Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13427/16.7T8LSB.L1-6
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: DIREITO DOS SÓCIOS À INFORMAÇÃO
SOCIEDADE EM NOME COLECTIVO
CONTITULARIDADE DE QUOTAS
PEDIDO DE INQUÉRITO JUDICIAL
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE / ALTERADA
Sumário: I- O direito à informação dos sócios previsto no artº 21 do CSC, é um princípio básico e fundamental da vivência societária, que compreende, não só o direito geral à informação, como o direito à informação preparatória das assembleias-gerais e o direito à informação nas mesmas, estando o seu conteúdo delimitado consoante o tipo societário adoptado ou o contrato.

II-Nas sociedades em nome colectivo, devido à responsabilidade ilimitada dos sócios, o direito à informação é pleno e ilimitado, nos termos do disposto no artigo 181º do CSC.

III- No entanto, em caso de contitularidade de quota ou participação social, o direito à informação não pode ser exercido por cada um dos contitulares individualmente, cabendo esse exercício a um representante comum, conforme decorre do disposto nos artºs 222 do CSC, aplicável ex vi do artº 189 do CSC.

IV-Intentado inquérito judicial à sociedade por contitular da quota, verifica-se a excepção dilatória de ilegitimidade activa, sendo esta excepção insuprível, o que determina a absolvição da instância, estando vedado, em consequência, ao tribunal recorrido, proferir decisão de mérito na causa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
MM instaurou acção especial de inquérito judicial a sociedade, ao abrigo do disposto no art. 1048 do Código do Processo Civil contra Araújo, Sanchez & C.A, sociedade em nome colectivo, e AM, invocando para tanto a qualidade de sócia da sociedade, juntamente com o 2.º requerido, e a falta de prestação de informações pelo 2º requerido, gerente da 1ª requerida.
Citados, os requeridos contestaram, por excepção, invocando a ilegitimidade activa da requerente, nos termos do art. 30/1 do CPC, pela natureza contitular e indivisa da quota da qual a requerente também participa, não tendo esta alegado ter a natureza de representante comum, e por impugnação, invocando que o pedido é infundado por a sociedade prestar mensalmente informações aos detentores de participações sociais, bem como das decisões tomadas e actos praticados (conforme documentos juntos com a PI).
Mais alegam que, além destas informações mensais, foram prestadas informações solicitadas pela requerente em reuniões tidas entre os advogados desta e do 2º requerido, mais alegando que, pretendendo o 2º requerido agendar com a requerente visita ao escritório a fim de permitir a consulta de documentos e prestar os esclarecimentos solicitados, esta não acedeu.
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Afinal foi proferida sentença, na qual se considerou procedente a excepção de ilegitimidade activa da requerente, mas, considerando que poderia esta, em tese, ser suprida mediante convite à intervenção dos demais co-titulares da quota, prosseguiu-se com o conhecimento do mérito da causa, considerando-se afinal, o pedido de inquérito judicial improcedente, dele se absolvendo os requeridos.
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Não conformada com esta decisão, impetrou a requerente recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
Conclusões:
I-O pressuposto processual da legitimidade encontra-se regulado no artigo 30º do CPC, que dispõe, na parte que nos importa, que “o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar” (nº1) e que tal interesse se exprime “pela titularidade derivada da procedência da acção” (nº2), acrescentando-se que, na falta de indicação da lei em contrário, “são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor.” (nº3)
II-A Autora, aqui Recorrente é sócia da sociedade Araújo, Sanchez & Ca.
III-O artigo 181º, nº1, do CSC, estabelece que os gerentes de uma sociedade em nome colectivo devem prestar a qualquer sócio, que o requeira, informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade e, bem assim, facultar-lhe na sede social a consulta da respectiva escrituração, livros e documentos. (sublinhado nosso)
IV-A consulta da escritura, livros ou documentos deve ser feita pessoalmente sócio, que pode fazer-se assistir de um revisor oficial de contas ou de outro perito, como resulta do nº 3 do mesmo artigo 181º do CSC.
V. Apesar de inúmeras diligências para a obtenção de respostas a várias questões relacionadas directamente com a vida da sociedade, não foi possível obter, pela aqui recorrente, respostas verdadeiras, completas e elucidativas.
VI. Nos termos do artigo 1048 do C.P.C., o interessado que pretenda a realização de inquérito judicial à sociedade, nos casos em que a lei o permita, alega os fundamentos do pedido de inquérito, indica os pontos de facto que interessa averiguar e requer as providências que repute conveniente.
VII. O direito do sócio requerer inquérito judicial releva, não apenas quanto ao não fornecimento de informações, como, também, em caso de recusa do direito de consulta ou de informação sobre a vida da sociedade, nomeadamente, quando lhe é negado o direito de obter informação sobre um específico assunto respeitante à gestão da sociedade.
VIII. O inquérito à sociedade é o meio próprio da recorrente lançar mão, porquanto se trata de uma faculdade jurídica instrumental do direito á informação, lato sensu, isto é, do direito do sócio a ser informado da vida e do giro da sociedade.
IX. A autora aqui recorrente colocou 46 pontos de facto, ou seja, 46 questões que estão por responder.
X. Ficou provado que o gerente da sociedade Araújo, Sanchez & Ca. envia a todos os detentores de participações sociais, uma folha A4 denominada “Folha de Caixa” com informação sobre algumas situações relacionadas com a vida da sociedade.
XI. Todavia, a informação enviada não é completa nem elucidativa, sobre a gestão da sociedade.
XII. Não responde às 46 questões que fazem parte do pedido, e que a sócia, aqui recorrente, pretende ver esclarecidas!
XIII. A considerar válida a posição assumida na decisão de que se recorre, seria afastar a sócia, aqui recorrente, das informações da vida da sociedade.
XIV. Sendo que a recorrente assume uma responsabilidade acrescida, resultante das características das sociedades em nome colectivo.
XV. Nos termos do artº 1049º CPC, é referido que o “…juiz decidirá se há motivos para proceder ao inquérito…”, situação que tem de ser entendida no âmbito da natureza do processo em que nos encontramos – jurisdição voluntária, sendo-lhe por isso aplicável o disposto nos artigos nºs 986 e 988 do CPC.
XVI. Ora, no seio de tais processos, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, podendo ser proferido um juízo de oportunidade ou conveniência face aos interesses em causa.
XVII. Como referia o Professor Alberto dos Reis, Processos Especiais, Vol. III, pág. 400, “…o julgador não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente; tem liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa.
XVIII. É por via disso que o tribunal “pode investigar livremente os factos, coligira as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes.” Artigo 896º, nº2, do Código Civil.
XIX. No caso em apreço, a decisão que determinou a não procedência da acção, não valorou todo o comportamento dos requeridos – quer fora do processo, quer no seu seio- e, com o devido respeito, faz uma apreciação não abrangente de todos os elementos conhecidos.
XX. Pois que a conduta reiterada do gerente da sociedade requerida, foi sempre no sentido de não facultar à requerente as informações por ela pedidas, o que aconteceu, aliás, na pendência da acção aqui recorrida.
    Pelo exposto,
À Autora, ora Recorrente, não restar outra alternativa senão a de submeter o presente Recurso à apreciação de Vossas Excelências, afim de que a decisão recorrida seja substituída por outra, determinando o Inquérito Judicial à Sociedade, seguindo-se os ulteriores termos, o que é de absoluta Justiça.”        
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Pelos Requeridos foram interpostas contra alegações, formulando afinal as seguintes conclusões:
“1 – o art. 222º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, prescreve que em caso de contitularidade de uma participação social os direitos a ela inerentes devem ser exercidos através de representante comum;
2 – a génese deste dispositivo encontra-se no potencial de conflitualidade que o exercício de direitos por um dos contitulares de uma participação social pode gerar na vida societária;
3 – a recorrente MM não é representante comum da quota de que é contitular;
4 – o art. 222º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, consagra uma norma específica de representação que afasta a aplicação do art. 30º do C.P.C., do que resulta a sua ilegitimidade para o exercício do direito de pedir inquérito judicial;
5 - o pedido de inquérito judicial a uma sociedade apenas é admissível nos de falta de apresentação das contas do exercício, de recusa de apresentação de contas do exercício, de deliberação ilícita de distribuição de bens aos sócios, de recusa, incompletude ou falsidade de informação e de redução da remuneração dos gerentes;
6 – a factualidade dada como assente comprova que a sociedade requerida presta informações mensais da sua actividade social, a todos os sócios, no que se incluem os titulares de participações sociais em regime de contitularidade - facto provado 4 - que convoca todos os sócios e detentores de participações sociais em regime de contitularidade para as assembleias-gerais da sociedade - factos provados nº.s 11 a 13 e 15 a 17 -, que o requerido AM prestou pessoalmente diversas informações à recorrente – factos provados nº.s 5, 6, 7, 8, 9, 10, 20, 22 e 23;
7 – É ao Mmo. Juiz que cabe decidir se há motivos para se proceder a inquérito judicial. – art. 1049º, n.º 1, do C.P.C.
 Termos em que, ao recurso deve ser negado provimento e, em consequência, confirmar-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências, como aliás é de JUSTIÇA!
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QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Neste ponto veio a recorrente Maria de Lurdes Morais, alegar que o tribunal recorrido considerou procedente e provada a excepção de ilegitimidade activa, por tratando-se de uma quota em contitularidade, não ter sido designado representante comum para requerer o inquérito à sociedade, discordando deste entendimento do tribunal (de acordo com as suas alegações 1ª a 14ª e conclusões I e II), por considerar ser parte legítima de acordo com o artº 30 e 1048 do C.P.C.
Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consistem em apurar:
a) Se em caso de contitularidade de participação social numa sociedade em nome colectivo, terá de ser designado representante comum para intentar acção de inquérito judicial;
b) Se essa omissão é causa de ilegitimidade activa do co-titular, insusceptível de sanação e insusceptível de conhecimento de mérito do peticionado;
c) Se, em caso de improcedência da primeira questão, estão reunidos os pressupostos para inquérito judicial à sociedade, por violação do dever de informação aos sócios.
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Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes adjuntos, cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

É a seguinte a matéria de facto a considerar para efeitos de apreciação deste recurso:
1-A 1.ª Requerida é uma sociedade comercial em nome colectivo que se dedica à actividade de gestão de imóveis, nomeadamente a arrendamento imobiliário.
2-A Requerente e o 2.º Requerido são sócios da sociedade 1.ª requerida, mostrando-se dividido o capital social em três partes sociais: duas, no valor respectivamente de 50.000$00 e outra de 25.000$00 da titularidade do 2.º Requerido e outra de 75.000$00 da titularidade em comum e sem determinação de parte ou de direito da aqui Requerente e dos herdeiros de ACM, falecido.
3- O 2.º Requerido foi nomeado gerente no contrato de sociedade.
4- Mensalmente a Requerente, à semelhança dos demais detentores de participações sociais, recebe uma folha A4 com a designação de Folha de Caixa – Doc. 2 junto com a PI - com a informação sobre os valores recebidos e pagos e observações sobre aspectos da sociedade 1.ª Requerida- docs. 1 a 12 da contestação.
5-A A Requerente após recebimento da referida Folha de caixa respeitante ao mês de Novembro de 2014, não contente com a distribuição de rendimentos que considerou de valor diminutos, decidiu pedir esclarecimentos e a 4-12-2014 reuniu-se representada pelo seu advogado para o efeito no escritório do Requerido com respectivo mandatário.
6- Na sequência o Mandatário da Requerente enviou mail conforme documento 3 junto coma PI em 15-12-2014 a solicitar explicações sobre a distribuição de resultados, o qual teve resposta no mesmo dia.
O teor do mail enviado pelo requerido AM a 15 de Dezembro de 2014 era o seguinte:
 “BOA TARDE Dr. PS Face à questão levantada, eis o resumo da informação:
No mês de Novembro devido ao pagamento do Imposto de Selo do imóvel da Rua Bica do Sapato (a tal situação que é urgente remediar), acrescido do pagamento da 3ª prestação do IMI, agravada pela falta de pagamento de duas rendas em Dezembro (situação inesperada), só ficou disponível para distribuir 309,95 €. Assim e para já, de uma forma simples o porquê da distribuição ser tão diminuta, deve-se às despesas acima referidas e ainda ao facto de continuar a não haver actas assinadas pela sócia D. MM (algo que o anterior Advogado representante da sócia nos disse ir superar), incluindo especificamente aquela acta que permitiria pôr o prédio da Rua Bica do Sapato em regime de propriedade horizontal. Este impasse custou até ao momento à sociedade ARAUJO, SANCHEZ & Ca a quantia de 32.754,80 € nos dois últimos anos (face à questão do Imposto de Selo), o que assim acarretou prejuízos para todos os sócios, prejudicando também directamente a sócia MM em 8.188,70 € nestes 2 anos. Envio em anexo, para conhecimento das contas de Novembro, o documento enviado a todos os sócios. Ficarei a aguardar a outras suas questões para as podermos analisar”. – Docs. 17 e 18.
7- Em 22-12-2014 foi enviado novo mail pelo Mandatário da Requerente relativamente ao valor distribuído. Em resposta o Requerido informou não ser possível distribuir valor superior justificando tal posição com questões de tesouraria e justificando com o regime fiscal da sociedade associando esse regime à cadência da distribuição de dividendos.
8- No dia 13-3-2015 houve troca de correspondência electrónica entre Requerente e Requerida.
9-A Requerente recebeu respostas a algumas das questões colocadas em e-mail de 6-2-2015.
10- Regime instituído de distribuição mensal em conta bancária respectiva dos sócios de resultados de harmonia com sujeição da sociedade ao regime fiscal aplicável.
 11- A Requerente foi convocada em 1-7-2015 por carta registada com aviso de recepção remetida para a morada da residência como consta da certidão permanente para comparecer e tomar parte nos trabalhos de uma assembleia geral a realizar no dia 20 de Julho de 2015, pelas 9h30m. – Doc. 13 junto com a contestação.
12 – A convocatória especificava o local da reunião e continha a ordem de trabalhos a observar. – Doc. 13.
13 – A carta não foi recebida nem foi posteriormente levantada na estação dos correios, apesar do aviso deixado pelo funcionário – Doc. 13.
14 – A assembleia teve lugar no dia 20 de Julho de 2015, no escritório da sociedade, de que foi lavrada a acta, assinada pelos presentes. E junta como Doc. 14 com a contestação.
15  - A requerente foi convocada, por carta registada com aviso de recepção, datada de 31 de Março de 2016, remetida para a morada da sua residência, constante da certidão permanente da sociedade, para comparecer e tomar parte nos trabalhos de uma assembleia geral a realizar no dia 18 de Abril de 2016, pelas 14h30m. – Doc. 15 junto com a contestação.
16 – A convocatória especificava o local da reunião e continha a ordem de trabalhos a observar. – Doc. 15
17- A carta não foi recebida, nem foi posteriormente levantada na estação dos correios, apesar do aviso deixado pelo sr.º funcionário, como decorre dos documentos juntos. – Doc. 15
18 – A assembleia teve lugar no dia 18 de Abril de 2016, no escritório da sociedade, de que foi lavrada a acta, assinada pelos presentes, e junta como Doc. 16.
19- Toda a documentação da sociedade encontra-se nas instalações propriedade da sociedade sitas na Rua Bica do Sapato, em Lisboa, onde de resto se realizam as próprias assembleias da sociedade.
20- O requerido AM esclareceu o mandatário da ora requerente nomeadamente como consta em 13 supra de diversas vicissitudes da sociedade, do comportamento da requerente e seus familiares, da forma como os valores distribuídos eram apurados, salientando que o relatório mensal enviado retratava fielmente a realidade e sublinhando que o valor transferido para a requerente correspondia ao que lhe cabia no saldo mensal disponível.
21-Até ao ano de 2007, a requerente esteve sempre presente e participou em todas as assembleias da sociedade.
22- A sociedade não tem qualquer funcionário administrativo, nem equipamentos -vide carta de 4 de Janeiro de 2016, remetida pela sociedade requerida à requerente e por esta junta como Doc. 8, que se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
23-Por esse motivo, por o escritório não ter qualquer “porta aberta”, a gerência da sociedade, naquela sua carta de 4 de Janeiro de 2016, solicitou à requerente, por não ter forma de a contactar, “um seu contacto para agendar a sua visita ao escritório da sociedade, bem como para prestar os esclarecimentos que são pedidos….”. – Doc. 8, junto com o requerimento inicial.
24-A Requerente não contactou a sociedade.

Não Provados:
Não provados os demais artigos da petição inicial atenta a previsão de resposta no art. 1049 do CPC e a consequência prevista pelo art. 587/1 do Código de Processo Civil com remissão para o art. 574 do CPC, e na parte em que contêm considerações jurídicas e conclusões:

Que a sociedade requerida, tem sido administrada e controlada, pelo Requerido com decisões e omissões com impacto na sociedade sem informação à Requerida. Sintetizando, não se provou qualquer recusa de informação por parte dos Requeridos.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Funda a recorrente a sua discordância relativamente à decisão objecto de recurso, essencialmente nos seguintes pontos:
-é parte legítima para requerer inquérito judicial à sociedade de acordo com o disposto nos artigos 30 e 1048 do C.P.C.
-estão reunidos os pressupostos para deferimento do inquérito judicial à sociedade. por não terem sido prestadas todas as informações relevantes e peticionadas, à sócia requerente.
               
Passemos a apreciar o primeiro dos fundamentos invocados, mormente se a requerente, contitular desta quota poderia, por si, intentar inquérito judicial à sociedade.

a) Se em caso de contitularidade de participação social numa sociedade em nome colectivo, terá de ser designado representante comum para intentar acção de inquérito judicial;

Considerou o tribunal recorrido que “Tendo aplicação o regime legal previsto no art. 222/1 do Código das Sociedades Comerciais que tem como epigrafe “ Direitos e obrigações inerentes a quota indivisa” “os contitulares de quota devem exercer os direitos a ela inerentes através de representante comum”.
E conforme reza o n.º 4 “nos impedimentos do representante comum ou se este puder ser nomeado pelo tribunal, nos termos do artigo 223.º, n.º 3, mas ainda o não tiver sido, quando se apresenta mais de um titular para exercer o direito de voto e não haja acordo entre eles sobre o sentido de voto, prevalecerá a opinião da maioria dos contitulares presentes, desde que representem, pelo menos, metade do valor total da quota e para o caso não seja necessário o consentimento de todos os contitulares, nos termos do n.º 1 do artigo 224.º”.
Trata-se de preceito legal aplicável por força da remissão do art. 189/1 do CSC que nesse conspecto serve de referência na falta de disposição própria que regule aspectos da vida deste tipo de sociedade sendo certo que nem sempre o legislador o fez.
Destarte não estando verificada a representação pela Requerente dos demais contitulares da quota indivisa nem a maioria destes, emerge a excepção de ilegitimidade activa.
Dado que em tese poderia ser suprida com convite a realizar á Parte para vir à acção com os demais contitulares, ainda assim a acção não poderia proceder como infra se conclui.
Apesar de ter concluído pela verificação da excepção de ilegitimidade activa, entendeu o tribunal prosseguir com a causa, conclui-se que por referência ao disposto no artº 278 nº3 do C.P.C., fixando os factos e concluindo afinal pela improcedência do pedido de inquérito judicial.
Posto isto, pela recorrente que intenta pedido de inquérito judicial a esta sociedade, é invocado que é parte legítima de acordo com a relação material controvertida, tal como é por si configurada, fazendo apelo à regra contida no artº 30 do C.P.C. e que o artº 1048 do C.C., permite que qualquer interessado peticione a realização de inquérito à sociedade, reunindo a requerente estes requisitos porque detentora da qualidade de sócia.

Decidindo:

A ilegitimidade é uma excepção dilatória que, nos termos do artº 577 e) do C.P.C., de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no artº 578 do C.P.C., a qual implica, a ser reconhecida a absolvição da instância da R., conforme estipula o artº. 576 nº2 do C.P.C.
Nos dizeres do insigne processualista Prof. Castro Mendes, in Direito Processual Civil, II Vol., pág. 187 “ a legitimidade é uma posição do autor e réu, em relação ao objecto do processo, qualidade que justifica que possa aquele autor, ou aquele réu, ocupar-se em juízo daquele objecto do processo.”
É um pressuposto processual subjectivo relativo às partes que litigam em juízo, para que a lide se defina entre aqueles que têm interesse na sua resolução.
Esta noção encontrou consagração já no anterior artº 26 do C.P.C. e manteve-se sem alterações no artº 30 do NCPC.
Define este preceito legal como partes legítimas, como autoras, aquelas que tenham interesse directo em demandar e, como rés, as que tenham interesse em contradizer.
Mais estabelece o nº 2 deste preceito legal que o interesse em demandar exprime-se pela utilidade que advenha para a parte da procedência da acção e o interesse em contradizer, pelo prejuízo que resulte dessa procedência.
Por último, no seu nº 3 consigna-se que, na falta de indicação legal em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo Autor.
E é face a esta definição que manifestamente acolheu a tese expandida pelo Professor Barbosa de Magalhães, que cessou a controvérsia existente na anterior redacção deste preceito legal.
São estas as regras gerais quanto à legitimidade activa e passiva, sendo certo que em relação às acções especiais de inquérito judicial, prevê o artº 1048 nº1 do C.P.C., como parte legítima do lado activo, “O interessado na realização daquele inquérito”.
Este normativo carece de ser enquadrado com as pertinentes disposições societárias relativas aos direitos dos sócios, estipulados estas no artº 21 do CSC e, no que se reporta às sociedades em nome colectivo, no artº 181 do CSC. 
Posto isto, dos autos resulta que a 1º requerida é uma sociedade em nome colectivo, estando o capital social dividido em três partes sociais: duas, no valor respectivamente de 50.000$00 e de 25.000$00, da titularidade do 2.º Requerido e outra de 75.000$00 da titularidade em comum e sem determinação de parte ou de direito da aqui Requerente e dos herdeiros de ACM, falecido.
Sendo esta uma sociedade em nome colectivo dispõe o artº 181 do CSC, que “1 - Os gerentes devem prestar a qualquer sócio que o requeira informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade, e bem assim facultar-lhe na sede social a consulta da respectiva escrituração, livros e documentos. A informação será dada por escrito, se assim for solicitado.”, sendo que, caso seja recusado ao sócio o exercício deste direito à informação, pode este requerer inquérito judicial nos termos do artº 450 do CSC.
Ora, o direito à informação tem merecido especial atenção por parte do legislador, como forma de protecção dos sócios e, em especial, dos sócios minoritários, ficando expressa essa preocupação nos preâmbulos ao Código das Sociedades Comerciais e ao Código dos Valores Mobiliários.
De facto, o sócio necessita de estar informado para poder exercer de forma consciente os seus direitos face à sociedade, nomeadamente votar, impugnar deliberações sociais, acompanhar a vida da sociedade e sua gestão, pelo que o direito à informação dos sócios compreende, não só o direito geral à informação, como o direito à informação preparatória das assembleias-gerais e o direito à informação nas mesmas.
Encontra-se tal direito previsto no artigo 21.º, n.º1, alínea c), que estabelece como um dos direitos dos sócios “obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato”, estando assim, o conteúdo do mesmo delimitado consoante o tipo societário adoptado ou o contrato.
Ora, nas sociedades em nome colectivo, devido à responsabilidade ilimitada dos sócios, o direito à informação é também pleno e ilimitado (artigo 181º)
É este um princípio básico e fundamental da vivência societária, conforme melhor explanado em Acórdão proferido em 12/10/17, no processo nº 969/09.0TYLSB.L1, (por nós subscrito como 2º adjunto), “de resto considerado como um « elemento estrutural do status do sócio» (1), qual direito instrumental, instituído na perspectiva da sua essencialidade para garantir o exercício de outros direitos sociais, nomeadamente o direito aos lucros, de voto, de impugnação de deliberações sociais, de acção de responsabilidade contra os administradores, etc.). (2)
 De direito se trata por isso que “é tido como um direito geralmente qualificado como um direito extrapatrimonial do sócio para o exercício de outros direitos, patrimoniais ou extrapatrimoniais, a exercer junto do órgão habilitado a prestá-las, que é o órgão de gestão da sociedade, como sejam «... esclarecimentos, dados, elementos, notícias, descrições sobre factos, actuais e futuros, que integrem a vida e a gestão da sociedade ...». (3)
 E, de direito -  direito à informação - se trata também que, além do mais, tem a natureza de um vero direito subjectivo [ e inderrogável  e  irrenunciável , estando à sociedade vedado poder eliminá-lo, e não podendo outrossim o sócio - cfr. artº 988º, do CC -  ao mesmo renunciar (4) ] do sócio, o qual lhe é conferido, no seu exclusivo interesse, e que este poderá exercer ou não exercer, consoante entenda necessário ou conveniente,  maxime para através dele ( sendo o sócio o credor ) poder o sócio “ conhecer, a posteriori, o destino que foi dado ao seu investimento no capital social por aqueles a quem incumbe a gestão da sociedade”. (5)
Já o direito à informação a se, e segundo ANA GABRIELA FERREIRA ROCHA (6) , pode/deve ser definido como sendo “ a possibilidade de acesso a quaisquer dados, de facto ou de direito, relacionados com o andamento dos negócios sociais ou a gestão da sociedade, obtidos de modo directo ou indirecto, independentemente dos meios ou instrumentos utilizados para o seu conhecimento, assim como o conteúdo ou substrato que deriva daquela possibilidade de acesso “, e, no que objecto preciso do mesmo concerne, mostra-se ele dividido em 4 subespécies, a saber: um direito à informação stricto sensu, através do qual permitido é ao sócio, a todo o tempo, solicitar a elucidação de questões sobre a vida da sociedade ; um direito de consulta de livros e documentos em poder da sociedade; um direito de inspecção pelo sócio de bens pertencentes à sociedade, e, por último, um direito de requerer inquérito judicial à sociedade (7).”
Por outro lado, este “direito à informação tem, antes de mais, a natureza de direito subjetivo, de que é credor o sócio, e que constitui da sua faculdade de obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato de sociedade. Exercida tal faculdade pelo sócio, a sociedade torna-se devedora a fornecer a informação pedida, sem prejuízo dos fundamentos legais para a sua recusa.” (O INQUÉRITO JUDICIAL ENQUANTO MEIO DE TUTELA DO DIREITO À INFORMAÇÃO NAS SOCIEDADES POR QUOTAS- Dr.Diogo Lemos e Cunha)
Sendo este um direito irrenunciável do sócio e portanto na sua titularidade, a questão que se nos coloca é se, em caso de contitularidade de uma quota social, qualquer dos titulares, em comum e sem determinação de parte ou de direito, pode requerer inquérito judicial à sociedade (ou seja se qualquer dos contitulares é detentor por si do direito à informação, de deliberação, de voto, etc…) ou se este direito tem de ser exercido em conjunto (mediante a intervenção de todos como parece considerar a decisão recorrida), ou se apenas pode ser exercido por intermédio de um representante comum. 
Nas sociedades por quotas, resulta do regime jurídico da contitularidade da quota que o direito à informação não pode ser exercido por cada um dos contitulares individualmente, cabendo esse exercício a um representante comum ou ao cabeça-de- casal, tal como resulta expressamente do artº 222 e 224 do CSC.
Com efeito, dispõe o artº 222 nº1 do CSC que “Os contitulares de quota devem exercer os direitos a ela inerentes através de representante comum.” prevendo ainda o nº 4 deste mesmo preceito legal que “Nos impedimentos do representante comum ou se este puder ser nomeado pelo tribunal, nos termos do artigo 223.º, n.º 3, mas ainda o não tiver sido, quando se apresenta mais de um titular para exercer o direito de voto e não haja acordo entre eles sobre o sentido de voto, prevalecerá a opinião da maioria dos contitulares presentes, desde que representem, pelo menos, metade do valor total da quota e para o caso não seja necessário o consentimento de todos os contitulares, nos termos do n.º 1 do artigo 224.º”
Conclui-se assim que, em caso de contitularidade de quota social, o direito à informação não pode ser exercido por cada um dos contitulares individualmente, cabendo esse exercício a um representante comum, sendo de admitir que esse representante possa ser o cabeça-de-casal.[1]
Idêntico regime resulta do disposto no artº 303 nº1 do CSC (no que se reporta ás sociedades anónimas).
Não existe idêntica disposição expressa para as sociedades em nome colectivo, decorrendo no entanto, do artº 189 nº1 do CSC que, “1-Às deliberações dos sócios e à convocação e funcionamento das assembleias gerais aplica-se o disposto para as sociedades por quotas em tudo quanto a lei ou o contrato de sociedade não dispuserem diferentemente.”
Ou seja, resulta do disposto neste preceito legal que, nos casos omissos (legal ou contratualmente) se aplicam as regras aplicáveis às sociedades por quotas, em relação às deliberações dos sócios e à convocação e funcionamento das assembleias gerais, sendo que, no que se reporta ao modo de exercício dos direitos sociais em caso de contitularidade da parte social, tal como considerou a decisão recorrida, se aplicam às sociedades em nome colectivo, as mesmas disposições previstas nas sociedades por quotas.
A A. e os herdeiros de ACM, falecido, são assim, em comum e sem determinação de parte ou direito, titulares de uma participação social de € 75.000,00.
Com efeito, “de acordo com o direito societário, (…) o falecimento de um sócio pode, em tese, dar origem à chamada triple option: ou a sociedade se dissolve; ou amortiza ou adquire a quota do falecido aos herdeiros; ou continua a sua existência integrando como seus sócios os herdeiros do falecido. (…) Em ambas [referindo-se às duas últimas opções], com o falecimento do sócio, os seus herdeiros ficam ipso iure encabeçados na sua quota ou nas respectivas acções - naquela hipótese até que sejam efectivamente amortizadas ou adquiridas; nesta, em definitivo. Ora, havendo pluralidade de herdeiros e enquanto a herança permanecer indivisa, passa naturalmente a verificar-se a contitularidade da participação social” (Jorge Henrique da Cruz Pinto Furtado, Deliberações de Sociedades Comerciais, Almedina, 2005, p. 790).
No caso em apreço, a recorrente não invoca a sua qualidade de representante comum dos demais titulares da participação social, não podendo exercer o direito à informação de forma singular.
Posto isto, considerou a decisão recorrida que, a ilegitimidade em apreço, em tese seria suprível, mormente mediante convite à intervenção dos demais contitulares.
Cumpre-nos pois apreciar a segunda questão, decorrente da contitularidade desta quota e da ilegitimidade activa da Requerente, que consiste em apurar
b) Se essa omissão é causa de ilegitimidade activa do co-titular, insusceptível de sanação e insusceptível de conhecimento do mérito do peticionado;
Acompanhando aqui a solução defendida pelo Acordão da R.C. de 26/01/11 acima citado, tratando-se de um direito que apenas pode ser exercido por um dos contitulares, seja ele representante comum, seja cabeça-de-casal, não se nos depara uma ilegitimidade activa decorrente da falta de intervenção no procedimento dos demais titulares (preterição de litisconsórcio necessário, nos termos do artº 33 do CSC), sanável mediante convite à sua intervenção, nos termos previstos nos artigos 6, nº 2, 316 e 318 nº1 a) do C.P.C., mas da ausência em juízo daquele que, em representação dos contitulares, pode exercer o direito.
É que, em caso de contitularidade do direito, não pode cada contitular por si intervir directa e individualmente nos destinos sociais, “pois essa intervenção deve, como regra, ter uma voz única, isto é, ser exercida através de um representante comum». Pondera-se, para esse efeito, «por um lado, a unidade/indivisibilidade da participação social e, por outro, a necessidade de obstar à perturbação que geraria a intervenção individual de cada contitular da quota» (Ac. da RP, de 21.12.2006, José Ferraz, Processo nº 0636729, in www.dgsi.pt).[2]
Acrescentamos nós que com vista a evitar que na mesma participação social se manifestassem vozes dissonantes, com os prejuízos que forçosamente trariam à sociedade.
Concluindo pela ilegitimidade activa da requerente, deveria o tribunal recorrido, ter proferido decisão na qual, abstendo-se de conhecer do pedido formulado, absolvesse os requeridos da instância, nos termos do disposto nos artºs 577 e) e 576 nº 2 do CSC.
Prosseguiu, no entanto, o tribunal recorrido, com a apreciação da causa, fazendo uso, ao que se denota, do disposto no artº 278 nº2 do C.P.C., proferindo afinal decisão no sentido da improcedência do inquérito judicial.
Ora, trata-se esta de excepção dilatória insuprível, sendo certo que o interesse que a legitimidade visa tutelar não é o do recorrente, não estando pois reunidos os pressupostos para a desconsideração desta excepção dilatória, não podendo em consequência o tribunal recorrido, proferir decisão de mérito na causa. (neste sentido vidé Ac. do T.R.Coimbra de 21/06/2011, já citado).
Em consequência, revoga-se a decisão recorrida e absolve-se a recorrente da instância por ilegitimidade activa.
*
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação em revogar parcialmente a decisão recorrida na parte em que conheceu do mérito da causa e, declarando a recorrente parte ilegítima, absolvem os recorridos da instância.
Custas pela apelante, por se entender ter decaído no recurso interposto.

Lisboa 21/06/18

Cristina Neves

Manuel Rodrigues

Ana Paula A.A. Carvalho


[1] Neste sentido vidé “O INQUÉRITO JUDICIAL ENQUANTO MEIO DE TUTELA DO DIREITO À INFORMAÇÃO NAS SOCIEDADES POR QUOTAS”, Diogo Lemos e Cunha; Ac. da RP, de 15.05.2012, Márcia Portela, Processo nº 720/11.4TYVNG.P1; Ac. do T.R.C. de Ac. do T.R.Coimbra de 21/06/2011, relator Carlos Gil, 1215/10.9TJCBR.C1, disponível para consulta in www.dgsi.pt
[2] No mesmo sentido vidé Ac. da RP, de 15.05.2012, Márcia Portela, Processo nº 720/11.4TYVNG.P1; Ac. da RC, de 06.11.2012, Henrique Antunes, Processo nº 281/08.1TBVNO.C1, e Ac. da RP, de 19.05.2014, Soares de Oliveira, Processo nº 502/10.0TBVFR.P1; Ac. T.R. Guimarães de 04/05/2017, relator Maria João Pinto de Matos, 2983/16.0T8VNF.G1