo o novo traçado. Inclui fornecimento de todo o material: tubagens e sifões; torneiras misturadoras, de passagem e de equadria; fluxómetros; ferragens e ligações. Inclui fornecimento e montagem de caldeira para aquecimento de águas

INSTALAÇÕES DE ESGOTOS

Instalação de esgotos, seguindo o novo traçado. Inclui fornecimento e colocação de todo o material; tubagens, caixas de pavimento sinfonadas, ralos e grelhas de pavimento em aço inox. Inclui abrir e tapar valas e roços

REDE DE GÁS

Rectificação da rede de gás existente para o novo traçado, inclui torneiras de corte geral e parcial e electroválvula

INSTALAÇÃO ELÉCTRICA

Execução da instalação eléctrica do restaurante inclui fornecimento de toda a tubagem, caixas, aparelhagem, cablagem, quadro geral e parciais no bar e cozinha. Inclui abrir e tapar roços. Inclui armaduras de tecto e de parede com as respectivas lâmpadas. Inclui iluminação de emergência

DETECTOR DE INCÊNDIO

Fornecimento e montagem de sistema de detecção de incêndio, incluindo: central de alarme, detectores, betoneiras e sirena

VENTILAÇÃO E AR CONDICIONADO

Fornecimento e colocação do sistema de AVAC, sistema de unidade interior com condutas, com bomba de calor, dimensionada para as necessidades do estabelecimento.

6. Os trabalhos de construção civil compreendidos na empreitada tiveram o seu início em Junho de 2007 e ficaram concluídos em Março de 2008.

7. A autora emitiu e entregou à ré as seguintes facturas:

- Factura nº 128 no montante de 25.500,00 Euros, emitida em 20 de Agosto de 2008;

- Factura nº 162 no montante de 6.795,18 Euros, emitida em 30 de Dezembro de 2009.

8. Autora e Ré assinaram o escrito datado de 06-11-2007 com o seguinte teor:

“Assunto: Obras para a empresa ...LDA

NIF 508 075 033

Depois de uma adjudicação do orçamento estipulado em 85 mil euros para as obras no restaurante S…, empresa S... e G..., em Junho de 2007, à empresa do Sr. ..., SD,., LDA, NIF: 505 786 020, o mesmo responsável pela obra, garantiu à empresa S... e G..., LDA, entidade que adjudicou a obra, que a mesma estaria terminada em meados de Outubro.

Ficou adjudicado o valor de 85 mil euros (doc em anexo), dividido em 3 partes, uma no acto da adjudicação, uma a meio da obra e outra no dia da conclusão do trabalho:

- 25 mil e quinhentos euros no dia da adjudicação

- 34 mil euros a meio da obra

- 25 mil e quinhentos euros na conclusão da obra.

Deste modo já foram entregues ao Sr. ... duas partes do valor final, 59 mil euros, mais de metade do valor total da obra, e foi garantido aos donos da empresa S... e G..., LDA, ... e ..., que a obra estaria pronta em Outubro.

Depois de alguns atrasos, marcou-se nova data para a conclusão das obras, 1 de Dezembro, pelo que, caso esta data não seja cumprida, a empresa S... e G..., LDA irá responsabilizar a empresa ... do Sr. ..., pelo valor mensal da renda do espaço do espaço, mil euros, mais o pagamento de salário ao chef de cozinha, ..., que já se encontra em Portugal há mais de 2 meses, aguardando a abertura do restaurante.

Este documento tem o conhecimento do Sr. ..., que garante a liquidação de 3 mil euros em nome de ...LDA, a partir de 1 de Dezembro caso a obra não esteja finalizada, adiando a abertura do restaurante e pondo em risco uma série de eventos já agendados pela empresa em questão, ...LDA, prejudicada pelo facto e com prejuízos ainda incalculáveis.“.

9. As obras descritas no ponto 5. foram executadas na totalidade.

*

I - Por imperativos de ordem lógico-processual, a primeira questão a tratar é a de saber, se, na situação dos autos, era admissível a dedução de pedido reconvencional.

A) A 1ª instância respondeu negativamente a tal questão, escudando-se nos seguintes argumentos:

- A transmutação do procedimento de injunção em acção declarativa comum, no caso, sob forma ordinária, apenas ocorre “após e por força da dedução de oposição, passando os autos a seguir essa forma apenas nessa altura”;

- Oposição e contestação são realidades diversas, sendo certo que a primeira tem o seu âmbito circunscrito “à defesa oposta à pretensão do autor quer por impugnação, quer por via de excepção;

- O legislador quis “aproveitar o carácter simplificado do procedimento de injunção sem no entanto reiniciar a fase de articulação fáctica;

- A dedução de reconvenção não foi expressamente admitida pelo legislador, como sucedeu com a possibilidade de aperfeiçoamento dos articulados.

B) Discordamos.

Como resulta do requerimento inicial, a autora recorreu à injunção ao abrigo do nº 1 do artigo 7º do DL 32/2003, de 17.2, com o objectivo de obter o pagamento da quantia de 35.746,40€, emergente de contrato de empreitada.

Não obstante corresponder a injunção a uma forma expedita de obtenção de um título executivo, foi o próprio legislador que reconheceu que, estando em causa um valor superior à alçada da Relação, a dedução de oposição ou a frustração da notificação inicial deveriam implicar a aplicação da forma de processo comum (artigo 7º nº 2 do citado decreto-lei), por oferecer maiores garantias que as regras referidas no artigo 17º do DL 269/98, de 1.9. Ou seja, nessa situação, o legislador fez prevalecer sobre a celeridade um maior cuidado e justiça na composição dos direitos e interesses em jogo.

O titular de um crédito superior à alçada da Relação que aposta numa solução rápida e económica, tem, assim, de contar com a hipótese de uma tramitação processual solene, se vier a ser deduzida oposição. Mas conta, também, com a possibilidade de responder às excepções e/ou contestar a reconvenção, como se tivesse inicialmente optado por propor a acção declarativa comum.

O que se nos afiguraria iníquo é que ao réu – que não pode controlar a escolha pelo autor do meio processual utilizado – fosse vedado recorrer às faculdades que uma acção declarativa comum, sob forma ordinária, lhe asseguraria na fase da contestação, quando é exactamente a sua conduta processual que acarreta a aplicação dessa forma de processo e quando ao autor são asseguradas as subsequentes garantias de defesa.

Entendemos que é, precisamente, a dedução de oposição (e que razões de técnica legislativa exigiriam que o legislador especificasse que, tratando-se de créditos emergentes de transacções comerciais superiores à alçada da Relação, o articulado de defesa se deveria chamar “contestação”?) que marca o início da aplicação das regras relativas ao processo comum, sob forma ordinária, sendo logo nessa espécie que se procede à remessa à distribuição.

Desnecessário seria, pois, a existência de uma norma a prever a possibilidade de deduzir reconvenção, posto que já se encontra consagrada no âmbito das regras aplicáveis.

No mesmo sentido e em situações semelhantes à dos autos, se pronunciaram, nomeadamente, os Ac. RL de 8.11.12, de 15.12.11, de 10.11.09 e de 12.7.06, in http://www.dgsi.pt, respectivamente, Processos nºs 199632/11.5YIPRT.L1-6, 414262/09.9YIPRT-A.L1-6, 188805/08.8YIPRT-A.L1-1 e 5904/2006-7.

Em casos como o presente, a admissibilidade da reconvenção está apenas condicionada à verificação de uma das situações previstas no artigo 274º do Cód. Proc. Civ..

E, sendo certo que a reconvenção deduzida pela ré se enquadra na alínea b) do nº 2 de tal preceito e, em parte, também na respectiva alínea a), deveria a mesma ter sido admitida.

II - Em face da conclusão a que chegámos, fica prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas.

*

Por todo o exposto, acordamos em julgar procedente a apelação e, consequentemente:

A) Revogamos a primeira parte da decisão de 21.2.2011;

B) Admitimos a reconvenção;

C) Aproveitando-se a segunda parte da referida decisão e a apresentação pela autora do requerimento inicial aperfeiçoado (em 9.3.11), determinamos, a partir daí o prosseguimento dos autos em conformidade com a decisão de admissão da reconvenção.

Sem custas.

Lisboa, 21 de Outubro de 2014

Maria da Graça Araújo

José Augusto Ramos

João Ramos de Sousa

Decisão Texto Integral: