Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7639/2007-6
Relator: MARIA MANUELA GOMES
Descritores: DECLARAÇÃO DE EXECUTORIEDADE
UNIÃO EUROPEIA
SENTENÇA ESTRANGEIRA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/15/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - Na fase do pedido de declaração executória, a respectiva obtenção não é sindicável quo tale já que o reconhecimento da decisão de qualquer Estado membro independe de processo (art. 33º do Regulamento) e o procedimento para obtenção da declaração executória só pode ser questionado na execução que, necessariamente, se seguirá, agora em sede de discussão da existência ou validade do título executivo.
II - Na fase que nos ocupa a declaração é meramente tabelar, dependendo do cumprimento das formalidades (“trâmites”) do art. 53º do Regulamento (CE) nº 44/2001 (apresentação de cópia da decisão, nos termos do art. 54º e sem prejuízo do disposto no art. 55º).
III – De acordo com o nº 2 do art. 41º “a parte contra a qual a execução é promovida não pode apresentar observações nesta fase do processo”. Só na fase de recurso (art. 43º do Regulamento e Anexo III), o poderá fazer mas, ainda assim, apenas com um dos motivos dos arts. 34º e 35º, acima citados.
IV - Não há violação do princípio da ordem pública, já que nunca o seria a mera incompetência relativa (pois que nem o é a incompetência absoluta no processo principal – nº 3 do art. 35º), por não fazer parte do travejamento jurídico mestre do Estado membro requerido.
FG
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.
1. “M S.A.” requereu contra “S, Limitada” declaração de exequibilidade de sentença, proferida a 14 de Março de 2005 pelo Tribunal de Pequena Instância nº 17 de Madrid, Espanha, que condenou a requerida a pagar à requerente a quantia de 247 794,05 euros, acrescida de juros de mora desde a data da acção e de juros moratórios desde a sentença.
Invocou o Regulamento CE nº44/2001, do Conselho da União Europeia, de 22 de Dezembro de 2000.
Juntou cópia da decisão, autenticada pelo Tribunal que a proferiu, assim como tradução certificada da mesma.
Na 11ª Vara Cível da Comarca de Lisboa foi proferida decisão a declarar a executoriedade.

Dizendo-se inconformada, a requerida veio interpor recurso, concluindo, essencialmente, que:
- Sendo a sua sede na Comarca de Oeiras, o Tribunal Cível de Lisboa é territorialmente incompetente, nos termos conjugados do art. 39º, nº 1, do Regulamento CE 44/2001 e do seu Anexo II;
- Não foram cumpridos os trâmites do art. 53º daquele Regulamento já que, na sua conjugação com o art. 228º, nº1, do Código de Processo Civil, não foi chamada por meio de citação mas apenas notificada;
- Não teve acesso à sentença exequenda e aos documentos que a acompanham, ficando impedida de exercer o contraditório e sendo violado o princípio da igualdade entre as partes;
- Por isso, houve violação da Ordem Pública do Estado Membro, nos termos do art. 34º, nº1, do Regulamento citado, pelo que deve ser negada a executoriedade.
Terminou pedindo que a decisão recorrida fosse revogada e substituída por outra que assegure não só o cumprimento das formalidades processuais do direito Português, bem como a defesa dos direitos da ora recorrente, tudo com as legais consequências.

Contra-alegou a requerente em defesa da decisão recorrida, dizendo, em síntese:
- Apenas conhecia como domicílio da agravante o que indicou no articulado inicial;
- Só após a devolução da carta, soube que a mesma estava sedeada em Algés;
- Foram cumpridos os trâmites do art. 53º e junto o documento do art. 54º do Regulamento CE, o qual não permite – artigo 41º - que haja oposição nesta fase;
- Não há lugar a revisão de mérito;
- O processo sempre esteve disponível para consulta da requerente;
- Não ocorre nenhumas das situações dos arts. 34º e 35º do Regulamento CE.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

2. Para além do sucintamente exposto, releva a seguinte matéria:
- A requerente pediu a declaração de exequibilidade da sentença do Tribunal de Primeira Instância nº 17 de Madrid, Espanha, que condenou a requerida no pagamento da quantia acima referida;
- Juntou cópia, autenticada pelo Tribunal que proferiu a sentença, da decisão cuja exequibilidade pediu;
- Juntou tradução certificada da mesma;
- Indicou como sede da requerida o local que constava da sentença (Av. 24 de Julho – Lisboa);
- Após a decisão recorrida, foi enviada carta registada à requerida para aquela morada, a qual veio devolvida;
- O Senhor Juiz a quo declarou por despacho (fls. 74) que “à notificação da requerida ordenada a fls. 68” (decisão) “são aplicáveis as disposições referentes à realização da citação. Proceda à notificação, tendo em conta o exposto.”;
- Foi expedida nova carta registada para a mesma morada, vindo a requerente informar a nova sede (Algés/ Oeiras), onde a carta foi recebida;
- O recurso foi, então, interposto pela requerida.

O Direito.
3. É aplicável ao caso vertente o Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matérias civil e comercial.
Trata-se, aqui, da exequibilidade duma “decisão” proferida por um Estado membro – Espanha – já que o art. 32º daquele texto considera “decisão”, qualquer “decisão proferida por um Tribunal de um Estado membro, independentemente da designação que lhe for dada, tal como acórdão, sentença, despacho judicial ou mandado de execução, bem como a fixação pelo secretário do Tribunal do montante das custas do processo”.
Este conceito amplo cobre a sentença cuja executoriedade é pedida.
E, no artigo 33º, o reconhecimento nos outros Estados membros “sem necessidade de recurso a qualquer processo”, consagrando-se, assim, os princípios 16º e 17º do relatório preambular que se refere à “confiança recíproca” na administração da justiça na Comunidade Europeia.
No tocante à exequibilidade, o artigo 38º dispõe que a força executiva deve ser declarada “a requerimento de qualquer parte interessada”, desde que estejam cumpridos os trâmites do art. 53º (cfr. o art. 41º).
São trâmites essenciais a apresentação da cópia da decisão a satisfazer os requisitos de autenticidade e a certidão de acordo com o formulário constante do Anexo V.
Certo que a requerente cumpriu essas exigências.
Perante tal, o Tribunal só podia negar o reconhecimento se patente uma das situações dos arts. 34º ou 35º do Regulamento.

Dispõe o primeiro destes preceitos que o não reconhecimento ocorre se “for manifestamente contrário à ordem pública do Estado membro requerido (nº1), se o acto que iniciou a instância não tiver sido comunicado ao requerido “em tempo útil e de modo a permitir-lhe a defesa, a menos que a requerida não tenha interposto recurso contra a decisão, embora tendo a possibilidade de o fazer (nº2); se for inconciliável com outra decisão proferida contra as mesmas partes no Estado membro requerido (nº3), ou num Estado membro em acção com o mesmo pedido ou com a mesma causa de pedir (nº4)”.
Os números 3 e 4 destinam-se a evitar a colisão de julgados, no respeito pelo caso julgado dentro da Comunidade Europeia.
O número 1 protege a ordem pública do Estado membro requerido, sabido ser esta, na definição de Mota Pinto (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 434), “o conjunto de princípios fundamentais, subjacentes ao sistema jurídico, que o Estado e a sociedade estão substancialmente interessados em que prevaleçam e que têm uma acuidade tão forte que devem prevalecer sobre as convenções privadas” (cfr. o art. 22º do Código Civil; Manuel de Andrade – “Teoria Geral da Relação Jurídica”, 334 e Vaz Serra BMJ, 74 – Separata).
Enfim, será o conjunto de princípios que inspiram o ordenamento jurídico e que reflectem os valores essenciais duma sociedade em determinado momento, e que, numa perspectiva positiva, se confunde com as normas imperativas.
Finalmente, o nº 2 do mencionado artigo 34º garante o contraditório não nesta fase do processo mas sim naquela em que foi proferida decisão cujo reconhecimento, ou exequibilidade, é pedido.
Chegados a este ponto, e precisados os vários conceitos, é patente a ausência de razão da recorrente.
Vejamos.
Na fase do pedido de declaração executória, a respectiva obtenção não é sindicável quo tale já que o reconhecimento da decisão de qualquer Estado membro independe de processo (art. 33º do Regulamento) e o procedimento para obtenção da declaração executória só pode ser questionado na execução que, necessariamente, se seguirá, agora em sede de discussão da existência ou validade do título executivo.
Na fase que nos ocupa a declaração é meramente tabelar, dependendo, apenas e como já se disse, do cumprimento das formalidades (“trâmites”) do art. 53º do Regulamento (CE) nº 44/2001 (apresentação de cópia da decisão, nos termos do art. 54º e sem prejuízo do disposto no art. 55º).
Doutra banda, et pour cause, o nº 2 do art. 41º dispõe que “ a parte contra a qual a execução é promovida não pode apresentar observações nesta fase do processo”.
Só na fase de recurso – art. 43º do Regulamento e Anexo III -, o poderá fazer mas, ainda assim, apenas com um dos motivos dos arts. 34º e 35º, acima citados.
Ora, a recorrente não invocou qualquer desses motivos já que, como se disse, o contraditório aí referido (nº 2 do art. 34º) refere-se ao processo onde foi proferida a decisão exequenda e não foi invocada qualquer situação de caso julgado (nºs. 3 e 4 do mesmo preceito).
Finalmente, não há violação do princípio da ordem pública, já que nunca o seria a mera incompetência relativa (pois que nem o é a incompetência absoluta no processo principal – nº 3 do art. 35º), por não fazer parte do travejamento jurídico mestre do Estado membro requerido.
Mas, e em óbvia conclusão, verifica-se, dos autos que a recorrente foi regularmente citada para este processo incidental, por não se mostrar ter ocorrido qualquer das situações do elenco do art. 195º do Código de Processo Civil.
Além do mais, ainda que – o que só por mera hipótese se concede – se admitisse ter sido preterida qualquer formalidade essencial, não se mostra que tivesse havido prejuízo para a defesa do citado (nº4 do art. 198º do CPC) já que a este só era facultada a oposição por via do recurso – como acima se disse, e resulta do citado art. 43º do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22.12.2000 e essa via foi-lhe, como é patente, garantida.
Decisão.
4. Termos em que se acorda em negar provimento ao agravo.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 15 de Janeiro de 2009.
(Maria Manuela B. Santos G. Gomes)
(Olindo dos Santos Geraldes)
( Fátima Galante )