Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
31543/16.3T8LSB.L1-4
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: PILOTO DE AVIAÇÃO
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
CONDUTA EXTRA-LABORAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: Integra justa causa de despedimento, a conduta de um piloto de aviação que fora do horário de trabalho comete os crimes de sequestro e tentativa de roubo, violando, assim, entre outros, os deveres de lealdade e de respeito para com a sua entidade empregadora, sendo tal conduta apta a frustrar definitivamente as expectativas da ré no cumprimento devido e integral das funções a que aquele se encontrava adstrito.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


1.Relatório:


1.1. AAA, contribuinte fiscal n.º (…), residente na RUA (…), intentou a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude de despedimento contra BBB, SA, com sede (…),  Lisboa.

A empregadora apresentou articulado de motivação do despedimento, sustentando os fundamentos que motivaram o despedimento do trabalhador.

O trabalhador apresentou contestação impugnando os factos constantes da motivação e pedindo a declaração de ilicitude do seu despedimento e suas consequências.

Em reconvenção pede a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 10.000,00 acrescida de juros de mora, a título de retribuição devida.

Foi proferido despacho saneador que julgou verificados todos os pressupostos de validade da instância.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento.

Proferida sentença foi a acção julgada improcedente por não provada.

1.2. Inconformado com esta decisão, dela recorreu o autor, concluindo as suas alegações de recurso do seguinte modo:
(…)

1.3. A ré respondeu ao recurso, concluindo nos seguintes termos:
(…).

1.4. O Exmo. Magistrado do MP teve vista dos autos e elaborou parecer no sentido da confirmação da sentença.

1.5. Foram colhidos os vistos legais.

2. Objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ainda não julgadas com trânsito em julgado - artigos 635.º, números 3 e 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Deste modo, as questões que o recorrente coloca à apreciação deste tribunal são as seguintes:
a)- Impugnação da matéria de facto;
b)- Caducidade do procedimento disciplinar
c)- Inexistência de justa causa de despedimento

3. Fundamentação de facto

i)Matéria de facto dada como provada
1.- O autor era trabalhador da ora ré BBB, SA desde o dia 16 de Julho de 2006.
2.- Exercendo as suas funções de Piloto de avião (oficial piloto).
3.- Em Dezembro de 2015, a BBB, SA teve conhecimento de rumores que corriam de que o requerente estaria envolvido em “assaltos a residências e agressões aos seus ocupantes”, factos que inclusivamente originaram a detenção pela PSP e a sua constituição como arguido com Termo de Identidade e Residência (TIR).

4. Por e-mail de 9 de Dezembro de 2015, junto por cópia a fls. 108, a PSP comunicou a (…) que “na sequência de contacto prévio com esses serviços no sentido de confirmar se AAA, seria colaborador da BBB, vimos por este meio confirmar a sua detenção (…).
Na eventualidade de a BBB pretender recolher informação sobre o assunto sugerimos contacto com o Ministério Público de Oeiras – Secção Criminal (…), entidade competente para a acção penal.”   
5. Por solicitação do Director de Operações de Voo (DOV), em dia não concretamente apurado mas entre 09 e 11 de Dezembro de 2015, o autor reuniu com (…), Chefe de Frota, à data dos factos.
6. Nessa reunião, confrontado com o teor do e-mail de 9 de Dezembro o autor reportou ao Chefe de Frota que tinha ido ajudar um amigo que tinha sido ameaçado deslocando-se à casa da pessoa que ameaçou o amigo para lhe pregar um susto tendo aparecido a polícia e sido levados para a esquadra.      

7. Em 11 de Dezembro de 2015, o requerente remeteu para “Pilotos e Frota, Frota 330”, o e-mail junto a fls. 110, dizendo o seguinte:
“Envio em anexo o Termo de Identidade e Residência que me foi aplicado no seguimento do processo de investigação.
Adicionalmente deixo o contacto da minha advogada para qualquer contacto ou documento que vejam necessário da parte do gabinete jurídico.”

8. Em data não concretamente apurada mas anterior a 08 de Janeiro de 2016, o autor reuniu com o Director de Recursos Humanos (…) sobre os factos a que aludem o email de 09 de Dezembro, com o esclarecimento que não tem aquele competência para acção disciplinar.
9. Em 8 de Janeiro de 2016, o requerente remeteu para Director Operações de Voo, Pilotos e Frota, Frota A330 cc (…) o email junto a fls. 111 dos autos onde consta assinaladamente o seguinte, “(N)o dia 11 de Dezembro de 2015 fui chamado à frota de longo curso para o Sr. Chefe de Frota Comandante (…) me informar de que estava impedido de voar por suspensão ditada pelo Sr. Director de Operações de Voo Comandante (…) e Direcção de Recursos Humanos.
Expliquei a situação, do foro pessoal, ocorrida fora do horário de trabalho no dia 03 de Dezembro e deixei contactos dos intervenientes a quem a TAP Air Portugal poderia recorrer para mais informações se assim desejasse, a saber, o chefe da equipa do Núcleo de Investigação Criminal de (…), subcomissário (…) e ainda o contacto da minha advogada (…) (….).
Fui contactado no dia 16 de Dezembro pelo serviço de Escalas para me apresentar ao Sr. Director de Recursos Humanos (…) a quem expliquei novamente toda a situação. Concordei em me submeter quaisquer testes e exames que entendessem necessário para o retorno ao voo, nomeadamente exames médicos na UCS, análises à urina, consulta de psicologia e clínica geral que aconteceram no dia imediatamente a seguir.
Hoje dia 08 de Janeiro continuo impedido de voar sem que até ao momento tenha sido formalizada uma justificação para tal suspensão. (…).”

10. Em 13 de Janeiro de 2016, (…) remeteu ao requerente o email junto a fls. 109 dos autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, assinaladamente o seguinte: “Considerando que no âmbito das suas funções de piloto comercial, ao serviço da BBB, carece de se ausentar para o estrangeiro, com probabilidade de ultrapassar os 5 dias indicados no seu TIR, nomeadamente em caso de irregularidades operacionais, recomendamos que solicite às entidades policiais/judiciais, que estão a instruir o seu processo, informação da qual conste a inexistência de impedimentos ao normal exercício das suas funções de piloto TAP.”

11. Em 18 de Janeiro de 2016 a mandatária do requerente remeteu a (…) o e-mail junto a fls. 112-114 dos autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, nomeadamente o seguinte:
“Na qualidade de Advogada de AAA e considerando o vosso e-mail de 13 de Janeiro de 2016, (…), cumpre informar o seguinte:
1.- AAA, vosso colaborador, na categoria de Oficial Piloto, encontra-se no âmbito dos autos n.º (…), sujeito a Termo de Identidade e Residência, doravante TIR.
2.- (…).
3.- O oficial piloto BBB, AAA, considera com bom grado a vossa recomendação, isto é, solicitar as entidades policiais/judiciais que estão a instruir o processo, a informação donde conste a inexistência de impedimentos ao normal exercício de funções de piloto BBB.
4.- Contudo, sempre se dirá que o cumprimento desta, se mostra inviável, porquanto, não existe qualquer autoridade policial, que aliás é incompetência nesta matéria, ou autoridade judiciária ou judicial que emita declaração, informação, parecer ou opinião, sobre se o TIR é facto impeditivo do exercício de funções, enquanto oficial piloto ao serviço da BBB.
(…).”
12. Em 19 de Janeiro de 2016, (…) Falcato remeteu à mandatária do autor e a (…) o email junto a fls. 112 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, assinaladamente o seguinte: “2. Sugiro voltar a chamar o O/P, contando com a presença do Dr. (…), para ver se decorrido este período desde que está sem voar, existe disponível para rescisão com a Empresa.”.
13. Em 10 e 25 de Fevereiro de 2016 a mandatária do autor e (…) trocaram os e-mails juntos a fls. 234-235 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
14. Em data não concretamente apurada, o autor reuniu novamente com o Director de Recursos Humanos tendo sido abordada a situação em que o autor se encontrava e solução para a mesma.
15. Em data não concretamente apurada, o autor reunião com o Dr. (…), Director dos Recursos Humanos do Grupo (…), com o esclarecimento que este não tem competência para a acção disciplinar.
16. Como sugerido pelas entidades policiais, a ré contactou as autoridades judiciais para apurar os factos e em 21 de Junho de 2016, foi emitida e entregue à ré para efeitos de instauração de processo de inquérito disciplinar por parte da entidade patronal BBB, SA ao seu trabalhador AAA, certidão composta por diversos documentos emitida pela (…) Secção DIAP (…), junta a fls. 3-49 do processo disciplinar apenso resultando do auto de interrogatório de arguido (1º interrogatório judicial de arguido detido) a imputação ao requerente por fortes indícios da prática de um crime de sequestro, na forma consumada previsto e punido pelo artigo 158º, n.º 1 do Código Penal e um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, n.º 1, alínea c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro da mesma decorrendo que, ao ora autor, lhe foram nesse âmbito aplicadas as medidas de coacção de Termo de Identidade e Residência, previsto no art. 196º Código Penal e a Obrigação de se apresentar semanalmente, no posto da autoridade policial da área da sua residência, conforme previsto no art. 198º Código Processo Penal.
17. Em 09 de Agosto de 2016, o Presidente do Conselho de Administração da BBB, SA determinou a instauração de procedimento disciplinar contra o trabalhador Oficial Piloto, AAA e a suspensão preventiva da prestação de trabalho.

18. Por carta expedida em 19 de Agosto de 2016 e recepcionada dia 22, junta ao processo disciplinar a ré comunicou ao requerente a instauração de um processo disciplinar pelos seguintes factos que constam da nota de culpa:
”1.- O arguido é trabalhador da BBB –, SA desde o dia 16 de Julho de 2006.
2.- Exercendo as funções de Piloto de Avião.
(…).
4.- Em Dezembro de 2015, a BBB –, SA teve conhecimento de rumores que corriam de que o trabalhador arguido estaria envolvido em «assaltos a residências e agressões aos seus ocupantes», factos que inclusivamente originaram a sua detenção pela PSP e sua constituição como arguido com Termo de Identidade e Residência (TIR).
5.- Nessa sequência, o Director de Operações de Voo solicitou ao trabalhador arguido esclarecimentos sobre tais rumores, tendo este reconhecido ter-se envolvido em «problemas com/agressões a um indivíduo», bem como a sua detenção pela PSP e a situação de TIR a que se encontrava sujeito, sem no entanto esclarecer ou fornecer mais dados sobre tais ocorrências.
6.- A BBB, SA procurou, então, colher informações sobre o sucedido.
7.- Por certidão judicial emitida em 21 de Junho de 2016, a BBB, SA veio a ter conhecimento de um processo-crime instaurado contra o trabalhador arguido e onde se imputa ao mesmo, em co-autoria, a prática de um crime de roubo qualificado, na forma tentada, de um crime de sequestro e de um crime de detenção de arma proibida.
De facto,
8.- Nos dias 3 de Dezembro de 2015, cerca das 9:30h, encontrando-se ainda no período de repouso após actividade realizada, e que antecede o gozo da folga, o trabalhador arguido, juntamente com (…) e (…), executando um plano anteriormente elaborado, deslocou-se à residência sita na Rua (…), para se apoderar de dinheiro e de produto estupefaciente que pensavam existir naquele local.
10.- Para o efeito, o trabalhador arguido e os seus companheiros decidiram adquirir e vestir um uniforme dos Bombeiros, nomeadamente um anorak de cor vermelha dos Bombeiros, um pólo de cor vermelha dos Bombeiros, com a respectiva divisa, umas botas de cor preta e umas calças azuis.
11.- Com o aludido uniforme vestido, e transportando um saco utilizado para suporte básico de vida, mas contendo no seu interior uma reprodução de arma de fogo, tipo revólver, marca Magnum, Cal. 9 mm, o trabalhador arguido e os seus cúmplices dirigiram-se ao referido prédio e tocaram à campainha da moradora (…).
12.- O trabalhador arguido e os seus companheiros identificaram-se como bombeiros, dizendo que se encontravam no prédio para tratar de uma fuga de gás, solicitando-lhe que abrisse a porta.
13.- Na medida em que o prédio em causa não possuía gás canalizado, a moradora (…) não lhes abriu a porta.
14.- Nesse momento, o morador (…) aproximou-se do referido prédio para entrar no mesmo.
15.- Em consequência, o trabalhador arguido e o seu companheiro (…) dirigiram-se ao morador (…) e, identificando-se como Bombeiros, solicitaram-lhe que os deixasse entrar no seu apartamento, pois tinham de aceder à cozinha em virtude de uma fuga de gás.
16.- Apesar de estranhar a solicitação em causa, dado que o prédio não tem gás canalizado, o Sr. (…) acedeu a deixar o trabalhador arguido e os seus companheiros entrar na sua habitação.
17.- Porém, já no interior da mesma, o trabalhador arguido e o seu companheiro (…) disseram ao Sr. (…) para ter calma, ao mesmo tempo que o manietaram e o algemaram com as mãos atrás das costas.
18.- Em acto contínuo, o trabalhador arguido e o seu companheiro (…) disseram que eram da Polícia Judiciária, sentando o Sr. (…) no chão apertando-lhe o pescoço.
19.- De seguida, com o recurso a um pé de cabra, forçaram a porta de um dos quartos da habitação, o qual pertencia a um colega do Sr. (…).
20.- O trabalhador arguido e (…) inspeccionaram a referida divisão, procurando droga e dinheiro.
21.- Como não encontravam nada, dirigiram-se ao Sr. (…) e perguntaram-lhe onde é que estava guardada a droga e o dinheiro, tendo este respondido que não sabia de nada.
22.- Nesse momento, surgiu (…) que, com a cara tapada com um capuz, se dirigiu ao Sr. (…) e lhe disse que «a coisa ia correr mal», porque o que estava em causa era uma operação policial da Policia Judiciária.
23.- De seguida, o trabalhador arguido, (…) e (…) levantaram o Sr. (…) do chão, fecharam-no no seu quarto e saíram da residência.
24.- Sucede que, enquanto os referidos factos ocorriam, a moradora (…), que suspeitava que algo de anormal se estava a passar, pediu auxílio à 81ª Esquadra (…).
25.- Em consequência, compareceu no local o Agente da PSP(…), o qual foi alertado pela mesma dos factos anteriormente e com estes sucedidos.
26.- Quando se encontrava na residência da referida moradora, o Agente da PSP (…) apercebeu-se de alguns ruídos e desordem provenientes do apartamento ao lado, o pertencente ao Sr. (…).
27.- Ao olhar pelo óculo da porta da moradora (…), o referido Agente da PSP visualizou três indivíduos, que posteriormente identificou como sendo o trabalhador arguido e os seus companheiros (…) e (…), que vinham acompanhados do Sr. (…), sendo que este apresentava sinais de agressões na face e encontrava-se manietado com as mãos à retaguarda, com algemas plásticas.
28.- O referido Agente da PSP tentou então abordar o trabalhador arguido e os seus companheiros (…) e (…), tendo estes, porém, encetado de imediato a fuga apeada pelas escadas do prédio.
29.- O Agente da PSP perseguiu o trabalhador e os seus companheiros, os quais só cessaram a fuga após o disparo de dois tiros para o ar.
30.- O trabalhador arguido e os seus companheiros (…) e (…) foram imobilizados, interceptados e algemados, tendo de seguida sido detidos.
31.- O Sr. (…) foi assistido pelo Agente da PSP (…), apresentando sinais evidentes de agressões físicas, de nervosismo e stress, tendo necessidade de cuidados médicos.
32.- No mesmo dia 3 de Dezembro de 2015, pelas 15h10, foram feitas buscas ao interior da viatura automóvel do trabalhador arguido, de matrícula (…), tendo-se constatado que no interior do mesmo se encontravam as seguintes armas:
- uma arma eléctrica Taser, dissimulada sob a forma de uma lanterna;
- um martelo;
33.- Feitas buscas no interior da sua residência, constatou-se que no seu interior se encontravam as seguintes armas:
- uma espingarda, pressão de ar calibre 4,5 mm;
- uma espingarda carabina 9 mm;
- duas pistolas individuais de airsoft;
- duas pistolas metralhadoras de airsoft;
- uma faca tipo punhal, com lâmina de 18 cm de comprimento;
- uma pistola metralhadora de airsoft, com dois carregadores;
34.- Ao actuar da forma descrita, o trabalhador arguido e os seus companheiros (…) e (…) agiram em conluio e em conjugação de esforços, com o propósito de se apropriarem do produto estupefaciente e do dinheiro que encontrassem no interior da aludida habitação, com intenção de os fazer seus, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do respectivo dono.
35.- Para o efeito, utilizaram o uniforme de Bombeiros para lhes facilitar a entrada na habitação em causa e fizeram-se acompanhar de uma reprodução de arma de fogo no interior de um saco utilizado pelos bombeiros para suporte básico de vida.
36.- O trabalhador arguido e os seus companheiros (…) e (…)  utilizaram o recurso à força físico, com o objectivo de colocar o Sr. (…) na impossibilidade de se defender, e para acederem a uma divisão do apartamento que se encontrava fechada, para assim alcançarem os seus intentos.
37.- O trabalhador arguido, acompanhado de (…) e (…), em conluio e em conjugação de esforçosa, agiram com o propósito de privar o Sr. (…) da sua liberdade de movimentos, agredindo-o, tendo logrado alcançar os seus intentos.
38. - Ao ter também na sua posse as armas e munições supra descritas, o trabalhador arguido agiu de forma deliberada e consciente, conhecendo a natureza e características das mesmas, bem sabendo que não as podiam deter e guardar sem para tal estar devidamente autorizado.
39. - O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que tais condutas são previstas na lei.
40. - Ao actuar da forma descrita, o trabalhador incorreu na violação dos seus deveres laborais, nomeadamente o dever de respeitar o empregador, o dever de realizar a sua actividade com zelo e diligência e o de guardar lealdade ao empregador.
41.- Com efeito, não obstante as referidas condutas tenham sido praticadas fora do horário e do local de trabalho do trabalhador arguido, na execução do contrato de trabalho impendem não só deveres principais – directamente relacionados com a execução da actividade – como deveres acessórios – tais como dever de lealdade, dever de respeito e dever de contribuir ou manter o bom-nome, reputação e prestígio da entidade patronal.
42.- A conduta do trabalhador arguido repercutiu-se fortemente no vínculo de trabalho e reflectiu-se negativamente na esfera de actuação da BBB, SA.
43.- Na verdade, os factos supra descritos a sua natureza e a instauração de um processo-crime afectaram a imagem, prestígio e a credibilidade da BBB, SA.
44.- O comportamento adoptado pelo trabalhador arguido viola os princípios da confiança e da estabilidade, especialmente relevantes na actividade de piloto de linha aérea, colocando em dúvida a segurança de toda a tripulação e passageiros nos voos por ele realizados, gerando forte incerteza das suas condutas no desenvolvimento da sua actividade e revelam um regime de vida e totalmente inadequado à exigência da profissão de piloto.
(…).” 

19. O requerente respondeu à nota de culpa nos termos que constam de fls. 66 e ss., destes autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
20. Em 07 de Dezembro de 2016, o Conselho de Administração da requerida, deliberou o despedimento com justa causa do requerente.
21. Por escrito, datado de 07 de Dezembro de 2016, expedido por carta regista com AR, a requerida comunicou ao requerente que “foi decidido o seu despedimento com invocação de justa causa, com produção imediata de efeitos e sem indemnização ou compensação”, anexando o relatório final junto a fls. 159 a 190 do processo disciplinar e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
22. No dia 3 de Dezembro de 2015, pelas 10h00, o autor iniciou um período de folga das suas funções de piloto BBB.
23. No dia 3 de Dezembro de 2015, cerca das 09h30m, encontrando-se ainda no período de repouso após a actividade realizada, que antecede o gozo da folga, o autor juntamente com (…) e (…), em plano previamente combinado, deslocou-se à residência sita na Rua (…), para se apoderar de dinheiro e de produto estupefaciente que pensavam existir naquele local.
24. O autor e os seus companheiros decidiram adquirir e vestir um uniforme de bombeiros, nomeadamente um anorak de cor vermelha dos Bombeiros, um pólo de cor vermelha dos Bombeiros, com a respectiva divisa, uma botas de cor preta e umas calças azuis.
25. Com o aludido uniforme vestido e transportando um saco utilizado para suporte básico de vida, mas contendo no seu interior uma reprodução de arma de fogo, tipo revólver, marca Magnum, Cal. 9mm, o autor e os seus cúmplices dirigiram-se ao referido prédio e tocaram à campainha da moradora (…).
26. O autor e seus companheiros identificaram-se como bombeiros, dizendo que se encontravam no prédio para tratar de uma fuga de gás, solicitando-lhe que abrisse a porta.
27. Na medida em que o prédio em causa não possuía gás canalizado, a moradora (…) não lhes abriu a porta.
28. O autor e seu companheiro (…) dirigiram-se ao morador (…) e, identificando-se como Bombeiros, solicitaram-lhe que os deixasse entrar no seu apartamento, pois tinham de aceder à cozinha do mesmo em virtude de uma fuga de gás.
29. Apesar de estranhar a solicitação em causa, o Sr. (…) acedeu a deixar o autor e os seus companheiros a entrar na habitação.
30. Já no interior da habitação, o autor e seu companheiro (…) disseram ao Sr. (…) para ter calma, ao mesmo tempo que o manietaram e algemaram com as mãos atrás das costas.,
31. Acto contínuo, o autor e o seu companheiro (…) disseram que eram da Polícia Judiciária, sentando o Sr. (…) no chão e apertando-lhe o pescoço.
32. De seguida, o autor (…) e (…) levantaram o Sr. (…) do chão, fecharam-no no seu quarto e saíram da residência.
33. Enquanto os referidos factos ocorriam, a moradora (…), que suspeitava que algo de anormal se estava a passar, pediu auxílio à (…) Esquadra (…).
34. Em consequência, compareceu no local o agente da PSP (…), o qual foi alertado pela mesma dos factos anteriormente descritos.
35. Quando se encontrava na residência da referida moradora, o agente da PSP (…) apercebeu-se de alguns ruídos e desordem provenientes do apartamento ao lado, o pertencente ao Sr. (…).
36. Ao olhar pelo óculo da porta da moradora (…), o referido agente da PSP visualizou três indivíduos, que posteriormente identificou como sendo o autor e os seus companheiros (…) e (…), que vinham acompanhados do Sr. (…), sendo que este apresentava sinais de agressões na face e encontrava-se manietado com as mãos à retaguarda, com algemas plásticas.
37. O referido agente da PSP tentou então abordar o autor e os seus companheiros (…) e (…), tendo estes, porém, encetado de imediato a fuga apeada pelas escadas do prédio.
38. O agente da PSP perseguiu o autor e os seus companheiros, os quais só cessaram a fuga após o disparo de dois tiros para o ar.
39. O autor e os seus companheiros (…) e (…) foram imobilizados, interceptados e algemados, tendo sido de seguida detidos.
40. O Sr. (…) foi assistido pelo agente da PSP (…), apresentando sinais evidentes de agressões físicas, de nervosismo e stress, tendo necessidade de cuidados médicos.
41. No mesmo dia 3 de Dezembro de 2015, pelas 15h10, foram feitas buscas ao interior da viatura automóvel do autor, de matrícula (…), tendo-se constatado que no interior do mesmo se encontravam as seguintes armas:
- uma arma eléctrica Taser, dissimulada sob a forma de uma lanterna;
- um martelo.
42. Feitas as buscas no interior da sua residência, constatou-se que no seu interior se encontravam as seguintes armas:
- uma espingarda, pressão de ar calibre 4,5mm;
- uma espingarda carabina 9 mm;
- duas pistolas individuais de airsoft;
- duas pistolas metralhadoras de airsoft;
- uma faca tipo punhal, com lâmina de 18 cm de comprimento;
- uma pistola metralhadora de airsoft, com dois carregadores.
43. Ao actuar da forma descrita, o autor e seus companheiros (…) e (…) agiram em conluio e em conjugação de esforços, com o propósito de se apropriarem de produto estupefaciente e do dinheiro que encontrassem no interior da aludida habitação, com intenção de os fazer seus, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do respectivo dono.
44. Para o efeito, utilizaram o uniforme dos Bombeiros para lhes facilitar a entrada na habitação em causa e fizeram-se acompanhar de uma reprodução de arma de fogo no interior de um saco utilizado pelos bombeiros para suporte básico de vida.
45. O autor e os seus companheiros (…) e (…) utilizaram o recurso à força física, com o objectivo de colocar o Sr. (…) na impossibilidade de se defender, e para acederem a uma divisão do apartamento que se encontrava fechada, para assim conseguir alcançar os seus intentos.
46. O autor acompanhado de (…) e (…), em conluio e em conjugação de esforços, agiram com o propósito de privar o Sr. (…) da sua liberdade de movimentos, agredindo-o, tendo logrado alcançar os seus intentos.
47. Na residência do autor foram encontradas e apreendidas “duas abraçadeiras plásticas, cuja utilização são as de restringir os movimentos e membros tendo uma delas sido usada para manietar (…).”
48. Por escrito datado de 08 de Novembro de 2016, sob o assunto “41º Processo de Avaliação para Comando”, junto a fls. 128 destes autos, a ré, através do Presidente da Comissão de Avaliação, comunicou ao autor que “(V)enho por este meio formalizar o início do 41º Processo de Avaliação para Comando e informar que por despacho de 07 de Novembro de 2016 da Comissão de Avaliação, foi autorizada a admissão de V. Exª ao referido processo, porquanto reúne todos os requisitos necessários.”
49. A comunicação referida no número anterior é emitida de forma automática e em cumprimento das regras convencionais aplicáveis que decorrem do Acordo de Empresa BBB/SPAC e Regulamento de Admissões, Antiguidades e Acessos anexo àquele.
50. O autor à data da comunicação era trabalhador da ré e não podia deixar de ser inserido na primeira fase do processo em causa.
51. Só posteriormente são aferidas as condições e o preenchimento de requisitos para ser ou não incluído naquele processo.
52. O exercício de funções de tripulante técnico no cockpit de um avião comercial que transporta centenas de passageiros onde a tripulação técnica (Comandante e Co-piloto) desempenham funções de total autonomia e responsabilidade.
53. Desde o dia 11 de Dezembro de 2015 até ao dia 21 de Agosto, data em que o autor foi notificado da nota de culpa e suspensão preventiva da prestação de trabalho sem perda de retribuição, ao autor não foi atribuído qualquer planeamento de voo.
54. O Chefe de Frota não tem competência para instaurar procedimento disciplinar.
55. A suspensão de funções de voo é uma prerrogativa do Director de Operações, na qualidade de Postholder e por isso responsável pela segurança e regularidade da operação aérea desenvolvida pela ré junto da ANAC enquanto entidade reguladora da aviação civil.
56. O autor no seu registo pessoal enquanto trabalhador da ré ou no seu registo criminal não tinha à data dos factos qualquer condenação, advertência ou outro tipo de pena averbada.
57. O autor é uma pessoa afável e disponível para ajudar os outros.

ii) Matéria de facto não provada
1.- Que a ré num “acordo de cavalheiros” que mantém com vários órgãos polícia criminal da República Portuguesa, reporta factos e troca de informações com estas entidades e vice-versa;
2.- Que o e-mail de 09 de Dezembro de 2015, remetido pelo Senhor Intendente, (…) foi no cumprimento “deste acordo”;
3.- Que o autor deixou por escrito e na posse da ré, na pessoa do Chefe de Frota uma declaração onde constava a sua versão dos factos ocorridos e que deram origem ao processo-crime n.º (…)
4.- Que por não lhe ter sido atribuído qualquer planeamento de voo o autor deixou de auferir mensalmente a quantia de € 1.000,00.

4. Fundamentação de Direito
a)- Da impugnação da matéria de facto
(…)
Improcede, deste modo, a presente questão.

b)- Da caducidade do procedimento disciplinar
O autor invoca que a ré teve conhecimento dos factos criminais em que se envolveu, desde 9 a 11 de Dezembro de 2015, e que, por isso, nos termos conjugados dos artigos 382.º n.º 1 e 329.º n.º 2, do Código do Trabalho, não ocorrendo qualquer interrupção do respectivo prazo de sessenta dias, tendo sido o mesmo apenas notificado em 22 de Agosto de 2016 da nota de culpa, se verifica a excepção de caducidade do procedimento disciplinar.

Apreciando.

É sabido que o poder disciplinar do empregador, traduzido no poder deste aplicar sanções disciplinares ao trabalhador (art.º 328.º do Código do Trabalho), se deve nortear pelo princípio da boa-fé, ser conduzido de modo célere e diligente, com observância do contraditório e das garantias defesa do trabalhador. É o que resulta, nomeadamente, das normas que regem esta matéria – art.º 329.º, números 1, 2, 3 e 6, onde se prevêem, respectivamente, os prazos para o exercício do poder disciplinar, início do procedimento disciplinar, e de prescrição do procedimento, bem como a audiência previa do trabalhador antes da aplicação da sanção disciplinar; art.º 330.º n.º 2, onde se prevê o prazo de caducidade (3 meses) subsequentes à decisão para aplicação da sanção disciplinar; art.º 352.º, onde está previsto o procedimento prévio de inquérito, os prazos de (30 dias) para o seu início e a notificação da nota de culpa após a sua conclusão, os efeitos sobre os prazos referidos no art.º 329.º e se impõe a condução diligente do mesmo; art.º 353.º n.º 3, referente aos efeitos interruptivos dos prazos do art.º 329.º da nota de culpa; art.º 335.º onde se indica o prazo (10 dias) para a resposta à nota de culpa e consulta do processo disciplinar; art.º 357.º no qual se prevê o prazo (30 dias) para ser proferida decisão disciplinar de despedimento sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção.

Sobre a matéria da invocada caducidade a sentença recorrida discorreu nos seguintes termos:
“ No caso vertente apurou-se a seguinte factualidade:
- Em Dezembro de 2015, a BBB, SA teve conhecimento de rumores que corriam de que o requerente estaria envolvido em “assaltos a residências e agressões aos seus ocupantes”, factos que inclusivamente originaram a detenção pela PSP e a sua constituição como arguido com Termo de Identidade e Residência (TIR);
- Por email de 9 de Dezembro de 2015, junto por cópia a fls. 108, a PSP comunicou (…) que “na sequência de contacto prévio com esses serviços no sentido de confirmar se AAA seria colaborador da BBB, vimos por este meio confirmar a sua detenção na (…) Esquadra (…), pela prática de crimes contra a propriedade, cuja ocorrência ficou registada com o  (…).
Na eventualidade de a BBB pretender recolher informação sobre o assunto sugerimos contacto com o Ministério Público de (…), entidade competente para a acção penal.”;   
- Por solicitação do Director de Operações de Voo (DOV), em dia não concretamente apurado mas entre 09 e 11 de Dezembro de 2015, o autor reuniu com (…), Chefe de Frota, à data dos factos;
- Nessa reunião, confrontado com o teor do e-mail de 9 de Dezembro o autor reportou ao Chefe de Frota que tinha ido ajudar um amigo que tinha sido ameaçado deslocando-se à casa da pessoa que ameaçou o amigo para lhe pregar um susto tendo aparecido a polícia e sido levados para a esquadra;      
- Em 11 de Dezembro de 2015, o requerente remeteu para “Pilotos e Frota, Frota 330”, o e-mail junto a fls. 110, dizendo o seguinte:
“Envio em anexo o Termo de Identidade e Residência que me foi aplicado no seguimento do processo de investigação.
Adicionalmente deixo o contacto da minha advogada para qualquer contacto ou documento que vejam necessário da parte do gabinete jurídico.”;
- Em data não concretamente apurada mas anterior a 08 de Janeiro de 2016, o autor reuniu com o Director de Recursos Humanos (…) sobre os factos a que aludem o e-mail de 09 de Dezembro, com o esclarecimento que não tem aquele competência para acção disciplinar;
- Em 8 de Janeiro de 2016, o requerente remeteu para Director Operações de Voo, Pilotos e Frota, (…) o email junto a fls. 111 dos autos onde consta assinaladamente o seguinte, “(N)o dia 11 de Dezembro de 2015 fui chamado à frota de longo curso para o Sr. Chefe de Frota Comandante (…) me informar de que estava impedido de voar por suspensão ditada pelo Sr. Director de Operações de Voo Comandante (…) e Direcção de Recursos Humanos.
Expliquei a situação, do foro pessoal, ocorrida fora do horário de trabalho no dia 03 de Dezembro e deixei contactos dos intervenientes a quem a BBB, poderia recorrer para mais informações se assim desejasse, a saber, o chefe da equipa do Núcleo de Investigação Criminal (…), subcomissário (…) e ainda o contacto da minha advogada (…) (….).
Fui contactado no dia 16 de Dezembro pelo serviço de Escalas para me apresentar ao Sr. Director de Recursos Humanos (…) a quem expliquei novamente toda a situação. Concordei em me submeter quaisquer testes e exames que entendessem necessário para o retorno ao voo, nomeadamente exames médicos na UCS, análises à urina, consulta de psicologia e clínica geral que aconteceram no dia imediatamente a seguir.
Hoje dia 08 de Janeiro continuo impedido de voar sem que até ao momento tenha sido formalizada uma justificação para tal suspensão. (…).”;
- Em 13 de Janeiro de 2016, (…) remeteu ao requerente o e-mail junto a fls. 109 dos autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, assinaladamente o seguinte: “Considerando que no âmbito das suas funções de piloto comercial, ao serviço da BBB, carece de se ausentar para o estrangeiro, com probabilidade de ultrapassar os 5 dias indicados no seu TIR, nomeadamente em caso de irregularidades operacionais, recomendamos que solicite às entidades policiais/judiciais, que estão a instruir o seu processo, informação da qual conste a inexistência de impedimentos ao normal exercício das suas funções de piloto BBB.”;
- Em 18 de Janeiro de 2016 a mandatária do requerente remeteu a (…) o e-mail junto a fls. 112-114 dos autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, nomeadamente o seguinte:
“Na qualidade de Advogada de AAA, e considerando o vosso e-mail de 13 de Janeiro de 2016, (…), cumpre informar o seguinte:
1. AAA, vosso colaborador, na categoria de Oficial Piloto, encontra-se no âmbito dos autos n.º (…), sujeito a Termo de Identidade e Residência, doravante TIR.
2. (…).
3. O oficial piloto AAA,  considera com bom grado a vossa recomendação, isto é, solicitar as entidades policiais/judiciais que estão a instruir o processo, a informação donde conste a inexistência de impedimentos ao normal exercício de funções de piloto TAP.
4. Contudo, sempre se dirá que o cumprimento desta, se mostra inviável, porquanto, não existe qualquer autoridade policial, que aliás é incompetência nesta matéria, ou autoridade judiciária ou judicial que emita declaração, informação, parecer ou opinião, sobre se o TIR é facto impeditivo do exercício de funções, enquanto oficial piloto ao serviço da BBB.
(…).”;
- Em 19 de Janeiro de 2016, (…) remeteu à mandatária do autor e a (…) o email junto a fls. 112 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, assinaladamente o seguinte: “2. Sugiro voltar a chamar o O/P, contando com a presença do Dr. (…), para ver se decorrido este período desde que está sem voar, existe disponível para rescisão com a Empresa.”;
- Em 10 e 25 de Fevereiro de 2016 a mandatária do autor e  (…) trocaram os emails juntos a fls. 234-235 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido;
- Em data não concretamente apurada, o autor reuniu novamente com o Director de Recursos Humanos tendo sido abordada a situação em que o autor se encontrava e solução para a mesma;
- Em data não concretamente apurada, o autor reunião com o Dr. (…), Director dos Recursos Humanos do Grupo BBB, com o esclarecimento que este não tem competência para a acção disciplinar;
- Como sugerido pelas entidades policiais, a ré contactou as autoridades judiciais para apurar os factos e em 21 de Junho de 2016, foi emitida e entregue à ré para efeitos de instauração de processo de inquérito disciplinar por parte da entidade patronal BBB, SA ao seu trabalhador AAA, certidão composta por diversos documentos emitida pela 1ª Secção (…) de Lisboa Oeste, junta a fls. 3-49 do processo disciplinar apenso resultando do auto de interrogatório de arguido (1º interrogatório judicial de arguido detido) a imputação ao requerente por fortes indícios da prática de um crime de sequestro, na forma consumada previsto e punido pelo artigo 158º, n.º 1 do Código Penal e um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, n.º 1, alínea c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro da mesma decorrendo que lhe foi nesse âmbito aplicadas as medidas de coacção de Termo de Identidade e Residência, previsto no art. 196º Código Penal e a Obrigação de se apresentar semanalmente, no posto da autoridade policial da área da sua residência, conforme previsto no art. 198º Código Processo Penal;
- Em 09 de Agosto de 2016, o Presidente do Conselho de Administração da BBB, SA determinou a instauração de procedimento disciplinar contra o trabalhador Oficial Piloto, AAA e a suspensão preventiva da prestação de trabalho.
Ora da factualidade provada, temos por assente que posteriormente ao conhecimento de rumores, a ré recepcionou o e-mail de 09 de Dezembro de 2015, deste decorrendo que o autor tinha sido detido pela prática de crimes contra a propriedade e que a ocorrência se encontrava registada com o (…).
Entre Dezembro e Março decorreram reuniões entre o autor, com o Chefe de Frota por solicitação do Director de Operações de Voo e os Directores de Recursos Humanos da ré e comunicações escritas através de e-mail entre estes intervenientes.
Em suma, o que resulta da factualidade provada é que entre Dezembro e Fevereiro, o Chefe de Frota, os Directores de Recursos Humanos tiveram conhecimento da versão apresentada pelo autor e de onde resultava que, para ajudar um amigo, prontificou-se com este a dar um susto a uma pessoa, o que não terá corrido bem envolvido em agressões e aparecido a policia. Mais sabia a ré que ao autor lhe tinha sido aplicada a medida de coacção de termo e identidade. 
Confrontada esta versão com os factos que resultam da certidão de 21 de Junho de 2016, entregue à ré, temos de concluir que estamos perante uma realidade diferente e, objectivamente, mais grave daquela que inicialmente foi dado conhecimento à ré.
Com efeito, desconhecia a ré que o autor e mais dois indivíduos se disfarçaram vestindo-se de bombeiros, que terão por este facto e com este artífice logrado penetrar na casa de um terceiro perguntando pelo dinheiro (cofre), tendo manietado e agredido aquele indivíduo. A ré desconhecia que nessa mesma data o autor possuía e transportava no seu carro as armas identificadas nos autos de detenção. A ré desconhecia ainda que por se encontrar fortemente indiciado pela prática dos mesmos ao autor foi aplicada, além do TIR, a medida de coacção de apresentação periódicas.
Ora, resulta que até ter sido entregue à ré a certidão emitida pelo DIAP de (…) não tinha conhecimento dos factos imputados ao autor.
Com efeito, este desconhecimento decorre dos factos não terem ocorrido no local de trabalho e integrarem um processo-crime que se encontrava naturalmente sob segredo de justiça.
Tal não obsta que, ainda assim e precisamente por não ter um conhecimento cabal de factos a ré tenha decidido afastar o autor das operações de voo como também equacionar a rescisão do contrato de trabalho por mútuo acordo.
Aqui, não podemos olvidar a relevância da ré, companhia de bandeira, no panorama nacional pelo que qualquer facto que pudesse ser mediatizado podia gerar pânico social situação que podia afectar não apenas a ré mas também o autor. A versão inicial porque consubstanciada num caso de polícia, mesmo que a sua gravidade fosse mínima, pela actividade em questão seria sempre apetecível em termos mediáticos.
Quer isto dizer, que o facto de a ré ter retirado o autor das operações de voo ou de lhe ter proposto a cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo não demonstra que a ré tinha conhecimento dos factos que vieram a ser imputados ao autor.
Posto isto, é inequívoco que a ré apenas teve conhecimento dos factos imputados ao autor e que podiam justificar a acção disciplinar contra si com a certidão que lhe foi entregue a partir de 21 de Junho de 2016.
Só a disponibilização desta certidão permitiu aferir das circunstâncias concretas e da gravidade dos factos, da amplitude da aplicação das medidas de coacção e da aferição da relevância destes em sede de relação laboral e da eventual violação dos deveres laborais.
Acresce que, como referimos supra, ao trabalhador compete provar não apenas o conhecimento dos factos pela entidade patronal mas que quem tomou conhecimento daqueles factos tinha competência disciplinar, o que o trabalhador nem sequer alegou. 
Assim, com base nos factos indiciariamente imputados ao autor e que constam da certidão emitida pelo (…), a empregadora determinou a abertura do processo disciplinar contra o trabalhador no dia 09 de Agosto de 2016.
Em 19 de Agosto de 2016 o instrutor do processo elaborou e notificou o trabalhador da nota de culpa.       
Mais se retira da factualidade apurada que desde o conhecimento pela empregadora dos factos indiciariamente imputados ao trabalhador – 26 de Junho de 2016 - até à notificação da nota de culpa – 22 de Agosto de 2016 - não decorreram 30 dias e por isso, não ocorreu a caducidade do direito de exercício da acção disciplinar pelos factos imputados ao trabalhador”.

Em sintonia com tais considerações, deve ainda dizer-se o seguinte.

O prazo de 60 dias a que se refere o citado art.º 329.º n.º 2 do Código do Trabalho, tem como pressuposto a pertinência disciplinar da conduta do trabalhador para o empregador. Isto é, deixando este passar o referido prazo sem que dê início ao respectivo procedimento disciplinar presume-se jure et jure a irrelevância disciplinar do comportamento em questão (Monteiro Fernandes, “ Direito do Trabalho”, 16.ª Edição, Almedina, pág. 233). Sendo que, para efeitos de contagem do dito prazo, o que releva em termos do “conhecimento da infracção”, são os factos constitutivos desta, incluindo o agente, em moldes tais que seja possível ao empregador aferir da relevância disciplinar do comportamento do trabalhador (Nuno Abranches Pinto, “Instituto Disciplinar Laboral”, Coimbra Editora, pág.117).

Refira-se também que invocando o autor a caducidade do procedimento disciplinar, ao mesmo compete o ónus da alegação e da prova de que o referido prazo de 60 dias foi excedido, para que se possa prevalecer da excepção de caducidade. Isso implica a demonstração da data em que o empregador ou o superior hierárquico com competência disciplinar tomou conhecimento dos factos constantes da nota de culpa - o que constitui o termo inicial de tal prazo, bem como a data em que a nota de culpa foi recebida pelo trabalhador, o que constitui o termo final do mesmo prazo (Vd. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05.03.2012, proc. 665/11.8TTPRT.P1).

Ora, da factualidade acima transcrita, não pode concluir-se, nos termos pretendidos pelo autor que a ré ou o superior hierárquico, com competência disciplinar, conhecesse os factos em causa desde Dezembro de 2015. Relembra-se que nesse mês, para além dos “boatos” ou “rumores” que circulavam na ré quanto a assaltos a residências e agressões aos seus ocupantes por parte do autor e de este se encontrar sujeito a termo de identidade e residência - na reunião havida do autor e o chefe de frota, entre os dias 9 e 11, este responsável de concreto apenas dispunha do e-mail da PSP a dar conta da situação de detenção do trabalhador na (…) esquadra de (…) pela prática de crime contra a propriedade (n.ºs 3 e 4 dos factos provados), sendo certo que este ao ser confrontado com o teor desse e-mail minimizou o assunto ao dizer que tinha ido ajudar um amigo, deslocando-se à casa da pessoa que ameaçou o amigo para lhe pregar um susto, tendo aparecido a polícia e sido levado para a esquadra - narração esta muito longe de traduzir a verdadeira dimensão da conduta ilícita do autor. Acresce, ainda, que da reunião havida entre o autor e (…), Director dos Recursos Humanos da ré, sem competência disciplinar, tão pouco resulta que a ré tenha tido conhecimento mais aprofundado sobre os factos em questão. O que na altura preocupava, em termos mais imediatos, aquele responsável, e se compreende, atentas as funções de piloto do autor, era averiguar das limitações funcionais deste decorrentes da fixação do termo de identidade e residência, tendo continuado a ser mantidos contactos com o autor e sua mandatária no sentido de se obterem mais dados sobre a situação e, posteriormente, com vista à rescisão do contrato de trabalho (nºs 8, 10, 11 e 12).

A situação do autor foi de novo abordada nas reuniões com o Director de Recursos Humanos da ré e com (…), também Director, não detentor de competência disciplinar, sem que nada de novo e de concreto se tenha apurado relativamente ao real envolvimento do autor nos factos em apreciação.

Para além dessas diligências internas, a ré, na sequência do e-mail inicial da PSP, contactou as autoridades judiciárias, tendo-lhe sido remetida a certidão de 21.06.2016, constante de fls. 3-49 do processo disciplinar, onde consta a acusação do Ministério Público contra o autor e estão descritos os ilícitos criminais que lhe são imputados.

Em 09 de Agosto de 2016, o Presidente do Conselho de Administração da ré determinou a instauração de procedimento disciplinar ao autor e no dia 21, desse mesmo mês, o autor foi notificado da nota de culpa.

Posto isto, é de concluir que apenas com a recepção da referida certidão criminal a ré teve conhecimento dos factos(ilicitudee culpa), referentes ao autor, tendo sido com base neles elaborada a nota de culpa, a qual, como é sabido, impõe ao empregador a “descrição circunstanciada dos factos” que são imputados ao trabalhador (art.º 353.º n.º 1, do Código do Trabalho).

Não se mostra, assim, ultrapassado o dito prazo de 60 dias para a instauração do processo disciplinar, improcedendo a presente questão.
c) Da inexistência de justa causa de despedimento
Sustenta o autor não se verificarem os pressupostos da justa causa de despedimento, e que tendo os factos ocorrido fora do horário de prestação do trabalho, inexiste violação dos deveres de respeito, de guardar lealdade ao empregador, de promover ou executar actos tendentes à melhoria da produtividade na empresa (Conclusões 50 e 63).
A noção de justa causa está contida no n.º 1 do art.º 351.º do Código do Trabalho, onde se prescreve que constitui “justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que pela sua gravidade e consequências, torne praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, pautando-se este juízo por critérios de razoabilidade e exigibilidade.
Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes - n.º 3 do mesmo artigo, art.º 330.º, n.º 1. (Cfr. acórdão do STJ de 21.04.2016, proc. 229/14.5T8LLG.P1.S1).
A noção de justa causa tem sido muito abordada pelos nossos tribunais e pela doutrina, encontrando-se firmado o entendimento de que a mesma é integrada pelo seguinte:
(i)- elemento subjectivo, traduzido num comportamento culposo do trabalhador, por acção ou omissão; (ii) um elemento objectivo, traduzido na impossibilidade da subsistência da relação de trabalho; (iii) nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.

Na ponderação da gravidade da culpa e das suas consequências, importará considerar o entendimento de um “bonnus pater familie”, de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstâncias de cada caso em concreto (Acórdãos do STJ de 8.6.84, AD 274, pág. 1205, de 16.11.98 AD, 290, pág. 251, de 8.7.88, AD, 324, pág. 1584 e 6.6.90, Actualidade Jurídica, 10, pág. 24).

Deve ainda frisar-se, que o apuramento da “justa causa” se corporiza, essencialmente, no elemento da impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho.

Relativamente à interpretação desta componente objectiva de “justa causa”, tem-se entendido que a mesma se traduz na impossibilidade de subsistência do vínculo laboral que deve ser reconduzida à ideia de “inexigibilidade” da manutenção vinculística, numa perspectiva de impossibilidade prática”, no sentido de imediatamente comprometer, e sem mais, o futuro do contrato.

Para tanto, a impossibilidade do vínculo laboral deve ser apreciada tendo em consideração todos os interesses que estão na base da relação contratual, existindo sempre que a manutenção do contrato constitua uma insuportável e injusta imposição do empregador (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.03.2016, Processo  695/03.3TTGMR.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt).

No caso em apreço, estão em causa factos praticados pelo autor ocorridos fora do horário de trabalho, que para melhor compreensão se passam a enunciar:
- No dia 3 de Dezembro de 2015, pelas 10h00, o autor iniciou um período de folga das suas funções de piloto BBB;
- No dia 3 de Dezembro de 2015, cerca das 09h30m, encontrando-se ainda no período de repouso após a actividade realizada, que antecede o gozo da folga, o autor juntamente com (…) e (…), em plano previamente combinado, deslocou-se à residência sita na Rua (…), para se apoderar de dinheiro e de produto estupefaciente que pensavam existir naquele local;
- O autor e os seus companheiros decidiram adquirir e vestir um uniforme de bombeiros, nomeadamente um anorak de cor vermelha dos Bombeiros, um pólo de cor vermelha dos Bombeiros, com a respectiva divisa, uma botas de cor preta e umas calças azuis;
- Com o aludido uniforme vestido e transportando um saco utilizado para suporte básico de vida, mas contendo no seu interior uma reprodução de arma de fogo, tipo revólver, marca Magnum, Cal. 9mm, o autor e os seus cúmplices dirigiram-se ao referido prédio e tocaram à campainha da moradora (…);
- O autor e seus companheiros identificaram-se como bombeiros, dizendo que se encontravam no prédio para tratar de uma fuga de gás, solicitando-lhe que abrisse a porta;
- Na medida em que o prédio em causa não possuía gás canalizado, a moradora (…) não lhes abriu a porta;
- O autor e seu companheiro (…) dirigiram-se ao morador (…) e, identificando-se como Bombeiros, solicitaram-lhe que os deixasse entrar no seu apartamento, pois tinham de aceder à cozinha do mesmo em virtude de uma fuga de gás;
- Apesar de estranhar a solicitação em causa, o Sr. (…) acedeu a deixar o autor e os seus companheiros a entrar na habitação;
- Já no interior da habitação, o autor e seu companheiro (…) disseram ao Sr. (…) para ter calma, ao mesmo tempo que o manietaram e algemaram com as mãos atrás das costas;
- Acto contínuo, o autor e o seu companheiro (…) disseram que eram da Polícia Judiciária, sentando o Sr. (…) no chão e apertando-lhe o pescoço;
- De seguida, o autor (…) e (…) levantaram o Sr. (…) do chão, fecharam-no no seu quarto e saíram da residência;
- Enquanto os referidos factos ocorriam, a moradora (…), que suspeitava que algo de anormal se estava a passar, pediu auxílio à (…) Esquadra (…);
- Em consequência, compareceu no local o agente da PSP (…), o qual foi alertado pela mesma dos factos anteriormente descritos;
- Quando se encontrava na residência da referida moradora, o agente da PSP (…) apercebeu-se de alguns ruídos e desordem provenientes do apartamento ao lado, o pertencente ao Sr. (…);
- Ao olhar pelo óculo da porta da moradora (…), o referido agente da PSP visualizou três indivíduos, que posteriormente identificou como sendo o autor e os seus companheiros (…) e (…), que vinham acompanhados do Sr. (…), sendo que este apresentava sinais de agressões na face e encontrava-se manietado com as mãos à retaguarda, com algemas plásticas;
- O referido agente da PSP tentou então abordar o autor e os seus companheiros (…) e (…), tendo estes, porém, encetado de imediato a fuga apeada pelas escadas do prédio;
- O agente da PSP perseguiu o autor e os seus companheiros, os quais só cessaram a fuga após o disparo de dois tiros para o ar;
- O autor e os seus companheiros (…) e (…) foram imobilizados, interceptados e algemados, tendo sido de seguida detidos;
- O Sr. (…) foi assistido pelo agente da PSP (…), apresentando sinais evidentes de agressões físicas, de nervosismo e stress, tendo necessidade de cuidados médicos;
- No mesmo dia 3 de Dezembro de 2015, pelas 15h10, foram feitas buscas ao interior da viatura automóvel do autor, de matrícula (…), tendo-se constatado que no interior do mesmo se encontravam as seguintes armas:
- uma arma eléctrica Taser, dissimulada sob a forma de uma lanterna;- um martelo;
- Feitas as buscas no interior da sua residência, constatou-se que no seu interior se encontravam as seguintes armas: - uma espingarda, pressão de ar calibre 4,5mm;- uma espingarda carabina 9 mm; - duas pistolas individuais de airsoft; - duas pistolas metralhadoras de airsoft; - uma faca tipo punhal, com lâmina de 18 cm de comprimento; - uma pistola metralhadora de airsoft, com dois carregadores;
- Ao actuar da forma descrita, o autor e seus companheiros (…) e (…) agiram em conluio e em conjugação de esforços, com o propósito de se apropriarem de produto estupefaciente e do dinheiro que encontrassem no interior da aludida habitação, com intenção de os fazer seus, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do respectivo dono;
- Para o efeito, utilizaram o uniforme dos Bombeiros para lhes facilitar a entrada na habitação em causa e fizeram-se acompanhar de uma reprodução de arma de fogo no interior de um saco utilizado pelos bombeiros para suporte básico de vida;
- O autor e os seus companheiros (…) e (…) utilizaram o recurso à força física, com o objectivo de colocar o Sr. (…) na impossibilidade de se defender, e para acederem a uma divisão do apartamento que se encontrava fechada, para assim conseguir alcançar os seus intentos;
- O autor acompanhado de (…) e (…), em conluio e em conjugação de esforços, agiram com o propósito de privar o Sr. (…) da sua liberdade de movimentos, agredindo-o, tendo logrado alcançar os seus intentos;
- Na residência do autor foram encontradas e apreendidas “duas abraçadeiras plásticas, cuja utilização são as de restringir os movimentos e membros tendo uma delas sido usada para manietar (…).”

Do acima transcrito resulta ter o autor cometido um conjunto de factos susceptíveis de integrar a prática de vários ilícitos criminais (tentativa de roubo e sequestro), que, pelo modo como foram praticados, assumem bastante gravidade.

Por via disso, foi o autor acusado pela prática de tais crimes e sujeito a termo de identidade e residência, bem como a apresentações semanais na área da sua residência (fls. 3 - 49), do processo disciplinar.

O presente caso convoca, assim, a problemática da sindicabilidade pelo empregador dos comportamentos situados fora do âmbito do contrato de trabalho - as condutas extra-laborais do trabalhador. Sendo a questão enunciada do seguinte modo: gozando o trabalhador do direito à intimidade da sua vida privada (art.º 16.º n.º 1 do Código do Trabalho) e o empregador do direito à livre iniciativa económica e à propriedade da empresa (artigos 61.º n.º 1 e 62.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa), as restrições a concretizar a tais direitos (art.º 335.º do Código Civil), não poderão deixar de ter em conta as repercussões ou os reflexos que a conduta do trabalhador tenha sobre os interesses do empregador ou os valores jurídico laborais.

Não existindo reflexos, não pode haver consequência disciplinar, porquanto é ao trabalhador e não à entidade patronal que cabe determinar o modo de condução da sua vida.

É a consideração dos valores jurídico-laborais que deve nortear a fronteira entre a sindicabilidade disciplinar; de tal modo que a maior ou menor medida de afectação desses valores servirá de critério na apreciação da possibilidade de exercício da acção disciplinar (Nuno Abranches Pinto, “Ob. Cit., pág. 81).

O direito à reserva da intimidade da vida privada pode ser limitado quando tenham sido praticados factos susceptíveis de colocar em causa a honorabilidade da empresa, afectar a confiança entre as partes ou quando estejam em causa comportamentos ilícitos, culposos e graves do trabalhador, com reflexos no serviço e no ambiente de trabalho, susceptíveis de inviabilizar a manutenção da relação laboral (Maria Malta Fernandes, “Os Limites À Subordinação Jurídica Do Trabalhador”, Quid Juris, pág.153).

Depois de se averiguar se a conduta do trabalhador assume relevância jurídico-laboral, importa aferir do nexo de causalidade entre tal comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral, não se devendo confundir aquela relação de instrumentalidade com o nexo causal da noção de justa causa (Vd. Albino Baptista “Jurisprudência de Trabalho Anotada …”, Quid Juris, 1999, pág. 124).

Retornemos agora ao caso em apreço.

A sentença recorrida concluiu pela verificação da justa causa, com considerações que, na generalidade, subscrevemos, salientando-se ainda o seguinte:
O autor é trabalhador da ré desde 2006, exercendo as funções de oficial piloto. Para além dos deveres que sobre si impendem, decorrentes do art.º 128.º Código do Trabalho, onde se contam, nomeadamente, o dever de respeitar o empregador, guardar-lhe lealdade e de promover e executar actos tendentes à produtividade da empresa (alíneas a), f), e h)), está ainda o mesmo sujeito, entre o mais, do Acordo de Empresa celebrado ente a ré, BBB e o SPAC - Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil - Revisão global, publicado no BTE n.º 24 de 29 de Junho de 2010, aqui aplicável, em cuja Cláusula 6.ª se prescreve um conjunto de deveres a que se encontra sujeito o piloto, entre os quais se destacam: os deveres de guardar lealdade à empresa …; promover ou executar todos os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa; velar pela salvaguarda do prestígio interno e internacional da empresa; adoptar os procedimentos mais adequados à defesa dos interesses da empresa; manter um regime de vida adequado às exigências da profissão, cumprindo as normas estabelecidas pela empresa dentro do seu poder regulamentar e todas as demais disposições resultantes de normas internacionais ou de directivas das entidades oficiais competentes (alíneas b, c), g), h) e m)). 

A conduta do autor, acima descrita sob os números 22 a 47, consubstancia, como já dito, a prática de factos ilícitos de natureza penal.

Tais factos foram praticados fora do horário de trabalho, mas ainda no período de repouso, que antecedeu a folga. Nos termos da Cláusula 6.ª, n.ºs 23 e 24, do Regulamento de Utilização e de Prestação do Trabalho, Anexo ao citado AE, período de folga “ é o período livre de qualquer tipo de serviço para o piloto, gozado na base, em consequência do regime de folgas, com a duração consecutiva de dois ou três dias de folga”; sendo o período de repousoo tempo livre de qualquer obrigação, em que o piloto tem a possibilidade de descanso em alojamento adequado, excluindo o período de preparação”, violando, assim, aquele dispositivo convencional com a sua conduta, quando é certo a observância de tal período de repouso, bem como o de folga, são de inegável importância para o cabal exercício de funções de piloto que cabiam ao autor.

Sucede ainda que a prática daqueles factos ilícitos implicou para o autor, a imposição, no foro penal, das medidas de coacção, “termo de identidade e residência” e a “obrigatoriedade de apresentações periódicas”.

Tais medidas traduzem-se, nos termos dos artigos 197.º e 198.º do Código de Processo Penal, num conjunto de obrigações, que embora passíveis de flexibilização, acabam por limitar o regular exercício da profissão de piloto do autor, na medida em que delas decorrem óbvias restrições, nomeadamente, em termos de mobilidade e disponibilidade.

De acordo com os referidos dispositivos legais, o autor fica sujeito “à obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado; e de “não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado”, bem como obrigado a apresentar-se a uma entidade judiciária ou a um certo órgão de polícia criminal em dias e horas preestabelecidos, tomando em conta as exigências profissionais do arguido e o local em que habita”.

Ora, o desempenho das funções de piloto, a implicar permanentes viagens e deslocações, com contingências várias em termos de idas e retornos, não se harmonizam com tais condicionamentos, implicando a observância destes a não observância pelo autor, pelo menos na sua integralidade, dos actos tendentes a promover ou a executar a melhoria da produtividade da empresa, acima referidos; quando é certo, encontrar-se o trabalhador obrigado a assumir uma postura de cumprimento de modo a não perturbar a plena realização do fim contratual; “a não adoptar comportamentos que impeçam ou dificultem o fim visado pelo empregador”´ (Júlio Gomes, “Direito do Trabalho”, Coimbra Editora, Vol. I, pág. 883).

Cumpre, doutro passo, salientar que a sobredita conduta do autor é também lesiva do dever velar pela salvaguarda do prestígio interno e internacional da empresa por a descrita factualidade ser integradora ilícitos penais graves, susceptíveis de cognoscibilidade pelo comum dos cidadãos nacionais e estrangeiros, sendo também lesiva da imagem da empresa.

E refira-se, por fim, que os factos ilícitos praticados pelo autor, nos termos em que o foram, para além de traduzirem uma flagrante violação do dever de lealdade para com o empregador, na vertente da boa-fé, elemento base de qualquer relação jurídica, se traduzem, igualmente, na quebra da confiança que a empresa depositava no autor. Desempenhando este, há vários anos, como já se viu, funções de tamanha responsabilidade e exigência, como são as de piloto, não era expectável para a empresa que o mesmo viesse a cometer ilícitos penais de tamanha danosidade social.

Os factos cometidos pelo trabalhador são aptos a frustrar definitivamente as expectativas da ré no cumprimento devido e integral das funções a que o mesmo se encontra adstrito; onde, para além do já afirmado, pontua o dever de manter um regime de vida adequado às exigências da profissão.

Mostra-se, assim, definitivamente quebrada a base da confiança em que assenta a relação de trabalho, sendo inexigível à ré a manutenção do vínculo laboral com o autor, existindo justa causa para o despedimento deste.

5.Decisão
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso do autor, confirmando-se decisão recorrida.
Custas pelo autor.



Lisboa, 2017.11.08



Albertina Pereira
Leopoldo Soares
Eduardo Sapateiro

Decisão Texto Integral: