Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
387/17.6Y4LSB-A.L1-5
Relator: VIEIRA LAMIM
Descritores: AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
EXECUÇÃO
TRIBUNAL COMPETENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I.– O Tribunal material e territorialmente competente para executar uma decisão proferida por autoridade administrativa que aplicou uma coima em processo contra-ordenacional e que não tenha sido impugnada judicialmente, é aquele que seria competente para tal impugnação;
II.– Nas comarcas em que existam secções de pequena criminalidade, a determinação da competência entre os juízos locais criminais e os juízos de pequena criminalidade (art.130, nº2, d, e nº4, b, da Lei nº62/13 -Lei da Organização do Sistema Judiciário) para execução dessas coimas, faz-se em função da medida abstracta da pena prevista para a infracção e não da coima aplicada.

(Sumário elaborado pelo Relator).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.



Relatório:


Iº– 1.- Nos autos de Execução Comum, nº387/17.6Y4LSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Local Criminal de Lisboa – J5, o Mmo Juiz, em 16Set.17, proferiu o seguinte despacho:

"...
O Ministério Público intentou a presente acção executiva Café M., Lda.
Apresenta como título executivo uma decisão administrativa definitiva que aplica uma coima no valor de €1.250,00 à sociedade executada, e à qual acrescem custas administrativas no valor de €51,00.
Atribuiu à causa o valor de €1.351,00.
A coima aplicada resulta da prática de uma contra-ordenação punível nos termos do art.5°, nº2, b) do Decreto-lei nº48/96 de 15 de Maio.
Cumpre apreciar a competência material deste Tribunal para a presente acção executiva.
*

Vejamos:
Nos termos do disposto no artigo 130°, nº1, e), Lei nº62/2013, de 26 de Agosto da citada Lei, compete às secções de competência genérica da Instância local “Julgar os recursos das decisões das autoridades administrativas em processo de contraordenação, salvo os recursos expressamente atribuídos a secções de competência especializada central ou a tribunal de competência territorial alargada”.

Todavia, no nº3 do mesmo preceito legal, a Lei prevê a possibilidade de a secção criminal poder ser desdobrada em secções de pequena criminalidade. Nesse caso - que sucede na presente comarca.

Os tribunais criminais de média e pequena instância têm competência especializada para julgar os recursos das decisões das autoridades administrativas, em processo de contra-ordenação, nos termos dos artigos 132º nº1, alínea d), e 133º alínea b), da Lei nº52/2008, bem como para a execução dessas decisões proferidas em sede de recurso (artigo 134° da mesma Lei).

Neste quadro normativo não se evidencia uma norma expressa a definir qual o tribunal material e especificamente competente para a execução das coimas quando não tenham sido objecto de recurso para os tribunais criminais. No entanto, é sabido que não se trata de uma execução de natureza cível, mas sim de natureza contra-ordenacional, com alguma afinidade, pelo menos em termos de direito substantivo, ao regime das multas criminais.

Ora, o artigo 89° n°2 do Regime Jurídico do Ilícito de Mera Ordenação Social, determina a aplicação à execução das coimas, com as necessárias adaptações, do disposto no Código de Processo Penal sobre a execução da multa (artigos 510° a 512.° daquele Código), sendo que o primeiro prevê a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil em tudo o que, neste domínio, não esteja especialmente previsto no Código de Processo Penal, o que versará sobretudo sobre a disciplina de tramitação.

Assim sendo, conclui-se, na senda da jurisprudência dominante que, poder-se-á então lançar mão do disposto nos artigos 132° n°1, alínea d), 133, b), e 134° da mesma Lei para considerar que a execução de multas e coimas aplicadas em decisões proferidas pelos tribunais criminais são da competência deste e que não se encontra razão para que também não sejam competentes para a execução das coimas que não tenham sido objecto de recurso.

Dito isto e, atendendo ao que dispõe o nº1 do artigo 89° do Regime Jurídico do Ilícito de Mera Ordenação Social “a execução pelo não pagamento da coima deverá ser promovida perante o tribunal que for competente para conhecer do recurso, nos termos do artigo 61 do mesmo diploma”, conclui-se que, onde existam tribunais de competência específica, serão competentes os juízos de Pequena Instância Criminal para julgar esses recursos quando o valor da coima seja igualou inferior a €15.000,00. E caberá à Média Instância Criminal julgar esses mesmos recursos quando o valor da coima seja superior a este montante (artigo 133.°, alínea b), da Lei nº52/2008). cfr. neste sentido, os acórdãos da Relação de Lisboa de 8.11.2012 e de 9-10-12, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Em face do exposto, julgo este Tribunal materialmente incompetente, em função do valor, para a tramitação da presente execução.
Notifique.
...".

2.– Deste despacho de 16Set.17, recorre o Ministério Público, motivando o recurso, com as seguintes conclusões:
2.1– No âmbito do processo de contra-ordenação nº3-2461-2013, instaurado pela Câmara Municipal de Lisboa contra Café - M., Lda., com sede em Lisboa, foi aplicada a coima, acrescida de custas, no valor global de 1351,00€ (mil trezentos e cinquenta e um euros) pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo art.5º, no2, aI. b) do DL nº 48/96, de 15 de Maio, na redacção dada pelo DL n°48/2011, de 01 de Abril, punível com a coima mínima no valor de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros) e a coima máxima no valor de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros).
2.2– O Tribunal a quo declarou-se materialmente incompetente para conhecer da presente execução nos seguintes termos: "(…) conclui-se que, onde existam tribunais de competência específica, serão competentes os juízos de Pequena Instância Criminal para julgar esses recursos quando o valor da coima seja igualou inferior a €15.000,00. E caberá à Média Instância Criminal julgar esses mesmos recursos quando o valor da coima seja superior a este montante (artigo 133.°, alínea b), da Lei no52/2008) - cfr. neste sentido, os acórdãos da Relação de Lisboa de 08. 11. 2013, de 09.10.2012, ambos disponíveis in www.dgsi.pt”.
2.3– Discordamos desta decisão.
2.4– Vejamos.
2.5– A Lei nº62/2013, de 26 de Agosto - Nova lei da Organização do Sistema Judiciário (adiante LOSJ) não suscita dúvidas no que respeita à competência dos Tribunais quanto ao julgamento de impugnações judiciais de decisões administrativas em processos de contra-ordenação.
2.6– Ou seja, se o valor da coima aplicável for igualou inferior a € 15.000,00 (quinze mil euros), a competência é do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, nos termos do art.130, nº4, aI. b) da lei nº62/2013, de 26 de Agosto.
2.7– Daí resulta, a contrario, que se o valor da coima abstractamente aplicável for superior a €15.000,00 (quinze mil euros) a competência é do Juízo Local Criminal de Lisboa.
2.8– No que se refere à competência dos Tribunais em relação à instauração de execuções, por falta de pagamento, das coimas aplicadas por decisões administrativas, que não tenham sido objecto de impugnação, a LOSJ é omissa à semelhança do que ocorria com a anterior - Lei 3/99, de 13/1.
2.9– Pelo que se mostra necessário apelar à jurisprudência maioritária que vigorava na vigência da LOFTJ, quanto a esta omissão, recorrendo ao disposto no art.89, nº1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas - DL nº433/82, de 27/10.
2.10– Ora, o referido artigo dispõe que: "o não pagamento de uma coima aplicada por decisão administrativa dará lugar à execução, que será promovida, perante o tribunal competente, segundo o art.61º" do referido diploma legal, sendo que neste se estipula que: "é competente para conhecer do recurso o tribunal em cuja área territorial se tiver consumado a infracção".
2.11– A jurisprudência maioritária pronunciou-se no seguinte sentido: "o tribunal competente para a execução de uma coima, por falta pagamento, é o que é competente para conhecer da impugnação da decisão administrativa que aplicou essa coima" - vide Ac. do STJ de 05/12/1996, BMJ nº462,352; Ac. TRC de 09/11/1999, CJ, XXIV, 5, 28; Ac. TRL de 02/07/1996, Tomo IV pág. 151; Ac. TRL de 07/05/1997, proc. 9563; Ac. de 9/10/2012 do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo nº1040/12.2YRLSB.
2.12– Como acima se referiu, no âmbito do processo de contra-ordenação em causa, foi aplicada uma coima no valor global de 1351,00€ (mil trezentos e cinquenta e um euros), pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo art. 5,°, nº2, aI. b) do DL nº48/96, de 15 de Maio, na redacção dada pelo DL nº48/2011, de 01 de Abril, punível com a coima mínima no valor de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros) e a coima máxima no valor de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros) - no caso de se tratar de pessoa colectiva.
2.13– Face ao exposto, entendemos, que o Juízo Local Criminal de Lisboa é territorial e materialmente competente para executar a presente execução, porquanto estamos na presença de uma coima máxima abstractamente aplicável no valor de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros) - valor determinante a ter em consideração para a determinação do Tribunal competente para a execução, nos termos do art.130°, nº4, aI. b) da Lei nº62/2013, de 26 de Agosto, a contrario, bem como do disposto nos arts.89, nº1 e 61° do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas - DL nº433/82, de 27/10, nas sucessivas versões.
Termos em que, e, em suma, deve o recurso ora apresentado proceder na íntegra e, em consequência, alterar-se a decisão no sentido de se declarar este Tribunal materialmente competente para tramitação da execução.

3.– O recurso foi admitido, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo, não tendo sido apresentada resposta.

4.– Neste Tribunal, o Exmo. Sr. PGA, aderiu à resposta do Ministério Público em 1ª instância.

5.– Colhidos os vistos legais, procedeu-se a conferência.

6.– O objecto do recurso, tal como ressalta das respectivas conclusões, reconduz-se à questão de saber a quem pertence se competência para a execução instaurada pelo Ministério Público.
*     *     *

IIº– 1.- O Ministério Público requereu a execução de coima e custas, no valor global de 1.351,00€, em que foi condenado a executada Café - M., Lda., em processo de contra-ordenação instaurado pela Câmara Municipal de Lisboa, pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo art.5º, no2, aI. b) do DL nº 48/96, de 15 de Maio, na redacção dada pelo DL n°48/2011, de 01 de Abril, punível com a coima de €2500 a €25 000 (para pessoas colectivas).
Como refere o despacho recorrido e merece concordância do recorrente, não existe norma expressa a definir qual o tribunal material e especificamente competente para a execução das coimas quando a decisão administrativa não tenha sido impugnada judicialmente.

No caso, porém, não é questionada a competência dos tribunais criminais, o que corresponde à orientação maioritária da nossa jurisprudência[1].

A controvérsia reside em saber se a competência pertence aos juízos locais criminais ou aos juízos de pequena criminalidade.

Segundo o despacho recorrido, considerando o valor da quantia exequenda (€1.351,00), a competência deve ser atribuída aos juízos de pequena criminalidade, uma vez que o art.130, nº4, al.b, da Lei nº62/13, de 26Ago. (Lei da Organização do Sistema Judiciário), lhes atribui competência para “b) Recursos das decisões das autoridades administrativas em processo de contraordenação a que se refere a alínea d) do n.º 2, quando o valor da coima aplicável seja igual ou inferior a (euro) 15 000,00, independentemente da sanção acessória”, cabendo aos juízos locais criminais os recursos em que a coima seja superior a esse valor (al.d, do nº2, do mesmo preceito).

O recorrente entende que, também em relação a esta questão concreta se deve ter como referência a regra da competência do tribunal que seria competente para a impugnação da decisão administrativa, caso a mesma tivesse sido impugnada, ou seja, deve tomar-se como referência a medida abstracta da coima e não o valor da coima aplicada, como pretende o despacho recorrido.

Defende que, a aceitar-se a tese do despacho recorrido, perante duas coimas, aplicadas pela mesma autoridade administrativa em valor concreto inferior a €15.000, mas em que a medida abstracta fosse superior, em caso de só uma delas ter sido impugnada, o tribunal competente para a sua execução seria o Juízo Local Criminal de Lisboa para a impugnada e o Juízo Local de Pequena Criminalidade e Lisboa para a não impugnada, o que violaria o princípio da igualdade.

Discordamos que esta situação pudesse configurar violação do princípio a igualdade, pois em ambos os casos seria assegurada a devida tutela judicial, nada impedindo o legislador de definir a competência dos tribunais em função do valor do processo.

Contudo, concordamos que não há razão para soluções diversas em função de ter ou não havido impugnação judicial da decisão administrativa.

No processo penal, cujas regras são aplicáveis subsidiariamente ao regime das contra-ordenações (arts.41 e 89, nº2, do RGCO), a regra é a execução da pena seguir no próprio processo penal (arts.489 e segs. do CPP), no tribunal que foi competente para a decisão de mérito condenatória.

O art.89, do RGCO, em relação ao tribunal competente para a execução, remete para o art.61, que se refere ao tribunal competente para conhecer a infracção, sem que seja atribuída qualquer relevância ao valor da quantia exequenda na determinação dessa competência.

No decurso do processo de execução da coima, podem surgir questões relacionadas com a extinção da responsabilidade contra-ordenacional (morte do condenado, prescrição da pena, amnistia ou perdão), ou com a pena, nomeadamente em casos que a lei admita a substituição da coima aplicada total ou parcialmente substituída por dias de trabalho (art.89 A, do RGCO), o que obrigando a uma ponderação sobre a gravidade da contra-ordenação e circunstâncias do caso, tem a ver com juízo global sobre a infracção, próprio de quem aprecia a infracção em função da medida abstracta da pena, daí que deva pertencer a quem teria competência para apreciação da impugnação judicial da decisão administrativa, caso esta tivesse existido.

Assim, além da lei não atribuir qualquer relevância ao valor da quantia exequenda para determinação do tribunal competente para a execução e de só ser possível retirar da letra da lei o critério de atribuição de competência ao tribunal que seria competente para conhecer a impugnação judicial da decisão administrativa (arts.80 e 61, do RGCO), a solução defendida pelo recorrente é a que mais se compatibiliza com a unidade do sistema jurídico.

Em conclusão, pertencendo aos tribunais criminais a competência para execução de coima aplicada por autoridade administrativa, nas comarcas em que existam secções de pequena criminalidade, a determinação da competência entre os juízos locais criminais e os juízos de pequena criminalidade (art.130, nº2, d, e nº4, b, da Lei nº62/13 -Lei da Organização do Sistema Judiciário), faz-se em função da medida abstracta da pena prevista para a infracção e não da coima aplicada, o que justifica, no caso, o reconhecimento da competência do Juízo Local Criminal de Lisboa, como defende o Ministério Público.
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IVº– DECISÃO:
Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, acordam em dar provimento ao recurso do Ministério Público, revogando o despacho recorrido que deve ser substituído por outro, reconhecendo a competência do Juízo Local Criminal de Lisboa para a execução instaurada pelo recorrente.
Sem tributação.



Lisboa, 13.12.2017



(Relator: Vieira Lamim)
(Adjunto: Ricardo Cardoso)



[1]Decisão de 9Out.12, do então Presidente desta Secção, Nuno Gomes da Silva (Pº1040/12.2YRLSB-5) “O Tribunal material e territorialmente competente para executar de uma decisão proferida por uma autoridade administrativa que aplicou uma coima (título executivo) em processo contraordenacional é aquele que seria competente para a impugnação dessa mesma decisão, nos termos do artigo 89.° do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro”.
No mesmo sentido, Ac. do TRE de 26Abr.16 (Relator Ribeiro Cardoso, acessível em www.dgsi.pt) “…IV - O Tribunal materialmente competente para a execução de coima aplicada por entidade administrativa é o Tribunal para onde teria cabido competência para a impugnação judicial dessa decisão”.