Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
204272/14.2YIPRT-A.L1-2
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: INJUNÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I. Mantendo-se eficaz o principal fundamento da decisão recorrida, designadamente por omissão de impugnação, nunca o recurso poderia obter provimento, mesmo que a alegação, quanto ao outro fundamento da decisão, pudesse ser procedente.
II. Não é aplicável a dilação de trinta dias prevista no art. 245.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, ao procedimento de injunção, por efeito direto do disposto no art. 4.º do DL n.º 269/98, de 1 de setembro.
III. Desta interpretação, em conformidade com as normas consagradas no art. 9.º do Código Civil, não resulta qualquer ofensa, nomeadamente, ao disposto nos arts. 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


I – RELATÓRIO

I – Comércio de Ótica, Lda., instaurou, em 29 de dezembro de 2014, no Balcão Nacional de Injunções, contra Teresa & Filhos – A, Lda., procedimento de injunção, para obter o pagamento da quantia de € 18 787,19, acrescida dos juros de mora, no montante de € 10 615,78, resultante do alegado fornecimento de artigos de ótica que a Requerida não pagou, não obstante o vencimento das correspondentes faturas.
Citada por depósito postal, em 6 de fevereiro de 2015, a Requerida deduziu oposição, em 27 de fevereiro de 2015, concluindo pela sua absolvição da instância ou, então, pela sua absolvição do pedido.

No entanto, essa oposição foi recusada, por ter sido apresentada depois de expirado o prazo, em 23 de fevereiro de 2015, de cuja recusa foi notificada em 13 de março de 2015.

Reclamou a Requerida, em 27 de março de 2015, para ser aceite a oposição.

Distribuídos os autos à Instância Local de Lisboa, Secção Cível, Comarca de Lisboa, foi proferido, em 24 de junho de 2015, despacho que indeferiu a reclamação, confirmando a recusa da oposição.

Inconformada com essa decisão, recorreu a Ré e, tendo alegado, formulou essencialmente as seguintes conclusões:

a) A citação por depósito não se verifica de imediato, antes se aplicando o estipulado no art. 245.º, n.º 3, do CPC.
b) Sendo aplicada a lei, a R. deduziu a oposição dentro do prazo legalmente exigido.
c) Não se tente argumentar com as normas ínsitas no DL n.º 269/98, de 1 de setembro, sobre a aplicação das regras do CPC, sem qualquer dilação, pois tal interpretação viola os princípios do contraditório consagrado no art. 32.º, n.º 5, do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva previsto no art. 20.º, e, ainda, do Estado de Direito, previsto no art. 2.º, todos da Constituição da República Portuguesa.
d) É o próprio requerimento injuntivo que admite o prolongamento do prazo nos casos de depósito, com referência às normas do CPC.
e) O despacho recorrido violou o estipulado no art. 245.º, n.º 3, do CPC.

Pretende a Ré, com o provimento do recurso, a revogação do despacho recorrido e que se ordene a continuação dos autos com a oposição deduzida.

Contra-alegou a Autora, no sentido da improcedência do recurso.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Neste recurso, está em discussão, essencialmente, a tempestividade da oposição ao procedimento de injunção, nomeadamente por efeito da contagem de um prazo de dilação.

II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Descrita a dinâmica processual, importa então conhecer do objeto do recurso, delimitado pelas suas conclusões, e cuja questão jurídica emergente acaba de ser especificada.
O despacho recorrido, que indeferiu a reclamação de recusa da oposição ao procedimento de injunção, assentou em dois fundamentos. O primeiro, relativo à intempestividade da reclamação, por ter sido apresentada para além do prazo de dez dias, e o segundo respeitante à intempestividade da oposição, por dedução depois do prazo de quinze dias, contado a partir da citação para o procedimento de injunção.
Quanto à intempestividade da reclamação, a Apelante nada alegou no recurso, sendo certo que tal fundamento foi determinante, quando se constatou que o prazo supletivo da reclamação “estava esgotado em 27.03.15” e, “por isso, sem mais, se haverá de concluir pelo indeferimento” da reclamação (fls. 80).
Não tendo este fundamento sido impugnado, para além de se mostrar inteiramente válido perante a dinâmica processual concreta, tal bastaria para afirmar a improcedência manifesta da apelação interposta do despacho que confirmou a recusa da oposição ao procedimento de injunção.
Na verdade, mantendo-se eficaz o principal fundamento da decisão recorrida, designadamente por omissão de impugnação, nunca o presente recurso poderia obter provimento, mesmo que a alegação, quanto ao outro fundamento da decisão, pudesse ser procedente.
Depois da reclamação ser indeferida, por intempestividade, torna-se irrelevante ou redundante toda a demais alegação do recurso.
Por isso, afirma-se já a improcedência do recurso.

De qualquer modo, sempre se dirá ainda que a impugnação, constante da alegação, também não poderia proceder.
Com efeito, a Apelante foi citada para o procedimento de injunção no dia 6 de fevereiro de 2015, tendo apresentado a oposição em 27 de fevereiro de 2015, pelo que ultrapassou o prazo de quinze dias, como a própria também admite.
A questão está em que a Apelante entende ser-lhe aplicável a dilação de 30 dias, prevista no art. 245.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC).
Dispõe o art. 4.º do DL n.º 269/98, de 1 de setembro, que aprovou o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, que “à contagem dos prazos (…) são aplicáveis as regras do Código de Processo Civil, sem qualquer dilação”.
O legislador, remetendo para as normas do processo civil, foi expresso a excetuar, nesse âmbito, a aplicação de qualquer dilação.
Essa restrição, tal como muitas outras, é inteiramente compreensível, no âmbito do intuito legislativo de permitir ao credor, de forma célere e simplificada, a obtenção de um título executivo, naturalmente decorrente da natureza do objeto dos procedimentos (SALVADOR DA COSTA, A Injunção e as Conexas Ação e Execução, 6.ª edição, 2008, pág. 288).
Na verdade, sendo preocupação do legislador a celeridade e a simplificação, nomeadamente do procedimento de injunção, mal se compreenderia a permissão de efeitos contrários, como seria o caso da aplicação de certa dilação temporal. Dada a natureza simples do objeto do procedimento, não se lhe atribuiu a mesma exigência formal do processo civil, sem prejuízo de manter certas garantias, designadamente do exercício do contraditório.
Embora a citação para o procedimento de injunção se revista de certa importância, esta, no entanto, não se compara à da ação prevista no Código de Processo Civil.

Deste modo, no caso dos autos, não é aplicável a dilação de trinta dias prevista no art. 245.º, n.º 3, do CPC, por efeito direto do disposto no art. 4.º do DL n.º 269/98, de 1 de setembro.
Desta interpretação, em conformidade com as normas consagradas no art. 9.º do Código Civil, não resulta qualquer ofensa, nomeadamente, ao disposto nos arts. 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa (o art. 37.º, n.º 5, mencionado nas alegações, refere-se a garantia do processo criminal).
Com efeito, o procedimento de injunção, de objeto simples, tem características de processo equitativo, porquanto, como decorre das normas que o regulam, possibilita em termos adequados, designadamente, o exercício do contraditório.
Por outro lado, estando eficazmente garantida a tutela jurisdicional efetiva, não se perspetiva qualquer ofensa ao Estado de Direito.
Ora, não sendo aplicável qualquer prazo de dilação ao caso dos autos, é manifesto que a Apelante apresentou a oposição ao procedimento de injunção, para além do prazo legal, justificando-se a sua recusa.

Assim, manifestamente, improcede a apelação.

2.2. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

I. Mantendo-se eficaz o principal fundamento da decisão recorrida, designadamente por omissão de impugnação, nunca o recurso poderia obter provimento, mesmo que a alegação, quanto ao outro fundamento da decisão, pudesse ser procedente.
II. Não é aplicável a dilação de trinta dias prevista no art. 245.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, ao procedimento de injunção, por efeito direto do disposto no art. 4.º do DL n.º 269/98, de 1 de setembro.
III. Desta interpretação, em conformidade com as normas consagradas no art. 9.º do Código Civil, não resulta qualquer ofensa, nomeadamente, ao disposto nos arts. 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.

2.3. A Apelante, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, de harmonia com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decide-se:

1) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

2) Condenar a Apelante (Ré) no pagamento das custas.
Lisboa, 26 de novembro de 2015

(Olindo dos Santos Geraldes)

(Lúcia Sousa)

(Magda Geraldes)