Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9283/19.1T8LSB.L1-4
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: DESPEDIMENTO
DECISÃO
COMUNICAÇÃO
EXCEPÇÃO DE CADUCIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1. Resulta do disposto no art. 357º, nº7 do CT que a decisão de despedimento determina a cessação do contrato logo que chega ao poder do trabalhador ou é dele conhecida ou, ainda, quando só por culpa do trabalhador não foi por ele oportunamente recebida.

2. Para apurar a culpa, nos termos da parte final deste preceito legal, importa apurar as razões que determinaram o não levantamento pela trabalhadora na estação dos CTT da missiva que continha a decisão de despedimento.

(Elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


IRelatório


AAA instaurou a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra “BBB.”, requerendo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do despedimento com as legais consequências.

Foi designada data para audiência de partes e não foi obtido acordo.

A entidade empregadora apresentou articulado motivando o despedimento.

Para tanto, invocou que a trabalhadora faltou, injustificadamente, ao trabalho num total de 103 dias, desde 5 de Março a 31 de Dezembro de 2018.

Em sede de excepção, invocou a caducidade do direito de a A. impugnar o despedimento.

A A. respondeu, pugnando pela improcedência da excepção.
*

Pela Exmª Juiz a quo foi proferida a seguinte decisão:
     
« A Entidade empregadora veio invocar a caducidade do direito da A. impugnar o despedimento na medida em que desde a impugnação e a comunicação do mesmo decorreram mais de 60 dias.

Veio a A. responder dizendo que estava de baixa médica, com autorização para se ausentar de casa, donde estava a viver com uma amiga em (…), em Janeiro e Fevereiro de 2019, apenas vindo a Lisboa para consultas médicas, e não recebeu qualquer aviso de correspondência dos CTT para levantar correspondência.

Vejamos.

Atentemos em alguns factos que se encontram provados:
a)- A A. foi trabalhadora da R. até à decisão de despedimento cujo relatório final está datado de 8/2/2019, e deliberação do conselho de administração de 21/2/2019, em termos que constam de fls. 4 a 6 e 55v dos autos;
b)- A decisão foi enviada à A. por carta registada com aviso de recepção dirigida para a morada que consta dos registos da R. como sendo a residência da A., a 21/2/2019, tendo sido deixado aviso pelos CTT no dia 22/2/2019 às 11:37h e sido devolvido por não reclamada a 6/3/2019, tudo em termos que constam de fls. 3v;
c)-O percurso de envio da referida carta consta atestado no registo de encomendas postais, dos CTT, em termos que constam de fls. 131 e 130v;
d)- Em 22 de Janeiro de 2019 foi remetida pela R. à A., carta registada com aviso de recepção dirigida para a morada que consta dos registos da R. como sendo a residência da A., tendo sido deixado aviso pelos CTT e sido devolvido por não reclamada, informando da instauração do procedimento disciplinar, tudo em termos que constam de fls. 50 dos autos;
e)- A fls. 41v a 44 dos autos constam comunicações registadas com aviso de recepção, feitas pela R. à A., na morada que consta dos registos da R. como sendo a residência da A., as quais não foram levantadas por esta, e que se reportam a Novembro de 2018;
f)- No dia 14/1/2019 a A. entregou na R., no departamento de recursos humanos, certificado de incapacidade temporária;
g)- A A. encontrava-se em situação de baixa médica desde há cerca de nove anos;
***

A caducidade é uma excepção peremptória cuja procedência acarreta a absolvição do pedido, cfr. artigo 576º nº 3 do Código de Processo Civil.

Nos termos do no 3 do artigo 387.º do Código do Trabalho o trabalhador pode opor-se ao seu despedimento mediante apresentação no tribunal de requerimento em formulário próprio, no prazo de 60 dias contados da recepção da comunicação do despedimento.

Estamos perante um evidente prazo de caducidade, visto que o decurso do tempo faz precludir o direito de impugnar judicialmente o despedimento.

Não há a menor dúvida que a decisão de despedimento foi enviada à A., para a sua morada, e que esta não a foi levantar.

A questão é saber se sendo a decisão de despedimento recepticia existe culpa por parte da A. na sua não recepção, pois esta torna-se eficaz nos termos do art. 224º do CC nesse momento exceto se não existir culpa na sua não recepção.

Ora, o que se constata é que a A. ausentou-se de sua casa sem informar a R. e sem cuidar de ir à sua caixa do correio. É que se o fizesse saberia que desde janeiro de 2019 foi notificada da existência de um procedimento disciplinar.

Atuou claramente com negligencia. É que note-se.

Em Janeiro de 2019 a A. foi notificada de que existiu um procedimento disciplinar instaurado contra si. E foi porque nunca infirmou que essa carta tenha sido enviada para a sua morada, nem que não tenha recebido o aviso de receção. Donde, quanto à intenção de despedimento a comunicação torna-se eficaz, cfr. art. 224º do CC, na medida em que por negligência da A. esta não vai à sua caixa do correio e opta por não tomar conhecimento da comunicação feita.

Mas nem por isso ela foi ineficaz. A declaração estava ao alcance do destinatário, ora A., que optou por dela não tomar conhecimento já que por sua escolha estava ausente de sua casa durante vários dias. E isso pese embora tenha ido a Lisboa, poucos dias depois, aos recursos humanos da R., entregar documentação.

Numa palavra. A A. tomou conhecimento da instauração do procedimento disciplinar contra si, porque tal comunicação se tornou eficaz. E a partir desse momento o seu dever de zelo deveria ter aumentado.

Mais. Alterando a sua residência, mesmo que temporariamente, a A. tinha o dever de o comunicar à R.. Mas se não muda, tem o dever de atentar nas eventuais comunicações que são feitas, seja da R., seja do tribunal, seja de qualquer outro organismo público, pois os prazos em curso não deixam de correr porque estando a mesma de licença por baixa médica com autorização para sair de casa, o faça sem regressar a ponto de receber notificações. E assim o entendeu o STJ no seu acórdão de 22/1/2015, in www.dgsi.pt.

Isto significa que a decisão de despedimento produz efeitos quando chega ao conhecimento do trabalhador, ou é dele conhecida, ou quando só por culpa sua não tomou conhecimento.

Ora, se a trabalhadora aqui A. não está obrigada a estar em casa, tem porém o dever de após se ter tornado eficaz a decisão de intentar procedimento disciplinar por parte da R. (porque repete-se, quando a esta nada foi alegado) estar atenta à sua caixa do correio e às notificações que venha a receber. De um modo geral sempre assim será e esse dever existe.

Em suma. Pese embora não exista o dever de a trabalhadora permanecer em casa, a mesma tem o dever de avisar a entidade empregadora de mudanças de local onde resida por forma a produzir efeitos as comunicações que aquela lhe pretenda fazer.

Ao vir a Lisboa, fosse para consultas médicas, fosse para ir aos recursos humanos da R., tinha a A. o dever de passar pela sua casa e ver a sua correspondência. E vendo o aviso de recepção da carta e não o indo buscar aos CTT age de modo negligente, donde apenas por culpa sua não tomou conhecimento da decisão de despedimento, optando por ficar em (…), não ir a sua casa apesar de ir a Lisboa, ou indo não indo aos correios levantar a carta.

Mais se diga. A prova da negligencia da A. vai ao ponto de diversas comunicações havidas entre a R. para a A. feitas em Novembro de 2018, não foram igualmente por esta levantadas. É pois um hábito tal atitude, o que é novamente revelador da conduta negligente da A. e de que apenas por culpa sua a mesma não tomou conhecimento da decisão de despedimento.

Invoca ainda a A. que não recebeu qualquer aviso para levantar correspondência nos CTT. Ora, tal facto é indemonstrável. Não há prova possível que possa ser feita que não a prova documental. E é a própria A. quem junta com o formulário de impugnação do despedimento a carta registada com o aviso deixado pelo carteiro (que assina) e o dia e a hora em que o fez.

E é tal o que consta do histórico de entrega de encomendas postais dos CTT onde se refere “avisado no posto de Olivais Sul”.

Não colhe pois o argumento usado pela A..

Em suma, a mesma só não tomou conhecimento da decisão de despedimento por sua culpa, tendo sido negligente no seu dever de cuidar de atentar em eventuais comunicações que lhe fossem feitas.

E assim a declaração considera-se eficazmente recebida pela A. e esta notificada até ao dia em que podia ter levantado a carta (e não no dia em que o aviso de receção foi entregue), ou seja, até dia 1 de fevereiro de 2019 (cfr. fls. 130), data em que foi devolvida a carta.

O prazo conta-se de forma corrida, não tendo ocorrido nenhuma causa legal de interrupção ou suspensão pelo que quando o A. intenta a ação no dia 3 de Maio de 2019 há muito que se tinha completado o prazo de 60 dias para o fazer.

Por todo o exposto declaro a exceção de caducidade do direito da A. de impugnar judicialmente o seu despedimento procedente e consequentemente absolvo a R do pedido.
Custas a cargo da A..
Fixo o valor da ação em €2.001.»
        
A A. recorreu e formulou as seguintes conclusões :

1. O Tribunal a quo declarou procedente a excepção de caducidade do direito de a Recorrente impugnar judicialmente o seu despedimento, por considerar que não foi intentada no prazo de 60 dias previsto no art.º 387.º, n.º 2 do Código do Trabalho;

2. A decisão de despedimento enviada pela Recorrida para a morada da Recorrente não foi por esta recebida, por se encontrar temporariamente ausente da sua residência;

3. O Tribunal a quo considerou que a Recorrente não tomou conhecimento da decisão de despedimento por sua culpa, tendo sido negligente no seu dever de cuidar de atentar em eventuais comunicações que lhe fossem feitas, e, ao abrigo do disposto no art.º 224.º, n.º 2 do Código Civil, considerou que a Recorrente foi notificada da decisão de despedimento até ao dia em que podia ter levantado a carta (e não no dia em que o aviso de recepção foi entregue), ou seja, “até ao dia 1 de fevereiro de 2019, data em que foi devolvida a carta”;

4. Sucede, no entanto, que, contrariamente ao que consta da parte decisória da douta sentença recorrida, a decisão de despedimento não podia ter sido levantada pela Recorrente na estação dos CTT até ao dia 1 de Fevereiro de 2019, dado que, conforme resulta dos autos de procedimento disciplinar, foi expedida para a sua morada apenas no dia 21 de Fevereiro de 2019 (fls. 50 dos autos de procedimento disciplinar);

5. O Tribunal a quo considerou inclusivamente provado que “a decisão foi enviada à A. por carta registada com aviso de recepção dirigida para a morada que consta dos registos da R. como sendo a residência da A., a 21/2/2019, tendo sido deixado aviso pelos CTT no dia 22/2/2019 às 11:37h e sido devolvido por não reclamada a 6/3/2019, tudo em termos que constam de fls. 3v” (ut alínea b) dos factos dados por provados);

6. Foi a nota de culpa, e não a decisão de despedimento, que ficou disponível na estação dos CTT para ser levantada pela Recorrente até ao dia 1 de Fevereiro de 2019;

7. Pelo que o Tribunal a quo terá considerado neste âmbito a documentação referente à comunicação da nota de culpa (ut fls. 37 dos autos de procedimento disciplinar), em vez da documentação referente à comunicação da decisão de despedimento (ut fls. 50 dos autos de procedimento disciplinar);

8. Consequentemente, existe contradição entre a factualidade dada por provada na douta sentença recorrida, nos termos da qual a carta com a decisão de despedimento foi devolvida à Recorrida no dia 6 de Março de 2019 (alínea b) dos factos dados por provados) e a parte decisória da douta sentença recorrida, na qual o Tribunal a quo refere que tal carta foi devolvida no dia 1 de Fevereiro de 2019, considerando a comunicação da decisão de despedimento efectuada nessa data;

9. Por isso, o cômputo do prazo de 60 dias previsto no art.º 387.º, n.º 2 do Código do Trabalho foi efectuado pelo Tribunal a quo considerando que a decisão de despedimento foi comunicada à Recorrente no dia 1 de Fevereiro de 2019, data que se encontra incorrecta, motivo pelo qual considerou que tal prazo havia já decorrido quando a acção de impugnação de despedimento foi intentada pela Recorrida, em 3 de Maio de 2019;

10. Conforme resulta dos autos de procedimento disciplinar (ut fls. 50), a decisão de despedimento foi expedida pela Recorrida no dia 21 de Fevereiro de 2019 (quinta-feira) e foi tentada a sua entrega na morada da Recorrente no dia seguinte - 22 de Fevereiro de 2019 (sexta-feira). Não estando a Recorrente na sua residência, foi deixado um aviso para levantamento na estação dos CTT nos seis dias úteis seguintes, com início no dia 25 de Fevereiro de 2019 (segunda-feira) e termo no dia 4 de Março de 2019 (segunda-feira seguinte);

11. A carta com a decisão de despedimento apenas foi devolvida à Recorrida no dia 6 de Março de 2019 (ut fls. 50 dos autos de procedimento disciplinar);

12. Atendendo à fundamentação da douta sentença recorrida, nos termos da qual a comunicação se considera efectuada no último dia em que esteve disponível para levantamento - “até ao dia em que podia ter levantado a carta (e não no dia em que o aviso de receção foi entregue)” -, o Tribunal a quo teria de considerar que a comunicação da decisão de despedimento da Recorrente foi efectuada no dia 4 de Março de 2019, último dia em que aquela podia levantá-la na estação dos CTT;

13. Caso o Tribunal a quo tivesse considerado a data de 4 de Março de 2019 no cômputo do prazo de 60 dias previsto no art.º 387.º, n.º 2 do Código do Trabalho, teria concluído que esse prazo terminou no dia 3 de Maio de 2019, data em que a Recorrente apresentou a acção de impugnação do seu despedimento;

14. E teria concluído não se verificar a excepção da caducidade invocada pela Recorrida;

15. Efectivamente, mesmo considerando que a Recorrente foi notificada da decisão de despedimento nos termos do art.º 224.º, n.º 2 do Código Civil, o Tribunal a quo não podia ter concluído que caducou o seu direito de impugnar o seu despedimento, porquanto a acção foi apresentada no último dia do prazo de 60 dias legalmente revisto;

16. O Tribunal a quo teria chegado a esta mesma conclusão caso tivesse considerado a data em que a carta com a decisão de despedimento esteve à disposição da Recorrente para ser levantada na estação dos CTT (ut fls. 50 dos autos de procedimento disciplinar), o que não fez, tendo antes considerado a data em que a carta com a nota de culpa esteve à disposição da Recorrente para ser levantada na estação dos CTT e foi posteriormente devolvida à Recorrida (ut fls. 37 dos autos de procedimento disciplinar);

17. Assim, verifica-se que a decisão do Tribunal a quo foi tomada tendo por base um pressuposto incorrecto: o de que a decisão de despedimento se considerou eficazmente recebida pela Recorrente no dia 1 de Fevereiro de 2019, quando deveria ter considerado tal comunicação eficazmente recebida pela Recorrente no dia 4 de Março de 2019;

18. Ao não ter entendido neste sentido, tendo antes declarado a excepção de caducidade do direito de a Recorrente impugnar o seu despedimento, o Tribunal a quo violou, por erro de interpretação, o disposto nos art.ºs 224.º, n.º 2 do Código Civil e 387.º, n.º 2 do Código do Trabalho;

19. Acresce que o disposto no art.º 224.º, n.º 2 do Código Civil não podia aplicar-se no caso sub judice, desde logo por ausência de culpa da Recorrente no não recebimento da decisão de despedimento;

20. Nos termos da referida norma, ainda que a decisão de despedimento, que é uma declaração receptícia, não tenha sido recebida, considera-se eficaz quando a falta de entrega se tenha devido a culpa exclusiva do destinatário;

21. Na apreciação da culpa e da sua imputação exclusiva no não recebimento da declaração devem ser ponderadas as circunstâncias relevantes, designadamente o grau de diligência concretamente exigível ao destinatário, tendo em conta a natureza e o teor do contrato a que respeita a declaração, pelo que há também que apreciar do grau de diligência concretamente exigível ao emitente da declaração e a quem aproveita a sua receção pelo destinatário;

22. O Tribunal a quo apenas se pronunciou relativamente à culpa da Recorrente, não tendo considerado as circunstâncias que envolveram o envio da decisão de despedimento pela Recorrida, nem a culpa desta;

23. Quando a Recorrida iniciou o procedimento disciplinar, a Recorrente encontrava-se em situação de baixa médica há cerca de nove anos (ut alínea g) dos factos dados por provados);

24. Em 14 de Janeiro de 2019 a Recorrente esteve no departamento de recursos humanos da Recorrida, onde entregou um certificado de incapacidade temporária para o trabalho (ut alínea f) dos factos dados por provados) que a autorizava a sair de casa;

25. A Recorrida iniciou o procedimento disciplinar apenas 8 dias depois, a 22 de Janeiro de 2019, sabendo que a Recorrente se encontrava de baixa médica e autorizada a sair de casa;

26. A Recorrente não sabia que lhe ia ser instaurado pela Recorrida um procedimento disciplinar, nem lhe era exigível sequer equacionar essa hipótese, porquanto o seu contrato de trabalho estava suspenso há cerca de nove anos. Nenhum dos funcionários da Recorrida a informou dessa circunstância quando esteve no departamento de recursos humanos a 14 de Janeiro de 2019;

27. Em 14 de Janeiro de 2019, depois de entregar o certificado de incapacidade do trabalho, a Recorrente ausentou-se da sua residência habitual, conforme estava autorizada e recomendada pela sua médica a fazer;

28. Ninguém colocado na posição da Recorrente poderia razoavelmente assumir que a Recorrida lhe iria instaurar um procedimento disciplinar com imputação de ausências injustificadas em dias em que a Recorrente esteve de baixa médica e com o contrato de trabalho suspenso;

29. A Recorrente não tinha de indicar à Recorrida a morada onde estaria durante o período da sua baixa, pois não esperava receber qualquer notificação da Recorrida na sua ausência e porque esta tinha o seu contacto telefónico para a eventualidade de ter de a contactar;

30. A Recorrente apenas tomou conhecimento da decisão de despedimento quando esta lhe foi enviada por e-mail pelo administrador da Recorrida no dia 2 de Abril de 2019 (ut formulário inicial de impugnação do despedimento), pelo que o prazo de 60 dias para impugnar o seu despedimento apenas começou a contar-se a partir dessa data, tendo sido cumprido;

31. A Recorrida, mesmo sabendo que a Recorrente se encontrava de baixa médica e que o respectivo contrato de trabalho se encontrava suspenso há cerca de nove anos, limitou-se a enviar-lhe as comunicações do procedimento disciplinar pelo correio, não tendo procurado a entrega dessas comunicações por qualquer outro meio, nomeadamente por e-mail ou através da deslocação de um dos seus funcionários à morada da Recorrente, nem entrou em contacto telefónico com esta para saber onde se encontrava e tentar a entrega em mão;

32. A Recorrida tinha a obrigação de saber que a probabilidade de a Recorrente não receber correspondência, por estar de baixa médica e fora de casa, era elevada, logrando desta forma proceder ao seu despedimento por razões totalmente infundadas, fazendo-se valer do regime previsto no n.º 2 do art.º 224.º do Código Civil, sem dar sequer à Recorrente a hipótese de se defender;

33. Existe por isso culpa da Recorrida na não entrega à Recorrente da decisão de despedimento, porquanto a mesma não actuou com a diligência que lhe era exigível atendendo ao facto de a Recorrente estar de baixa há cerca de nove anos e muito provavelmente fora da sua residência habitual;

34. Em razão da culpa da Recorrida na não entrega da decisão de despedimento, porquanto não actuou com a diligência que era devida atendendo às circunstâncias do caso concreto, o Tribunal a quo não podia ter aplicado o disposto no art.º 224.º, n.º 2 do Código Civil, que tem aplicação unicamente quando só por culpa (exclusiva) do destinatário a declaração não foi por ele oportunamente recebida;

35. A aplicação do disposto no art.º 224.º, n.º 2 do Código Civil não era igualmente admissível em virtude de se tratar de uma disposição com carácter geral face ao disposto no art.º 387.º, n.º 2 do Código do Trabalho, que prevê um regime especial e exige a efectiva recepção da decisão de despedimento;

36. O emprego pelo legislador da expressão “receção da comunicação” não deixa dúvidas quanto à exigência de que a data só se conta a partir da receção efetiva, real, da comunicação de despedimento do trabalhador e não da receção fitícia, ou presumida da lei. A lei não se basta com um conhecimento qualquer, exige a receção da comunicação. Este regime é especial em relação ao plasmado no art.º 224.º do código civil (CC). O regime do CC está na parte geral do código e rege para todas as relações jurídicas. A norma jurídica do art.º 387.º n.º 2 do CT é especial e rege para a relação jurídica de trabalho subordinado, ou seja, para a relação consubstanciada num contrato de trabalho, como é o caso dos autos (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28-05-2015 – Proc. n.o 190/14.5TTGMR-A.G1, em que é Relator o Desembargador Moisés Silva, in www.dgsi.pt).

37. Ao não ter entendido neste sentido, o Tribunal a quoviolou, por erro de interpretação, o disposto nos art.ºs 224.º, n.º 2 do Código Civil e 387.º, n.º 2 do Código do Trabalho.

Terminou pugnando pela procedência do recurso e pela revogação da decisão recorrida.

A recorrida contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:

1. Nos termos do art.º 81.º, n.º 1 do CPT, as alegações de recurso devem constar do requerimento de interposição do recurso e não de forma autónoma.
2. No caso concreto, o requerimento de interposição de recurso não contém as alegações de recurso que foram apresentadas de forma autónoma.
3. Não vindo o requerimento de interposição de recurso com as respectivas alegações nele insertas, não pode o presente recurso ser admitido por violação do art.º 81.º, n.º 1 do CPT.
4. Nos termos do art. 387º, n.º 2 do Código do Trabalho, «O trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior (...)”

5. Com relevância para os presentes autos, resultou o seguinte da Matéria de Facto Provada:
a)- A A. foi trabalhadora da R. até à decisão de despedimento cujo relatório final está datado de 8/2/2019, e deliberação do conselho de administração de 21/2/2019, em termos que constam de fls. 4 a 6 e 55v dos autos.
b)- A decisão foi enviada à A. por carta registada com aviso de receção dirigida para a morada que consta dos registos da R. como sendo a residência da A., a 21/2/2019, tendo sido deixado aviso pelos CTT no dia 22/2/2019 às 11:37h e sido devolvido por não reclamada a 6/3/2019, tudo em termos que constam de fls. 3v.

6. É jurisprudência e doutrina unânime que “(...) a lei não impõe que a eficácia da comunicação dependa da assinatura do destinatário num aviso de recepção.

Basta que chegue ao seu poder. E no caso de comunicação postal deve entender-se que ela chega ao poder do destinatário quando é entregue na sua morada postal.”

Como referem na anotação ao artigo 224.º do Código Civil Pires de Lima e Antunes Varela (in Código Civil Anotado) a lei distingue nas declarações receptícias  dois critérios para a eficácia da declaração: o critério da recepção e o do conhecimento.

Provado que a declaração chegou ao poder do destinatário, o conhecimento presume-se juris et de jure. Não é já necessária a específica prova do conhecimento.”
7. A decisão de despedimento é uma declaração receptícia, conforme dispõe o art. º 224º  nº 2 do C. Civil. Logo, o prazo para a propositura da acção de impugnação do despedimento, é de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento, nos termos do disposto no art.º 387º nº 2 C. Trabalho.
8. A decisão de despedimento foi enviada à Recorrente para a morada que consta nos registos da Recorrida, por carta registada com aviso de recepção no dia 21.02.2019, tendo os serviços postais deixado aviso de não entrega, por ninguém ter atendido, no dia 22.02.2019, conforme documento constante de fls. 130v. e 131.
9. Bastando a prova da entrega/recepção da decisão de despedimento na morada da Recorrente para que se considere que efectivamente aquela chegou ao seu poder.
10. A Recorrente foi notificada da decisão de despedimento em 22.02.2019, sendo que tinha 60 dias a contar dessa data para intentar a acção de impugnação de despedimento, o que não aconteceu uma vez que a mesma deu entrada em juízo no dia 3.05.2019, motivo pelo qual o direito da Recorrente caducou.
11. A caducidade é excepção peremptória, a qual implica, nos termos do disposto nos art.º 576º nº 1 e 3 e 579º do C. Processo Civil, a absolvição do pedido.
12. À comunicação do despedimento aplica-se o art.º 224.º, n.º 1 e 2 do Código Civil, pelo que é considerada devidamente realizada e eficaz a comunicação que por culpa da Recorrente não foi oportunamente recebida.
13. A Recorrida não tinha qualquer obrigação legal de contactar a Recorrente quer telefonicamente quer por qualquer outra via para além da forma de contacto que utilizou, a saber, o contacto via comunicação postal, enviada para a morada da Recorrente que consta do processo individual do trabalhador em causa, nem efectuar qualquer aviso de que iria ser ou estava pendente qualquer processo disciplinar.
14. Impendia sobre a Recorrente o ónus de informar a Recorrida da ausência prolongada do seu domicílio, bem como a nova a nova morada, ainda que temporária, informação que aquela nunca prestou, não podendo agora prevalecer-se da sua conduta negligente para alegar que nada recebeu da Recorrida.
15. A Recorrida cumpriu com todos os procedimentos que lhe são impostos por lei para realização das diligências necessárias à instrução do processo e à comunicação de despedimento, assegurando a regularidade do mesmo, não assistindo, assim, razão à Recorrente.
16. A Recorrida é a única responsável por não ter acedido à comunicação da decisão de despedimento que lhe foi dirigida pela Recorrida, porque, pese embora não exista o dever de a trabalhadora permanecer em casa, a mesma tem o dever de avisar a entidade empregadora de mudanças de local onde resida por forma a que possam produzir efeitos as comunicações que aquela lhe pretendesse dirigir e, não o fazendo, agiu de forma negligente para assegurar que podia aceder em tempo útil às comunicações que lhe foram dirigidas.
17. No quadro demonstrado, a Recorrente foi negligente quando, sabendo que estava ausente e que não tinha informado a referida alteração de domicílio, não passou por sua casa para verificar a sua correspondência, durante meses, pelo que, apenas por culpa sua não tomou conhecimento da decisão de despedimento que lhe fora remetida pela Recorrida (tal como já não havia recebido a Nota de Culpa).
18. Neste sentido a decisão em crise deu integral cumprimento ao disposto nos arts. 387.º do Código do Trabalho e 224.º do Código Civil, não violando qualquer dispositivo legal, devendo, por isso, manter-se inalterada.

Terminou, pugnando pela improcedência do recurso.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

A recorrente respondeu ao parecer do Ministério Público, pugnando pela procedência do recurso.
*

II São as seguintes as questões objecto de recurso:
- Se foi observado o disposto no art. 81º, nº1, do CPT no que concerne ao modo de interposição do recurso;
- Se procede a excepção de caducidade.
*

IIIApreciação

Estatuía o art. 81º, nº1 do CPT ( na redacção em vigor à data da apresentação das alegações, ou seja na redacção anterior à lei nº 107/2019, de 09 de Setembro) : « O requerimento de interposição de recurso deve conter a alegação do recorrente, além da identificação da decisão recorrida, especificando, se for caso disso, a parte dela a que o recurso se restringe».

Refere a recorrida que as alegações de recurso da recorrente foram apresentadas de forma autónoma.

Resulta de fls. 143 a 158 dos autos que em 28.08.2009 foi apresentado no citius requerimento de interposição do recurso dirigido à Exmª Juiz a quo, com junção das alegações dirigidas a este Tribunal da Relação, pelo que entendemos que se mostra cumprido o preceituado no art. 81º, nº1, do CPT.

Vejamos, agora, se procede a excepção de caducidade.

De acordo com o disposto no nº2 do artigo 387º do Código do Trabalho, o trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento no Tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação do despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior.

Resulta do disposto no art. 357º, nº7 do CT  que a decisão de despedimento « determina a cessação do contrato logo que chega ao poder do trabalhador ou é dele conhecida ou, ainda, quando só por culpa do trabalhador não foi por ele oportunamente recebida.»

Consagra-se, assim, um regime semelhante ao previsto no art. 224º, nºs 1 e 2 do Código Civil.[1] Em anotação a este artigo referem os professores Pires de Lima e Antunes Varela in “ Código Civil Anotado”, vol. I pág. 213 : « No nº2, como medida de protecção do declarante, considera-se eficaz a declaração que não foi recebida por culpa do declaratário. É o caso, por ex., de este se ausentar para parte incerta ou de se recusar a receber a carta, ou de a não ir levantar à posta-restante como o fazia usualmente». 
                              
É discutível se o prazo para instauração da acção tem o seu início na data em que a trabalhadora poderia ter levantado a carta na estação dos CTT ( neste sentido, Acórdão do STJ de 05.12.2018 e Acórdão da Relação de Lisboa de 05.07.2018- www.dgsi.pt ) ou se o prazo previsto para a reclamação da carta na referida estação não deverá ser considerado para efeitos de contagem do prazo para impugnação do despedimento ( porque só após o decurso do prazo de reclamação da carta poderemos concluir pela consolidação do comportamento omissivo e culposo do trabalhador que determina a falta de recepção da missiva).

A decisão recorrida aponta neste último sentido, mas, por lapso, indicou a data de 01.02.2019 em vez 06.03.2019. A carta em apreço poderia ter sido reclamada na estação dos CTT até 04.03.2019.

Para uma correcta apreciação da excepção em apreço, entendemos, contudo, que deverão ser apurados todos os factos alegados atinentes à culpa da trabalhadora pela não recepção da carta que continha a decisão de despedimento e deverão também ser objecto de indagação as razões apontadas pela mesma. A ora recorrente indicou na sua contestação as razões pelas quais não recebeu oportunamente a comunicação de despedimento (aconselhamento médico para se ausentar de Lisboa e residência temporária na casa de uma amiga em (…).

Assim e com vista ao apuramento dos factos articulados pelas partes que permitam apurar a culpa (ou a sua inexistência) pela não recepção da missiva que foi devolvida em 06.03.2019, entendemos que deverá ser relegado para sentença o conhecimento da excepção peremptória de caducidade.
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IVDecisão

Em face do exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso de apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os ulteriores termos legais, caso a tal nada obste.
Custas pela recorrida.
Registe e notifique.


Lisboa, 18 de Dezembro de 2019


Francisca Mendes
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos      

           
[1] Estatuí o art. 224º do CC, sob os nºs 1 e 2: 
1-A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada.
2-É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.


Decisão Texto Integral: