Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9079/10.6TBCSC.L1-2
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
EXTENSÃO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
DÍVIDA DE ALIMENTOS
ALTERAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/07/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I. A obrigação parental de alimentos é mais extensa que a obrigação alimentar comum, dado que não se mede pelas estritas necessidades vitais da criança, antes visa assegurar-lhe um nível de vida, económico-social idêntico aos dos pais - mesmo que já se encontrem dissociados; neste caso, deve atender-se ao nível de vida de que os pais desfrutavam na constância da união parental.
II. A dívida de alimentos não é uma dívida pecuniária em sentido estrito, mas uma dívida de valor, dado que o dinheiro é apenas o substituto ou sucedâneo do objecto inicial da prestação, porquanto é o valor que determina a quantidade.
III. A decisão transitada que fixe alimentos ou condene na satisfação de prestações daquela natureza, pode, como reflexo da regra rebus sic stantibus sobre o caso julgado, ser substituída por uma outra quando se altere a situação de facto subjacente.
IV. Para que uma obrigação parental seja modificável, com base na alteração das circunstâncias, aquele que pretende a alteração deve alegar as circunstâncias existentes no momento em que aquela obrigação foi contraída e as circunstâncias presentes no momento em que requer a modificação dessa mesma obrigação.
V. Só deve autorizar-se a modificação dessa obrigação se juízo de comparação entre as circunstâncias contemporâneas da decisão e o contexto actual tornar patente uma variação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório.

“A” propôs, no 3º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Cascais, contra “B”, providência tutelar cível de alteração da regulação das responsabilidades parentais, com processo especial de jurisdição voluntária, pedindo a alteração do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à filha de ambos, “C”.
Alegou, como fundamento da alteração, que aquelas responsabilidades foram reguladas por comum acordo – no qual se fixou que o poder paternal era exercido pela mãe, ficando a guarda da menor apenas atribuída a esta, que o pai contribuiria, a título de pensão de alimentos, para a menor, com a quantia de € 150,00, e pagaria todas as despesas de saúde, alimentação transportes e escolares, e que as férias e as épocas festivas seriam repartidas entre ambos os progenitores, sendo necessária a autorização do pai para a menor acompanhar a mãe em viagens ao estrangeiro – que na data em que foi assinado o acordo, as circunstâncias eram totalmente diferentes das que existem hoje, que aquele regime não se adequa hoje às necessidades da menor, que o requerido está cada vez mais alheado da educação e acompanhamento da menor, que a “C” de queixa da falta de atenção e de disponibilidade por parte do pai, mais indignada ficando que este considera que deve ir para a escola de transportes públicos e levar lancheira, dizendo que poderá ir bem sozinha e de comboio com lancheira, sabendo o requerido que, ao recusar-se a paga estas despesas básicas da “C” a magoa e ofenda, pois sabe que é alvo de discriminação pelos colegas, sendo essas despesas suportadas pelos avós maternos, que o requerido, que provém de uma das famílias mais abastadas de Portugal, recusa o pagamento alegando falta de liquidez financeira, teimando, ao contrário da requerente que tem uma actividade remunerada, em manter-se sem profissão e sem a preocupação de encontrar um trabalho para dar mais e melhor à filha, que são os avós maternos que pagam as despesas sempre que é necessário comprar algo para a “C”.
A requerente concluiu a sua alegação pedindo que o pai contribua com uma pensão no valor de € 1 000,00, fique obrigado a pagar, para além do colégio, todas as despesas escolares (vestuário, transporte, alimentação), que o pai seja mais efectivo no acompanhamento da menor, a todos os níveis e seja concedida a possibilidade da menor viajar acompanhada dos pais, sem as formalidades ora impostas que as inviabilizam.
Todavia, por despacho de 12 Janeiro de 2011 – depois de se observar que face ao alegado não se verificam a existência de quaisquer circunstância supervenientes relevantes mas apenas uma vontade unilateral de alterar o regime fixado, por acordo dos pais, em determinados pontos e que assim não se verificam os pressupostos legais de que de depende a admissibilidade de uma alteração ou nova regulação do exercício das responsabilidades parentais, pois não existem circunstâncias supervenientes, nem incumprimento de ambos os paisindeferiu-se liminarmente a alteração e determinou-se o arquivamento dos autos.
Por requerimento produzido por via electrónica no dia 29 de Janeiro de 2011, a requerente logo interpôs recurso ordinário de apelação desta decisão, tendo extraído da sua alegação, para inculcar a sua falta de bondade, estas conclusões:
1. O pai da menor não paga a pensão de alimentes acordada no acordo de regulação de exercício do poder paternal.
2. O pai da menor não faz intenções de pagar a pensão de alimentos.
3. A menor precisa da pensão de alimentos.
4. É um dever do pai da menor contribuir para a vida da menor.
5. O conceito de sustento ultrapassa a simples necessidade de alimentação, abrangendo a satisfação de todas as necessidades vitais de quem carece de alimentos, nomeadamente as relacionadas com a saúde, os transportes, a segurança, a educação e instrução.
6. A decisão do tribunal "a quo' está a prejudicar a vida da recorrente.
7. A recorrente não tem condições económicas para sustentar a filha menor sozinha.
8. Sendo que o pai da menor tem a obrigação de contribuir para a vida da menor, tanto economicamente com afectivamente.
9. A menor é gozada na escola por causa do pai.
10. Não sendo justo que o facto do pai da menor não se preocupar em arranjar trabalho prejudique a menor.
11. Sendo que este vem de uma das famílias mais abastadas de Portugal
12. Não sendo assim a falta de trabalho justificação para o não pagamento da pensão de alimentos.
Só depois, por carta, registada no correio no dia 31 de Janeiro, com aviso de recepção, o requerido foi, em simultâneo, citado para, no prazo de 10 dias alegar o que tivesse por conveniente, e notificado das alegações de recurso[1].
Então o requerido, através de instrumentos apresentados por via electrónica no dia 14 de Fevereiro de 2011, ofereceu a sua contestação ao pedido de alteração, e a sua resposta ao recurso na qual - depois de notar que a recorrente invocou, na sua alegação de recurso incumprimento que não constava do requerimento inicial, que, como tal não pode ser considerado para efeitos de apreciação do mérito desta apelação – concluiu que se lhe deve negar provimento.
2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.
Embora a decisão impugnada tenha achado por bem não especificar um único fundamento de facto, os factos que, por se mostrarem documentalmente provados e relevam para o objecto do recurso, são os seguintes:
2.1. “C”, nascida no dia 19 de Junho de 1998, é filha de “B” e de “A” , e neta paterna e materna de “D” e “E”, e de “F” e “G”, respectivamente.
      2.2. “B” e de “A”, declararam, por escrito, acordar sobre a regulação do poder paternal da menor “C”, nos seguintes termos:
1.1. A menor fica confiada à guarda e cuidados da Mãe que exercerá o poder paternal, devendo o Pai ser ouvido nas questões de educação, saúde e vida escolar da menor.
1.2. O Colégio a frequentar pela menor será escolhido sempre de mútuo acordo entre o Pai e a Mãe.
2.1. O Pai contribuirá mensalmente a título de pensão de alimentos para a menor com a mensalidade devida Colégio que a menor frequentar, que pagara directamente a essa instituição, sendo ainda da responsabilidade do Pai e integrando aquela pensão de alimentos, as demais despesas escolares da menor, tais como quantia devida pelo almoço no Colégio, as fardas, visitas e cartinha que faça o transporte da menor de casa para o Colégio e vice-versa, a liquidar pelo Pai directamente às entidades a quem são devias até um montante máximo de 500,00 € (quinhentos euro) por mês.
2.2. O Pai contribuirá ainda para a pensão de alimentos da filha através do pagamento mensal do prémio de seguro de saúde de que aquela é beneficiária.
      2.3. Todas as quantias devidas à menor a título de pensão de alimentos pelo Pai, previstas neste acordo, serão asseguradas e satisfeitas pela Avó paterna da menor, “E”, viúva, natural dos Estados Unidos, contribuinte nº (…), residente no Largo (…), uma vez que o Pai está desempregado e não tem nenhuma fonte de rendimento, não tendo, por isso, capacidade financeira para suportar tais obrigações, e considerando-se, para todos os efeitos legais, que a Avó paterna fica obrigada a satisfazer o encargo com a pensão de alimentos devida à menor.
3. Este valor será actualizado em Janeiro de cada ano, em função da taxa de inflação publicada pelo INE.
4. O pai pagará ainda metade das despesas médicas, medicamentosas, tratamentos, internamentos hospitalares, suportadas com a menor, desde que devidamente documentadas e nos montantes não comparticipados pelos serviços sociais ou seguro de saúde de que a menor seja beneficiária.
5. Todas as quantias que Mãe pague adiantadamente por conta das despesas a cargo do Pai, deverão ser reclamadas pela Mãe até ao final do respectivo mês e pagas pelo Pai até ao dia 5 do mês seguinte.
      6. A menor passará os fins-de-semana alternadamente com o Pai e com a Mãe, incumbindo à Mãe, no fim-de-semana que couber ao Pai, entregar a menor ao Pai, na residência deste, à Sexta-Feira, até à hora de jantar, incumbindo também à Mãe ir buscar a menor à residência do Pai no Domingo, até à hora de Jantar.
7. Sempre que possível, a menor passará ainda dois dias seguidos da
semana com o Pai, que serão, no caso de o fim-de-semana imediatamente anterior ser do Pai, a Quarta-Feira e a Quinta-Feira e, no caso de o fim-de-semana imediatamente anterior ser da Mãe, a Segunda-Feira e a Terça-Feira, devendo o pai Ir buscar a menor ao Colégio no dia que lhe couber, e entregá-la no mesmo local.
8. Sempre que pretender, o Pai, poderá visitar a menor em qualquer altura, desde que não prejudique os períodos escolares ou de descanso daquela e devendo para tal dar prévio conhecimento à Mãe.
9. As férias escolares da menor serão passadas com o Pai e com a Mãe em Igual proporção de tempo, devendo em cada ano a menor passar com o Pai um período mínimo de 3 (três) semanas de férias. O Pai deve informar a Mãe, com a antecedência de 30 dias quais as datas em que pretende ter a menor consigo, incumbindo sempre à Mãe ir entregar e ir buscar a menor à residência do Pai.
10. Em épocas festivas de Natal, fim do ano e Páscoa a menor passará, alternadamente em cada ano, a véspera com um progenitor e o dia com outro, iniciando-se este ano de 2008, os dias 24 e 31 de Dezembro com a Mãe e os dias 25 de Dezembro e 1 de Janeiro de 2009, com o Pai, incumbindo sempre à Mãe ir buscar e entregar a menor na residência do Pai.
      11. No dia de aniversário da menor esta tomará uma refeição com o Pai e outra com a Mãe, incumbindo sempre à Mãe ir buscar é entregar a menor na residência do Pai.
12. A menor passará com a Mãe o dia de aniversário desta e o dia da Mãe e com o Pai o dia de aniversário do mesmo e o dia do Pai, incumbindo sempre à Mãe ir buscar e entregar a menor na residência do Pai.
13. Tanto o Pai como a Mãe poderão contactar telefonicamente com 8 filha sempre que não estejam com esta.
14. Os pr0g9nttores comprometem-se a comunicar reciprocamente pelo meio mais expedito, qualquer ocorrência relativa à saúde e bem-estar da menor quando esta esteja com cada um deles, bem como a comunicar previamente um ao outro qual o local em que a menor passará as férias ou sempre que este Se ausentar para fora.
15. A deslocação da menor ao estrangeiro carece do consentimento de ambos os progenitores.
16. Tudo o mais que não estiver estipulado no presente acordo, ficará ao critério e discernimento dos pais da menor que em qualquer caso. Deverão sempre decidir no interesses e em função do bem estar físico e psicológico da filha, comprometendo-se cada um a não incutir na menor qualquer sentimento de menos afecto, desrespeito ou desconsideração para com o outro progenitor.
      2.3. O acordo referido em 2.2. foi homologado por decisão de 8 de Janeiro de 2009, da Sra. Conservadora do Registo Civil de Cascais, que, em simultâneo, decretou o divórcio por mútuo consentimento entre a requerente e o requerido e dissolvido o casamento que entre si contraíram no dia 11 de Setembro de 1997.
2.4. A decisão mencionada em 2.3. transitou em julgado no dia do seu proferimento.
2.5. A petição inicial da providência foi apresentada na secretaria judicial por via electrónica no dia 10 de Dezembro de 2010.
3. Fundamentos.
3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.
Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).
Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[2].
Tendo em conta a finalidade da impugnação, os recursos ordinários podem ser configurados como um meio de apreciação e de julgamento da acção por um tribunal superior ou como meio de controlo da decisão recorrida.
No primeiro caso, o objecto do recurso coincide com o objecto da instância recorrida, dado que o tribunal superior é chamado a apreciar e a julgar de novo a acção: o recurso pertence então à categoria do recurso de reexame; no segundo caso, o objecto do recurso é a decisão recorrida, dado que o tribunal ad quem só pode controlar se, em função dos elementos apurados na instância recorrida, essa decisão foi correctamente decidida, ou seja é conforme com esses elementos: nesta hipótese, o recurso integra-se no modelo de recurso de reponderação[3].
No direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento.
Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.
Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas[4].
Excluída está, portanto, a possibilidade de alegação de factos novos - ius novarum nova – na instância de recurso. Em qualquer das situações, salvaguarda-se, naturalmente, a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso[5].
Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.
Como o pedido e a causa de pedir só podem ser alterados ou ampliados na 2ª instância se houver acordo das partes – eventualidade mais que rara – bem pode dizer-se que os recursos interpostos para a Relação visam, em regra, reapreciar o pedido formulado na 1ª instância, com a matéria de facto nela alegada (artº 273 nºs 1 e 2 do CPC, ex-vi artº 161 do DL nº 314/78, de 27 de Outubro).
A função do recurso ordinário é, no nosso direito – insiste-se - a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa. O modelo do nosso sistema de recursos é, portanto, o da reponderação e não o de reexame.
Não obstante o modelo português de recursos se estruturar decididamente em torno de modelo de reponderação, que torna imune a instância de recurso à modificação do contexto em que foi proferida a decisão recorrida, o sistema não é inteiramente fechado.
A primeira e significativa excepção a esse modelo é a representada pelas questões de conhecimento oficioso[6]: ao tribunal ad quem é sempre lícita a apreciação de qualquer questão de conhecimento oficioso ainda que esta não tenha sido decidida ou sequer colocada na instância recorrida. Estas questões – como, por exemplo, o abuso do direito ou os pressupostos processuais, gerais ou especiais, oficiosamente cognoscíveis – constituem um objecto implícito do recurso, que torna lícita a sua apreciação na instância correspondente, embora, quando isso suceda, de modo a assegurar a previsibilidade da decisão e evitar as chamadas decisões-surpresa, o tribunal ad quem deva dar uma efectiva possibilidade às partes de se pronunciarem sobre elas (artº 3 nº 3 do CPC).
A lei reconhece dois fundamentos de alteração da regulação das responsabilidades parentais – quer essa regulação seja o resultado de uma decisão contratualizada ou de decisão puramente heterónoma: o seu incumprimento; uma alteração superveniente das circunstâncias que torne necessário a modificação dessa mesma decisão (artº 182 nº 1 do DL nº 314/78, de 27 de Outubro – vulgar mas impropriamente designada por OTM).
No requerimento inicial, a recorrente fundamentou a sua pretensão de alteração da decisão contratualizada de regulação do exercício do cuidado parental relativo à filha, na diferença das circunstâncias existentes entre o momento em que aquele acordo foi concluído e homologado e as actuais e na desadequação actual desse acordo relativamente às necessidades daquela criança. Esta é, na sua expressa mais simples e no seu sentido mais relevante, a causa petendi desenhada pelo recorrente na petição inicial. Desta causa de pedir, a requerente fez derivar estes pedidos: a alteração da obrigação parental patrimonial de alimentos e a modificação da cláusula que exige, para a regular deslocação da criança com um dos pais para país estrangeiro, o consentimento do outro.
Porém, na sua alegação de recurso, a requerente resolveu alegar, com fundamento da impugnação, um outro fundamento de alteração da decisão negociada de regulação: o incumprimento pelo requerido daquela obrigação parental patrimonial de alimentos, tal como ela, no seu ver, se mostra concretizada na decisão negociada de regulação.
Ora – como justamente nota o apelado na sua alegação – um tal fundamento de alteração da decisão contratualizada de regulação não foi alegado, pela recorrente, na instância recorrida, nem, evidentemente, submetido à apreciação da decisão impugnada.
Como tal questão não foi colocada na instância de que provém o recurso – podendo tê-lo sido - esta Relação não pode ser chamada a pronunciar-se sobre ela. Trata-se, notoriamente, de questão nova, por não ter sido alegada na instância recorrida e, como tal insusceptível de constituir objecto admissível do recurso.
Nestas condições, tendo em conta o conteúdo da decisão recorrida e das alegações do recorrente, a questão controversa que importa resolver é a de saber se a decisão que indeferiu in limine o requerimento de alteração, apresentado pela recorrente, e ordenou o arquivamento do processo, deve ou não ser revogada e substituída por acórdão que ordene o seu prosseguimento.
A resolução deste problema está na inteira dependência da resposta que for encontrada para a questão de saber se, mesmo só de harmonia com a alegação da recorrente, as circunstâncias envolventes da decisão contratualizada de regulação sofreram, supervenientemente, uma alteração de tal modo significante que exijam a modificação dessa mesma decisão.
O thema decidendum está em contacto com vários institutos, de bem diversa índole[7]. O primeiro deles é, naturalmente, o do poder paternal.
A recorrente pediu, na instância recorrida, a modificação da decisão contratualizada de regulação das responsabilidades parentais[8] em dois pontos: no tocante à exigência do consentimento por um dos pais para a deslocação do outro com a criança para país estrangeiro; relativamente ao quantum e ao modo de satisfação da obrigação alimentar.
Simplesmente, a sua alegação de recurso torna patente que o centro de gravidade das suas preocupações é, decerto, a última daquelas prestações. Justifica-se, por isso, que a exposição subsequente tenha por objecto fundamentalmente essa obrigação parental.
3.2. A obrigação parental patrimonial de alimentos.
      “C”  ainda não perfez 18 anos de idade: é, portanto, menor (artºs 122, 123, 129 e 130 do Código Civil).
      Está, por esse motivo, sujeita ao poder paternal, rectior, às responsabilidades parentais (artºs 124 e 1877 do Código Civil, o último na redacção do artº 3 da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro)[9].
      As responsabilidades parentais consistem num conjunto de poderes-deveres, funcionalmente afectados à prossecução do bem-estar moral e material do filho (artºs 1784 nº 1 e 1878 nº 1 do Código Civil).
As responsabilidades parentais não são, estruturalmente, um direito subjectivo: são antes uma situação jurídica complexa em que avultam poderes funcionais e alguns direitos, mas ao lado de puros e simples deveres.
      Constituindo nítido exemplo de direito pessoal familiar, as responsabilidades parentais não são, porém, um direito a que se ajuste a noção tradicional de direito subjectivo: trata-se, antes, de um poder dever, um poder funcional, nos termos do qual incumbe, a cada um dos pais, no interesse exclusivo do filho, guardar a sua pessoa, manter com ele relações pessoais, assegurar a sua educação, sustento, representação legal e a administração dos seus bens (artºs 1878 nº 1, 1881 e 1885 do Código Civil)[10].
      Portanto, as responsabilidades parentais não são um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício livre – mas de faculdades de carácter altruísta, que devem ser exercidas primariamente no interesse do menor – e não dos pais (artº 1878 nº 1 do CC)[11].
      O menor não é, porém, apenas um sujeito protegido pelo direito; é ele próprio, titular de direitos reconhecidos juridicamente (v.g., artºs 64 nº 2, 67, 68 e 69 da Constituição da República Portuguesa - CRP)[12].
      A criança apresenta um conjunto de necessidades cuja satisfação é necessária ao seu bem-estar psicológico e cuja não realização compromete o seu desenvolvimento posterior e o seu ajustamento social[13]. Entre essas necessidades avultam, entre outras, os cuidados físicos e de protecção; afecto e aprovação; estimulação e ensino; disciplina e controlo consistente e desenvolvimentalmente apropriados; oportunidade e encorajamento da autonomização gradual.
      O conceito de necessidades e o imperativo desenvolvimental da sua satisfação cria as condições para o reconhecimento do direito que assiste à criança de as ver realizadas.
      As necessidades da criança convertem-se, assim, em direitos subjectivos extensivos que constituem normas educativas relativamente às quais se afere a qualidade, competência e adequação dos pais[14].
      A criança conquistou já um incontornável estatuto de cidadania social, tendo deixado de ser vista como mero sujeito passivo e objecto da decisão de outrem – o seu representante legal – sem qualquer capacidade para influenciar a condução da sua vida e passou a ser vista como verdadeiro sujeito de direitos, ou seja, como sujeito dotado de progressiva autonomia no exercício dos seus direitos em função da sua idade, maturidade e desenvolvimento das suas capacidades.
Por isso que falar no interesse do menor equivale hoje a falar de direitos do menor (artºs 1 e 3 nº 1 da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei 147/99, de 1 de Setembro e 1905 nº 1 do Código Civil).
Esses direitos, sem prejuízo daqueles que devem reconhecer-se aos pais - que exercem poderes funcionais para desempenharem deveres no interesse do filho - reclamam que a função parental, seja qual for a vertente considerada, se coloque ao serviço do desenvolvimento, são e harmonioso, da personalidade da criança e do seu bem-estar moral e material[15] e da regular evolução do seu processo de socialização[16].
O desenvolvimento pleno da criança implica, na verdade, o reconhecimento e a realização de direitos sociais, culturais, económicos e civis[17]. O exercício dos direitos que a criança titula reclama responsabilidade parental, i.e. que os pais assumam os seus deveres para com o filho.
A criança tem, desde logo, um direito à protecção da sociedade e do Estado (artº 69 nº 1 da CRP). Trata-se, nitidamente, de um direito social, que impõe, seja ao Estado seja á sociedade, deveres de prestação e de actividade e que supõe, por definição, um direito negativo da criança a não ser abandonada, discriminada ou oprimida (artº 69 nº 1, 2ª parte, da CRP).
Esse direito tem por fundamento final o desenvolvimento integral da criança, noção cuja matriz constitucional deve ser aproximada da noção de desenvolvimento da personalidade, que assenta em dois pressupostos: a garantia da dignidade da pessoa humana, elemento estático mas fundamental que constitui o alicerce do direito ao desenvolvimento; a consideração da criança como pessoa em formação, elemento dinâmico, cujo desenvolvimento exige o aproveitamento de todas as suas virtualidades (artºs 1 e 26 nº 2 da CRP).
A dimensão fundante da dignidade da pessoa da criança e do desenvolvimento da sua personalidade coloca o interesse da criança como parâmetro material básico da sua protecção e da promoção dos seus direitos, legitimando a intervenção do Estado, através da actuação de medidas indispensáveis a tal protecção e promoção (artº 69 nº 2 da CRP).
Esse direito da criança à protecção especial deve-lhe ser assegurado, por exemplo, sempre que se mostre privada de um ambiente familiar normal (artº 69 nº 2 da CRP). A densificação do conceito ambiente familiar normal não deve, porém, dar lugar a equívocos: a anomalia deve ser vista apenas na perspectiva de falta de condições para o cuidado e desenvolvimento da criança e não por referência a qualquer modelo normativo de família.
      A Constituição da Família não reconhece direitos apenas à criança; reconhece-os também aos pais.
      Desde logo, o direito e o dever dos pais de educação e manutenção dos filhos (artº 36 nº 5 da CRP). Trata-se, verdadeiramente, de um direito-dever subjectivo - e não uma simples garantia institucional ou uma simples norma programática, integrando o chamado poder paternal – que se traduz na compreensão deste último como obrigação de cuidado parental[18].
      O direito e o dever de educação têm, no contexto constitucional, um sentido mais amplo do que ensino já que abrange designadamente todo o processo global de socialização e aculturação, na medida em que ele é realizável dentro da família.
      A garantia da não privação dos filhos é também um direito subjectivo titulado pelos pais – como, de resto, também pelos filhos (artº 36 nº 6 da CRP). As restrições a este direito estão sujeitas a uma dupla reserva; reserva de lei - que deve estabelecer os casos em que os filhos poderão ser separados dos pais, quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais; reserva de decisão judicial - quando se trate de separação forçada, contra a vontade dos pais.
      Este direito constitui, de outro aspecto, dimensão ineliminável da garantia constitucional da protecção da família - que significa desde logo e em primeiro lugar, a protecção da unidade da família, ideia cuja manifestação mais relevante é o direito à convivência ou seja, o direito dos seus membros de viverem juntos ou, pelo menos, de manterem contactos pessoais entre si, direito que comporta uma dimensão negativa, como o direito de não serem impedidos de se juntarem ou, ao menos, de se contactarem, e que exige a realização das condições que permitam essa convivência (artº 67 nº 1 da CRP).
      Por último, os pais gozam, enquanto tais, quer dizer, nas suas relações com os filhos, também do direito fundamental à protecção, i.e., ao auxílio da sociedade e do Estado no desempenho da tarefa de educar os filhos (artº 67 nº 1 da CRP). Este direito tem, naturalmente, como pressuposto, o direito de cuidar dos filhos, considerando-se, logo no plano constitucional, insubstituível a acção paterna e materna de criação e educação dos filhos. Neste domínio não releva já tanto a protecção da criança – mas sobretudo a protecção dos pais nos seus direitos e deveres em relação aos filhos, que vincula à proibição de princípio de separação da criança dos pais.
      Ambos os pais têm necessariamente consciência de que a ruptura do casal parental causa um sofrimento afectivo na criança e que a intensidade dos conflitos parentais constitui um factor de risco preponderante no aparecimento de perturbações psíquicas na criança, durante e depois da separação da família conjugal[19].
      A dissociação familiar da recorrente e do recorrido não exclui a sua co-parentalidade. É imprescindível ao harmónico desenvolvimento de “C” a manutenção de relações afectivas de qualidade com ambos os pais e a necessidade de participação activa, interessada e responsável de ambos na sua educação.
      Aliás, a extinção da união conjugal torna ainda mais evidente a exigência de sobrevivência da união parental, no interesse do filho, primordialmente, mas ainda no interesse e realização pessoal e afectiva de cada um dos pais[20].
      A conflitualidade da requerente e do requerido lesa o bem-estar psicológico da filha, sendo causa da insegurança, ansiedade e angústia sofridas por esta, com prejuízo evidente para a correcta estruturação da sua personalidade e o harmonioso desenvolvimento do seu processo de socialização e de aquisição de competências pessoais e sociais.
      Para obviar esta consequência nefasta, basta que a requerente e o requerido assegurem entre si a comunicação e a informação acerca da filha, em especial sempre que os seus interesses essenciais são afectados[21], e uma atitude de concertação e cooperação recíprocas, através de um comprometimento sólido perante a regulação, e a observância do princípio de que as relações paterno-filiais se situam a um nível diferenciado das relações conjugais, prevenindo a instrumentalização do filho nos conflitos que os opõem[22].
      Todavia, o poder paternal não se projecta apenas no plano pessoal; releva simultaneamente na esfera patrimonial.
No tocante ao poder paternal patrimonial uma situação jurídica logo se destaca: o dever de alimentos.
Não é indiferente à noção de alimentos o fundamento legal do dever de os prestar.
No conceito de alimentos compreendem-se todas as prestações, seja qual for a sua periodicidade e o seu montante, que uma pessoa tenha de efectuar a outra, com vista a proporcionar-lhe os meios que ela necessita para viver – sem que tais prestações tirem a sua causa duma contraprestação que a segunda tenha de efectuar à primeira ou de danos que haja sofrido por acção que a esta seja imputável.
De harmonia com este conceito constituem, sem dúvida, obrigações alimentares os deveres dos pais de prover ao sustento e educação dos filhos[23].
Trata-se, pois, de uma obrigação não autónoma que se constitui na dependência ou decorrência de outra relação jurídica. Estruturalmente o dever de sustentar o filho menor é uma obrigação – assumindo o filho a posição de credor e os pais a de devedor. A sua origem e o seu fundamento radicam na situação ou relação jurídica de filiação. A obrigação de alimentos surge como uma manifestação de solidariedade que deve existir entre os membros da família – seja qual for a forma como esta se mostre organizada – com vista a assegurar a segurança económica, individual e colectiva.
A obrigação de alimentos é uma dívida de valor[24]. Não se trata de pôr à disposição do alimentário uma quantia em dinheiro, como que estabelecida ou, em todo o caso, fixada duma vez para sempre, ne varietur, e, portanto, uma potencialidade patrimonial (poder aquisitivo) não só abstracta como indeterminada, por isso sujeita à flutuação dos preços, mas antes, substancialmente, de lhe fornecer os meios mais apropriados à efectiva satisfação das suas necessidades – umas tantas e num certo grau de intensidade.
Cada um dos pais está, assim, adstrito ao dever de, segundo as suas possibilidades, alimentar o filho (artºs 36 nº 3 CR Portuguesa e 1874 nº 1 Código Civil). Os pais, ambos, têm, pois, o dever de alimentos perante os filhos, devendo prover ao seu sustento e assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação (artº 1878 nº 1 do Código Civil).
Isto está fora de dúvida. Mas já o não está a extensão dessa obrigação alimentar.
A obrigação de alimentos, seja qual for o seu fundamento, encontra-se sujeita, por inteiro, ao princípio da relatividade[25].
Este dever, quando referente a filhos menores e, portanto, quando integrado numa situação mais complexa como são as responsabilidades parentais, difere do dever autónomo de alimentos (artºs 2003 e 2020 do Código Civil). Nestes últimos, por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário e, caso o alimentado ser menor, compreendem também a sua instrução e educação (artºs 2003 nºs 1 e 2 do Código Civil).
O conceito de sustento, mesmo quando referido à obrigação comum de alimentos, deve ser entendido em sentido amplo, compreendendo tudo o que, não abrangido na habitação e no vestuário, seja indispensável à vida do alimentando[26].     
      Deste modo, deve considerar-se como alimentos tudo o que é indispensável à satisfação das necessidades da vida, segundo a situação social do alimentando, para o que bastará dar à palavra sustento um significado largo e atribuir carácter exemplificativo ao disposto na lei. O que é essencial é que o alimentando careça de alimentos para as necessidades da vida, qualquer que seja a natureza destas, desde que fundamentais para a sua vida de harmonia com a sua posição ou condição[27].
Diferentemente quanto aos pais, a lei espera que compartilhem com os filhos o seu nível de vida[28]. O conteúdo dos alimentos tem aqui, portanto, maior extensão (artºs 1878 nº 1, 1879 e 1896 nº 1 do Código Civil).
Maneira que tratando-se de alimentos de que seja credor o menor, a prestação não se mede pelas suas estritas necessidades vitais – alimentação, vestuário, calçado e alojamento – antes visa assegurar-lhe um nível de vida, económico-social idêntico aos dos pais - mesmo que já se encontrem divorciados; neste caso, deve atender-se ao nível de vida de que os pais desfrutavam na constância do casamento[29].
O nível de vida dos pais é, assim, um importante critério de determinação das necessidades da criança[30]. No caso de divórcio, o nível de vida da família que deve considerar-se é o existente antes da extinção do vínculo conjugal. O que importa é que se trate de necessidades da vida em conformidade com a posição social do credor, dado que seria contrário à equidade que um evento patológico como o divórcio – a que a criança é por inteiro alheia – provocasse a sua descida abrupta na escala social e no status económico[31].
Todas as contas feitas, pode, pois, retirar-se esta proposição conclusiva: os filhos devem ter um nível de vida correspondente ao que teriam se os pais vivessem em comum[32].
Desde que os meios do progenitor sem guarda o permitam, deve ser assegurado ao menor um nível de vida idêntico ao que gozava antes do divórcio, salvo, evidentemente, se esse nível de vida estava acima da capacidade dos pais. Neste sentido, a obrigação de alimentos visa não só tutelar o direito à vida e à integridade física do alimentando – mas o direito a beneficiar do nível de vida de que a família gozava antes do divórcio para que as alterações do nível de vida e no seu bem-estar sejam as mais reduzidas possíveis[33].
Poderá objectar-se que a atribuição de uma tal latitude à obrigação de alimentos de que é credor a criança sacrificará de forma severa o devedor. Mas a objecção não procede. A obrigação pese embora a particular qualidade do sujeito do sujeito activo, não deixa de estar, sempre, de todo, submetida ao princípio da proporcionalidade entre os recursos do devedor e as necessidades do credor, o que sempre evitará excessos ou abusos, podendo as despesas com a satisfação de necessidades da criança meramente marginais ser temperadas por recurso àquele princípio (artºs 1874 nº 1 e 2004 nºs 1 e 2 Código Civil).
      As necessidades do alimentando devem ser apreciadas de forma actualista, ou seja, tendo em conta o momento do cumprimento da prestação alimentar. Trata-se, claro está, de um conceito eminentemente relativo, devendo atender-se, em cada momento, para a fixação do quantum da obrigação alimentícia, não apenas ao custo médio normal e geral da subsistência - mas igualmente às circunstâncias especiais da pessoa a alimentar, como a idade, estado de saúde, sexo, situação social, etc.[34].
      Não é possível, evidentemente, esquecer a medida e a extensão dos meios do obrigado. Este também tem as suas próprias necessidades, também tem de viver.
      Como regra, é capaz de prestar alimentos quem não puser em perigo as suas próprias necessidades[35]. Portanto, pode prestar alimentos quem não põe em perigo os seus próprios alimentos com a prestação deles a terceiro.
      Efectivamente, há que considerar o património e a capacidade de trabalho do devedor de alimentos e os rendimentos da sua massa patrimonial.
      Na determinação das possibilidades do vinculado à prestação alimentar devem ponderar-se as receitas e despesas do obrigado, i.e., a parte disponível do seu rendimento, devendo computar-se neste todo e qualquer provento, designadamente o salário e ainda qualquer outra receita, ainda que de carácter eventual, tais como gratificações, comissões, subsídios, emolumentos, etc.[36].
      Assim, por exemplo, deve atender-se, na determinação das disponibilidades do obrigado, as quantias que percebe a título de subsídio de férias e de Natal[37]. Mas não há lugar à fixação de alimentos em mais do que doze prestações anuais, dado que não há lugar à prestação de alimentos como subsídios de férias ou de Natal[38] (artº 2005 nº 1 do Código Civil). Em contrapartida, a prestação alimentar não deve sofrer qualquer desconto pelo tempo que o progenitor sem guarda passe com o filho, durante as visitas ou durante as férias, sem prejuízo da consideração desses períodos de tempo na determinação da medida dos alimentos[39].
      Deve igualmente tomar-se em consideração os recursos que o devedor poderia obter com o seu trabalho: o devedor não tem o direito de se manter ocioso para se subtrair à obrigação alimentar[40]. Assim, v.g., a situação de desemprego, que o devedor não demonstre não ser-lhe imputável, não o dispensa de cumprir a sua obrigação de alimentos, devendo imputar-se-lhe rendimentos de harmonia com a sua capacidade de ganho[41].
      Importa, contudo, sublinhar, com vista à aferição das possibilidades do obrigado, que não deve apenas tomar-se em linha de conta o nível de despesa: interessa, sobremaneira, a determinação da sua composição e da sua elasticidade. Reputa-se claro que não é indiferente se a despesa é composta essencialmente por custos inerentes à satisfação de necessidades básicas essenciais do obrigado e, por isso, é inelástica ou, ao invés, se é integrada por gastos ostentatórios ou sumptuários ou, pelo menos, afectados à satisfação de necessidades marginais ou secundárias e, como tal, susceptível de compressão.
      Assim, quanto às obrigações do devedor para com terceiros a que se deve atender para determinar o rendimento disponível do obrigado, deve distinguir-se consoante a natureza das dívidas contraídas, só devendo admitir-se a relevância das assumidas para atender às necessidades fundamentais e não para fazer face a despesas supérfluas ou acima da sua capacidade financeira – v.g. compra de uma habitação de luxo. A irresponsabilidade financeira do devedor não pode ser motivo para o desonerar da prestação de alimentos ou para reduzir o seu valor. Mutatis mutandis, a irresponsabilidade económica do progenitor a quem a prestação deve ser entregue, não deve constituir razão atendível para aumentar o valor da prestação alimentar.
      Assentes estes parâmetros, importa, enfim, averiguar se existe fundamento para alterar o acordo de regulação das responsabilidade parentais, designadamente, no segmento relativo à obrigação do requerido de concorrer para alimentar - rectior, para fazer viver - o menor seu filho[42].
      3.3. A alteração das circunstâncias.
      O quantum da obrigação alimentar foi fixado por acordo da requerente e do requerido, então cônjuges, no âmbito da regulação das responsabilidades parentais relativas à filha menor, e homologado por decisão que, em simultâneo, decretou o divórcio por mútuo consentimento entre ambos.
      O acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais é um dos acordos complementares do divórcio por mútuo consentimento que devem ser homologados pelo conservador do registo civil para que este seja decretado (artºs 12 nº 1 b), 14 e 17 nº 1 do DL nº 272/2001, de 13 de Outubro e 272 nº 3 do CR Civil).
      Quanto à natureza jurídica do acordo relativo ao exercício das responsabilidades parentais, deve assentar-se no seu carácter essencialmente negocial: ele é expressão da autonomia privada dos pais[43], apesar da compressão que sofre pela ordem pública da família, que legitima a intervenção do juiz ou do conservador do registo civil na sua conformação[44].
      O acordo de regulação da função parental é um negócio jurídico processual, i.e., um negócio jurídico que produz directamente efeitos processuais, portanto, um acto jurídico de carácter negocial que constitui, modifica ou extingue uma situação processual.
      Esse acordo deve ser apreciado atendendo à sua qualidade como negócio processual e como acto jurídico. Como negócio processual devem exigir-se os normais pressupostos dos actos processuais, como, v.g., a capacidade, a representação judiciária, o interesse processual, etc.
      Mas como se pode concluir da invalidade (substantiva), esses pressupostos só têm autonomia quando não sejam consumidos pelos requisitos gerais dos actos jurídicos (artºs 300 nº 1 e 301 nºs 1 e 3 do CPC, ex-vi artº 19 do DL nº 372/2001, de 13 de Out.).
      O acordo de regulação, enquanto negócio processual que conforma a decisão da causa, exige os requisitos gerais de qualquer negócio jurídico, nomeadamente quanto aos sujeitos, à vontade e sua exteriorização e ao objecto negocial.
      Expressão desse regime comum é o disposto no artº 302 nº 1 do CPC: o acordo pode ser declarado nulo ou anulado como os outros actos de idêntica natureza negocial[45].
      O conflito familiar desenvolve-se em torno de interesses e expectativas relevantes para o direito – mas também através de fortes sentimentos e emoções que o direito não objectiva nem valora directamente. Esta realidade extra jurídica integrada por elementos da vida interior de cada um dos sujeitos nela envolvidos – sentimentos de ódio, de abandono, de insegurança, de vingança, de frustração, de receio face ao futuro – constitui uma componente essencial do conflito familiar.
      O contexto do conflito familiar é, assim, frequentemente marcado por sentimentos acerca do ex-cônjuge, tais como amor, ódio, rancor, cólera, inveja e preocupação; sentimentos acerca do casamento, como sejam o arrependimento, desilusão, tristeza e fracasso, e sentimentos mais gerais: fracasso, depressão, euforia, alívio, culpa e reduzida auto-estima e autoconfiança[46].
      A conflitualidade conjugal assente assenta numa lógica de contraposição dialéctica de posições antagónicas e numa perspectiva de vencedor/vencido. Esta realidade promove o confronto e reduz as possibilidades de diálogo e de entendimento entre os interessados sobre o conflito jurídico, agravando consequentemente a conflitualidade não jurídica que o envolve e lhe subjaz[47].  
      E esta realidade permanece, mesmo tendo em conta os espaços de auto composição de interesses existentes no contexto processual em que se desenvolve o conflito. Não se deve questionar a extraordinária importância da actividade que cabe ao conservador do registo civil enquanto auxiliar auto-compositivo dos interesses em presença: a actividade de pacificação dos interessados, de elaboração de síntese das respectivas pretensões, de persuasão da adopção preferencial de soluções consensuais, de promoção e de garantia de um clima de igualdade, de liberdade e de racionalidade favorável à harmonização das várias propostas e contrapropostas de acertamento do conflito familiar[48].
A actividade conciliadora encontra-se, todavia, seriamente dificultada pela parcelarização artificial dos aspectos jurídicos do conflito familiar que delimitam o objecto da conciliação e pelo contexto de confronto em que assenta o processo, judicial ou não[49].
      A eficácia real dos acordos estabelecidos judicialmente ou administrativamente supõe também, inevitavelmente, a superação efectiva desses limites e dificuldades. De contrário, o acordo poderá ser aceite como solução mais rápida e estrategicamente mais conveniente – mas não certamente como o mais favorável a todos os interesses em presença.
      A conflitualidade não jurídica e os factores psicológicos como determinantes dinâmicas da superação do conflito familiar são, em regra, indiferentes para o direito. Só relevam juridicamente, no tocante a qualquer acordo familiar, designadamente, sobre o desempenho das responsabilidades parentais, quando, v.g., uma ou ambas as declarações negociais em que se resolve, é feita por quem, devido a qualquer causa, estiver transitoriamente incapacitado de representar o sentido dela e não tenha o livre exercício da sua vontade, desde que o facto seja notório, i.e., quando uma pessoa de normal diligência o tivesse podido notar, ou conhecido do declaratário (artº 257 do Código Civil)
      Contudo, uma questão é a validade do acordo, outra a alterabilidade da obrigação alimentícia que dele emerge para um dos pais.
      Qualquer dos acordos complementares do divórcio por mútuo consentimento está sujeito a homologação, seja pelo juiz seja pelo conservador do registo civil. A decisão homologatória – que representa igualmente um elemento constitutivo do acordo, traduzindo o controlo, pelo juiz ou pelo conservador e pelo Ministério Público, a que está sujeito[50] - uma vez transitada em julgado é em regra, imodificável (artº 677 do CPC)[51].
      Contudo, como a decisão se reporta à situação de facto existente no momento do encerramento da discussão, não lhe pode ser indiferente uma alteração ocorrida posteriormente (artº 663 nº 1 do CPC).
      O caso julgado encontra-se, assim, também submetido ao princípio rebus sic stantibus e, por isso, deixa de valer quando se alteram os condicionalismos de facto em que a decisão foi proferida. O caso julgado pode, assim, perder a sua autoridade e eficácia, designadamente por substituição da decisão transitada[52].
      É o que sucede com a prestação de alimentos ou outras prestações dependentes de circunstâncias especiais quanto à sua medida e duração. A decisão – homologatória ou não – transitada que fixe alimentos ou condene na satisfação de prestações daquele natureza, pode, como reflexo da regra rebus sic stantibus sobre o caso julgado, ser substituída por uma outra quando se altere a situação de facto subjacente (artºs 292 nºs 1 e 2, 671 nº 2 do CPC e 182 nº 1 do DL nº 314/78, de 27 de Out.).
      A obrigação alimentícia é uma obrigação duradoura que assenta em dois parâmetros fundamentais - as necessidades económicas do alimentando e as disponibilidades financeiras do devedor (artº 2004 do Código Civil). Qualquer destes dois factores pode alterar-se. Não surpreende, por isso, que a lei permita que o quantitativo da prestação se adapte, a cada momento, à necessidade de quem recebe os alimentos e aos meios de quem tem de prestá-los (artº 2012 do Código Civil).[53]
A prestação alimentícia, como qualquer outra prestação duradoura dependente de circunstâncias especiais, uma vez fixada, não é imutável; desde que mudem as circunstâncias a que se atendeu para a fixação, a decisão pode ser alterada: pode a prestação ser modificada, para mais ou para menos, e pode até cessar. Quer dizer, ao caso julgado falta, nesta hipótese, a característica da estabilidade ou da imutabilidade.
Mas note-se, de um aspecto, que a modificação da decisão proferida só é admissível em função de circunstâncias supervenientes ao seu trânsito em julgado, quer dizer, se tiver ocorrido uma alteração superveniente dos condicionalismos de facto em que ocorreu o proferimento daquela e que determinaram a condenação, e, de outro, que, enquanto não for substituído, o caso julgado anterior mantém intactas a sua autoridade e eficácia.
Esta conclusão sustenta-se, não apenas doutrinaria – mas também normativamente. No tocante aos processos de jurisdição voluntária - natureza de qual partilha esta providência e o processo no âmbito do qual foi concluído o acordo relativo ao exercício da função parental - a lei é terminante na ressalva dos efeitos já produzidos pelas decisões alteradas, excluindo, consequentemente, a destruição retroactiva, pelo novo caso julgado, dos efeitos produzidos pelo caso julgado anterior. A modificação só opera ex nunc e não ex tunc: a instabilidade do caso julgado não vai até ao ponto de prejudicar os efeitos que já tenha produzido a resolução anterior; esses efeitos subsistem: a nova resolução só exerce a sua eficácia para o futuro (artºs 1411 nº 1 do CPC e 182 nº 1 do DL nº 314/78, de 27 de Out.).
      Ponto incontroverso é a indiferença da natureza objectiva ou puramente subjectiva da alteração das circunstâncias, dado que tanto autorizam a modificação as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão - como as anteriores mas que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso (artº 1411 nº 1, 2ª parte, do CPC).
      Este viaticum habilita-nos a questão colocada no recurso.
3.3. Concretização.
      Por uma pura razão de lógica, a conclusão de que ocorreu uma alteração de circunstâncias exige um juízo de comparação entre o circunstancialismo vigente num dado momento e o contexto existente num momento posterior. Dito doutro modo: para que assente numa modificação superveniente de circunstâncias é indispensável conhecer essas circunstâncias em momentos temporalmente diferenciados.
      Assim, para que uma obrigação parental seja modificável, com base na alteração das circunstâncias, aquele que pretende a alteração deve alegar as circunstâncias existentes no momento em que aquela obrigação foi contraída e as circunstâncias presentes no momento em que requer a modificação dessa mesma obrigação. Se o juízo de relação mostrar uma variação de contexto, então deve autorizar-se a alteração da obrigação. No caso contrário, a alteração deve, naturalmente, recusar-se.
      Na espécie do recurso, a requerente e o requerido convencionaram que a deslocação de cada um deles para o estrangeiro com a criança carece do consentimento do outro.
      Esta convenção, nitidamente bilateral – e, aliás, deveras comum - tem por finalidade conspícua evitar a deslocação ilícita da criança para país estrangeiro e as dificuldades de actuação dos mecanismos legais e convencionais disponíveis para assegurar o seu regresso. Agora, a convenção tem um preço: a colocação na mão de qualquer um dos pais de um verdadeiro direito de veto, dado que permite a qualquer deles, sem necessidade de qualquer justificação ou motivação, a recusa do consentimento na deslocação da criança para fora do território nacional.
      A requerente queixa-se justamente desta consequência, já que, segundo alega, o requerido, fundado naquela convenção, inviabiliza qualquer visita da filha ao estrangeiro.
Independentemente da inteira previsibilidade desse resultado do funcionamento da cláusula – e da perfeita conformidade dessa consequência com a finalidade que levou os pais a acordar nela – a verdade é que não vem alegada qualquer alteração de contexto entre o momento em que a cláusula foi convencionada e o momento actual, dado que se ignora – por falta da indispensável alegação – o exacto circunstancialismo que rodeou o seu estabelecimento.
A requerente alega que o requerente teima em manter-se sem profissão sem ter a preocupação de tentar encontrar um trabalho para dar mais e melhor à filha.
Simplesmente, a desocupação do requerido é uma circunstância que já se encontrava inteiramente presente no momento em que foi concluído e homologado o acordo de regulação – e correspondentemente modelada a obrigação parental patrimonial de alimentos – dado que no respectivo instrumento se fez constar expressamente – cláusula 2.3. - que o requerido se encontrava desempregado e não tinha nenhuma fonte de rendimento. De resto, é esta mesma circunstância que explica que quem verdadeiramente se mostre vinculado à obrigação de alimentar a criança não seja o requerido - mas a avó paterna, o que não deixa de ser singular dado que esta avó não teve qualquer intervenção na conclusão do acordo.
Seja como for, no plano da situação profissional ou laboral do requerido, não há – mesmo de harmonia com a alegação da recorrente – uma qualquer modificação.
Do mesmo modo, a recorrente também não alegou qualquer variação da sua situação económica entre o momento da conclusão e da homologação do acordo e o momento actual. Se se conhece a situação profissional da recorrente na actualidade, a verdade e que se ignora essa mesma realidade no momento em que a decisão de regulação foi consensualizada e homologada.
Da mesma maneira, a requerente não invoca qualquer alteração das necessidades da criança, posterior à conclusão daquele acordo.
Seria, de resto, improvável, de harmonia com regras de experiência e critérios sociais, que, em menos de um ano – que é o tempo que medeia entre a homologação do acordo e a dedução do pedido da sua modificação - as necessidades da criança e os meios económicos exigidos para as satisfazer registassem uma evolução, no sentido do aumento, proporcional ao aumento que a requerente pretende seja judicialmente impresso ao valor da prestação alimentar (artºs 267 nº 1 do CPC, ex-vi artº 161 do DL nº 314/78, de 27 de Out. e 349 do Código Civil). As necessidades da criança são, fundamentalmente, as já existentes no momento da conclusão do acordo de regulação, o que não surpreende dada a permanência da criança no mesmo escalão etário e num grau de desenvolvimento bio-psiquico sensivelmente idêntico.
Todas as contas feitas, pode assentar-se nesta conclusão: a alegação da requerente não evidencia qualquer variação, objectiva ou subjectivamente superveniente, de qualquer dos parâmetros da obrigação alimentar apontados.
Já se dez notar que a dívida de alimentos não é, pois, uma dívida pecuniária em sentido estrito, mas uma dívida de valor: o dinheiro é apenas o substituto ou sucedâneo do objecto inicial da prestação, porquanto é o valor que determina a quantidade.
      O alimentante deve, no fundo, prestar um valor real. A pensão de alimentos deverá ser actualizada, sempre que haja acordo, ou sob invito debitore, na falta dele, atendendo, na falta de outro critério, aos índices de preços no consumidor (artº 551 do Código Civil). A admissibilidade da actualização da dívida de alimentos é também expressão ao princípio da variabilidade a que se encontra sujeita.
      A admissibilidade da revisão judicial da pensão de alimentos tem sobretudo por escopo travar o efeito prejudicial da inflação sobre a prestação[54]; mas ela também é susceptível de originar constantes e dolorosos conflitos entre os pais, dado que constitui um momento propício para a reactivação do conflito acerca do desempenho da função parental.
      De modo a evitar este inconveniente gravoso, a maioria dos ordenamentos jurídicos[55] - mas não o nosso, se exceptuarmos o processos de jurisdição voluntária, em que o juiz tem a liberdade de subtrair ao enquadramento rígido do direito aplicável e de proferir a decisão que lhe parca mais equitativa - permite ao tribunal aplicar oficiosamente mecanismos de actualização automática da pensão de alimentos, encarados como o meio mais idóneo de evitar os custos e as dificuldades associadas ao processo judicial de revisão, que recaem geralmente sobre a parte economicamente mais fraca (artº 1410 do CPC). À protecção da parte economicamente mais débil soma-se o interesse público na redução dos conflitos judiciais.
      Note-se que não se trata nunca de alterar o valor da prestação alimentar, mas de o manter constante. Visa-se, antes, em lugar da modificação a posteriori da obrigação alimentar, como consequência da desvalorização monetária, conferir ao direito do credor uma tutela preventiva, justificada pela previsibilidade do fenómeno inflacionário.
      De resto a adopção de cláusulas estabilizadoras ou de salvaguarda monetária não deixa de prestar aos interesses do devedor a devida atenção. De um aspecto, porque a cláusula de indexação assume ela própria o carácter rebus sic stantibus, deixando-lhe incólume o seu direito a requerer ao tribunal a modificação da decisão, com fundamento da alteração das circunstâncias (artº 2012 do Código Civil); de outro, impede o controlo constante, por um dos pais, dos rendimentos do outro.
      Essas cláusulas devem indexar-se, por falta de outro critério legal, ao índice de preços e não ao aumento dos rendimentos do devedor (artº 551 do CC). A ratio dessas cláusulas assenta na modificação do poder aquisitivo da moeda, tendo em vista manter constante o valor que é disponibilizado ao credor para a efectiva satisfação das suas necessidades - e não permitir a este a partilha dos rendimentos do devedor.
      No caso, porém, não se coloca o problema da erosão do poder aquisitivo da quantia pecuniária de alimentos convencionada – que, de per se, seria susceptível de fundar a sua alteração – dado que o acordo contém uma cláusula de salvaguarda monetária.
Estas considerações são suficientes para mostrar que, realmente, por falta de alegação adequada de qualquer alteração – objectiva ou simplesmente subjectiva – das circunstâncias, o pedido de modificação da decisão negociada de regulação das responsabilidades parentais formulado pela requerente, é infundado e, portanto, que a decisão recorrida é, neste plano, juridicamente exacta.
O recurso não tem, portanto, bom fundamento.
O desenvolvimento harmónico de “C”  depende necessariamente de ambos os pais – não podendo nenhum deles substituir-se ao outro – e da possibilidade de um relacionamento pessoal e directo com ambos, justificado não pela formalidade da relação jurídica do parentesco – mas legitimado pelo vínculo vivo da afeição[56].
      A requerente e o requerido colocaram a filha no centro do conflito parental. A regulação do cuidado parental a ela relativo procura devolver-lhe o seu lugar de criança, sem que tenha de renunciar a relações harmoniosas com ambos os pais, de modo a que a separação parental lhe seja mais fácil de suportar. Isto permitir-lhe-á crescer sob a protecção de ambos os pais, contanto que estes aceitem agir como adultos responsáveis. A função parental só é possível na triangulação da relação, da qual cada um dos protagonistas é parte integrante e activa. A actuação de um e de outro dos pais não deve ser oposta mas sim complementar e insubstituível na sua especificidade respectiva. Não há razão que explique ou justifique que a ruptura do vínculo entre a requerente e o requerido ameace o vínculo que une a criança a cada um deles e que a criança experimente um sentimento de perda de referenciais afectivos. 
      A execução da decisão contratualizada de regulação, sob o signo estrito da boa fé, segundo uma atitude de concertação e cooperação, garantirá, à menor laços afectivos estáveis e profundos com cada um dos pais, evitando a desqualificação, a desautorização e a secundarização efectiva de qualquer deles, perante a criança, e permitindo, simultaneamente, a realização pessoal e afectiva de cada um deles.
De resto, só assim a requerente e o requerido serão, verdadeiramente, pais.
Duas palavras mais para sumariar o acórdão (artº 713 nº 7 do CPC).
A retórica argumentativa do acórdão, de que se extrai a solução de improcedência do recurso, pode sintetizar-se nestas proposições simples: O conteúdo da obrigação parental patrimonial de alimentos, a que ambos os pais estão adstritos relativamente ao filho menor é mais extensa que a obrigação alimentar comum, dado que tem por finalidade assegurar à criança um nível de vida, económico e social, idêntico aos pais; no caso de dissolução da união parental, deve atender-se, na fixação do quantum daquela obrigação, ao nível de vida que os pais gozavam no momento anterior àquela dissolução; as obrigações parentais, maxime a obrigação alimentar, estão sujeitas ao princípio da variabilidade; a alteração da decisão negociada de regulação das responsabilidades parentais, com fundamento na alteração superveniente das circunstâncias, exige a alegação pelo requerente tanto das circunstâncias actuais como das circunstâncias contemporâneas da conclusão do acordo e do proferimento da decisão homologatória correspondente; na falta de alegação adequada da modificação do contexto em que foi contratualizada e homologada a regulação e o circunstancialismo actual, o pedido de modificação da decisão negociada de regulação deve ter-se por infundado.
A recorrente sucumbe no recurso. Deverá, por esse motivo, suportar as custas dele (artº 446 nºs 1 e 2 do CPC).
Dada a pouca complexidade do tratamento do objecto processual do recurso, a respectiva taxa de justiça dever ser fixada nos termos da Tabela I-B, que integra o RCP (artº 6 nº 2).


      4. Decisão.
      Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.

      Custas do recurso pela apelante, devendo a taxa de justiça ser fixada nos termos da Tabela I-B integrante do RCP.

Lisboa, 7 de Abril de 2011

Henrique Antunes
Ondina Carmo Alves
Ana Paula Boularot
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[1] É patente a desarmonia do procedimento observado pelo tribunal recorrido com aquele que é marcado na lei. Realmente, o que a lei determina, de forma clara e cristalina, é que, apresentado o requerimento de alteração do acordo ou da decisão final, o requerido é citado para, no prazo de 10 dias, alegar o que tiver por conveniente e, só depois de oferecida a alegação – ou findo o prazo do seu oferecimento – é que o juiz decide o requerimento: se considerar infundado o pedido ou desnecessária a alteração, ordenará o arquivamento do processo; no caso inverso, ordenará o seu prosseguimento (artº 182 nºs 2 a 4). Na espécie, o requerimento foi logo objecto de decisão – de indeferimento - antes da citação do requerido para a providência – o que conduziu a esta consequência singular: a de o requerido ter sido citado para oferecer a sua alegação a um requerimento – já indeferido. De outro aspecto, uma vez que o requerimento foi logo – embora mal – indeferido in limine, haveria decerto que citar o requerido tanto para os termos do recurso como para os da causa – mas não para oferecer logo a sua alegação, dado que o prazo para a sua apresentação só se iniciaria com a notificação, na 1ª instância, da revogação do despacho de indeferimento liminar (artº 234 nºs 3 e 4 do CPC, ex-vi artº 161 do DL nº 314/78, de 27 de Out.).
[2] Acs. do STJ de 16.10.86, BMJ nº 360, pág. 534 e da RC de 23.03.96, CJ, 96, II, pág.24.
[3] Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Lex, Lisboa, 1994, págs. 138 e ss. Freitas do Amaral, Conceito e natureza do recurso hierárquico, Coimbra, 1981, pág. 227 e ss. Embora sem aceitar a invocação de factos novos pelas partes, o recurso de apelação aproxima-se, numa situação específica, do modelo de recurso de reexame. Trata-se da possibilidade de a Relação determinar a renovação dos meios de prova produzidos na 1ª instância, que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade (artº 712 nº 3 do CPC). Nesta hipótese, o tribunal de recurso não se limita a controlar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, antes manda efectuar perante ele a prova produzida na instância recorrida.
[4] A afirmação de que os recursos visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova constitui jurisprudência firme. Cfr., v.g., Acs. STJ de 14.05.93, CJ STJ, 93, II, pág. 62 e da RL de 02.11.95, CJ, 95, V, pág. 98.
[5] Ac. STJ de 23.03.96, CJ, 96, II, pág. 86.
[6] Ac. do STJ de 23.05.96, CJ, II, pág. 86.
[7] Esta conclusão resulta da constatação de que o instituto da alteração das circunstâncias, que fundamenta a pretensão da requerente de modificação da decisão contratualizada de regulação, nomeadamente no tocante à da prestação alimentar, se vê confrontado com posições tendentes a reduzir o seu campo de aplicação, por virtude, designadamente, do recurso às teorias do risco, da protecção da confiança e da interpretação contratual, do erro e do enriquecimento sem causa. Assim, por exemplo, Menezes Cordeiro, Da Alteração das Circunstâncias, Separata dos Estudos em Memória do Prof. Doutor Paulo Cunha, Lisboa, 1987, pág. 27 e ss., Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª edição, Coimbra, 1998, pág. 296, Pinto Monteiro/Júlio Gomes, A Hardship Clause, e o Problema da Alteração das Circunstâncias, Júris et de Jure, Nos 20 Anos da Faculdade de Direito da UCP – Porto, págs. 17 e ss. Particularmente discutida é a questão relativa à conjugação das regras do risco com o regime de alteração das circunstâncias: a favor da prevalência das primeiras, Vasco Xavier (Parecer), CJ, VIII, V, págs. 17 e ss., Menezes Cordeiro, ops. cit., págs. 39 e ss.; no sentido oposto, v.g., Antunes Varela/Henrique Mesquita, (Parecer), CJ, VII, II, págs. 7 e ss.
[8] Mas essa decisão negociada de regulação não é bem aquela que a recorrente alegou no requerimento inicial. Realmente, a apelante invocou um acordo de regulação que, no seu conteúdo, é bem diverso daquele que foi efectivamente concluído e homologado. Isto é patente, por exemplo, no tocante à alegação de que o recorrido está obrigado ao pagamento da quantia de € 150,00 mensais. A mera leitura do acordo documentado na certidão passada pela conservatória do registo mostra que o requerido não está vinculado a uma tal prestação, mas a outra de conteúdo bem diverso.
[9] A expressão poder paternal era, até há muito pouco, utilizada comummente pela lei, pela doutrina e pela jurisprudência portuguesas. A expressão estava, já então, profundamente desajustada da evolução da realidade social e jurídica. A expressão é nitidamente tributária duma concepção do poder paternal como poder - sujeição, como poder arbitrário exercido única e exclusivamente pelo pai sobre a pessoa e os bens do filho. Em consonância com experiências oriundas de outros espaços jurídicos europeus, em que a expressão tradicional foi substituída por outras mais de acordo com a Recomendação nº R (14) 4 sobre as Responsabilidades Parentais adoptada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, com a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança, propunham alguns autores como conveniente e oportuna a substituição da expressão poder paternal pela expressão responsabilidades parentais, o que entre nós só ocorreu através da alteração dos artºs 1901 a 1912 do Código Civil pelo artº 1 da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro. Esta última expressão merece, contudo, também alguns reparos. Os pais não têm só responsabilidades mas também um dever de exigência em relação ao filho. Desvalorizar este dever seria enfraquecer o significado do laço da filiação. Maneira que tendo como referência o modelo democrático de família – concebida também como centro privilegiado de relações afectivas – em que a relação entre pais e filhos se baseia no respeito mútuo e na particular atenção a prestar às necessidades do filho como ser em desenvolvimento, sem minimizar a actividade de controlo e supervisão da educação e formação do filho, no contexto de uma relação interactiva em que este assume a qualidade de sujeito, parece ser de acolher a expressão cuidado parental. Cfr. Diogo Leite de Campos, Lições de Direito da Família e das Sucessões, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 1997, págs 370; António H. L. Farinha e Conceição Lavadinho, Mediação Familiar e Responsabilidades Parentais, Coimbra, Almedina, págs. 47, António H.L. Farinha, Relação entre os Processos Judiciais, Infância e Juventude, nº 2/99, Abril - Junho, 1999, pág. 69, Irene Thery, Couple, filiation et parente d´aujourd´hui, Paris, Editions Odile Jacob, 1998, pág. 190 e Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Parental nos Casos de Divórcio, 4ª edição, revista, aumentada e actualizada, Coimbra, Almedina, 2002, pág. 15.
[10] Armando Leandro, Poder Paternal: natureza, conteúdo, exercício e limitação. Algumas reflexões de prática judiciária, Temas de Direito da Família, Almedina, Coimbra, 1986, págs. 117 e 118, e José Carlos Moitinho de Almeida, Efeitos da Filiação, OA, Instituto da Conferência, 1981, págs. 140 a 145.
[11] Maria de Fátima Abrantes Duarte, O Poder Paternal, Contributo para o Estudo do seu Actual Regime, AAAFDL, Lisboa, 1994, págs. 41 e 42, Jorge Miranda, Poder Paternal e Assistência Social, Direcção-Geral de Assistência, Gabinete de Estudos Sociais, Série A, nº 1, págs. 291 e ss. e Maria Manuela Baptista Lopes e António Carlos Duarte Fonseca, Aspectos da relação jurídica entre pais e filhos, Revista Infância e Juventude, nº 4 Out./Dez., 1988, págs. 10.
[12] Marta Santos, A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, Documentação e Direito Comparado nºs 35/36, 1988, pág. 214 e ss. A Convenção foi aprovada para ratificação pela Resolução da AR nº 20/90, de 12.9.90, ratificada pelo Decreto do PR nº 4/90, de 12.2.90 com início de vigência no dia 21 de Out. de 90 (DR 2º suplemento de 17.9.90 e aviso de 26.10.90, DR nº 248). Para uma apreciação da consistência da fundamentação psicológica da Convenção, em sentido crítico, Paula Cristina Martins, Sobre a Convenção dos Direitos da Criança. Da Psicologia dos Direitos aos Direitos da Psicologia, Infância e Juventude, Julho - Setembro, 99.3, págs. 61 a 70.
[13] E. Groenseh, O papel da família na integração social dos jovens, Revista Infância e Juventude, nº 4, Outubro - Dezembro, págs. 7 a 37.
[14] Da natureza jurídica do instituto das responsabilidades parentais, do seu conteúdo e da forte influência do princípio do interesse superior da criança a que se encontra exposto, decorrem os seus fundamentos finais: o de protecção da pessoa e bens do filho, ditada pela sua situação de incapacidade; o de promoção da autonomia e independência do filho. Os pais não devem apenas proteger a criança e promover os seus direitos; compete-lhes ainda garantir-lhes as condições favoráveis ao pleno desenvolvimento das suas faculdades físicas, intelectuais, morais, emocionais e sociais de forma a habilitá-los para o exercício da sua plena capacidade quanto atingirem a maioridade. Cfr. Rosa Cândido Martins, Poder Paternal vs Autonomia da Criança e do Adolescente? Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Centro de Direito da Família, Ano 1, nº 1, 2004, págs. 68 e 69.
[15] Além da sua dimensão funcional, que aponta decisivamente para uma concepção filiocêntrica, as responsabilidades parentais visam também promover a auto-realização dos pais, como tal. A educação do filho corresponde não apenas ao interesse deste, mas também à plena realização da personalidade dos pais. Cfr. Antunes Varela, Direito da Família, Lisboa, 1999, 5ª ed., vol. I, págs. 79 e 80. Sobre a evolução do instituto do poder paternal, cfr. Parecer da Procuradoria-Geral da República, nº 8/91, Pareceres, vol. II, págs. 345 a 348.
[16] A socialização resolve-se num processo de aquisição de atitudes e habilidades que são indispensáveis para o desempenho de um determinado papel social. A importância da socialização na família é sublinhada, una voce, pela sociologia e psicologia, embora segundo perspectivas diferentes. Para a sociologia, a função socializante da família tem em conta a aprendizagem dos valores e papéis sociais; a psicologia defende a importância do contexto familiar no desenvolvimento da personalidade da criança e do jovem. A psicossociologia articula estes dois aspectos, preconizando que a assunção de papéis e de valores, bem como o desenvolvimento psicológico da criança e do jovem se fazem através de um processo de interacção e de comunicação. Cfr. A. Michel, Sociologia da Família e do Casamento, Porto, Rés-Editora, 1983.
[17] Esta concepção resulta, designadamente, da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque em 1989, e aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90.
[18] J. J. Canotilho/Vital Moreira, CRP, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I., 4ª edição revista, Coimbra Editora, pág. 565.
[19] Gérard Poussin e Élisabeth Martin-Lebrun, Os Filhos do Divórcio, psicologia da separação parental, págs. 173 e 180 a 184.
[20] Além da sua dimensão funcional, que aponta decisivamente para uma concepção filiocêntrica ou pedocêntrica, o poder paternal visa também promover a auto-realização dos pais, como tal. A educação do filho corresponde não apenas ao interesse deste, mas também à plena realização da personalidade dos pais. cfr. Antunes Varela, Direito da Família, 5ª ed., vol. I, págs. 79 e 80. Sobre a evolução do instituto do poder paternal, Parecer da Procuradoria-Geral da República, nº 8/91, Pareceres vol II, págs. 345 a 348.
[21] Recomendação nº R (84) 4 Sobre as Responsabilidades Parentais - Princípio 11, do Comité de Ministros do Conselho da Europa.
[22] Cabe, neste domínio, acentuar o perigo de ambivalência e de insegurança que resulta para a criança de soluções que não lhe sejam apresentadas como comuns a ambos os pais e a dificuldade que aquela sente em relacionar com cada um dos progenitores que, ao menos nessa qualidade, não mantenham um diálogo positivo. Cfr. Anna Freud, J. Goldstein e Albert J. Solnit, Beyond the Best Interest of the Child, pág. 36.
[23] Obrigação alimentar é, de resto, o termo corrente na doutrina e na jurisprudência. Na doutrina estrangeira nota-se, no entanto, a tendência de substituir essa expressão por outra, com significado mais semelhante ao de sustento; assim, na doutrina francesa fala-se de obligation d´entretien e as publicações do Conselho da Europa sobre o assunto aconselham a mudança na terminologia. Cfr. O. Edlbacher, Les Obligations des Parents Envers Leurs Enfants e l´Autorité Parentale, Strasbourg, Conseil de l´Europe, 1977.
[24] Manuel de Andrade, RLJ Ano 77, pág. 226. Não é aqui, portanto, a aplicável o princípio nominalista (artº 550 do CC). Cfr. Pinto Monteiro, Inflação e Direito Civil, pág. 22 e ss. e Baptista Machado, Nominalismo e Indexação, RDES, 1977, págs. 56 e 57.
[25] Manuel de Andrade, cit., pág. 226.
[26] Moitinho de Almeida, Sciencia Jurídica, XVI, pág. 269 e Ac. RP de 18.05.77, CJ, 77, IV, pág. 848.
[27] Vaz Serra, RLJ, Ano 102, pág. 262 e Ac. RP 22.07.77, CJ, 77, pág. 1164.
[28] João de Castro Mendes, Direito da Família, AAFDL, págs. 346 e 347.
[29] J. P. Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores), “Versus” o Dever de Assistência dos Pais para com os Filhos (em especial Filhos Menores), págs. 183 e 184.
[30] Maria João Romão Carreira Vaz Tomé, Child Support as an Effect of Divorce in Portugal and Europe, Handbook of Global Legal Policy, Stuart and Nagel, University of Illinois, 2000, pág. 273. Esta autora faz notar que o critério é expressamente referido no BGB (§ 1610) e no artº 438 do CC Italiano, sendo também adoptado pelos tribunais franceses.
[31] As famílias monoparentais, constituídas normalmente pela mãe e pelos filhos menores, apresentam um nível de vida mais baixo do que o da família antes do divórcio e o do progenitor sem a guarda dos filhos. Trata-se de um fenómeno denominado por feminização da pobreza. Em regra, o nível dos homens após o divórcio sobe e o nível de vida das mulheres desce. Cfr. Chambers, Making Fathers Pay, The Enforcement of Child Support, The University of Chicago Press, Chicago and London, 1979, págs. 49, 54 a 56.
[32] Maria da Fátima Abrantes Duarte, O Poder Paternal, Contributo para o Estudo do seu Actual Regime, págs. 96 a 98.
[33] Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Paternal no caso de Divórcio, 3º ed., Revista, Aumentada e Actualizada, pág. 137 e Acs. RL de 29.6.94 e RP de 25.5.93 e 15.6.92, in Bases de Dados do MJ.
[34] Moitinho de Almeida, Os Alimentos no CC de 1966, ROA, 68, e Acs. RP de 18.05.77, CJ 77, IV, 848 e STJ de 07.05.80, BMJ nº 297, pág. 342.
[35] Como princípio, a prestação alimentícia nunca pode sacrificar o mínimo necessário à vida normal do devedor até para que – nas palavras impressivas de Antunes Varela - não se mate, em prejuízo definitivo do credor, a galinha dos ovos de ouro. Compreende-se, no entanto – acrescenta o mesmo autor - que o critério do julgador seja mais apertado em relação aos alimentos devidos ao filho onde repugna menos estimular a capacidade de trabalho do pai, forçá-lo à alienação de bens ou obrigá-lo a apertar o cinto. Cfr. Direito da Família, 1º vol, 5ª ed., Revista, Actualizada e Aumentada, Livraria Petrony, Lisboa, 1999 pág. 355.
[36] Moitinho de Almeida, cit., pág. 99.
[37] Acs. RL de 15.05.79, CJ, IV, III, pág. 779.
[38] Ac. RL de 04.04.97, BMJ nº 465, pág. 632.
[39] Rui M. L. Epifânio e António H. L. Farinha, Organização Tutelar de Menores, Contributo para uma visão Interdisciplinar do Direito de Menores e de Família, pág. 411 e Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, 3ª ed. Revista, Aumentada e Actualizada, pág. 183.
[40] Vaz Serra, Obrigação de Alimentos, BMJ nº 108, pág. 106.
[41] Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, 3ª edição, revista, aumentada e actualizada, pág. 184.
[42] Há, porém, que ter presente que a solução que for encontrada, seja ela qual for, é necessariamente má pela simples razão de que não pode haver soluções boas que remedeiem todos os inconvenientes da separação dos pais, nomeadamente, que apaguem a dor da criança de não poder viver ao mesmo tempo com ambos os pais e beneficiar de uma relação íntima com estes. Cfr. Michel Gobert, Rapport de Synthese, L´Autorité Parentale à L´Epreuve, pág. 84.
[43] O reconhecimento da autonomia privada dos interessados e da sua capacidade de auto-composição das questões familiares decorre do papel subsidiário e excepcionalmente supletivo que o Estado deve assumir face a eles e na visível tendência de desjudicialização dessas questões. Sob este aspecto, relevam os princípios constitucionais do direito da família, o direito à reserva da intimidade da vida privada e o direito prioritário dos pais é educação e manutenção dos filhos sem interferências injustificadas de terceiros ou do Estado (artºs 26e 36 nºs 5 e 6 da CR Portuguesa). Via pela qual, de resto, também se afirma claramente a preferência legal pela definição consensual do exercício das responsabilidades parentais e das demais questões familiares fundamentais.
[44] Antunes Varela, Direito da Família, 1º vol., 5ª ed., págs. 514 e 515 e Maria Clara Pereira de Sousa Santiago Sottomayor, Exercício do Poder Paternal Relativamente à Pessoa do Filho Após o Divórcio ou a Separação Judicial de Pessoas e Bens, págs. 171 e 172.
[45] Desconta-se, naturalmente, a especialidade de que, quanto à confissão, o erro, apesar de dever ser essencial, pode ser culposo.
[46] G. B. Spanior, Adjustment to Separation and Divorce, A Qualitative Analysis, Divorce and Separation, pág. 213.
[47] António Farinha, Relações entre a Mediação Familiar e os Processos Judiciais, Direito da Família e Política Social, Actas, Porto, 2001, pág. 195.
[48] Uma negociação informada, num contexto de divórcio, supõe que o cônjuge divorciando determine as suas pretensões relativamente a situações alternativas. A separação e o divórcio submetem frequentemente, dentre um curto período de tempo, os cônjuges à tensão de muitas modificações. Cfr. R. H. Mnookin, Divorce Bargaining. The Limits of Private Ordering, pág. 368. O divórcio é uma realidade penosa do ponto de vista afectivo, emocional, psicológico, familiar social e económico, da qual os cônjuges muitas vezes pretendem sair rapidamente, sem que os seus desejos, necessidades e interesses relevantes sejam devidamente considerados. Por falta de informação factual, a intervenção do conservador ou do juiz limita-se, necessariamente, não raro, à detecção de soluções manifestamente inconvenientes ou injustas.
[49] A diferenciação em vários tipos de processos é uma metodologia específica da abordagem judiciária do conflito familiar que esquece a interligação específica dos vários aspectos que integram, sejam de natureza pessoal e familiar sejam relativos há relações entre pais e filhos ou entre cônjuges.
[50] Pereira Coelho, Curso de Direito da Família, Coimbra, 1965, pág. 514.
[51] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2º ed., revista e actualizada, pág. 702.
[52] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, pág. 586.
[53] Acs. RL de 26.10.77 e 11.4.69, BMJ nº 272, pág. 240 e JR nº 15, pág. 317. A consequência prática da variabilidade enquanto característica nuclear da obrigação de alimentos, consiste no facto do credor não sofrer o risco da depreciação monetária, o que mostra que aquela obrigação não é em si mesma uma pura obrigação pecuniária mas uma obrigação em espécie - a obrigação de fazer viver o credor. Cfr. Carbonnier, Droit Civil, II, pág. 492.
[54] A variação do índice de preços constitui, por si só, fundamento para alterar o valor da obrigação alimentar. Cfr. Acs. RC de 24.06.77, BMJ nº 271, pág. 284 e RP de 26.01.78, CJ, 78, I, pág. 138.
[55] Cfr. Maria João Romão Carreira Vaz Tomé, O Direito à Pensão de Reforma enquanto Bem Comum do Casal, pág. 353, nota 941.
[56] A relação afectiva durante a infância é o protótipo das relações interpessoais futuras. Caso se deva – como se deve – ter esta asserção por exacta, isso significa que o sucesso das primeiras ligações afectivas desenvolve a capacidade da criança no sentido de ser capaz de amar e de ser amada pelos outros, pelo que as experiências tardias de confiança e proximidade são difíceis de conseguir sem estas experiências primárias.