Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1033/14.5T8LSB-A.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
LIVRANÇA
FALSIFICAÇÃO
AVAL
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Tendo o executado impugnado a autoria das assinaturas constantes das livranças dadas à execução, recai sobre o exequente o ónus da prova da veracidade das assinaturas que imputou ao executado.
II. Para a validade do aval, deve constar uma menção que o identifique enquanto tal, independentemente de quem a formalizou; isto é, a expressão “bom por aval ao subscritor”, aposta no verso de livrança, não necessita de ser elaborada pela mão do próprio avalista.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 18.9.2014 Banco B S.A. instaurou ação de execução para pagamento de quantia certa, contra A Unipessoal, Lda e I.
O exequente apresentou como título executivo duas livranças, alegadamente subscritas pela sociedade executada e avalizadas pelo executado I, as quais haviam sido entregues ao exequente para garantia de dois contratos de mútuo celebrados entre o exequente e a sociedade executada. Face ao incumprimento dos contratos o exequente preencheu as livranças, que os executados, apesar de interpelados para o efeito, não pagaram.
Citado para a execução, o executado I deduziu oposição mediante embargos, na qual alegou que tinha vindo do Senegal, para Portugal, em 2004, com 14 anos de idade, através do empresário Luís, tendo iniciado uma carreira de profissional de futebol. Dependia totalmente do dito empresário, a quem considerava quase como um pai. Após completar os 18 anos, o executado passou a assinar vários documentos que o empresário lhe apresentava, sem se aperceber da gravidade da situação. Em 2012 o executado foi confrontado com uma penhora na conta bancária, alegadamente por uma dívida à Segurança Social, dívida que veio mais tarde descobrir tratar-se de uma dívida da sociedade A Unipessoal, Lda, já em fase de reversão ao sócio e gerente – que era o ora executado. Posteriormente o executado descobriu a existência de dívidas daquela sociedade à Segurança Social, num valor superior a € 50 000,00 e vários documentos (atas, aberturas de contas bancárias, contratos de empréstimo e respetivas livranças) nos quais se encontrava aposta uma assinatura que pretendiam que fosse sua mas era falsa. Por esses factos o executado apresentou queixa-crime contra o Luís, estando a decorrer o respetivo inquérito. O executado não assinou as livranças dadas à execução, nem os contratos de mútuo junto ao processo. As assinaturas aí constantes são falsas.
O executado concluiu pedindo a extinção da execução.
O exequente contestou os embargos, imputando ao executado a intervenção na celebração dos contratos de mútuo e na prestação do aval nas livranças dadas à execução.
O exequente concluiu pela improcedência dos embargos e prosseguimento da execução. Requereu a realização de perícia às assinaturas questionadas.
Dispensou-se a audiência prévia, proferiu-se saneador tabelar, identificou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Solicitou-se ao Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária a realização de perícia.
A instituição solicitada declarou que a reduzida complexidade das assinaturas/rubricas questionadas não permitia obter resultados esclarecedores.
Realizou-se audiência final e em 03.5.2019 foi proferida sentença, em que se julgou a oposição improcedente por não provada e, em consequência, se ordenou o prosseguimento da execução.
O embargante apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença datada de 03-05-2019 e notificada em 09-05-2019, proferida nos autos supra referidos, que julgou improcedente a matéria dos Embargos e determinou a prossecução da execução que contra si move o Exequente, pois foi feita uma incorreta apreciação da matéria de facto, a qual se refletiu na aplicação do direito e na fundamentação da decisão recorrida, resultando numa decisão injusta e sem fundamento;
B) O presente Recurso tem por objeto a reapreciação da prova produzida em audiência de julgamento porquanto, na fundamentação de facto, são dados como provados factos que não foram confirmados pelas testemunhas inquiridas, antes os contradisseram, e omitidos factos relevantes para a boa decisão da causa, e ainda a nulidade da sentença recorrida por violação da norma contida no Artº 31º da Lei Uniforme das Letras e Livranças que considera válido um aval ferido de nulidade por vício de forma;
C) Entende o ora Apelante que tais factos, nomeadamente o nº 11) da fundamentação da matéria de facto deveria ter sido julgado como “não provado” passando a ser a alínea B) dos Factos não provados, como pode ser verificado pela prova gravada, nomeadamente as declarações do Embargante e dos Srs. Nuno e Jaime pelo que ao ser dado como “provado” conduziu a um deficiente enquadramento jurídico e a uma decisão que peca por falta de fundamentação e por contradições diversas;
D) Assim, da fundamentação de Facto: “2.1. Factos julgados provados” o Mmº Juiz do tribunal a quo deu como provado que: (…)11. “O executado/embargante I apôs a sua assinatura nos contratos mencionados em 2) e 6) e nas livranças referidas em 5) e 9)”, quando devia considerar como 2.2. Factos não Provados: A) (…) e B) Que o executado/embargante I apôs a sua assinatura nos contratos mencionados em 2) e 6) e nas livranças referidas em 5) e 9)”, (ponto 11 dos factos provados);
E) O depoimento da testemunha L não deve ser valorado por ser totalmente parcial e enfermar de falsidades bem patentes em todo o seu depoimento: Não foi feita qualquer prova de que o executado tenha assinado qualquer livrança na qualidade de avalista, não tendo nenhuma testemunha presenciado tal alegada assinatura, sendo premente a reapreciação da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento;
F) A prova pericial, com um resultado “pouco esclarecedor”, foi inconclusiva, pelo que não veio fazer qualquer luz acerca da dúvida verificada acerca da autoria das assinaturas;
G) Quanto à letra das expressões “bom por aval ao subscritor”, ficou provado que não foi o I que apôs em nenhuma das livranças tal menção, contudo não se autonomizou tal facto como relevante para a boa decisão da causa, quando o deveria ter sido;
H) Deve substituir-se o ponto 11. dos factos provados, por um novo facto provado: 11. o executado não apôs no verso das livranças mencionadas em 5) e 9) a menção “Bom por aval à firma subscritora”;
I) Pois, apesar de se ter verificado que, quando da perícia, os originais das livranças não foram analisados, nomeadamente as menções no verso das livranças, resultou da prova produzida, que tais menções não foram escritas pelo Embargante, o que acarreta nulidade do aval por vício de forma.
J) Decorre do Artº 77º da Lei Uniforme das Letras e Livranças que se aplicam as regras das “Letras” às “Livranças”, no que respeita ao aval, nomeadamente as constantes dos artºs 30º a 32º , resultando que: “O aval considera-se como resultado da simples assinatura do dador aposta na face anterior da letra, salvo se se trata das assinaturas do sacado ou do sacador.”;
K) De igual modo a jurisprudência: (Acórdão do STJ de 12.01.2010) [iv]:, diz: 
I – Está vedado ao tribunal recorrer a elementos extracartulares, no domínio das relações imediatas, tendo em vista determinação do avalizado, com mera assinatura aposta no verso de uma livrança.
II – A mera assinatura aposta no verso de uma livrança, sem qualquer outra indicação, não tem valor como aval.
III – Tal aval é nulo por vício de forma, ainda que o opoente tenha assinado a livrança em branco, se o portador do título, autorizado pelo pacto de preenchimento, não fez preceder ou seguir aquela assinatura da expressão “bom para aval” ou outra equivalente, convertendo o aval incompleto em aval completo.
IV- A nulidade do aval em branco, escrito no verso da livrança, subsiste nas relações imediatas, por não ter a forma cambiária.[v]”;
L) O exequente, ora Recorrido, instaurou a presente ação executiva para pagamento de quantia certa, munido de dois documentos consubstanciados em livranças, que não foram preenchidas pelo Embargante como ficou provado, pelo que o aval é nulo por vício de forma.
O apelante rematou as conclusões com o seguinte pedido:
“Atento o exposto,
Confiado no mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente RECURSO, procedendo-se à reapreciação da matéria de facto dada como provada e não provada, passando o ponto 11. dos factos julgados provados a figurar como alínea B) dos factos não provados e com a inclusão de um novo ponto 11. dos Factos julgados Provados com o seguinte teor: 11. o executado não apôs no verso das livranças mencionadas em 5) e 9) a menção “Bom por aval à firma subscritora”.
Deve ainda ser declarada a nulidade do aval em ambas as livranças, por vício de forma, atento o que dispõe o Artº31º da LULL, que conduzirá necessariamente à extinção da execução no que ao mesmo concerne ao Executado, ora Embargante.
Consequentemente, deve ser revogada a douta sentença recorrida com a extinção de todos os seus efeitos, substituindo-a por douto acórdão que julgue procedentes os Embargos de Executado, conduzindo à extinção da Execução por falta de título executivo válido.”
Não houve contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
As questões que se suscitam neste recurso são as seguintes: impugnação da matéria de facto; nulidade do aval.
Primeira questão (impugnação da matéria de facto)
O tribunal a quo deu como provada a seguinte
Matéria de facto
1) Corre termos neste Juízo, sob o n.º 1033/14.5T8LSB, execução para pagamento de quantia certa, interposta pela exequente/embargada «Banco B, S.A.», em 18 de setembro de 2014, contra a sociedade «A, Unipessoal, Lda» e I, tendo por base duas livranças, subscritas pela sociedade executada e avalizada pelo executado/embargante.
2) Em 07 de janeiro de 2011, foi celebrado um «Contrato de Mútuo» entre o banco exequente, à data denominado «Banco, S.A.», e a supra referida sociedade, representada pelo seu sócio gerente, com poderes para o ato, Sr. I.
3) No âmbito do mencionado contrato, através do qual o banco exequente concedeu à referida sociedade um financiamento no montante de € 20.000,00, remunerado com a taxa de juro constante da cláusula 5.ª, foi estabelecido na respetiva cláusula 12.ª que: «Os valores que se mostrarem em dívida ao B ficam caucionados pela livrança em branco, subscrita pela MUTUÁRIA e avalizada por I, destinada a garantir o pagamento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir pela MUTUÁRIA perante o B, por crédito concedido ou a conceder e valores descontados e/ou adiantados até ao limite de vinte mil euros, acrescido dos respetivos juros, despesas e encargos, incluindo, por isso, os valores emergentes deste contrato; juntamente com a livrança, a MUTUÁRIA entrega ao B a correspondente autorização de preenchimento, assinada por si e pelos avalistas.».
4) O banco exequente enviou ao executado / oponente uma carta datada de 10 de fevereiro de 2014, informando-o da resolução do contrato referido em 2) por incumprimento do empréstimo e comunicando-lhe que caso o pagamento de todos os valores em dívida não ocorresse até ao dia 18/02/2014, procederia à instauração de execução com base na livrança em seu poder.
5) Tal livrança, com o n.º …, foi preenchida no valor de € 18.639,37, emitida em Lisboa, em 2014-02-10, com data de vencimento de 2014-02-18.
6) Em 14 de abril de 2011, foi celebrado um «Contrato de Abertura de Crédito (conta vencimentos)» entre o banco exequente, à data denominado «B, S.A.», e a sociedade executada, representada pelo seu sócio com poderes para o ato, Sr. I.
7) No âmbito do mencionado contrato, através do qual o banco exequente concedeu e abriu a favor da referida sociedade um crédito até ao montante de € 4.000,00 para fazer face ao pagamento de ordenados, remunerado com a taxa de juro constante da cláusula 6.ª, foi estabelecido na respetiva cláusula 12.ª que: «Os valores que se mostrarem em dívida ao B ficam caucionados pela livrança em branco, subscrita pela MUTUÁRIA e avalizada por I, destinada a garantir o pagamento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir pela MUTUÁRIA perante o B, por crédito concedido ou a conceder e valores descontados e/ou adiantados até ao limite de quatro mil euros, acrescido dos respetivos juros, despesas e encargos, incluindo, por isso, os valores emergentes deste contrato; juntamente com a livrança, a MUTUÁRIA entrega ao B a correspondente autorização de preenchimento, assinada por si e pelos avalistas.».
8) O banco exequente enviou ao executado / oponente uma carta datada de 21 de junho de 2014, informando-o da resolução do contrato referido em 7) por incumprimento do empréstimo e comunicou-lhe que caso o pagamento de todos os valores em dívida não ocorresse até ao dia 27/06/2014, procederia ao preenchimento da livrança em seu poder.
9) Tal livrança, com o n.º …, foi preenchida no valor de € 5.037,30, emitida em Lisboa, em 2014-06-19, com data de vencimento de 2014-06-27.
10) O embargante outorgou procuração, datada de 05-01-2009, a favor de Luís, conferindo-lhe poderes para o representar em todos os assuntos relativos à sociedade executada.
11) O executado / embargante I apôs a sua assinatura nos contratos mencionados em 2) e 6) e nas livranças referidas em 5) e 9).
12) O embargante apresentou queixa-crime contra Luís denunciando a falsificação da sua assinatura nos documentos em apreço nos autos.
13) Dando origem ao Inquérito n.º …/…TDLSB, que correu termos na ….ª Secção do DIAP de Lisboa, arquivado por decisão datada de 23/06/2015.
Na sentença enunciaram-se os seguintes
Factos não provados
A) Que as assinaturas/rubricas do embargante apostas nos contratos mencionados em 2) e 6) e nas livranças referidas em 5) e 9) tenham ali sido colocadas pelo punho de outra pessoa, nomeadamente, por Luís.
O Direito
Nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do CPC “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Pretendendo o recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, deverá, nos termos do art.º 640.º do CPC, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No caso destes autos, o apelante pretende que não se dê como provado o facto constante sob a alínea 11) da matéria de facto provada e que, consequentemente, esse facto passe a figurar entre a matéria julgada não provada. Mais considera que deve dar-se como provado um facto adicional, ou seja, que “O executado não apôs no verso das livranças mencionadas em 5) e 9) a menção “Bom por aval à firma subscritora”.
O n.º 11 da matéria de facto dada como provada tem a seguinte redação:
11) “O executado/embargante I apôs a sua assinatura nos contratos mencionados em 2) e 6) e nas livranças referidas em 5) e 9)”.
Para fundar a impugnação dos factos contidos nesta alínea o apelante apontou as declarações por si prestadas na audiência final, assim como o depoimento da testemunha Nuno.
Vejamos.
O tribunal a quo fundou a sua convicção quanto à matéria deste número 11 na ponderação conjugada das declarações do apelante e das testemunhas Nuno, Luís e Jaime, tendo qualificado o depoimento das testemunhas como escorreito, circunstanciado e objetivo.
O embargante, nas suas declarações, negou ter assinado os contratos dos autos e as livranças, mas admitiu ter assinado documentos que o Sr. Luís, em quem tinha muita confiança, lhe dava para o efeito. Declarou ter aceitado, a pedido de Luís, “dar o nome” para o restaurante, dono da sociedade executada, mas realçou que quem o geria era o Sr. Luís. Contraditoriamente, declarou que a única coisa que assinou foi para abrir a conta em seu nome pessoal, tendo anteriormente, contudo, admitido que “quando era preciso levantar dinheiro da conta da empresa chamavam-me para ir ao banco, porque era a única pessoa que podia fazer isso”. Quem o chamava era o Jaime (gerente da agência bancária). Admitiu que em 2011 (data da assinatura dos contratos e das livranças) já sabia ler a língua portuguesa, compreendia alguma coisa de português.
Nuno, funcionário da agência do B (antecessor do B) onde estava sediada a conta da sociedade executada, sabia que o Insa era o gerente da sociedade, mas não o conhecia pessoalmente. Disse que o interlocutor da empresa com o banco era o Sr. Luís, pessoa que, de todo o modo, só viu uma vez na agência, para “articular qualquer situação” com o gerente da agência. Afirmou perentoriamente que, no banco, as assinaturas dos contratos são feitas presencialmente. Também garantiu que não interveio em nenhum dos dois contratos de mútuo objeto destes autos (embora o seu nome figure num deles, enquanto um dos procuradores do banco, sendo certo que, segundo a testemunha, basta a intervenção de um procurador: “Havendo dois procuradores por parte do banco, é suficiente que seja assinado presencialmente, na presença de um deles.”).
Luís afirmou que quem explorava a sociedade era o próprio I, que queria auxiliar a família. Declarou que dava todo o apoio ao embargante, nomeadamente junto do banco: “acompanhei muitas vezes esse processo, muitas vezes, portanto, quando eram questões presenciais eu acompanhava o I, quando não eram questões presenciais ele tratava da documentação e eu fazia-a chegar ao banco, que ele às vezes tinha treinos em horários que não permitiam ser ele a resolver essas situações, e eu…”. Confirmou terem sido contraídos empréstimos, e ter ido ao banco com o I para esse efeito, tendo aí sido assinada documentação. Também tinha ideia de terem sido assinadas livranças e sido dado o aval à empresa. Admitiu que o embargante fizera queixa-crime contra si, a qual fora arquivada, e que o embargante instaurara uma ação de prestação de contas contra si, ainda pendente. Contudo, garantiu não querer mal ao embargante.
Jaime, gerente da agência bancária por intermédio da qual o exequente outorgou os contratos de mútuo e foram emitidas as livranças, assegurou que os contratos foram assinados presencialmente, na agência, pelo embargante I, que a testemunha conhecia, sendo certo que a testemunha também interveio na formalização e assinatura dos dois contratos. Além disso, foi ele quem conferiu as assinaturas, num dos contratos (o “contrato de conta corrente caucionada de vencimentos, uma conta de € 4 000,00”). O Sr. Luís também estava, segundo crê. O I percebia o português, não tendo notado nenhuma dificuldade especial de compreensão. As livranças, conforme o que é norma, foram assinadas juntamente com os contratos.
O depoimento do embargante, por ser interessado e face a algumas incoerências, que apontámos, tem pouco valor probatório.
O depoimento de Luís, alvo de queixa-crime por parte do embargante (a qual foi arquivada pelo Ministério Público, por falta de provas – fls 44 e seguintes destes autos) e de uma ação de prestação de contas, instaurada pelo embargante, também suscita reservas, face a este circunstancialismo.
A testemunha Nuno não teve intervenção pessoal nos atos jurídicos em causa, mas asseverou, de forma credível, que os contratos são assinados presencialmente no banco.
A testemunha Jaime declarou, de forma convicta, que o embargante subscreveu pessoalmente os dois contratos de mútuo objeto destes autos e também assinou as respetivas livranças, como gerente e como avalista. A isso assistiu Jaime, tendo a testemunha participado na formalização de ambos os contratos. Não foi apontado qualquer elemento que retirasse credibilidade à testemunha.
Pelo que a prova pessoal produzida no processo acaba por sustentar a tese do exequente/embargado, a de que o executado/embargante Insa subscreveu os contratos e apôs a sua assinatura nas livranças juntas aos autos.
Conforme resulta da procuração à mandatária forense junta pelo embargante aos autos (fls 7 deste processo) e foi reconhecido pela sua mandatária no início das alegações orais, proferidas na audiência final, a assinatura do embargante tem a aparência de uma simples rubrica. Essas são igualmente as características das assinaturas cuja análise pericial foi pedida ao LPCPJ, as quais foram descritas por este Laboratório como apresentando “traçados de reduzida extensão, incaracterísticos e com poucas letras definidas, compostas apenas por uma sequência de movimentos angulosos e enlaçados.” Segundo o LPCPJ, “[e]ste tipo de escritas constituídas por traços incaracterísticos e despersonalizados, não permitem fazer um estudo dos hábitos gráficos, de modo a observar particularidades identificativas do seu autor. Assim, as reduzidas complexidade e quantidade de elementos identificativos das assinaturas/rubricas questionadas, não possibilitam um estudo da variabilidade das escritas de forma a obter uma combinação de elementos com valor significativo necessário à determinação da sua autenticidade e/ou autoria.”
Excluída, como está, a possibilidade de se efetuar uma comparação conclusiva entre a assinatura do embargante e as constantes nos contratos e nas livranças objeto destes autos, resta a prova pessoal produzida, a qual, como se disse, aponta, como se ajuizou na primeira instância, para a imputação da autoria dessas assinaturas ao ora embargante.
Nesta parte, pois, a apelação improcede.
O apelante pretende, também, que se dê como provado que “o executado não apôs no verso das livranças mencionadas em 5) e 9) a menção “Bom por aval à firma subscritora” (conclusão H) das alegações). Segundo o apelante, “resultou da prova produzida que tais menções não foram escritas pelo Embargante, o que acarreta a nulidade do aval por vício de forma” (vide conclusões G) e I).
Vejamos.
Conforme se disse supra, o impugnante da decisão de facto deve identificar especificadamente os meios de prova e os elementos destes que alicerçam a sua convicção quanto, por exemplo, àquilo que considera que deve ser julgado provado. Ora, o apelante, quanto a este facto, não concretizou os meios de prova em que se funda para o dar como provado.
O apelante censura o tribunal a quo por este não ter autonomizado o aludido facto na matéria de facto (seja para o dar como provado, seja para o considerar não provado). Ora, a verdade é que tal questão de facto não foi suscitada pelo embargante na sua petição de embargos. Nela o embargante apenas questionou a autenticidade das assinaturas apostas nas livranças e nos contratos de mútuo. A questão da autoria dos dizeres “bom por aval à firma subscritora”, que se mostram apostos no verso de cada uma das duas livranças dadas à execução, a que se segue a assinatura imputada ao executado Insa (vide as livranças juntas a fls 52 e 53 do apenso a estes autos), não foi suscitada pelo embargante, não tendo, assim, feito parte dos temas da prova enunciados no despacho a que se refere o art.º 596.º n.º 1 do CPC, nem do pedido de perícia dirigido ao LPCPJ (cfr. fls 56 v.º e 57 dos autos).
Acresce, ainda, que a lei não exige que a expressão “bom para aval” (ou qualquer fórmula equivalente) seja escrita pelo punho do próprio dador do aval. Do próprio dador do aval exige-se apenas a aposição da assinatura (art.º 31.º da Lei Uniforme de Letras e Livranças). Não se encontra texto doutrinário ou jurisprudencial que denote entendimento contrário. O acórdão do STJ, datado de 12.01.2010 (processo 2974/04.3TVPRT-A.P1.S1), citado pelo apelante, é irrelevante para esta questão, como decorre da leitura do trecho transcrito pelo recorrente. Nesse acórdão apenas se comina de nulidade o pretenso aval que se formalize com uma mera assinatura no verso de uma livrança, “se o portador do título, autorizado pelo pacto de preenchimento, não fez preceder, ou seguir aquela assinatura da expressão “bom por aval” ou outra equivalente, convertendo o aval incompleto em aval completo”. Isto é, para a validade do aval, deve constar uma menção que o identifique enquanto tal, independentemente de quem a formalizou (neste sentido, vide, v.g., acórdão da Relação de Évora, de 06.12.2018, processo 2561/15.0T8STB-A.E1, onde a dado passo se exarou que “É consensual que a expressão “bom por aval” não necessita de ser elaborada por mão própria do avalista”). Aliás, a expressão “bom por aval” pode ser aposta no título por inscrição mecanográfica, como se deu conta no acórdão desta Relação, de 22.10.2015, processo 252/10.8YYLSB-A.L1-2 (consultável, tal como todos os anteriormente mencionados, e os que a seguir se citarão, em www.dgsi.pt).
Por tudo isto a pretendida alteração, nesta parte, da matéria de facto, deve ser rejeitada, seja por ser inadmissível, seja por ser irrelevante (art.º 130.º do CPC).
Segunda questão (nulidade do aval)
Este recurso reporta-se a ação de execução para pagamento de quantia certa, que tem como títulos executivos dois títulos de crédito, in casu, duas livranças (artigos 703.º n.º 1 al. c) do CPC, Título II da LULL).
O ora embargante foi executado na qualidade de avalista da sociedade subscritora dessas duas livranças (artigos 30.º, 31.º e 77.º, último parágrafo, da LULL).
Ao abrigo do disposto nos artigos 728.º n.º 1, 731.º e 729.º al. a) do CPC, o executado I deduziu oposição à execução, negando ter aposto a sua assinatura nas ditas livranças, assim como nos contratos de mútuo que estas visavam garantir.
Estando em causa documentos particulares, uma vez impugnadas as assinaturas neles constantes, sobre o exequente, que os apresentou, recaía o ónus da prova de que era do executado a autoria das assinaturas que lhe eram imputadas (artigos 374.º n.º 2 e 342.º n.º 1 do CC – é o entendimento unânime da jurisprudência, de que citamos, a título exemplificativo, acórdão do STJ, de 16.6.2003, processo 04B660; acórdão da Relação do Porto, de 28.9.2006, processo 0634730; acórdão da Relação de Lisboa, de 08.02.2018, processo 4300/14.4TCLRS-A.L1-6).
O exequente logrou fazer tal prova, como decorre da matéria de facto.
O apelante invoca, porém, a nulidade do aval, na medida em que se teria provado que os dizeres “bom por aval à firma subscritora”, que encimam as assinaturas apostas no verso das livranças, não teriam sido escritos pelo executado/embargante/apelante.
Ora, conforme já se aduziu no âmbito da apreciação da impugnação da matéria de facto, tal facto negativo não foi dado como provado, nem, caso se provasse, teria a consequência que o apelante lhe aponta.
Com efeito, reitera-se, a lei não exige que a expressão “bom para aval” (ou qualquer fórmula equivalente) seja escrita pelo punho do próprio dador do aval. Do próprio dador do aval exige-se apenas a aposição da assinatura (art.º 31.º da Lei Uniforme de Letras e Livranças). Não se encontra texto doutrinário ou jurisprudencial que denote entendimento contrário. O acórdão do STJ, datado de 12.01.2010 (processo 2974/04.3TVPRT-A.P1.S1), citado pelo apelante, é irrelevante para esta questão, como decorre da leitura do trecho transcrito pelo recorrente. Nesse acórdão apenas se comina com nulidade o pretenso aval que se formalize com uma mera assinatura no verso de uma livrança, “se o portador do título, autorizado pelo pacto de preenchimento, não fez preceder, ou seguir aquela assinatura da expressão “bom por aval” ou outra equivalente, convertendo o aval incompleto em aval completo”. Isto é, para a validade do aval, deve constar uma menção que o identifique enquanto tal, independentemente de quem a formalizou (neste sentido, vide, v.g., acórdão da Relação de Évora, de 06.12.2018, processo 2561/15.0T8STB-A.E1, onde a dado passo se exarou que “É consensual que a expressão “bom por aval” não necessita de ser elaborada por mão própria do avalista”). Aliás, a expressão “bom por aval” pode ser aposta no título por inscrição mecanográfica, como se deu conta no acórdão desta Relação, de 22.10.2015, processo 252/10.8YYLSB-A.L1-2.
Pelo exposto, a apelação é improcedente, devendo manter-se a decisão recorrida.
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.
As custas da apelação são a cargo do apelante, que nela decaiu (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC).

Lisboa, 23.01.2020
Jorge Leal
Nelson Borges Carneiro
Pedro Martins