Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9264/12.6TBCSC.L1-2
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: PLANO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
EFICÁCIA
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/16/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O plano de recuperação que tenha sido aprovado e homologado no processo especial de revitalização impõe-se aos credores, mesmo aos que não tenham participado nas negociações e determina, não meramente a suspensão das acções executivas já instauradas, mas a sua extinção, a menos que o próprio plano preveja o seu prosseguimento.

II - Extinta a acção executiva deixam de subsistir as penhoras, uma vez que estas se destinavam necessariamente à realização dos fins da execução.

III – Admitir-se que se mantivessem suspensas execuções, com a manutenção das respectivas penhoras, até à “boa execução” do plano de recuperação, mas à margem do nele estabelecido, feriria a posição e expectativa da maioria dos credores que aprovara tal plano nos moldes e com as condições nele previstas, além de que poderia impedir a concretização dos respectivos objectivos.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I- A, em 4/12/2012 interpôs execução comum contra “B”. para dela obter o  pagamento da quantia de € 177.344,21, nomeando à penhora diversos bens da executada.

Após a realização de várias penhoras e do registo das mesmas, veio a executada informar que, pelo 2º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, no âmbito do Proc nº ..., corria termos Processo Especial de Recuperação (PER), de que ela tinha sido a requerente e que o respectivo Plano de Recuperação fora homologado em 24/10/2013, pelo que, nos termos do art 17ºE do CIRE, a execução deveria ser julgada extinta com o consequente levantamento das penhoras levadas a efeito até esse momento.

Foi proferido despacho a declarar suspensa a execução, nos termos do art 17º E/1  CIRE.

Em face desse despacho, a executada veio insistir na extinção da execução, pondo em relevo que a suspensão só ocorre durante o tempo em que perdurarem as negociações, o que  já não sucedia, visto que se mostrava já aprovado o plano de recuperação.

Opôs-se a exequente a este requerimento, referindo que, não concordando com o despacho, devia a executada ter dele recorrido, e que, de todo o modo, nos termos do art 793º CPC, conjugado com o art 88º do CIRE, a execução dever-se-á manter suspensa até à boa e efectiva concretização do PER.

Foi então proferido o seguinte despacho:

«Com efeito o Plano Especial de Recuperação da executada foi aprovado e homologado, devendo a presente execução ser declarada extinta – cfr art 17º E/1, segunda parte, do CIRE.

Nestes termos e face ao exposto ordeno a extinção da presente execução»

Em face deste despacho veio a executada referir que se encontram penhorados 56 veículos da sua propriedade e que seria expectável que com a extinção dos presentes autos fossem as penhoras canceladas pela Agente de Execução, o que não ocorreu, tendo a mesma informado não as poder cancelar, na medida em que o despacho apenas menciona a extinção dos autos, sendo omisso ao cancelamento das penhoras. Ora, sendo evidente que a extinção dos autos implica o cancelamento das penhoras efectuadas à ordem do processo, e sendo certo que as  mencionadas penhoras acarretam um prejuízo muito elevado à executada, impossibilitando boas oportunidades de venda dos veículos penhorados e assim inviabilizando o cumprimento do Plano de Revitalização, requer o cancelamento das penhoras efectuadas nos presentes autos devendo a Agente de Execução ser notificada nesse sentido.

II – Por seu turno, a exequente interpôs recurso do despacho que ordenou a extinção da execução, tendo concluído as respectivas alegações nos seguintes termos:

 1- A decisão do tribunal a quo não pode proceder por ser ilegal e por diminuir as garantias da exequente/recorrente nos autos executivos;

2- As penhoras feitas pela exequente nos presentes autos sobre os bens da executada foram registadas em 23/4/2013;

3- A executada apenas se apresentou no processo de Recuperação de Empresa em 7/5/2013, ou seja, numa data posterior à realização das penhoras;

4- A decisão tomada pelo tribunal a quo de extinção dos autos executivos viola o disposto nos arts 793º CPC conjugado com o art 88º CIRE, pelo que deverá ser substituída pela decisão de suspensão dos autos executivos enquanto se mantiver o PER da executada e até ao bom cumprimento do mesmo pelo menos em relação à aqui recorrente.

A apelada apresentou  contra-alegações nelas defendendo o decidido.

III - Mostra-se provada a seguinte matéria de facto:

 1-A presente execução foi interposta em 14/12/2012.

2- No seu âmbito foram penhorados vários veículos pertença da executada e registadas as respectivas penhoras.

3- A executada, em data posterior à da realização das penhoras e respectivos registos, intentou Processo Especial de Recuperação de Empresa, dando origem ao Proc ... do 2º Juízo do Tribunal Comércio de Lisboa.

4 - A 24/10/2013, no âmbito desse processo, foi homologado o Plano de Recuperação da aqui executada.

Apesar de não estar junto aos presentes autos – que subiram em separado – o Plano de Recuperação referente à aqui executada, mostra-se consensual nos elementos a que se teve acesso que tal plano nada previu quanto à continuação da presente execução, e que a homologação do mesmo terá transitado em julgado, circunstâncias factuais que se têm aqui como pressupostas.

  IV – A questão a apreciar no presente recurso é a de saber se, perante a homologação do Plano de Recuperação da executada no âmbito de Processo Especial de Recuperação, ao invés de ter sido declarada extinta a execução como foi decidido no despacho recorrido, devia ter sido mantida a respectiva suspensão até ao bom cumprimento daquele, mantendo-se, consequentemente, as penhoras nela levadas a efeito e os respectivos registos.
 
A questão a apreciar, apesar da simplicidade da respectiva resposta, implicará que se  compreenda a  razão de ser da mesma, o que postula que se perceba o que o legislador pretendeu com o processo especial de revitalização.
  processo constitui uma das principais novidades introduzidas no CIRE pela L 16/2012 de 20/4.

Como o referem Ana Prata/Jorge Morais Carvalho /Rui Simões[1], «o objectivo desta lei foi alterar o espírito do regime colocando a recuperação do devedor no centro das finalidades do processo, em detrimento da liquidação imediata do seu património para satisfação dos credores».

Com efeito, e como é sabido, o CIRE estava concebido e desenvolvido em termos de prover à satisfação dos interesses dos credores, com o recurso por estes, primacialmente, à via da liquidação universal do património do devedor, podendo dizer-se que, [2] «globalmente considerado, o regime do Código é dominado pela finalidade de liquidação da massa insolvente em beneficio dos credores» e que o  « (…) o CIRE implicou o regresso a um  sistema de falência – liquidação, que dominou no sistema jurídico português durante um longo período de tempo e que só começou a evoluir para um sistema de falência-saneamento com o CPC de 1961 e obteve plena consagração no CPEREF».

O processo especial de revitalização a que se reportam os arts 17º A a 17º-H da L 16/2012 de 20/4, aliado ao SIREVE (Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extra-Judicial a que se refere o DL 178/2012) pretenderam inverter a referida lógica do CIRE, retornando, de algum modo, e em nome do interesse público de defesa da economia, a recolocar como primordial a recuperação do devedor, pois que, como é acentuado na Proposta de Lei 39/XII da Presidência do CM «cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que dificilmente se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas».

E de facto, a primeira grande alteração introduzida no CIRE – correspondente, como já se acentuou, a uma alteração de fundo – resulta, antes de mais, da modificação do seu art 1º onde, dizendo-se que «o processo de insolvência é um processo de execução universal  que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores», se deverá concluir que a liquidação só deve ocorrer quando não seja possível a recuperação da empresa.

E por isso, resulta instituído no nº 2 desse art 1º o processo especial de revitalização, destinado a permitir ao devedor que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente - mas que ainda seja susceptível de recuperação -  estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização económica, como resulta do nº1 do art. 17º-A para que aquele remete.

O art 17º B esclarece o que se deve entender por devedor em situação económica difícil – trata-se do devedor que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez, ou por não conseguir obter crédito.

Quanto à insolvência iminente – a que o CIRE já fazia especial menção no art 3º/4, para a equiparar à situação de insolvência actual no caso da apresentação do devedor à insolvência – dever-se á considerar que «a iminência se afere em função de circunstâncias que levam a admitir, com toda a probabilidade, a verificação da insuficiência do activo para satisfazer o passivo, segundo um critério de normalidade», o mesmo é dizer, que o devedor deverá ser considerado em situação de insolvência iminente quando previsivelmente não irá estar na posição de cumprir no momento do vencimento as obrigações de pagamento existentes.

Ao referido pressuposto do devedor se encontrar em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, deverá juntar-se a susceptibilidade de recuperação do devedor dessas situações, para que seja á partida possível recorrer ao processo de revitalalização.

Nos termos do nº 1 do artigo 17º-C do CIRE, este processo inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação.

O requerimento a comunicar que o devedor pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação deverá ser entregue pelo devedor no tribunal competente para declarar a insolvência respectiva e dirigido ao juiz, juntando a declaração mencionada nesse art 17º-C/1, sendo esse momento que verdadeiramente implica o inicio do processo especial em causa.

Tal requerimento deverá ser acompanhado, além da declaração a que se refere o art 17º-A/2 atestando que reúne as condições necessárias para a sua recuperação, da declaração escrita atrás referida (nº1 do art 17º-C), da qual conste a manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos um dos seus credores, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação.

Recebido o requerimento, o juiz, de harmonia com a alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C do CIRE, procede à nomeação do administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32º a 34º, com as necessárias adaptações.

Esse despacho de nomeação do administrador provisório, que é notificado ao devedor -  art 17-D/1  -  e publicado no portal Citius, - art 17º-D/2 - tem efeitos sobre o devedor,  efeitos em relação aos credores e efeitos processuais.

 Interessam-nos aqui especialmente os efeitos sobre o devedor e sobre os credores.

Se a declaração escrita referida no nº 1 do art 17º-C não foi subscrita por todos os credores do devedor, este deve comunicar aos que a não subscreveram «que deu início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso».

Outro efeito em relação ao devedor é o que está previsto no art 17º-E: «O devedor fica impedido de praticar actos de especial relevo, tal como se mostram definidos no artigo 161º do CIRE, sem que previamente obtenha autorização para a realização da operação pretendida por parte do administrador judicial provisório».

Refere o o nº 7 do artigo 17º-D do CIRE que os credores que decidam participar nas negociações devem apresentar declaração ao devedor, por carta registada. E podem fazê-lo durante todo o tempo em que perdurarem as negociações.

Em relação aos credores, o despacho com a nomeação do administrador judicial provisório implica que começa a correr, a partir da sua publicação no Citius, o prazo de 20 dias para que reclamem os seus créditos, estando nessa mesma situação também os credores que assinaram a declaração com a manifestação de vontade de encetarem negociações e referida no nº 1 do art. 17º-C do CIRE.

Outro dos efeitos do despacho de nomeação do administrador judicial provisório em relação aos credores advém do disposto no art 17º-E/1, já que a publicação daquele despacho no Citius «obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação».

E nos termos do nº 6 desta mesma norma, os processos de insolvência em curso contra o devedor suspendem-se igualmente na data da publicação no portal “Citius” do despacho de nomeação do administrador provisório, «desde que não tenha sido proferida sentença declaratória da insolvência, extinguindo-se logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação».

As negociações encetadas no âmbito do processo de revitalização podem conduzir à aprovação unânime de um plano de recuperação conducente à revitalização do devedor em que intervenham todos os credores. Mas também podem terminar com a aprovação do plano sem unanimidade ou sem a intervenção de todos os credores.[3]

Concluindo-se as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, com unanimidade e com intervenção de todos os credores, ou sem que tal unanimidade seja obtida, o plano de recuperação deverá ser remetido ao tribunal para homologação ou recusa pelo juiz, nos termos do nº 5 do citado artigo 17º-F do CIRE, observando-se, quanto aos motivos de recusa, o disposto nos artigos 215º e 216º do mesmo diploma, vinculando a decisão do juiz igualmente os credores que não tenham participado nas negociações.

Quando seja ultrapassado o prazo previsto no nº 5 do artigo 17º-D, ou quando o devedor ou a maioria dos credores concluam antecipadamente que não é possível alcançar acordo, o administrador judicial provisório deve comunicar o encerramento do processo negocial ao processo, nos termos do nº 1 do artigo 17º-G do CIRE, tendo o administrador judicial provisório de verificar previamente se o devedor já está em situação de insolvência.

Se este entender que o devedor se encontra em situação de insolvência deverá emitir parecer nesse sentido, nos termos do nº 4 do artigo 17º-G do CIRE, após ouvir o devedor e os credores, e requerer a insolvência do devedor, aplicando-se o disposto no artigo 28º do citado diploma, com as necessárias adaptações, sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência.

Vistos assim os trâmites mais relevantes deste processo especial, não pode deixar de se fazer referência à circunstância do legislador ter estipulado expressamente – art 17ºD/10 -  que «durante as negociações os intervenientes devem actuar de acordo com os  princípios orientadores aprovados pela  Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011 de 25/10», entre os quais se evidencia aqui o referido no Segundo Princípio - «durante todo o procedimento, as partes devem actuar de boa fé, na busca de uma solução construtiva que satisfaça todos os envolvidos».

A questão objecto do recurso, encontra a respectiva solução no art 17º-E/1, segundo o qual, como acima se referiu, a publicação do despacho de nomeação do administrador provisório no Citius «obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dividas contra o devedor e, durante todo o tempo que perdurarem as negociações, suspende, quando ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação».

Segundo Salazar Casanova/David Sequeira Dinis[4], a expressão “acções para cobrança de dívidas” utilizada neste preceito, «abrange apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa (e as demais execuções sempre e quando se verifique a conversão das mesmas nos termos previstos nos arts 867º ou 869º do CPC) e os procedimentos cautelares antecipatórios de acções que deveriam ser suspensas ao abrigo do citado normativo legal». Explicitando mais adiante que, «apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa podem ser consideradas como verdadeiras acções para cobrança de divida para os efeitos do art 17º-E/1» - o que significa que, para os autores em questão, se encontram «excluídas do âmbito de aplicação desta norma as acções declarativas [5], as acções executivas para entrega de coisa certa, as acções executivas para prestação de facto e a generalidade dos procedimentos cautelares»[6].

Na situação dos autos, em que está manifestamente em causa uma execução para pagamento de quantia certa, não há dúvida que a mesma cai na previsão da norma em referência.

A ratio da suspensão das acções para cobrança de dívida no período correspondente «a todo o tempo em que perdurarem as negociações» - devendo estender-se esse período não exactamente até à aprovação e homologação do plano de recuperação, mas até ao trânsito em julgado da sentença homologatória do PER [7] - é facilmente compreensível: «Trata-se de proteger o devedor nessa fase das negociações para evitar que as possibilidades de recuperação da empresa sejam postas em causa pela procedência de uma acção de cobrança de dívida».

A ideia é a de não colocar em causa «o propósito revitalizador do PER».

Nesse sentido, referem Ana Prata/Jorge Morais Carvalho/Rui Simões que «este regime de protecção perante os credores, apesar de susceptível de abusos, é fundamental para garantir a eficácia de qualquer medida de recuperação, pois, se os actos de agressão do património do devedor continuassem, estava provavelmente inviabilizada qualquer possibilidade de condução bem sucedida de negociação com os credores».

Acrescentando ainda: «Para evitar os eventuais abusos de quem recorresse a este processo apenas para obter este benefício, foi fixado um prazo máximo bastante curto para a conclusão das negociações – 17º-D/5».
O que se pretende é não inviabilizar à partida o possível êxito das negociações com os credores e garantir a eficácia de qualquer medida de recuperação. A fragilidade em que se encontra um devedor em situação económica difícil ou em insolvência iminente é tal, que, se não se cuidar de evitar a todo o custo o desequilíbrio que comporta a pendência de uma acção de cobrança de dívida, os credores partirão para as negociações já cépticos relativamente à possibilidade do seu desfecho positivo. E aquilo que se pretendeu com esta medida -  tanto, quanto possível, salvar o frágil tecido empresarial do País - arriscar-se-ia a transformar-se no que Catarina Frade teme: uma «perda de tempo fatal» [8].

Mas o que está directamente em causa no presente recurso não são os aspectos primeiramente referidos no nº 1 do art 17ºE - as acções destinadas à cobrança de dívidas contra o devedor não poderem ser instauradas depois de proferido o despacho que nomeia o administrador judicial provisório e de se suspenderem no período negocial – mas o de que se deverão ter-se como extintas com a aprovação e – o trânsito em julgado - da homologação do plano de recuperação, salvo quando este plano preveja a sua continuação.

            É fácil perceber a razão de ser da extinção das acções para cobrança de divida com a aprovação e homologação do plano de recuperação – é que depois desta aprovação e homologação, a satisfação dos credores deve passar a ser feita nos termos previstos no plano de recuperação.

Lembre-se que todos eles podem participar nas negociações, sendo convidados para o fazer.

Os que tenham optado por nelas entrar podem sugerir à devedora a inclusão de garantias reais sobre determinados bens para protecção dos seus créditos sendo, aliás, comum, a aprovação de planos de revitalização condicionados à concretização de garantias reais sobre património do devedor para salvaguarda de determinados créditos.

E podem conseguir, como resulta justamente do nº 1 do art 17º-E do CIRE, que o plano de revitalização preveja que determinada(s)  execuções não se considerem extintas com a respectiva aprovação e homologação.

Mas se tal plano não prevê a continuação de determinada execução, ela ter-se-á que ter como extinta.

Não fazendo sentido – como o defende a aqui apelante, cfr conclusão 1 – que credores sejam tutelados especialmente fora da previsão daquele plano com a manutenção da suspensão das execuções que hajam interposto contra o devedor e a correlativa suspensão das penhoras nelas levadas a efeito para que não vejam “diminuídas as suas garantias”, quando terá sido por sua vontade que não se implicaram nas negociações.

 Um entendimento desse tipo implicaria colocar em causa a posição e expectativa da maioria dos credores que aprovou o plano de recuperação nos moldes e com as condições nele previstas.

Acresce que aquela não extinção e a correlativa manutenção da penhoras condicionaria o exercício da actividade económica da empresa/devedora que deixaria de poder gerir o seu património da forma mais conveniente de modo a dar cumprimento ao plano, não estando fora de causa, que o cumprimento deste possa passar pela venda ou oneração de alguns dos bens penhorados no âmbito de execuções até então pendentes.

Nem diga a apelante que a extinção das acções para cobrança de divida prevista na norma em apreço contraria o disposto nos arts 793º CPC ou no art 88º CIRE, pois que no caso do art 793º, o nele disposto - «qualquer credor pode obter a suspensão da execução, a fim de impedir os pagamentos, mostrando que foi requerida a recuperação ou a insolvência do executado» – se harmoniza com o disposto no art 17º/E 1 e 6 do CIRE, e no caso do art 88º deste diploma, o respectivo âmbito de aplicação -  restrito como é à declaração de insolvência-  é diferente do âmbito de aplicação desta norma do art 17-E.

Como é referido no Ac RP 18/12/2013 [9] «a aprovação e homologação do plano de recuperação no processo especial de revitalização impõe-se aos credores, mesmo que nem tenham participado nas negociações, e determina, não meramente a suspensão da acção executiva já instaurada, mas a sua extinção, a menos que o próprio plano preveja o seu prosseguimento; e extinta a acção executiva, deixam de subsistir as penhoras, uma vez que estas se destinavam necessariamente à "realização dos fins" da execução.»

Assim, tem de improceder a apelação e confirmar-se a decisão recorrida.

V – Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar improcedente a apelação e confirmar a a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Lisboa, 16 de Outubro de 2014
Maria Teresa Albuquerque

José Maria Sousa Pinto
Jorge Vilaça

[1]- «CIRE Anotado», 2013, p 64
[2] Carvalho Fernandes, “Sentido Geral do Novo Regime da Insolvência no Direito Português”, in «Colectânea de Estudos sobre a Insolvência», p 85 e ss 

[3] O plano de recuperação considera-se aprovado quando reúne a maioria dos votos prevista no nº 1 do artigo 212º do CIRE - uma maioria de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções - sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os nºs 3 e 4 do artigo 17º-D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida.

[4] - «PER- O Processo Especial de Revitalização – Comentários aos artigos 17º-A a 17º-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas»,  p 97 e ss
[5] - Para Catarina Serra, «Revitalização - A Designação e o misterioso objecto designado. O processo homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência (situação e processo) e com o SIREVE», in I Congresso de Direito da Insolvência, Coordenação: Catarina Serra, Almedina, 2013, p 99-  as acções declarativas para cobrança de dividas estão incluídas na previsão da norma em referência. Diz a autora: «Contrastando com a cuidadosa redacção actual do art. 88.º, o texto do n.º 1 do art. 17.º-E vem permitir, na parte final, que estas acções de cobrança de dívidas (entenda-se: declarativas e executivas) que estão suspensas se extingam quase irrestritamente: logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação».
[6] - Explicitando, no que respeita aos procedimentos cautelares: «Em via de regra os procedimentos cautelares não serão afectados pela aplicação do disposto no art 17º-E/1 (…) só assim não será quando os procedimentos cautelares em questão tiverem efeitos antecipatórios de uma acção de cobrança de divida. Sempre que os efeitos do procedimento cautelar sejam antecipatórios de uma acção que ficaria suspensa ao abrigo do art 17ºE/1 então, nesse cenário, também se deverá entender que o procedimento cautelar em causa será afectado pela previsão do art 17ºE/1. Não será por exemplo o caso de um arresto cujos efeitos são essencialmente conservatórios».

Cabe referir que a relatora do presente acórdão relatou o acórdão deste tribunal e secção proferido em 31/10/2013 no âmbito do Proc 761/13.7TVLSB. L1-2  e interveio como adjunta no recente Ac proferido no Proc 9678/13.4 TCLRS.L1, (Esaguy Martins), num caso e noutro sendo admitido na previsão deste nº 1 do art 17º/E o procedimento cautelar de entrega judicial de bem locado com julgamento definitivo da causa ao abrigo do disposto no artigo 21º do Decreto-Lei nº 149/95 de 24 de Junho.
 
[7] - Cfr a respeito desta problemática, Salazar Casanova/David Sequeira Dinis, obra citada p 108/109 , concluindo esses autores: «Para prevenir todos estes inconvenientes, dever-se-á interpretar o nº 1 do art 17º E no sentido de que as acções só se extinguem com o trânsito em julgado da sentença homologatória do PER. Até então permanecem suspensas»

[8]- «Revitalização – A designação e o misterioso objecto designado. O processo homónimo  (PER) e as suas ligações com a insolvência e com o SIREVE – I Congreso do Direito da Insolvência – Almedina 2013  «O PER será na maioria dos casos uma perda de tempo fatal, desde logo porque a  insolvência iminente é uma situação difícil de definir e por isso difícil de diagnosticar»

[9] - Relator, José Eusébio Almeida, in www.dgsi.pt