Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4525/20.3T8FNC-A.L1-7
Relator: DIOGO RAVARA
Descritores: PETIÇÃO INICIAL APERFEIÇOADA
APRESENTAÇÃO ESPONTÂNEA
NULIDADE SECUNDÁRIA
ADEQUAÇÃO FORMAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I -A apresentação, por uma das partes, de modo espontâneo, de um articulado “aperfeiçoado”, sem que se verifiquem os pressupostos previstos no art. 590º, nº 4 do CPC configura a prática de um ato que a lei não admite.

II -Visando a apresentação de tal articulado contornar a apreciação de exceção de ilegitimidade, é de concluir que este tem influência no exame e decisão da causa, pelo que constitui nulidade secundária (art. 195º, nº 1 do CPC).

III- Aquela nulidade não pode ser suprida pelo Juiz, no exercício do seu poder de adequação formal (art. 547º do CPC), na medida em que tal colidiria com os princípios do contraditório e da igualdade das partes.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


1.–Relatório

1.1.


A [José ….]  e B  [Dora …. intentaram ação declarativa de condenação contra C [Gabriel …. e D  [Ilda ….], apresentando petição inicial com o seguinte teor[1] :
A, NIF 1.......7, e sua consorte B, NIF 2.......1 (cfr. DOC. 1 – Assento de Casamento n.º 30 do ano de 2007), ambos residentes à Rua ..... ..... ..... de ....., n.º …. Lombo ....., ....-... - São ..... ....., S_____, 
vêm propor
ACÇÃO DECLARATIVA EM PROCESSO COMUM
Contra,
C e sua consorte D, NIF 1.......5, ambos residentes à Rua ..... ..... ..... de .....- n.º …, Lombo ....., ....-... - São ..... ....., S_____.
O que fazem nos termos e com os seguintes fundamentos:

I–DOS FACTOS 

1.º–Os AA. são donos e legítimos proprietários da quota 874/2340 do prédio rústico com a área de 2340m2, composto por cultura arvense de regadio, construção rural e vinha directa, situado em ...../..... ....., freguesia de São ..... ....., concelho de S____, inscrito na matriz com o n.º ..., secção n.º ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de S_____ sob o n.º .../2......7, doravante designado “Prédio A.”. Docs. 2, 3 e 3A
2.º–Os AA. são, ainda, donos e legítimos proprietários do prédio rústico com a área de 2070m2, composto por pastagem e cultura arvense de regadio, situado em ...../..... ....., freguesia de São ..... ....., concelho de S_____, inscrito na matriz com o n.º ..., secção n.º ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de S_____ sob o n.º .../2......7, e identificado como Lote n.º 2. Docs. 4 e 5 e vide supra Doc. 3A
3.º–A leste dos prédios AA., confina o prédio rústico dos RR., situado em ...../..... ....., freguesia de São ..... ....., concelho de S_____, inscrito na matriz com o n.º  ..., secção n.º ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de S______ sob o n.º .../1......6, e identificado como ./.... Docs. 6 e 7
4.º–Os AA. dedicam-se à actividade agrícola e dos seus prédios retiram produtos frutícolas para consumo próprio e para sua subsistência.
5.º–Sucede que, no passado dia 11 de Julho de 2019, as terras de ambos os prédios dos AA. sofreram um abatimento, tendo decorrido sobre estes derrocadas e deslizamento de terras, provocando vários prejuízos patrimoniais a estes, por acção directa dos RR. decorrente de derivação de água de rega.
6.º–De facto, o RR. C, com a concordância da co-Ré, como já vinha fazendo em dias anteriores, sempre que tinha o giro da água, disponibilizada pela ARM – Águas e Resíduos da Madeira, S.A., deixava, após regar o prédio dos RR. identificado no supra articulado 3.º, a água sobrante correr para o terreno baldio e não cultivado do Lote n.º 1 do prédio identificado no supra articulado 1.º, na parte não pertencente aos AA. (vide supra Doc. 3A), como resulta da inspeção ao local efectuado por aquela empresa pública (cfr. Docs. 8 a 11 e infra Doc. 12)
7.º–Para além disso, o RR. C, com a concordância da co-Ré, também costumava usar a água do terreno baldio e não cultivado do Lote n.º 1 do prédio identificado no supra articulado 1.º, na parte não pertencente aos AA. (vide supra Doc. 3A), para regar o terreno do Prédio R., deixando mais uma vez a água sobrante a deitar para o dito terreno (vide Docs. 8 a 11).
8.º–Como resulta do teor do Doc. 8, bem como do ofício enviado pela ARM, S.A., em 22/10/2019, com o conhecimento dos AA. (cfr. Docs. 12 e 13), “um regante deve usar a água do respectivo prédio, na hora estipulada no horário de rega e, quando concluir o seu tempo, deverá deixar a água para o regante seguinte, sendo interdito conduzir a água para outros tornadoiros”.
9.º–Efectivamente, da derivação da água efectuada pelo RR. C, com a concordância da co-Ré, para o terreno baldio e não cultivado resultou, no dia 11/07/2019, uma enorme acumulação de água que foi causa de forte deslizamento de terras e de grandes pedras para cima dos terrenos dos AA., identificados nos supra articulado 1.º e 2.º, que quase ameaçou atingir a casa destes, destruindo o sistema de rega, designadamente a sua tubagem, torneiras, terminais, mangueiras, entre outros bens, aí implantados, bem como várias árvores de fruto aí plantados, como se observa pelas fotos constantes do Doc. 8, bem como pelas fotos identificadas como Docs. 14 a 20 que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidos.
10.º–Os AA. contactaram os RR. para os mesmos tratarem de limpar o terreno e de repor a situação anterior aos factos, não tendo estes nada feito.
11.º–Pelo que, não restou aos AA. para, a expensas suas, limpar os terrenos dos seus prédios, reconstruir muro de suporte (cfr. Doc. 21), substituir todo o sistema de tubagem para a rega e seus acessórios (cfr. Doc. 22), e substituir as árvores destruídas ou gravemente danificadas plantando novas árvores (cfr. Docs. 23 a 25).
12.º–Para tal, ambos AA. necessitaram de trabalhar arduamente para repor a situação anterior, durante 20 dias, o que corresponde um custo de mão-de-obra equivalente a 1.600,00€ (mil e seiscentos euros), que foi calculado da seguinte forma:
- 2 pessoas x 8 horas/dia x 20 dias x 5,00€/hora

13.º–Por forma a repor toda a situação anterior, os AA. tiveram que adquirir, a expensas suas, no valor global de 2.515,00€ (dois mil e quinhentos e quinze euros), o seguinte:
a)-3 rolos de arame plastificado no montante de 45,00€;
b)-40 árvores de fruto de diversas espécies, nomeadamente laranjeiras, limoeiros, ameixieiras, pessegueiros e anoneiras, no montante global de 600,00€;
c)-60 bananeiras no montante de 300,00€;
d)-10 maracujaleiros no montante de 45,00€;
e)-100 bicos com mangueira e ligaduras no montante de 300,00€;
f)-2 rolos de mangueira 20 no montante de 80,00€;
g)-5 uniões de 20 no montante de 20,00€;
h)-4 rolos mangueira 16 no montante de 120,00€;
i)-5 uniões de 16 no montante de 25,00€;
j)-10 torneiras de passagem rápido duplo no montante de 60,00€;
k)-10 torneiras de jardim no montante de 60,00€;
l)-6 relógios automáticos no montante de 90,00€;
m)-Estacas e arame para as latadas e ferros para as espigas, no montante de 750,00€ (setecentos e cinquenta euros);
n)- 7 T de 20 no montante de 20,00€.

14.º–Resultante dos danos causados e da necessidade de proceder à reposição à situação anterior, os AA., durante 3 (três) meses, nada conseguiram retirar dos seus terrenos qualquer fruto para consumo próprio e subsistência, pelo que devem os RR. indemnizar aqueles, para além do prejuízo causado, como os benefícios que deixaram de obter em consequência da lesão, em montante correspondente a 750,00€ mensais, o que totaliza o valor de 2.250,00€ (dois mil e duzentos e cinquenta euros), nos termos do artigo 564.º do Código Civil.

II–DO DIREITO

15.º–Os RR. bem sabiam que não podiam deixar a água a correr para o terreno baldio e não cultivado e que essa derivação constituição um facto contraordenacional, “ao abrigo da alínea j) do n.º 1 do artigo 22º do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2014/M de 16 de dezembro” (vide Doc. 12).
16.º–Os RR. não deviam ignorar essa obrigação de assim que concluísse o seu tempo de rega de deixar a água para o regante seguinte, uma vez que “a acumulação anormal de água nos prédios baldios, pode por consequência provocar danos em prédios e infraestruturas de terceiros, cabendo a responsabilidade civil e material a quem faz o uso indevido da água” (vide Doc. 12), o que sucedeu in casu.
17.º–De facto, da acção dos RR. resultou uma acumulação anormal de água no prédio baldio e não cultivado que provocou, como causa directa, a derrocada e o deslizamento de terras sobre os prédios dos AA., causando os prejuízos supra descritos nos articulados 12.º a 14.º.
18.º–Resulta claramente que a conduta dos RR., para além de ilícita, foi também culposa.
19.º–Donde, atentos os factos provados, verifica-se que resultam reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos no artigo 483° do Código Civil e que constituem os RR. na obrigação de indemnizar os AA., por danos patrimoniais no montante de 6.265,00€ (seis mil e duzentos e sessenta e cinco euros (1.500,03 + 2.515,00€ + 2.250,00€).
20.º–Os AA., por causa dos danos causados resultantes da prática de um facto ilícito e culposo praticado pelos RR., ficaram tristes e amargurados com os danos ocorridos nos seus terrenos, que são cuidados por aqueles há vários anos com muito primor e esforço para colherem os seus frutos para sua subsistência;
21.º–Para além do medo que os AA. tiveram de que novos deslizamentos e derrocadas sucedessem e que as terras e as pedras atingissem a sua casa sita no prédio identificado no supra articulado 1.º (vide Doc. 3A), e causassem, com probabilidade séria, ofensas contra a integridade física dos AA ou de terceiros, fruto da instabilidade dos terrenos.
22.º–Tais factos, no seu conjunto, podem e devem considerar-se graves, merecendo a tutela do direito, sendo, assim, susceptíveis de enquadramento no artigo 496º, nº 1 do Código Civil, constituindo sério dano não patrimonial a tristeza, a amargura e o medo que os AA. sentiram, que não poderá ser compensado com montante inferior a 4.000,00€ (quatro mil euros), atenta a sua gravidade e intensidade e por ser justa e razoável ao caso concreto.
23.º–Sobre todos os montantes acima peticionados, acrescerão os juros moratórios legais, contados desde o facto do ilícito e até efectivo e integral pagamento, nos termos do disposto nos artigos 562.º, 805.º, n.º 2, al. b), e 806.º, n.º 1, todos do Código Civil.

Nestes termos, deve a presente acção ser considerada procedente, por provado e verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos no artigo 483° do Código Civil, e:
a)-Serem os RR. condenados a indemnizar os AA. pelos danos patrimoniais, no montante de 4.115,00€ (quatro mil, cento e quinze euros);
b)-Serem os RR. condenados a indemnizar os AA. pelos lucros cessantes, no montante de 2.250,00€ (dois mil e duzentos e cinquenta euros), nos termos do disposto do artigo 564.º do Código Civil; e
c)-Serem os RR. condenados a indemnizar os AA. pelos danos não patrimoniais, no montante de 4.000,00€ (quatro mil euros), nos termos do disposto do artigo 496.º do Código Civil; bem como
d)-Sobre todos os montantes atrás peticionados, acrescerão os juros moratórios legais, contados desde o facto do ilícito e até efectivo e integral pagamento, nos termos do disposto nos artigos 562.º, 805.º, n.º 2, al. b), e 806.º, n.º 1, todos do Código Civil.
Requerem, ainda, a V. Ex.ª a citação dos RR. para contestar, querendo, no prazo e sob cominações legais, seguindo-se os demais termos até final.

I– PROVA TESTEMUNHAL:

Os AA. oferecem o depoimento testemunhal, requerendo, desde já, nos termos do n.º 2 do artigo 507.º do Código do Processo Civil, a sua notificação para comparência, de:
1–João .…, levadeiro, residente à Estrada ..... - n.º .., - ....-... São ..... ..... - S______;
2–Nélio, chefe na empresa ARM – Águas e Resíduos da Madeira, S.A., com domicílio profissional sito à Rua ..... - n.º...-..., - ....-... - F_____;
3–Maria …. ...., residente à Estrada Rainha ..... ..... II -Nº...- ..... - ....-... - São ..... ..... - S_____.

II–PROVA DOCUMENTAL:

Requer-se a notificação da ARM – Águas e Resíduos da Madeira, S.A., nos termos do artigo 411º do Código do Processo Civil, para juntar aos autos o Relatório Técnico de vistoria ao local e fotografias tiradas ao local, como é referido no Doc. 9, por estarem na sua posse, com o fim de se apurar a verdade e a justa composição do litígio, designadamente as causas da lesão e os seus danos, que se passa a enunciar:
9.º-Efectivamente, da derivação da água efectuada pelo RR. Gabriel Jardim, com a concordância da co-Ré, para o terreno baldio e não cultivado resultou, no dia 11/07/2019, uma enorme acumulação de água que foi causa de forte deslizamento de terras e de grandes pedras para cima dos terrenos dos AA., identificados nos supra articulado 1.º e 2.º, que quase ameaçou atingir a casa destes, destruindo o sistema de rega, designadamente a sua tubagem, torneiras, terminais, mangueiras, entre outros bens, aí implantados, bem como várias árvores de fruto aí plantados, como se observa pelas fotos constantes do Doc. 8, bem como pelas fotos identificadas como Docs. 14 a 20 que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidos”.

III–Depoimento de Parte
Do Autor A à matéria pertinente aos temas de prova, nomeadamente os articulados 4º a 14º da petição inicial, nos termos do artigo 452.º do Código do Processo Civil.

IV–Perícia
Requer-se, nos termos dos artigos 467.º e seguintes do Código de Processo Civil, a realização de prova pericial por perito a nomear pelo Tribunal, relativamente às questões de factos dos articulados 12º a 14º da petição inicial, que se passam a enunciar nos termos seguintes:
1–Dado que a reposição anterior aos factos danosos resultou a reconstrução de muro de suporte, limpeza de terrenos, plantação de novas árvores de fruto e substituição de substituição e instalação de nova tubagem de rega e acessórios, foi feita directamente pelos AA., não havendo facturas ou folhas de obra respectivas;
2–Pretende-se, assim, saber qual foi o custo de mão de obra necessário para executar todas as tarefas atrás enunciadas;
3–Pretende-se saber o custo de aquisição de nova tubagem de rega e acessórios;
4–Pretende-se saber o custo de aquisição de laranjeiras, limoeiros, ameixieiras, pessegueiros, anoneiras, bananeiras e maracujaleiros. 
Junta: 26 documentos, protestando juntar os Docs. 9, 10, 14 e 23 a 25 por excederem 10MB; ofícios de nomeação de patrono e ofícios de deferimento de apoio judiciário.
Valor: Euros 10.365,00 € (dez mil, trezentos e sessenta e cinco euros).”

1.2.–Citados os réus, os mesmos apresentaram contestação, sustentando, nomeadamente, o que segue[2]:
“C, e mulher D, RR. no processo em referência e no mesmo já identificados, vêm apresentar

CONTESTAÇÃO

À acção que lhes movem A e B,  o que fazem nos termos e com os fundamentos seguintes:

Por excepção:

1–Com a intentada acção, pretendem os AA. exercer contra os RR. um alegado direito à reparação de alegados danos e o ressarcimento por alegados prejuízos alegadamente causados no  prédio rústico com a área de 2340m2, composto por cultura arvense de regadio, construção rural e vinha directa, situado em ...../..... ....., freguesia de São ..... ....., concelho de S_____, inscrito na matriz com o n.º ..., secção n.º ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de S_____ sob o n.º .../2......7, prédio este que, reconhecem sob o art.º 1.º da P.I., não lhes pertencem na totalidade, mas qual são apenas alegados comproprietários de 874/2340.
2–Sem se conceder quanto à veracidade do alegado pelos Autores sob os art.º 1º a 14.º, da P.I., resulta dos Docs 2 e 3 da P.I.  que existem mais pessoas, que não apenas os autores, que são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre o mesmo referido prédio identificado no art.º 1.º da P.I., ou seja, trata-se de um prédio que se encontra em propriedade em comum, ou em compropriedade, conforme o art.º 1403.º do C. Civil.
3–Nos termos do disposto no art.º 1405.º do C. Civil, “Os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular; separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção da suas quotas e nos termos dos artigos seguintes.
4–Tendo os AA. alegado como causa de pedir, que são comproprietários de um prédio relativamente ao qual pretendem exercer os direitos inerentes à qualidade de proprietários, ressalta à evidência que, nos termos do disposto no citado artº 1405º do C. Civil, os Autores não podem, desacompanhados dos demais alegados comproprietários, intentar a presente acção.
5–Conforme a relação material controvertida configurada na P.I., o direito que os autores pretendem obter só pode ser exercido com a intervenção de todos os alegados comproprietários, pelo que a falta de intervenção dos mesmos, é motivo de ilegitimidade, nos termos do disposto no artº 33.º CPC, por preterição do litisconsórcio necessário, ilegitimidade essa que constitui excepção dilatória, de conhecimento oficioso e que determina a absolvição dos RR. da instância (artº 576.º, nº 2, artº 577.º e), e 578.º CPC).
6–Ademais, a Ré D é também parte ilegítima na presente acção, porquanto, como os AA. Reconhecem, a mesma não praticou, nem consentiu na prática de qualquer acto, cuja alegada prática, aliás, desconhece, do qual tenha resultado para os AA. qualquer prejuízo.
7–O facto de a Ré Da ser casada com o Réu C, não a torna responsável pelos factos que os AA, alegam que foram praticados pelo R. C.
8–A Ilegitimidade passiva da Ré Ilda, constitui excepção dilatória, e determina a sua absolvição da instância.

Por Impugnação

9–Os RR. não sabem nem têm de saber se os AA. são donos e legítimos comproprietários do prédio descrito sob o art.º 1.º da P.I., ou se são legítimos proprietários do prédio que descrevem no art.º 2.º da P.I., pese embora a propriedade formal que consta dos documentos juntos à P.I.
10–Quanto ao alegado pelos AA. sob o art.º 3.º da P.I., reitera-se que decorre do alegado pelos AA. no art.º 1.º da P.I. e dos documentos 2 e 3 que o prédio ali melhor identificado não é pertença única dos AA.
11–Quanto ao alegado pelos AA. sob o art.º 4.º da P.I., desconhecem os RR se a matéria ali vertida é ou não verdade, pelo que a mesma vai impugnada, cabendo aos AA. a respectiva prova.
12 - O mesmo se dizendo quanto ao alegado pelos AA. sob o art.º 5º da P.I.
13–Impugna-se toda a matéria do art.º 6º e 7.º da P.I., pois a mesma não corresponde à verdade.
14–Quanto ao alegado pelos AA. sob o art.º 8.º da P.I., cumpre dizer que o ali alegado mostra à evidência o comportamento conflituoso dos AA. para com os RR., e a ostensiva falta de fundamento das queixas e reclamações por eles apresentadas junto das entidades administrativas, com o deliberado intuito de molestar os RR. 
15–É completamente falso o alegado pelos AA. sob o art.º 9.º da P.I., cuja matéria e cujos documentos vão aqui totalmente impugnados.
16–Não sabem, os RR. nem têm de saber, se as imagens que constam nas fotos juntas aos autos foram obtidas a 11 de julho de 2019, ou em qualquer outra data, nem tão pouco se as mesmas respeitam aos terrenos que os AA. mencionam nos art.ºs 1.º e 2º da P.I., ou se respeitam a quaisquer bens da sua propriedade ou a quaisquer danos nem se as mesmas retratam alguma das situações ou algum dos factos alegados na P.I..
17–Não corresponde à verdade o alegado sob o art.º 10.º da P.I.; o que sucedeu, foi que o autor marido pretendeu incriminar o ora Réu pelos mesmos factos que, agora em conluio com a autora mulher, volta querer imputar ao Réu e à sua esposa.
18–Sabem os AA. que essa vã e infundada tentativa gorou-se, tendo sido proferido despacho de arquivamento da queixa do Autor marido (doc. 1)
19–Os RR. não sabem nem têm de saber se é ou não verdade o alegado pelos AA. sob o art.º 11.º da P.I., cuja matéria e cujos documentos vão aqui impugnados, desconhecendo se os AA. efectuaram os trabalhos e plantações ali descritos, desconhecendo igualmente se as instalações e plantações por eles referidas existem ou em algum momento existiam nos prédios descritos no art.º 1.º e 2-.º da P.I.,  bem assim desconhecendo se os mesmos pertenciam ou pertencem aos AA. ou aos demais alegados comproprietários dos prédios.
20–Os RR não sabem nem têm de saber se os RR. trabalharam, muito menos se o fizeram arduamente, e muito menos ainda se o salário de 20 dias de trabalho dos AA. é de €1.600,00, à razão de 5€ à hora; sempre se dizendo, porém, que tal alegação se afigura falsa, dado que se os AA. auferissem tais rendimentos não poderiam ter o beneficio de apoio judiciário com que litigam na presente acção.
21–Pelo que se impugna toda a matéria do art.º 12.º da P.I.
22–Os RR. não sabem nem têm de saber, se, quanto e porquê, os AA. adquiriram os bens que alegam no art.º 13.º da P.I., se os mesmos importaram os custos ali referidos pelos AA., ou se os autores suportaram os alegados encargos, ressaltando, porém, à evidencia que tudo quanto ali alegam é falso.
23–Os RR. não sabem, nem têm de saber, se os AA. durante 3 meses não retiraram dos terrenos qualquer fruto nem os motivos pelos quais tal poderá ter sucedido; tal como não sabem nem têm de saber se os AA. retiravam dos alegados prédios qualquer produção ou rendimento, nem qual o seu valor, nem tão pouco se deixaram de auferir ou de recolher o que quer que seja 
24–Quanto à matéria de facto que os AA. misturaram à alegada matéria de direito, sob os art.ºs 15.º a 23.º, vai toda ela aqui impugnada, de uma só assentada, por não corresponder à verdade.
25–Os RR. desconhecem se os AA. têm receios, designadamente de quaisquer enxurradas, deslizamentos de terras ou quedas de pedras; tal como desconhecem se isso constitui para os AA. motivo de tristeza ou de amargura.
Nestes termos e nos mais de direito, deve a presente contestação ser julgada provada e procedente e por via disso deverá:
- declara-se a ilegitimidade activa dos AA. para a intentada acção, com a consequente absolvição dos RR. da Instância;
- declara-se a ilegitimidade passiva da Ré Ilda, com a consequente absolvição da R. da Instância
ou caso assim não se entenda, por mera hipótese,
- declarar-se a acção improcedente, por não provada, com a consequente absolvição total dos RR. dos pedidos.
(…)”.

1.3.–Subsequentemente, foi proferido despacho com o seguinte teor[3]:

“Do contraditório

Com vista à apreciação da matéria de excepção aduzida, mais se revelando importante definir o objecto do processo e aquilatar da necessidade de realização de audiência prévia, notifique s autores para, querendo e no prazo de dez dias, se pronunciarem, o que determino ao arrepio dos artigos 3.º, n.º 3, 6.º, n.º 1, 572.º, al. c), 574.º, 587.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
Faça consignar o efeito da falta de resposta (sobreditos 572.º, al. c), 574.º e 587.º, n.º 1).”

1.4.–Notificados do despacho referido em 1.3., os autores apresentaram articulado com o seguinte teor[4]:
“A e sua consorte B, AA. melhor identificados nos autos acima indicados, notificados para se pronunciarem sobre as excepções deduzidas, vêm fazê-lo nos termos e com os fundamentos seguintes:

I–Excepção

a)-Ré D – Legitimidade passiva

1)–Os RR. vêm, nos articulados 1 a 8 da sua contestação, alegar e requerer a absolvição da instância da Ré D, por os AA. reconhecerem que “a mesma não praticou, nem consentiu na prática de qualquer acto, cuja alegada prática, aliás, desconhece, do qual tenha resultado para os AA. qualquer prejuízo” (cf. articulado 7 da contestação), pelo que “facto de a Ré D ser casada com o Réu C, não a torna responsável pelos factos que os AA, alegam que foram praticados pelo R. C” (cf. articulado 8 da contestação).
2)–Aos RR. não lhes assiste razão aqui, uma vez que os AA. configuraram a Ré D, conjuntamente com o Réu C, como responsável pelos factos ilícitos praticados que causaram danos e prejuízos aos AA.
3)–Os AA. não se resumem somente a alegar a que a Ré D está casada com o Réu C,
4)–Como bem se observa pela leitura cuidada dos articulados 5.º a 7.º e 9.º da petição inicial, que transcrevem seguidamente:
i)-as terras de ambos os prédios dos AA. sofreram um abatimento, tendo decorrido sobre estes derrocadas e deslizamento de terras, provocando vários prejuízos patrimoniais a estes, por acção directa dos RR. decorrente de derivação de água de rega (cf. articulado 5.º da petição inicial – sublinhado é nosso);
ii)-o RR. C, com a concordância da co-Ré, como já vinha fazendo em dias anteriores, sempre que tinha o giro da água, disponibilizada pela ARM – Águas e Resíduos da Madeira, S.A., deixava, após regar o prédio dos RR. identificado no supra articulado 3.º (cf. articulado 6.º da petição inicial – sublinhado é nosso);
iii)-Para além disso, o RR. C, com a concordância da co-Ré, também costumava usar a água do terreno baldio e não cultivado do Lote n.º 1 do prédio identificado no supra articulado 1.º, na parte não pertencente aos AA. (vide supra Doc. 3A), para regar o terreno do Prédio R., deixando mais uma vez a água sobrante a deitar para o dito terreno (vide Docs. 8 a 11) - (cf. articulado 7.º da petição inicial – sublinhado é nosso);
iv)-Efectivamente, da derivação da água efectuada pelo RR. C, com a concordância da coRé, para o terreno baldio e não cultivado resultou, no dia 11/07/2019, uma enorme acumulação de água que foi causa de forte deslizamento de terras e de grandes pedras para cima dos terrenos dos AA. (...) (cf. articulado 9.º da petição inicial – sublinhado é nosso).
5)–Mais se atenta aos pedidos que consubstanciam os pedidos, os AA., designadamente que requerem que os RR. sejam “condenados a indemnizar os AA. pelos danos patrimoniais, no montante de 4.115,00€ (quatro mil, cento e quinze euros); bem como a “Serem os RR. condenados a indemnizar os AA. pelos lucros cessantes, no montante de 2.250,00€ (dois mil e duzentos e cinquenta euros), nos termos do disposto do artigo 564.º do Código Civil; e a “Serem os RR. condenados a indemnizar os AA. pelos danos não patrimoniais, no montante de 4.000,00€ (quatro mil euros), nos termos do disposto do artigo 496.º do Código Civil”.
6)–Face ao supra exposto, não restam quaisquer dúvidas que os AA. configuraram a Ré D como co-responsável pela prática dos factos ilícitos, causadores de danos, e, por tal facto, esta tem, por consequência interesse em contradizer, pois da procedência da acção advirá sempre prejuízo para a mesma.
7)–Portanto, dá-se por verificada a legitimidade passiva da Ré, não devendo, assim, a mesma ser absolvida da instância, nos termos do disposto dos n.ºs 2 e 3 do artigo 30.º do Código de Processo Civil.

b)-Legitimidade activa dos AA.

8)–De facto, o prédio identificado no articulado 1º da petição tem mais comproprietários.
9)–Por falta de precisão na petição inicial, alegou-se, porventura, que se peticionaria danos ocorridos neste mesmo prédio.
10)–De facto, nunca quiseram os AA. peticionar danos ocorridos nesse prédio e tão-somente no prédio que é unicamente detido pelos AA., que corresponde ao prédio identificado no articulado 2.º da petição inicial.
11)–Face ao supra exposto, vêm os AA. requerer a V. Exa., ao abrigo da al. b) do n.º 2 do artigo 590.º do Código de Processo Civil, a admissão da petição inicial aperfeiçoada, a fim de precisar e clarificar o pedido peticionado pelos AA. contra os RR., atendendo que não resulta do aperfeiçoamento alteração substancial da petição inicial.
12)–Para melhor visualização e análise, todas as alterações, realizadas no âmbito do aperfeiçoamento da petição inicial, estão assinaladas a itálico e em sublinhado.

c)- Impugnação do Doc. 1 da Contestação
13)–Os RR. juntaram, com a sua contestação, despacho de arquivamento, vai o mesmo impugnado, quanto ao seu teor, visto que este despacho somente atesta que “a versão dos factos apresentada pelo queixoso que não é corroborada por outros meios de provas que permitam imputar a autoria dos factos ao arguido”.
14)–A presente ação civil é autónoma e distinta da ação criminal e, como se observa pela petição inicial, será produzida, em audiência de julgamento, prova testemunhal arrolada pelos AA. que deporão o que souberem e o que entenderem por conveniente.
15)–Portanto, do que decorrer da prova produzida, em audiência de julgamento, em confronto com a prova documental junta aos autos, e a perícia a efectuar, se poderá concluir ou não pela procedência da acção, sendo certo para os AA. que deverá proceder, por provada.
Junta: Articulado inicial aperfeiçoado.”

1.5.–Juntamente com o articulado referido em 1.4., e sem que o Tribunal a quo tivesse proferido qualquer decisão nesse sentido, os autores apresentaram ainda um outro articulado com o seguinte teor[5]:
“PETIÇÃO INICIAL APERFEIÇOADA

EXMA. SENHORA JUIZ DE DIREITO,
A, NIF 1.......7, e sua consorte B, NIF 2.......1 (cfr. DOC. 1 – Assento de Casamento n.º 30 do ano de 2007), ambos residentes à Rua ..... ..... ..... de Sousa - n.º..., - Lombo ..... - ....-... - São ..... ..... - S_____, 
vêm propor
ACÇÃO DECLARATIVA EM PROCESSO COMUM
Contra,
C e sua consorte D, NIF 1.......5, ambos residentes à Rua ..... ...... ...... de Sousa - n.º .. - Lombo ...... - ....-... - São ...... ..... - S_____.
O que fazem nos termos e com os seguintes fundamentos:

I–DOS FACTOS 

1.º–Os AA. são donos e legítimos proprietários da quota 874/2340 do prédio rústico com a área de 2340m2, composto por cultura arvense de regadio, construção rural e vinha directa, situado em ...../..... ....., freguesia de São ..... ....., concelho de S_____, inscrito na matriz com o n.º ..., secção n.º ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de S_____ sob o n.º .../2......7, doravante designado “Prédio A.”. Docs. 2, 3 e 3A
2.º–Os AA. são, ainda, donos e legítimos proprietários do prédio rústico com a área de 2070m2, composto por pastagem e cultura arvense de regadio, situado em ...../..... ....., freguesia de São ..... ....., concelho de S_____, inscrito na matriz com o n.º ..., secção n.º ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de S_____ sob o n.º .../2.......7, e identificado como Lote n.º 2. Docs. 4 e 5 e vide supra Doc. 3A
3.º–A leste dos prédios AA., confina o prédio rústico dos RR., situado em ...../..... ....., freguesia de São ..... ....., concelho de S____, inscrito na matriz com o n.º ..., secção n.º ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de S____ sob o n.º .../1......6, e identificado como ./.... Docs. 6 e 7
4.º–Os AA. dedicam-se à actividade agrícola e dos seus prédios retiram produtos frutícolas para consumo próprio e para sua subsistência.
5.º–Sucede que, no passado dia 11 de Julho de 2019, as terras de ambos os prédios dos AA. sofreram um abatimento, tendo decorrido sobre estes derrocadas e deslizamento de terras, provocando vários prejuízos patrimoniais a estes, apenas no prédio identificado no supra articulado 2.º, por acção directa dos RR. decorrente de derivação de água de rega.
6.º–De facto, o RR. C, com a concordância da co-Ré, como já vinha fazendo em dias anteriores, sempre que tinha o giro da água, disponibilizada pela ARM – Águas e Resíduos da Madeira, S.A., deixava, após regar o prédio dos RR. identificado no supra articulado 3.º, a água sobrante correr para o terreno baldio e não cultivado do Lote n.º 1 do prédio identificado no supra articulado 1.º, na parte não pertencente aos AA. (vide supra Doc. 3A), como resulta da inspeção ao local efectuado por aquela empresa pública (cfr. Docs. 8 a 11 e infra Doc. 12)
7.º–Para além disso, o RR. C, com a concordância da co-Ré, também costumava usar a água do terreno baldio e não cultivado do Lote n.º 1 do prédio identificado no supra articulado 1.º, na parte não pertencente aos AA. (vide supra Doc. 3A), para regar o terreno do Prédio R., deixando mais uma vez a água sobrante a deitar para o dito terreno (vide Docs. 8 a 11).
8.º–Como resulta do teor do Doc. 8, bem como do ofício enviado pela ARM, S.A., em 22/10/2019, com o conhecimento dos AA. (cfr. Docs. 12 e 13), “um regante deve usar a água do respectivo prédio, na hora estipulada no horário de rega e, quando concluir o seu tempo, deverá deixar a água para o regante seguinte, sendo interdito conduzir a água para outros tornadoiros”.
9.º–Efectivamente, da derivação da água efectuada pelo RR. C, com a concordância da co-Ré, para o terreno baldio e não cultivado resultou, no dia 11/07/2019, uma enorme acumulação de água que foi causa de forte deslizamento de terras e de grandes pedras para cima dos terrenos dos AA., identificados nos supra articulados 1.º e 2.º, que quase ameaçou atingir a casa usada, unicamente por estes, localizada no prédio identificado no supra articulado 1.º, bem como destruiu o sistema de rega, designadamente a sua tubagem, torneiras, terminais, mangueiras, entre outros bens, aí implantados, bem como várias árvores de fruto aí plantados, como se observa pelas fotos constantes do Doc. 8, bem como pelas fotos identificadas como Docs. 14 a 20 que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidos, localizados no prédio identificado no supra articulado 2.º.
10.º–Os AA. contactaram os RR. para os mesmos tratarem de limpar o terreno do seu prédio, identificado no supra articulado 2.º, e de repor a situação anterior aos factos, não tendo estes nada feito.
11.º–Pelo que, não restou aos AA. para, a expensas suas, limpar o terreno do seu prédio, identificado no supra articulado 2º, reconstruir o seu muro de suporte (cfr. Doc. 21), substituir todo o sistema de tubagem para a rega e seus acessórios (cfr. Doc. 22), e substituir as árvores destruídas ou gravemente danificadas plantando novas árvores (cfr. Docs. 23 a 25).
12.º–Para tal, ambos AA. necessitaram de trabalhar arduamente para repor a situação anterior, no prédio identificado no supra articulado 2º, durante 20 dias, o que corresponde um custo de mão-de-obra equivalente a 1.600,00€ (mil e seiscentos euros), que foi calculado da seguinte forma:
- 2 pessoas x 8 horas/dia x 20 dias x 5,00€/hora

13.º–Por forma a repor toda a situação anterior, no prédio identificado no supra articulado 2º, os AA. tiveram que adquirir, a expensas suas, no valor global de 2.515,00€ (dois mil e quinhentos e quinze euros), o seguinte:
a)-3 rolos de arame plastificado no montante de 45,00€;
b)-40 árvores de fruto de diversas espécies, nomeadamente laranjeiras, limoeiros, ameixieiras, pessegueiros e anoneiras, no montante global de 600,00€;
c)-60 bananeiras no montante de 300,00€;
d)-10 maracujaleiros no montante de 45,00€;
e)-100 bicos com mangueira e ligaduras no montante de 300,00€;
f)-2 rolos de mangueira 20 no montante de 80,00€;
g)-5 uniões de 20 no montante de 20,00€;
h)-4 rolos mangueira 16 no montante de 120,00€;
i)-5 uniões de 16 no montante de 25,00€;
j)-10 torneiras de passagem rápido duplo no montante de 60,00€;
k)-10 torneiras de jardim no montante de 60,00€;
l)-6 relógios automáticos no montante de 90,00€;
m)-Estacas e arame para as latadas e ferros para as espigas, no montante de 750,00€ (setecentos e cinquenta euros);
n)-7 T de 20 no montante de 20,00€.

14.º–Resultante dos danos causados e da necessidade de proceder à reposição à situação anterior, os AA., durante 3 (três) meses, nada conseguiram retirar do seu terreno do prédio, identificado no supra articulado 2.º, qualquer fruto para consumo próprio e subsistência, pelo que devem os RR. indemnizar aqueles, para além do prejuízo causado, como os benefícios que deixaram de obter em consequência da lesão, em montante correspondente a 750,00€ mensais, o que totaliza o valor de 2.250,00€ (dois mil e duzentos e cinquenta euros), nos termos do artigo 564.º do Código Civil.

II–DO DIREITO
 
15.º–Os RR. bem sabiam que não podiam deixar a água a correr para o terreno baldio e não cultivado e que essa derivação constituição um facto contraordenacional, “ao abrigo da alínea j) do n.º 1 do artigo 22º do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2014/M de 16 de dezembro” (vide Doc. 12).
16.º–Os RR. não deviam ignorar essa obrigação de assim que concluísse o seu tempo de rega de deixar a água para o regante seguinte, uma vez que “a acumulação anormal de água nos prédios baldios, pode por consequência provocar danos em prédios e infraestruturas de terceiros, cabendo a responsabilidade civil e material a quem faz o uso indevido da água” (vide Doc. 12), oque sucedeu in casu.
17.º–De facto, da acção dos RR. resultou uma acumulação anormal de água no prédio baldio e não cultivado que provocou, como causa directa, a derrocada e o deslizamento de terras sobre os prédios dos AA., causando os prejuízos supra descritos nos articulados 12.º a 14.º, no prédio identificado no supra articulado 2.º.
18.º–Resulta claramente que a conduta dos RR., para além de ilícita, foi também culposa.
19.º–Donde, atentos os factos provados, verifica-se que resultam reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos no artigo 483° do Código Civil e que constituem os RR. na obrigação de indemnizar os AA., por danos patrimoniais no montante de 6.265,00€ (seis mil e duzentos e sessenta e cinco euros (1.500,03 + 2.515,00€ + 2.250,00€).
20.º–Os AA., por causa dos danos causados resultantes da prática de um facto ilícito e culposo praticado pelos RR., ficaram tristes e amargurados com os danos ocorridos no seu terreno/prédio, identificado no supra articulado 2.º, que é cuidado por aqueles há vários anos com muito primor e esforço para colherem os seus frutos para sua subsistência;
21.º–Para além do medo que os AA. tiveram de que novos deslizamentos e derrocadas sucedessem e que as terras e as pedras atingissem a sua casa, sita no prédio identificado no supra articulado 1.º (vide Doc. 3A), unicamente usada pelos AA., e causassem, com probabilidade séria, ofensas contra a integridade física dos AA ou de terceiros, fruto da instabilidade dos terrenos.
22.ºTais factos, no seu conjunto, podem e devem considerar-se graves, merecendo a tutela do direito, sendo, assim, susceptíveis de enquadramento no artigo 496º, nº 1 do Código Civil, constituindo sério dano não patrimonial a tristeza, a amargura e o medo que os AA. sentiram, que não poderá ser compensado com montante inferior a 4.000,00€ (quatro mil euros), atenta a sua gravidade e intensidade e por ser justa e razoável ao caso concreto.
23.º–Sobre todos os montantes acima peticionados, acrescerão os juros moratórios legais, contados desde o facto do ilícito e até efectivo e integral pagamento, nos termos do disposto nos artigos 562.º, 805.º, n.º 2, al. b), e 806.º, n.º 1, todos do Código Civil.
Nestes termos, deve a presente acção ser considerada procedente, por provado e verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos no artigo 483° do Código Civil, e:
a)-Serem os RR. condenados a indemnizar os AA. pelos danos patrimoniais, ocorridos no prédio, identificado no supra articulado 2.º, no montante de 4.115,00€ (quatro mil, cento e quinze euros);
b)-Serem os RR. condenados a indemnizar os AA. pelos lucros cessantes, no montante de 2.250,00€ (dois mil e duzentos e cinquenta euros), nos termos do disposto do artigo 564.º do Código Civil; e
c)-Serem os RR. condenados a indemnizar os AA. pelos danos não patrimoniais, no montante de 4.000,00€ (quatro mil euros), nos termos do disposto do artigo 496.º do Código Civil; bem como
d)-Sobre todos os montantes atrás peticionados, acrescerão os juros moratórios legais, contados desde o facto do ilícito e até efectivo e integral pagamento, nos termos do disposto nos artigos 562.º, 805.º, n.º 2, al. b), e 806.º, n.º 1, todos do Código Civil.
Requerem, ainda, a V. Ex.ª a citação dos RR. para contestar, querendo, no prazo e sob cominações legais, seguindo-se os demais termos até final.

I–PROVA TESTEMUNHAL:

Os AA. oferecem o depoimento testemunhal, requerendo, desde já, nos termos do n.º 2 do artigo 507.º do Código do Processo Civil, a sua notificação para comparência, de:
1–João …., levadeiro, residente à Estrada ..... - n.º.. - ....-... -São ..... ..... - S_____;
2–Nélio …., chefe na empresa ARM – Águas e Resíduos da Madeira, S.A., com domicílio profissional sito à Rua ..... - n.º ...-..., - ....-... - F_____;
3–Maria .…, residente à Estrada ..... ..... ..... II nº... - ..... - ....-... São ..... ..... ......

II–PROVA DOCUMENTAL:

Requer-se a notificação da ARM – Águas e Resíduos da Madeira, S.A., nos termos do artigo 411º do Código do Processo Civil, para juntar aos autos o Relatório Técnico de vistoria ao local e fotografias tiradas ao local, como é referido no Doc. 9, por estarem na sua posse, com o fim de se apurar a verdade e a justa composição do litígio, designadamente as causas da lesão e os seus danos, que se passa a enunciar:
9.º–Efectivamente, da derivação da água efectuada pelo RR. C, com a concordância da co-Ré, para o terreno baldio e não cultivado resultou, no dia 11/07/2019, uma enorme acumulação de água que foi causa de forte deslizamento de terras e de grandes pedras para cima dos terrenos dos AA., identificados nos supra articulados 1.º e 2.º, que quase ameaçou atingir a casa usada, unicamente por estes, localizada no prédio identificado no supra articulado 1.º, bem como destruiu o sistema de rega, designadamente a sua tubagem, torneiras, terminais, mangueiras, entre outros bens, aí implantados, bem como várias árvores de fruto aí plantados, como se observa pelas fotos constantes do Doc. 8, bem como pelas fotos identificadas como Docs. 14 a 20 que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidos, localizados no prédio identificado no supra articulado 2.º”.

III–Depoimento de Parte
 
Do Autor A à matéria pertinente aos temas de prova, nomeadamente os articulados 4º a 14º da petição inicial, nos termos do artigo 452.º do Código do Processo Civil.

IV–Perícia

Requer-se, nos termos dos artigos 467.º e seguintes do Código de Processo Civil, a realização de prova pericial por perito a nomear pelo Tribunal, relativamente às questões de factos dos articulados 12º a 14º da petição inicial, que se passam a enunciar nos termos seguintes:
1–Dado que a reposição anterior aos factos danosos, no prédio identificado no supra articulado 2º, resultou a reconstrução de muro de suporte, limpeza de terrenos, plantação de novas árvores de fruto e substituição de substituição e instalação de nova tubagem de rega e acessórios, foi feita directamente pelos AA., não havendo facturas ou folhas de obra respectivas;
2–Pretende-se, assim, saber qual foi o custo de mão de obra necessário para executar todas as tarefas atrás enunciadas;
3–Pretende-se saber o custo de aquisição de nova tubagem de rega e acessórios;
4–Pretende-se saber o custo de aquisição de laranjeiras, limoeiros, ameixieiras, pessegueiros, anoneiras, bananeiras e maracujaleiros.
Junta: 26 documentos, protestando juntar os Docs. 9, 10, 14 e 23 a 25 por excederem 10MB; ofícios de nomeação de patrono e ofícios de deferimento de apoio judiciário.”

1.6.-Notificados da apresentação do articulado de resposta às exceções e da “petição inicial aperfeiçoada” referidos em 1.4. e 1.5., os autores apresentaram um articulado com o seguinte teor[6]:
“C, e mulher D, RR. no processo em referência e no mesmo já identificados, notificados do requerimento dos Autores com a Refª 40603057, vêm pronunciar-se nos termos seguintes:
- Os autores foram notificados para, querendo, se pronunciarem, com vista à apreciação da matéria da excepção deduzida pelos RR.
- Os AA, vieram pronunciar-se, confessando sob a alínea b) da sua pronúncia que o prédio identificado sob o art.º 1.º da P.I., cujo direito de propriedade e cujos danos causados no mesmo bem assim no prédio identificado no art.º 2.º da P.I., foram invocados pelos autores como causa de pedir.
- Os Autores invocaram como causa de pedir, o deslizamento de terra e pedras sobre aqueles dois prédios, e os alegados consequentes danos e despesas nos mesmos causados nos dois referidos prédios, sem distinção de qualquer deles.
- Vieram agora os AA. tentar dar a volta à questão da inexorável ilegitimidade activa por virem litigar desacompanhados dos demais proprietários do imóvel identificado no art.º 1.º da P.I., dizendo, com negação frontal do por si alegado e peticionado na P.I., que afinal quiseram apenas peticionar os danos acusados no prédio identificado no art.º 2.º da P.I..
- E não contentes, até vieram apresentar uma nova petição inicial, na qual alteram a causa de pedir, o pedido, e até o ponto II do requerimento de prova documental, bem assim o objecto (ponto 1) da perícia solicitada sob o ponto IV do requerimento de prova.
- Ora, tal nova petição (a que os AA. chamam de P.I. aperfeiçoada) não pode ser admitida; deve antes ser rejeitada e mandada desentranhar, porquanto:
- Não foi proferido qualquer despacho de aperfeiçoamento, ao abrigo do disposto no art.º 590.º CPC, mas se tivesse sido proferido tal despacho, o aperfeiçoamento apenas poderia ter por objecto o suprimento de pequenas omissões, meras imprecisões ou insuficiências na alegação da matéria de facto, pois se assim não fosse, subverter-se-ia completamente o principio do dispositivo. Sendo que nunca a parte poderia exceder os poderes que o art.º 265.º CPC resultam para a modificação da causa de pedir, já que os factos alegados pela parte para o suprimento da deficiência ou irregularidade não podem implicar uma alteração unilateral da causa de pedir anteriormente apresentada.
- Ora, a PI não revela qualquer imprecisão, omissão ou insuficiência da causa de pedir.
- O art. 260.º, do Código de Processo Civil consagra o princípio da estabilidade da instância, ou seja, estabelece que, após a citação do(s) réu(s), a instância deverá manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e causa de pedir, ressalvando, porém, as possibilidades excepcionais de modificação previstas na lei.
- As situações excepcionais de alteração do pedido e causa de pedir encontram-se consignadas nos arts. 264.º e 265.º do CPC.
- Quanto à alteração ou ampliação do pedido e da causa de pedir, a lei admite-as por acordo das partes em qualquer altura, em 1ª ou 2ª instância, salvo de tal “perturbar inconvenientemente a instrução, discussão ou julgamento do pleito” (cfr. art. 264º do CPC).
- Na falta de acordo, como é o que sucede no presente caso, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor (art. 265º, nº1 do CPC), e ainda assim, só no prazo de 10 dias a contar da aceitação; ou se estiverem em causa factos supervenientes, isto é, factos que tenham ocorrido ou sido conhecidos depois da apresentação da petição inicial (art. 588º, nº1 do CPC).
- Ora, é fácil verificar que os RR. nada confessaram e os AA. nenhuma confissão aceitaram, muito menos no prazo legal, muito menos ainda que respeita ao prédio onde ocorreu a alegada derrocada ou os alegados danos que justificam o pedido.
- Sendo certo e sabido, que na “PI aperfeiçoada” não estão em causa factos que tenham ocorrido ou tenham sido apenas conhecidos pelos AA. depois da apresentação da P.I.
-Os AA, expuseram no petitório, os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção termos do disposto no art. 552º, nº1, d) do C.P.C.
-Ora, conforme a P.I. A os Autores alegam serem comproprietários do prédio identificado no art.º 1.º da P.I., alegam que são proprietários do prédio identificado no art.º 2.º da P.I., alegam que por facto imputável ao R., ocorreu uma derrocada  sobre os dois prédios, que causou diversos danos  nos mesmos, que obrigou a diversos trabalhos para repor os mesmos na situação anterior  à derrocada, apresentando-se a petição inicial em silogismo, estabelecendo um nexo lógico entre a causa de pedir  e os pedidos e até com os requerimentos de prova na mesma formulados.
- Face à alegação aduzida no requerimento dos AA, e face à “P.I. aperfeiçoada”, é manifesto que os AA. vieram alterar a causa de pedir.
- Igualmente o pedido formulado na “P.I. aperfeiçoada” é uma verdadeira alteração do pedido primitivo formulado na P.I. que foi notificada aos RR. para contestarem.
Tudo motivos pelos quais, não poderá ser admitida a “petição inicial rectificada”, devendo antes a mesma ser mandada desentranhar, e deverá, face à confissão dos AA. da sua ilegitimidade para intentarem a presente acção desacompanhados dos demais proprietários do prédio identificado no art.º 1.º da P.I., deverá ser proferido Despacho que declare a absolvição dos RR. da instância.
(…)”

1.7.-De seguida foi proferido o seguinte despacho[7]:

“Da audiência prévia

Por se me afigurar de utilidade, convoco, ao abrigo do disposto no artigo 591.º do Código de Processo Civil, audiência prévia com os objecto e finalidades infra elencados, para o dia 04 de Março, pelas 09h00m, neste Tribunal:
a)-Realização de tentativa de conciliação, nos termos do artigo 594.º do Código de Processo Civil;
b)-Discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências e imprecisões na exposição da matéria de facto que subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate;
c)-Proferir despacho saneador, nos termos do artigo 595.º, n.º 1;
d)-Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos nos artigos 6.º, n.º 1 e 547.º;
e)-Identificar o objecto do litígio e enunciar os temas da prova assentes e aqueles controvertidos, de harmonia com o plasmado no artigo 596.º, e decidir as eventuais reclamações deduzidas pelas partes;
f)-Programar, após audição dos Ilustres Mandatários, os actos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respectivas datas.
Notifique, dando prévio cumprimento ao disposto no artigo 151º, n.º 1, do Código de Processo Civil.”

1.8.-Realizou-se posteriormente a audiência prévia, na qual foi tentada a conciliação das partes, após o que foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Em face da não apreciação da resposta datada de 09.12.2021 (não impressa), ordeno a abertura de conclusão para determinação dos ulteriores termos.”
De seguida a Mmª Juíza a quo deu a diligência por encerrada. [8]

1.9.-Posteriormente foi proferido o seguinte despacho[9]:

“É certo que não foi proferido despacho pré-saneador destinado a providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados. No entanto, em sede de resposta à matéria de excepção deduzida na contestação, os autores espontaneamente juntaram versão aperfeiçoada da petição inicial, pugnando por falta de precisão no sentido de somente se peticionar o ressarcimento por danos ocorridos no prédio sua propriedade (prédio identificado no artigo 2.º da petição inicial).
Confrontadas as versões da petição inicial, afere-se que há mero suprimento da imprecisão patente. Ou seja, o aperfeiçoamento redunda numa correção do inicialmente produzido, com inerentes consequências no pedido e no requerimento probatório. Por outro lado, o aperfeiçoamento conforma-se com os limites estabelecidos no artigo 265.º do Código de Processo Civil.
Destarte, com arrimo no artigo 590.º, n.º 2, al. b), n.º 4 e n.º 6 (este a contrario sensu) do Código de Processo Civil, ainda não se descurando o princípio do aproveitamento dos actos processuais, admito a petição inicial na sua versão aperfeiçoada.
Dê cumprimento ao disposto no artigo 590.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, sendo o prazo de dez dias.”

1.10.-Inconformado com tal decisão, veio o réu e ora apelante dela interpor o presente recurso de apelação, apresentando alegações cuja motivação sintetizou nas seguintes conclusões:

I–Os Autores, na acção que intentaram, invocaram como causa de pedir, sob os artigos 1.º e 2.º da P.I., serem  donos e legítimos proprietários da quota 874/2340 do prédio rústico com a área de 2340m2, composto por cultura arvense de regadio, construção rural e vinha directa, situado em ...../..... ....., freguesia de São ..... ....., concelho de S_____, inscrito na matriz com o n.º ..., secção n.º ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de S_____ sob o n.º .../2......7, doravante designado “Prédio A.”; e serem  ainda, donos e legítimos proprietários do prédio rústico com a área de 2070m2, composto por pastagem e cultura arvense de regadio, situado em ...../..... ....., freguesia de São ..... ....., concelho de S_____, inscrito na matriz com o n.º ..., secção n.º ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de S_____ sob o n.º .../2......7, e identificado como Lote n.º 2, e que  em virtude uma enorme acumulação de água alegadamente causada pelo R.,  ocorreu  um de forte deslizamento de terras e de grandes pedras para cima dos terrenos dos AA., identificados no art.º  1.º e 2.º da P.I., que quase ameaçou atingir a casa destes, destruindo o sistema de rega, designadamente a sua tubagem, torneiras, terminais, mangueiras, entre outros bens, aí implantados, bem como várias árvores de fruto aí plantados.
II– Alegaram que em virtude dos danos causados nos identificados prédios e da necessidade de procederem à reposição à situação anterior, os AA., durante 3 (três) meses, nada conseguiram retirar dos seus terrenos qualquer fruto para consumo próprio e subsistência, pelo que devem os RR. indemnizar aqueles, para além do prejuízo causado, como os benefícios que deixaram de obter em consequência da lesão, em montante correspondente a 750,00€ mensais, o que totaliza o valor de 2.250,00€.
III–Os RR. contestaram, invocando a ilegitimidade dos AA., porquanto, que existem mais pessoas, que não apenas os autores, que são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre o prédio identificado no art.º 1.º da P.I., nos termos do disposto no citado artº 1405º do C. Civil, pelo que os Autores não podem, desacompanhados dos demais alegados comproprietários, intentar a presente acção; pelo que, conforme a relação material controvertida configurada na P.I., o  direito que os autores pretendem obter só pode ser exercido com a intervenção de todos os alegados comproprietários, pelo que a  falta de intervenção dos mesmos, é motivo de ilegitimidade, nos termos do disposto no artº 33.º CPC, por preterição do litisconsórcio necessário, ilegitimidade essa que constitui excepção dilatória, de conhecimento oficioso e que determina a absolvição dos RR. da instância (artº 576.º, nº 2, artº 577.º e), e 578.º CPC).
IV–Com vista à apreciação da matéria de excepção aduzida pelos RR, o Juiz do Tribunal “a quo” proferiu Douto Despacho no dia 10-11-2021, determinando a notificação dos autores para, “querendo e no prazo de dez dias, se pronunciarem, o que determino ao arrepio dos artigos 3.º, n.º 3, 6.º, n.º 1, 572.º, al. c), 574.º, 587.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, consignado que a falta de resposta dos AA. teria o efeito previsto nos sobreditos artigos 572.º, al. c), 574.º e 587.º, n.º 1)”.
V–O Juiz do Tribunal a quo não proferiu sequer qualquer despacho de aperfeiçoamento, ao abrigo do disposto no art.º 590.º CPC, que legitimasse a apresentação da P.I. aperfeiçoada.
VI–Notificados do Douto Despacho, vieram os AA. responder à matéria da excepção da sua ilegitimidade activa para a intentada acção dizendo (sob os pontos 8 a 10 do requerimento) que, “de facto, o prédio identificado no articulado 1º da petição tem mais comproprietários.
VII–Em vez de deduzirem incidente de intervenção provocada dos demais comproprietários do prédio descrito no art.º 1.º da P.I., os AA.  apresentaram um nova petição inicial  substituindo a causa de pedir, em todos os artigos da causa de pedir onde constava a menção aos dois prédios identificados sob o art.º 1.º e 2.º da P.I.,  pela menção apenas ao prédio identificado no art.º 2.º da P.I., e alterando correspondentemente os pedidos, no sentido de os pedidos que  na P.I. formularam como respeitando aos danos causados nos dois imóveis,  passar a respeitar apenas aos danos causados no prédio identificado sob o art.º 2.º da P.I.,  com manifesta violação do disposto nos artigos  260º e 262º, alínea b), 264.º e 265.º  do CPC, o que é legalmente inadmissível.
VIII–Os RR., opuseram-se à admissão da nova petição (a que os AA. chamam de P.I. aperfeiçoada), pedindo a sua rejeição e o seu desentranhamento.
IX–No dia 08-03-2022, foi proferido o Douto Despacho, de que aqui se recorre, que admitiu a P.I. aperfeiçoada, “arrimo no artigo 590.º, n.º 2, al. b), n.º 4 e n.º 6 (este a contrario sensu) do Código de Processo Civil”, por entender que o aperfeiçoamento conforma-se com os limites estabelecidos no artigo 265.º do Código de Processo Civil.
X–O despacho que admitiu a petição inicial aperfeiçoada, viola o disposto nos art.º s 5.º, 260.º, 264.º, 265.º, nºs 1 e 2, e 590.º, nº 6 do CPC.
XI–A P.I. não evidencia qualquer  insuficiência ou imprecisão na exposição ou a concretização da matéria de facto alegada, muito menos evidencia que a pretensão dos AA. era indicarem apenas os efeitos do deslizamento de terras sobre o prédio do art.º 2.º da P.I. e pedirem apenas indemnização pelos prejuízos e pelos trabalhos executados no prédio do art.º  2.º da P.I., sendo que os AA. expuseram no petitório, sem qualquer lapsos ou imprecisões, os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção termos  do disposto no art. 552º, nº1, d) do C.P.C.
XII–Não tendo os AA. aproveitado a oportunidade que lhes foi concedida no Douto Despacho de 10-11-2021, para deduzirem incidente de intervenção provocada dos demais proprietários do prédio que identificaram no art.º 1.º da P.I., e não tendo suprido a sua ilegitimidade no prazo que lhes foi concedido para o efeito, impõe-se declarar verificada a excepção dilatória de ilegitimidade dos AA., e absolver os RR. da instância (arts. 576.º n.ºs 1 e 2, 577.º al. e) e 578.º, todos do C.P.C.), pois ficou precludido o direito e a correspectiva oportunidade de procederem ao chamamento.
XIII–Está expressamente vedado aos autores procederem, em jeito de resposta à matéria da excepção da sua ilegitimidade activa, à apresentação de nova petição inicial, alterando os contornos fácticos do litígio, alterando os sujeitos da relação processual constantes da primitiva petição inicial, procedendo, ao cabo e ao resto, a uma modificação subjectiva da instância e a uma alteração da causa de pedir e do pedido,  com manifesta violação das normas processuais aplicáveis (art.ºs 260.º, 262.º b), 264.º e 265.º, nº 1 do CPC).
XIV–O aperfeiçoamento apenas pode ter por objecto o suprimento de pequenas omissões, meras imprecisões ou insuficiências na alegação da matéria de facto, pois se assim não fosse, subverter-se-ia completamente o principio do dispositivo, sendo que a PI não revela qualquer imprecisão, omissão ou insuficiência da causa de pedir.
XV– O art. 260.º, do Código de Processo Civil consagra o princípio da estabilidade da instância, ou seja, estabelece que, após a citação do(s) réu(s), a instância deverá manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e causa de pedir, ressalvando, porém, as possibilidades excepcionais de modificação previstas nos arts. 264.º e 265.º do CPC.
XVI–Não havendo acordo das partes, a causa de pedir só poderia ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor (art. 265º, nº1 do CPC), e ainda assim, só no prazo de 10 dias a contar da aceitação; ou se estivessem em causa factos supervenientes, isto é, factos que tenham ocorrido ou sido conhecidos depois da apresentação da petição inicial (art. 588º,nº1 do CPC).
XVII–Na “PI aperfeiçoada” apresentada pelos AA., o que está em causa é a modificação ou alteração substancial da causa de pedir e dos pedidos; não estão em causa factos que tenham ocorrido ou tenham sido apenas conhecidos pelos AA. depois da apresentação da P.I.; nem os AA. vieram na P.I. aperfeiçoada rectificar qualquer erro de cálculo ou de escrita, nos termos do artigo 249º do Código Civil, revelado no próprio contexto dos factos articulados na causa de pedir da  P.I..
XVIII–Mesmo quando existe convite ao aperfeiçoamento, o que não sucede no presente caso, o princípio da estabilidade de instância e as modificações subjectivas da instância legalmente consagradas na lei processual civil (artigos 260º e 262º do CPC) impedem que o autor aproveite o convite ao aperfeiçoamento, para apresentar nova petição inicial, alterando a causa de pedir, alterando o pedido ou alterando os sujeitos da relação processual constantes da primitiva petição inicial.
XIX– O Despacho Recorrido que admitiu a nova P.I., é ilegal e não fundamentado, é violador o principio do dispositivo previsto no art.º 5.º do CPC, é violar do disposto no art.º 260.º, 264.º, 265.º, 590.º, nº 6 do CPC, bem assim é violador do disposto nos artºs 33.º, 576.º, nº 2, 577.º e), e 578.º CPC.

1.11.-Os autores e ora apelados não apresentaram contra-alegações.

1.12.-Admitindo o recurso, e remetidos os autos a este Tribunal, foram colhidos os vistos.

2.–Questões a decidir

Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[10]. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil[11]).
Não obstante, está vedado a este Tribunal o conhecimento de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[12].
Assim sendo, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
a)-Se os autores sem qualquer despacho prévio de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, podiam ter apresentado nova petição inicial, para substituir a primeira, nos termos em que o fizeram;
b)-Em caso negativo, quais as consequências daí advenientes.

3.–Fundamentação

3.1.-Os factos

Os factos relevantes para a decisão da presente apelação são os constantes do relatório que antecede.

3.2.-Os factos e o direito

Estabelecidas as questões suscitadas na apelação cuja apreciação importará fazer, cumprirá então que sobre elas nos debrucemos, respeitando no seu conhecimento a ordem de precedência lógica.

3.2.1.-Da admissibilidade da apresentação da “petição inicial aperfeiçoada”

3.2.1.1.- Considerações gerais

Como se referiu no relatório, na contestação os réus invocaram as exceções de ilegitimidade ativa e passiva, tendo o Tribunal a quo proferido despacho no qual, fazendo uso dos seus poderes de adequação formal (art. 547º do CPC), convidou os autores a apresentar novo articulado, a fim de exercerem o direito ao contraditório no tocante às mencionadas exceções.
Igualmente se referiu que os autores corresponderam a tal convite, apresentando novo articulado no qual se pronunciaram sobre as mencionadas exceções, articulado esse que fizeram acompanhar de um outro, que denominaram de “petição inicial aperfeiçoada”, pretendendo fazer substituir a petição inicial inicialmente reformulada por esta versão “aperfeiçoada”.
Notificados da apresentação dos dois mencionados articulados, i.e., a resposta às exceções e a petição inicial “aperfeiçoada”, os réus vieram invocar a inadmissibilidade desta última, pugnando pelo seu desentranhamento.
A reclamação dos réus foi desatendida por despacho proferido pelo Tribunal a quo, o qual, pela presente apelação vêm os réus impugnar.
Muito embora na mencionada reclamação bem como na motivação do recurso os réus e ora apelantes não tenham invocado a figura da nulidade processual, cremos que este será o melhor enquadramento para a apreciação da questão sub iudice.

Vejamos então.

Estabelece o art. 195º do CPC que não se verificando os casos previstos nos números anteriores[13], “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
No caso vertente é manifesto que a lei não prevê especificamente que a apresentação espontânea de articulado de aperfeiçoamento fora dos casos legalmente previstos constitua nulidade processual, pelo que só poderá estar em causa uma nulidade secundária.

Assim, serão requisitos da verificação de uma tal nulidade:
-a prática de ato que a lei não permita, ou a omissão de ato ou formalidade que a lei imponha;
-que tal ato ou omissão influa no exame ou decisão da causa
A este propósito haverá que recordar que em regra o meio processual adequado à invocação de nulidades processuais não é o recurso para o tribunal da Relação, mas a arguição de nulidades perante o Tribunal recorrido. Tratando-se de nulidade secundária, se a parte estiver presente em ato processual no decurso da qual a mesma seja cometida, deverá argui-la imediatamente; caso contrário deverá fazê-lo no prazo de 10 dias a contar “do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência“ – art. 199º, nº 1 do CPC.
 
Quanto ao prazo para arguir as mencionadas nulidades, na falta de previsão específica é de observar a regra geral supletiva: 10 dias – art. 149º, nº 1 do CPC.
As partes podem recorrer da decisão que decidir o incidente de arguição de nulidades, se em função do valor da causa, essa decisão for recorrível – cfr. art. 629º , nº 1 do CPC, e nos 2 e 3 do mesmo preceito, estes a contrario sensu.
Não obstante, caso a nulidade se revelar por efeito de uma decisão recorrível, então o meio próprio para a impugnar será o recurso.

Com efeito, já em 1945 ensinava ALBERTO DOS REIS[14]:
“a arguição de nulidade só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou omissão do acto ou da formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respectivo despacho pela interposição do recurso competente.
Eis o que a jurisprudência consagrou nos postulados: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se.
É fácil justificar esta construção. Desde que um despacho tenha mandado praticar determinado acto, por exemplo, se porventura a lei não admite a prática desse acto é fora de dúvida que a infracção cometida foi efeito do despacho; por outras palavras, estamos em presença dum despacho ilegal, dum despacho que ofendeu a lei do processo. Portanto a reacção contra a ilegalidade traduz-se num ataque ao despacho que a autorizou ou ordenou; ora o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (...)”.

Na mesma linha se pronunciou MANUEL DE ANDRADE[15]: “(...) se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer acto que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. Trata-se em suma da consagração do brocardo: «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se»”.

Também ANTUNES VARELA[16]dizia: “se entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”.

Finalmente argumentou ANSELMO DE CASTRO[17]: “Tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso, conforme a máxima tradicional – das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se. A reacção contra a ilegalidade volver-se-á então contra o próprio despacho do juiz; ora o meio idóneo para atacar impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (…), por força do princípio legal de que, proferida a decisão, fica esgotado o poder jurisdicional do juiz (art. 666.º)”.

É este também o entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores [neste sentido, cfr. ac. RL 09-05-2019 (Isoleta Almeida Costa), p. 8764/16.3T8LSB.L1-8].

3.2.1.2.- O caso dos autos

3.2.1.2.1.-Da inadmissibilidade da apresentação espontânea da petição inicial “aperfeiçoada”
No caso em apreço, como vimos, foi apresentada reclamação, no mencionado prazo de 10 dias, a qual foi desatendida, vindo os réus recorrer de tal despacho.

A figura do aperfeiçoamento dos articulados encontra-se prevista no art. 590º, nºs 2 a 7 do CPC, que dispõe como segue:

2–Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a:
a)-Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º;
b)-Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;
c)-Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.
3–O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
4–Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
5–Os factos objeto de esclarecimento, aditamento ou correção ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova.
6–As alterações à matéria de facto alegada, previstas nos n.ºs 4 e 5, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 265.º, se forem introduzidas pelo autor, e nos artigos 573.º e 574.º, quando o sejam pelo réu.
7–Não cabe recurso do despacho de convite ao suprimento de irregularidades, insuficiências ou imprecisões dos articulados.”
No caso vertente, a apresentação pelos autores de uma “petição inicial aperfeiçoada” não foi precedida de qualquer despacho, antes decorreu de iniciativa destes.

Não tendo sido precedido de despacho de convite ao aperfeiçoamento, poderíamos ser levados a concluir, desde já, pela inadmissibilidade de tal articulado.

Cremos, porém, que fazendo apelo ao princípio do máximo aproveitamento dos atos, pode o Juiz admitir um articulado de aperfeiçoamento apresentado de forma espontânea pela parte, desde que se verifiquem os pressupostos previstos no art. 590º do CPC.

Ponto é que o despacho proferido nesse sentido se mostre minimamente fundamentado.

No caso vertente, o despacho apelado tem o seguinte teor:
“É certo que não foi proferido despacho pré-saneador destinado a providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados. No entanto, em sede de resposta à matéria de excepção deduzida na contestação, os autores espontaneamente juntaram versão aperfeiçoada da petição inicial, pugnando por falta de precisão no sentido de somente se peticionar o ressarcimento por danos ocorridos no prédio sua propriedade (prédio identificado no artigo 2.º da petição inicial).

Confrontadas as versões da petição inicial, afere-se que há mero suprimento da imprecisão patente. Ou seja, o aperfeiçoamento redunda numa correcção do inicialmente produzido, com inerentes consequências no pedido e no requerimento probatório. Por outro lado, o aperfeiçoamento conforma-se com os limites estabelecidos no artigo 265.º do Código de Processo Civil.

Destarte, com arrimo no artigo 590.º, n.º 2, al. b), n.º 4 e n.º 6 (este a contrario sensu) do Código de Processo Civil, ainda não se descurando o princípio do aproveitamento dos actos processuais, admito a petição inicial na sua versão aperfeiçoada.

Dê cumprimento ao disposto no artigo 590.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, sendo o prazo de dez dias.”

Como se afere da leitura do citado despacho, o Tribunal a quo fez apelo ao princípio do máximo aproveitamento dos atos processuais, considerou que a nova petição inicial visava corrigir a petição inicial inicialmente apresentada, e concluiu que foram respeitados os limites previstos no art. 265º do CPC.

Estaria assim em causa o suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição, ou a concretização da matéria de facto alegada, nos termos e para os efeitos previstos no art. 590º, nº 4 do CPC.

Contudo, não explica o Tribunal a quo se entende que no caso a primitiva petição inicial padecia de insuficiências ou imprecisões e muito menos em que consistiam tais insuficiências ou imprecisões.
Admite-se, contudo, que subjacente ao laconismo da fórmula usada pelo Tribunal a quo estivesse a intenção de aderir à fundamentação invocada pelos autores para justificar a apresentação da “petição inicial aperfeiçoada”.

Tal iniciativa foi justificada pelos autores no articulado de resposta às exceções de ilegitimidade, com a seguinte argumentação:
“b)- Legitimidade activa dos AA.
8)–De facto, o prédio identificado no articulado 1º da petição tem mais comproprietários.
9)–Por falta de precisão na petição inicial, alegou-se, porventura, que se peticionaria danos ocorridos neste mesmo prédio.
10)–De facto, nunca quiseram os AA. peticionar danos ocorridos nesse prédio e tão-somente no prédio que é unicamente detido pelos AA., que corresponde ao prédio identificado no articulado 2.º da petição inicial.
11)–Face ao supra exposto, vêm os AA. requerer a V. Exa., ao abrigo da al. b) do n.º 2 do artigo 590.º do Código de Processo Civil, a admissão da petição inicial aperfeiçoada, a fim de precisar e clarificar o pedido peticionado pelos AA. contra os RR., atendendo que não resulta do aperfeiçoamento alteração substancial da petição inicial.
12)–Para melhor visualização e análise, todas as alterações, realizadas no âmbito do aperfeiçoamento da petição inicial, estão assinaladas a itálico e em sublinhado.”

Como se alcança do exposto no mencionado trecho, os autores argumentaram que na petição inicial primitiva, por falta de precisão, peticionaram danos sofridos no prédio identificado no art. 1º do mesmo articulado, mas que nunca quiseram peticionar o ressarcimento de danos ocorridos em tal prédio, mas apenas no prédio a que se reporta o art. 2º da petição inicial.

A leitura global do mesmo articulado desmente categoricamente tal argumentação.

Com efeito, no art. 5º alegaram os autores que as terras de ambos os prédios sofreram um abatimento, e nos arts. 11º a 14º sustentam que a expensas suas, limparam os terrenos (ou seja, ambos os prédios referidos em 1º e 2º), reportando todos os danos patrimoniais invocados à reposição da situação anterior em ambos os prédios. Aliás, e segundo alegaram, também os danos não patrimoniais que consideram ter sofrido terão ocorrido em consequência dos “danos ocorridos nos seus terrenos” (art. 20.º).

É por isso manifesto que a petição inicial não padece de quaisquer imprecisões ou deficiências de exposição, e que a apresentação pelos autores da “petição inicial aperfeiçoada” visou, isso sim, contornar a apreciação da exceção de ilegitimidade ativa invocada pelos réus na contestação, pois que, sendo comproprietários do prédio identificado no art. 1º da petição inicial, seria plausível questionar se poderiam litigar desacompanhados dos demais comproprietários (vd. arts. 30º, 33º, e 35º do CPC).

Destarte conclui este Tribunal que no caso não se encontram preenchidos os pressupostos da aplicação do art. 590º, nº 4 do CPC.

A apresentação da petição inicial “aperfeiçoada” constitui, assim, um ato que a lei processual não admite.

Tal ato influiu no exame e apreciação da causa, porquanto visou contornar a apreciação da exceção de ilegitimidade ativa[18].

Por seu turno, o despacho apelado não pode subsistir, porquanto a adequação formal nele propugnada (art. 547º do CPC) se fundamentou na verificação dos mencionados pressupostos.

É certo que nos termos do disposto no art. 630º, nº 2 do CPC as decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195º, bem como as proferidas nos termos do disposto no art. 547º do CPC são irrecorríveis.

Contudo, aquela disposição legal não se aplica sempre que o despacho recorrido contenda com os princípios da igualdade ou do contraditório (vd. parte final do mesmo preceito.

Ora, no caso, a decisão apelada contendeu com estes princípios, na medida em que admitiu um articulado de aperfeiçoamento que não respeitou os pressupostos consagrados no art. 590º do CPC e cuja apresentação visou contornar a apreciação de uma exceção de ilegitimidade ativa.

Daqui se conclui que a apresentação daquele articulado configura uma nulidade secundária, nos termos previstos no art. 195º, nº 1 do CPC que não pode considerar-se sanada ou suprida pelo despacho recorrido.

Assim sendo impõe-se a revogação do despacho apelado e a consequente declaração da nulidade processual em apreço, com todas as suas consequências.

3.2.1.2.2.- Das consequências da nulidade

A consequência da nulidade verificada é a anulação do ato inquinado, bem como dos termos subsequentes que dele dependam absolutamente – art. 195º, nº 2 do CPC.
Tal implica a supressão da petição inicial aperfeiçoada, bem como do articulado em que os réus exerceram o contraditório relativamente a tal articulado.
Como a lei processual proíbe a prática de atos inúteis (art. 130º do CPC), generalizou-se o entendimento de que tal como os documentos não admitidos ou tardiamente apresentados devem ser retirados do processo e restituídos ao respetivo apresentante (art. 443º do CPC), o mesmo deve suceder com os articulados indevidos ou extemporâneos.
Na prática forense tradicional tal retirada designava-se desentranhamento. Porém, apesar de no que respeita a documentos a mesma expressão tenha sido substituída pela expressão retirada (cfr. o já referido art. 443º do CPC), a primitiva designação subsistiu, ou foi reconvocada em diversas normas que cominaram a ineficácia de articulados tempestivamente apresentados, decorrente do incumprimento da obrigação de pagamento de taxa de justiça – vd. arts. 467º nº 6, 486º-A nº 6, e 685º-D nº 2 do CPC de 1961, na redação que remontava ao DL nº 183/2000, de 10-08. Esse mesmo arcaísmo persiste ainda nos arts. 552º, nº 10, 570º, nº 6; e 642º, nº 2 do CPC em vigor.

Até à desmaterialização dos processos judiciais, a retirada ou desentranhamento de articulados e documentos operava-se mediante a extração das folhas correspondentes à peça processual afetada, e a sua subsequente devolução ao apresentante.

Porém, atualmente, em consequência da desmaterialização do processo civil, por via de regra, os requerimentos, articulados e documentos são apresentados pelas partes através de meios eletrónicos (vd. art. 132º do CPC).

Nesta conformidade, o conceito tradicional de restituição,ou desentranhamento seguido de restituição ao apresentantesó faz sentido relativamente a peças ou documentos que, nos casos excecionais previstos na lei processual, tenham sido apresentados em suporte físico (vd. art. 144º, nºs 2 e 5 do CPC).

Nos demais casos, tal restituição ou desentranhamento cinge-se à retirada de documentos ou peças processuais do suporte físico do processo (sem necessidade da sua restituição à parte apresentante), acompanhada da verificação da ineficácia do articulado, requerimento ou documento intempestivamente apresentado.

De todo o exposto decorre, pois, que a petição inicial aperfeiçoada apresentada pelos autores e ora apelados é absolutamente ineficaz, antes devendo subsistir, para todos os efeitos, a petição inicial originariamente apresentada.

Consequentemente, fica também sem efeito o articulado no qual os réus exerceram o direito ao contraditório relativamente à “petição inicial aperfeiçoada”.

Porém, e ao contrário do sustentado pelos apelantes, não cumpre a este Tribunal apreciar a exceção de ilegitimidade ativa porquanto, se o fizesse, estaria a decidir, em primeira instância, uma questão que o Tribunal a quo nunca apreciou.

Tal questão deverá antes ser apreciada pelo Tribunal a quo, em sede de audiência prévia, devendo por isso retomar-se a referida diligência, que, como se referiu no relatório, havia sido interrompida.

3.2.2.–Das custas

Nos termos do disposto no art. 527º, nº 1 do CPC, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.”
A interpretação desta disposição legal, no contexto dos recursos, deve atender ao elemento sistemático da interpretação.
Com efeito, o conceito de custas comporta um sentido amplo e um sentido restrito.
No sentido amplo, as custas tal conceito inclui a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cf. arts. 529º, nº1, do CPC e 3º, nº1, do RCP).
sentido restrito, as custas são sinónimo de taxa de justiça, sendo esta devida pelo impulso do processo, seja em que instância for (arts. 529º, nº 2 e 642º, do CPC e 1º, nº 1, e 6º, nºs 2, 5 e 6 do RCP).

O pagamento da taxa de justiça não se correlaciona com o decaimento da parte, mas sim com o impulso do processo (vd. arts. 529º, nº 2, e 530º, nº 1, do CPC). Por isso é devido quer na 1ª instância, quer na Relação, quer no STJ.

Assim sendo, a condenação em custas a que se reportam os arts. 527º, 607º, nº 6, e 663º, nº 2, do CPC, só respeita aos encargos, quando devidos (arts. 532º do CPC e 16º, 20º e 24º, nº 2, do RCP), e às custas de parte (arts. 533º do CPC e 25º e 26º do RCP).

Tecidas estas considerações, resta aplicar o preceito supracitado.
E fazendo-o diremos que no caso em apreço, se verifica que ambas as partes decaíram (o apelante quanto à apreciação da exceção de ilegitimidade por este Tribunal, e os apelados quanto ao demais).

Considerando que o decaimento do apelante é marginal, deve o mesmo suportar 1/10 das custas, cabendo aos apelados os demais 9/10.

Não obstante, por via do benefício de apoio judiciário concedido aos apelados, e que inclui a modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo[19], estes acham-se dispensados de as pagar.

Tal dispensa não constitui uma situação de isenção, porquanto aquele benefício pode ser revogado nos termos previstos no Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais[20] (vd. arts. 10º e 13º do referido diploma).

Daí que se justifique a condenação em custas, embora com ressalva do benefício de apoio judiciário que lhes foi concedido[21].

4.–Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a)-julgar o presente recurso parcialmente procedente;
b)-revogar o despacho recorrido;
c)-anular o processado decorrente da apresentação da petição inicial aperfeiçoada[22] bem como o articulado em que os réus exerceram o contraditório relativamente a tal petição;
d)-determinar o desentranhamento das peças referidas em c) do suporte físico do processo;
e)-determinar que o Tribunal a quo retome a audiência prévia a fim de, nomeadamente, se pronunciar sobre as exceções de ilegitimidade ativa e passiva invocadas pelos réus na contestação.
Custas por apelante e apelados, na proporção de 1/10 e 9/10, respetivamente, sem prejuízo do benefício de Apoio Judiciário concedido a estes.



Lisboa, 27 de setembro de 2022 [23]



Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa



[1]Refª 37102194, de 11-11-2020.
[2]Refª 37442227, de 12-12-2020.
[3]Refª 50796180, de 10-11-2021.
[4]Refª 40603057, de 29-11-2021.
[5]E remetido sob a mesma refª mencionada na nota que antecede.
[6]Refª 40707929, de 09-12-2021.
[7]Refª 51176089, de 27-01-2022.
[8]Vd. ata com a refª 51393738, de 04-03-2022.
[9]Refª 51398397, de 08-03-2022.
[10]Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., pp. 114-116.
[11]Adiante designado pela sigla “CPC”.
[12]Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 116.
[13]Que regulam as matérias da nulidade de todo o processado decorrente da ineptidão da petição inicial – art. 186º; a falta de citação – arts. 187º a 190º; a nulidade da citação – art. 191º; o erro na forma de processo – art. 193º; e a falta de vista ou exame ao Ministério Público como parte acessória – art. 194º.
[14]”Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, pp. 507-508. Em sentido idêntico cfr. do mesmo autor, “Código de Processo Civil Anotado”, volume 1º, 3ª Ed. (reimpressão), Coimbra Editora, 2012, p. 381.
[15]“Noções Elementares de Processo Civil”, Reimpressão, Coimbra Editora, 1993, p. 183.
[16]“Manual de processo civil”, Coimbra Editora, 2ª Ed., 1985, p. 393.
[17]“Direito Processual Civil Declaratório”, Vol. III, Almedina, 1982, p. 134.
[18]Sendo certo que o suprimento dessa exceção estava ao alcance dos autores, bastando-lhes deduzir o competente incidente de intervenção principal, de modo a fazer intervir nos autos os comproprietários do terreno a que se reporta o art. 1º.
[19]Cfr. doc. nº 16 junto com a petição inicial.
[20]Aprovado pela Lei nº 34/2004, de 29-07, alterada pela Lei 47/2007, de 28-08, pela Lei nº 40/2018, de 08-08, pelo DL nº 120/2018, de 27-12, e pela Lei nº 2/2020, de 31-03.
[21]Em sentido diverso, considerando inexistir fundamento para condenação em custas da parte que beneficia de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais custas, vd. cfr. SALVADOR DA COSTA “Condenação das partes no pagamento de custas sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam”, disponível no seguinte endereço:
https://drive.google.com/file/d/1CiQm3I6JPXJrGXv6PxJAyJ7dtBIfMgat/view.
[22]Apresentada juntamente com o articulado de resposta às exceções. Deverá atender-se que este articulado de resposta deve permanecer no suporte físico dos autos.
[23]Acórdão assinado digitalmente – cfr. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.